Conversa
de Sábado à Noite (Alagoas, 1º andar) –
6/3/93 – Sábado – p.
Conversa de Sábado à Noite (Alagoas, 1º andar) — 6/3/93 — Sábado
Por uma graça da mística ordinária, os membros do Grupo, no começo, têm uma espécie de discernimento de espírito dos outros do que a Providência quer daqueles outros * Perdido o fio condutor da análise dos outros começa uma espécie de malevolência desanimada recíproca e amargamente triunfante pela qual se diz: “eu tenho defeitos, mas ele tem maiores” * A perda da visão inicial a respeito do outro torna o convívio uma fonte de depressão e não de entusiasmo * A esperança do Fundador é um fator de sustentação das pessoas * A vitória da Contra-Revolução seria feita de um modo inteiramente inverossímil * Uma das primeiras pessoas que o SDP pôs para aglutinar o Grupo é tentada de jogá-lo desde o alto de um edifício. “Já pensaram o que é que isso significa como inverossímil?”
(Sr. Gonzalo: Nós queríamos pedir ao senhor um favor na linha das últimas reuniões. [Resumo das duas últimas conversas] O senhor dizia que viver nesse mundo, e analisar isso é uma grande defesa contra as tentações do mundo moderno.)
Muito, muito grande.
(Sr. Gonzalo: Viver nisso é uma coisa magnífica, maravilhosa, e que o demônio tem menos poder de entrar nessa pista. Então, em função disso, era mais um pedido se havia modo do senhor continuar tratando da ação da graça no senhor. […] Não sei se a questão está clara.)
A questão está muito clara.
(Sr. Gonzalo: Pode gravar?)
Eu, paternalmente, deixo o véu corrido sobre uma parte do que nós combinamos na última reunião. Você tem consciência de que você está deixando o véu corrido sobre uma parte do que nós combinamos ou não?
(Sr. Gonzalo: Que eu não tratei de tudo?)
Não, é que vocês ficaram também de relatar coisas assim que se dessem com vocês, ahahah!
(Sr. Gonzalo: Nós conversamos entre todos, e sempre se produz um risco quando nós fazermos depoimento nossos, entram amores próprios, milecanismo, falta de fidelidade que retraem as graças. […] Sábado à noite em geral os depoimentos não…. não é a via da Providência para os sábados à noite.)
Bom, vamos devagar, por enquanto eu não insisto muito.
* Por uma graça da mística ordinária, os membros do Grupo, no começo, têm uma espécie de discernimento de espírito dos outros do que a Providência quer daqueles outros
A realidade é uma coisa diferente, é que o problema do discernimento dos espíritos está muito baseado, muito apoiado no que eu vou dizer, que é o seguinte: é que por essa graça da mística ordinária, os membros do Grupo, todos, não só os desse caetus aqui, mas a generalidade, desde que naturalmente se excluam os enjolrinhas tão novinhos que nem têm noção de nada, uma coisas dessas, que deverão vir a ter, etc., mas não têm. Mas não sendo isso, acaba sendo que os membros do Grupo, no começo, têm uma espécie de discernimento de espírito dos outros do que a Providência quer daqueles outros, e do que é que tem de louvável e de esperançável naqueles.
E em vez de conservar esta recordação, que às vezes é no primeiro encontro que se tem essa impressão, “este pode dar otimamente tal coisa, e aquele outro pode dar esplendidamente tal outra coisa”, em vez da gente conservar isso como uma espécie de estandarte da esperança cravado ali e que sobrevive a todos os desapontamentos, em vez de fazer isso, a gente tem uma decepção, duas, três, entra pelo meio um certo ciúme, certa inveja, etc., e tudo junto faz com que a gente esqueça a lembrança primeira que aquele nos deu, e nós perdemos o fio condutor da análise dos outros, e de como nós devemos nos conduzir com os outros porque aquela primeira coisa nós deixamos perder.
* Perdido o fio condutor da análise dos outros começa uma espécie de malevolência desanimada recíproca e amargamente triunfante pela qual se diz: “eu tenho defeitos, mas ele tem maiores”
E o resultado é que começa uma espécie de malevolência desanimada recíproca e amargamente triunfante pela qual o indivíduo diz: “Eu tenho defeitos, mas ele tem maiores”. E faz do fracasso do outro o triunfo de si mesmo.
Seria como dois indivíduos que estão em quarto contínuo num hospital e se chega da manhã e se pergunta a eles: “Como passou a noite?”
Diz: “Eu não passei bem, mas aquele é que está mal!” Contente! “Aquele é que está mal, eu não sei se ele chega até o fim hoje”.
Quer dizer, contente porque julga que ele passou bem a noite porque o outro passou pior.
Há umas obliterações assim, eu não sei se vocês consideram que isso é objetivo, mas é assim. E daí acontece que um vai depor sobre as graças que recebeu, diante dos outros, é tido como um “bluffista” indecente a respeito do qual nós sabemos todas as frustrações que ele dá, não temos a menor confiança em Nossa Senhora a respeito dele, e julgamos que o caso dele está praticamente liqüidado. Na melhor das hipóteses ele vai ficar a vida inteira estagnado como está.
* A perda da visão inicial a respeito do outro torna o convívio uma fonte de depressão e não de entusiasmo
E então esse recíproco contar de graças que a Providência concede, em vez de ser muito bonito: “Nossa Senhora deu a graça até para este, veja como Ela procurou, veja como Ela bateu à porta dele, veja com que generosidade Ela falou, etc., etc.” e a gente sair alentando, a gente sai amargurado e pisado. O convívio se torna uma fonte de depressão e não de entusiasmo. Mas tudo tem como ponto de partida a perda daquela visão inicial que dá o fio condutor…
E a gente deve perguntar: “Daquela visão inicial que eu tive a respeito dele, o que é que ele ainda conservar?”
Aquilo que ele ainda conserva, é o que Nossa Senhora, apesar de todo o tempo que ele está perdendo com isso, etc., etc., ainda tem ali a mão naquele filho d’Ela, porque Ela quer um dia fazer uma maravilha. E, portanto, eu vou espreitar com afeto, com esperança, com alegria, cada dia, cada dia, cada dia, sem me cansar, se Nossa Senhora não fez já uma coisa bonita ali.
Se todos nós nos olhássemos assim, eu tenho impressão que o aspecto interno da TFP mudava, porque nós veríamos tudo diferente.
(Sr. Gonzalo: É o que o senhor faz o dia inteiro.)
Graças a Deus. E eu vou te dizer, se eu não fizesse isso, eu temo que a TFP morresse. Eu temo isso. Porque muitas vezes, este ou aquele outro membro do Grupo vêm falar comigo — ele não tem isso consciente, fica meio assim — mas no fundo é para testar se ele ainda está vivo. E tratado por mim com bondade, com afeto, com consideração, algo é como o sino da catedral cathédrale engloutie que ainda toca. E ele anda mais umas jardas na avenida dos becos-sem-saída. E com isso a TFP tem vida.
Eu acho isso tão importante na prática, tão importante, que eu queria dar a vocês um exemplo. (…)
* Se em relação ao membro do Grupo que anda mal, nós tivermos uma confiança cega, Nossa Senhora, mais cedo ou mais tarde, resolverá intervir e mudará a coisa
… a tese que no fundo da cabeça do membro do Grupo, mas do membro do Grupo que não é bom, que anda mal, há alguma coisa que vive do bem inicial dele, e que se a gente tiver uma confiança — é bem o caso de dizer, cega — uma confiança cega que não olha a não ser para isso, isso dá a Nossa Senhora uma certa forma de graça que faz, mais cedo ou mais tarde, com que Ela resolva intervir e mude a coisa.
Eu já recebi mais de uma vez sugestões de fechar J. Gora, e rejeitei com indignação. Mas por isso. Porque é não conhecer tudo o que está guardado ali para o dia da graça de Nossa Senhora.
E eu tenho certeza que quando esse dia chegar, todos nós juntos vamos glorificar a Nossa Senhora pelo que Ela fez.
* O membro do Grupo é habitualmente um pouco melhor do que suas palavras e suas obras
Eu acho que entra aqui uma espécie de tese que acaba dando no seguinte: o membro do Grupo é habitualmente um pouco melhor do que suas palavras e suas obras.
Com os de fora é o contrário, eles são sempre piores do que as palavras e as obras dele.
Com os membros do Grupo, por serem membros do Grupo, por haver uma economia da graça especial com eles, eles são um pouco melhores, e às vezes são bem melhores do que suas palavras e suas obras fazem entender. E a gente deve, portanto, contemporizar, arranjar, ajeitar de todo jeito possível, porque a Providência acaba intervindo.
(Cel. Poli: Só para esclarecer um ponto…)
(…)
Uma vez estávamos em São Sebastião — como eu gostaria de ir a São Sebastião com vocês, gostaria enormemente!
(Cel. Poli: Amanhã mesmo?)
Amanhã mesmo! O que delícia!
* Um fato que se passou estando o SDP e os membros do grupo de então em S. Sebastião e que é um exemplo impressionante de intuição
Estávamos em São Sebastião, mas era ainda o grupo antes da [inaudível] da Martim. Era, portanto, um punhadinho de gente. E fomos passar pela praia. Andávamos conversando, etc., quando veio em sentido oposto, andando a pé na praia um grupo de urubus.
Agora, o Paulo que tinha um certo modo de menear o estômago — outros meneiam a cabeça, o Paulo meneava o estômago —, é um jogo. Hoje parece que se designa isso com uma expressão medonha: jogo de cintura. O jogo de cintura é para certas formas de esportes, capoeira, de coisas assim. Mas o Paulo fazia isto, um jogo de cintura assim, que ele olhava para uma pessoa e meneava, e queria dizer uma porção de coisas juntas.
Bem, vieram os corvos andando, e na frente um que quando nos viu fez um meneio de cintura…
Bem, todos conseguimos não rir. O Paulo estava na frente diz: pssitz! Para todos nós. Porque ele viu que o corvo estava imitando a ele, e ele queria impedir a risada. Quando ele disse isso, aí foi incontenível, a gargalhada estourou de todos os lados e de todos os modos. Porque é simplesmente incontenível. Foram os dois fatos assim que eu vi, impressionante de intuição. Todos tivemos a mesma intuição, e não sei como é que o corvo fez aquilo; mas o corvo fez. É uma coisa curiosa. São os fatos da vida do Grupo.
(Sr. Gonzalo: Mas na ordem da graça que o senhor tratava nas reuniões anteriores.)
Mas é isso mesmo. Por exemplo, com o Paulo eu levei a coisa até… (…)
* A esperança do Fundador é um fator de sustentação das pessoas
… um caso dessa atuação, servindo para manter de pé uma organização inteira, porque isto vale inclusive para os confins do movimento. Desde a Escócia até a Itália. Desde a Alemanha até Portugal, ou desde o Canadá até Chiloé, você tem que o que mantém é isso.
(Sr. Gonzalo: E o sentir-se discernido assim pelo senhor, é o que de fato mantém ao membro do Grupo.)
Mas que vem desta ação da graça, a graça quer que isto se passe assim. A Providência quer que isto se passe assim.
(Cel. Poli: Então a como que núpcias da Providência com os Fundadores flui uma graça que percorre o movimento inteiro fundado por ele.)
É, é isso.
(Cel. Poli: Aí a pessoa do Fundador passa a ter nos planos de Deus, um destaque, uma importância…)
E uma responsabilidade…. porque entra isso. Entra isso.
Diga, meu filho.
(Sr. Guerreiro: Ao descrever toda esta ação da graça, o senhor formulou assim: é algo que a pessoa tinha noção quando conheceu a TFP, então é isso que vai sustentando aquela alma.)
Não é só isso, é que a respeito dela o Fundador teve uma noção, e enquanto o Fundador guarda aquela noção e aquela esperança, é um outro ponto de sustentáculo.
Está bem claro?
(Sr. Guerreiro: Um outro ponto ligado a isso, é que a pessoa guarda aquela noção inicial, mas depois se ela não se afasta, a ação e a presença contínua do senhor são de tal modo [inaudível] daquela graça, que o mal da pessoa fica enfraquecido por esta ação contínua do senhor sobre as almas da TFP, e o lado bom da pessoa fica amigo do senhor, e o lado ruim fica [inaudível]. Mas quem sustenta esse lado bom, é exatamente a correspondência do senhor à sua própria vocação, que cada vez mais vai ficando excelente, excelente… […] e essa excelência é tal que como que vai se tornando irresistível.)
Em certo sentido é, meu filho, em certo sentido. Porque às vezes a pessoa chega a querer romper por maldade esse vínculo. Mas Nossa Senhora faz acontecer certas coisas por onde a pessoa depois não rompe. Aí está uma como que irresistibilidade. Mas é irresistibilidade de Nossa Senhora, Ela é que não se deixa vencer. É irresistibilidade da bondade dela.
(Sr. Paulo Henrique: Em muitos casos que o senhor mencionou aqui, pareceriam que vão nessa linha, é gente que queria realmente romper, e essa mão de Nossa Senhora prendeu de tal jeito que acabaram…)
Foi isto, apesar deles. E fazendo aparecer doenças, etc. (…)
(Sr. Horácio B.: … que a Revolução tinha que ser derrotada nos seus dias.)
* A vitória da Contra-Revolução seria feita de um modo inteiramente inverossímil
É isso. Que ela tinha que ser derrotada, primeiro. Segundo, que nos meus dias. Em terceiro lugar, que Nossa Senhora faria isto ser não de um modo bonito, mas de um modo inverossímil, que é mais bonito.
(Sr. Gonzalo: A derrota….)
A vitória da Contra-Revolução seria feita de um modo inteiramente inverossímil.
(Sr. Gonzalo: Mas por que o senhor disse de modo não bonito.)
É porque naquele tempo, como uma espécie de… Naquele tempo era aquele tempo, mas pelo meio havia Falsa Direita e aproveitava uma reação boa para um fim péssimo, e começava a nascer o gosto pelas coisas que deram no fascismo e no nazismo. E então o bonito era uma vitória imaginável em moldes militaristas, de vitórias que se alcançassem de modo napoleônico.
Aliás, vocês mesmos, na mocidade de vocês, têm que ter tido ainda movimento de admiração, etc., por coisas desse gênero. Vocês podem imaginar, no meu tempo, tão anterior ao de vocês, como isso estava no auge. Então minha propensão seria — ainda mais com a educação da Fräulein, etc. — imaginar exército marchando, etc. Eu tinha loucuras — já contei isso — por soldadinhos de chumbo, essas coisas todas, e cheguei a ter mil e tantos soldadinhos. Tudo isso me levava a imaginar marchas e vitórias bonapartistas. E eu via que era o contrário, que não se pode imaginar uma coisa mais contrária do que isso que foi feito comigo.
(Sr. Gonzalo: O senhor viu que a vitória não seria nesses termos…)
Não, não, eu esperava que fossem nesse termos, mas os fatos iam me infringindo derrotas que me mostravam que não seriam, e eu tinha que confiar porque eu não podia conceber a vitória a não ser naquele termo.
(Sr. Paulo Henrique: Eram tentações na linha da axiologia.)
Axiologia.
Eu concluo com uma coisa que foi terrível, mas foi assim… (…)
* Uma das primeiras pessoas que o SDP pôs para aglutinar o Grupo é tentada de jogá-lo desde o alto de um edifício. “Já pensaram o que é que isso significa como inverossímil?”
… é muito complexo. E cada fio tem como que sua vida própria. E no entrelaçar-se cada fio tem seus inverossímeis e o entrelaçamento tem seus inverossímeis. Tudo é inverossímil.
Quando era mocinho e ainda estava novo na Congregação, uma pessoa chamada pela vocação a fazer uma longa caminhada ao meu lado, e que se punha como muito meu amigo, numa noite quente como a noite de hoje, como estava a noite muito quente, nós conversarmos no terceiro pavimento de um prédio muito alto da Congregação, aqueles prédios antigos com pé direito muito alto, acontece que por causa disso o nosso terceiro andar era muito alto. E como era muito calor, fomos todos a um terraço que havia na frente para respirar um pouquinho e olhar. E eu, no próprio terraço, não sei o que é que eu estava falando. Mas eu falava e tinha gente em torno de mim que conversava sobre o que eu falava. Provavelmente era comentário a respeito do panorama. Porque São Paulo ainda não tinha apartamento, e então eram casas pequenas e se via muito largamente o horizonte, e eu devia estar comentando alguma coisa.
Esse, atrás de mim, fez esse comentário para mim, baixinho. Ele viu que os outros estavam ouvindo com muita atenção o que eu dizia, e disse baixinho o seguinte: “O que é que essa gente faria se eu jogasse você agora, terraço abaixo?”
Ora, como é que pode passar pela cabeça de uma pessoa a idéia de jogar um interlocutor terraço abaixo. E achar tão natural nisso, que ele se pergunta o que é que os outros fariam dele; porque foi a pergunta que ele disse: “O que é que fariam de mim, esses que estão aí”. Mas “esses que estão aí — com um ar assim: esses bobórios que não são capazes de se manter de pé a não ser apoiados em você — o que é que fariam de mim se eu te jogasse terraço abaixo?”
Isso é das primeiras pessoas que eu pus para aglutinar o Grupo. Você já calculou o que é que isso significa como inverossímil?
Vocês dirão: “Mas é uma brincadeira de meninote com outro!” Não é, não. Isso não é assim.
(Cel. Poli: Em se tratando do senhor, a hipótese brincadeira é completamente fora.)
Não, não é brincadeira. Não ia me passar pela cabeça nunca, de longe, de jogar esse ou ninguém do terraço. Nem vocês nunca pensaram em jogar alguém de um terraço.
(Cel. Poli: A Nosso Senhor, pensaram em crucificar.)
E no fundo é porque eles estavam me admirando, e ele não queria que eu fosse objeto de admiração. Vamos dizer tudo inteiro, queria ser ele.
Quer dizer, se o admirassem daquele jeito, ele não acharia que era preciso jogá-lo de terraço abaixo.
É para os senhores verem as coisas como são.
Meus caros se me derem licença…
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