Conversa
de Sábado à Noite (Alagoas, 1º andar) –
7/11/92 – Sábado – p.
Conversa de Sábado à Noite (Alagoas, 1º andar) — 7/11/92 — Sábado
O modo de operar do espírito do SDP: a partir de algo que lhe chama a atenção, aprofundar até as mais recônditas reflexões que aquilo sugere, no fundo das quais encontra-se o cerne do problema visado * Como o SDP faria uma meditação a respeito dos anjos * Na origem, um “pressentimento” sobre os anjos, e a necessidade de preencher a apetência de alma suscitada pelo mesmo * O SDP faz o papel de pintor da realidade para si mesmo, sabendo que quando estiver diante de Deus, a verá de outra maneira * Sob certo ângulo de vista a mentalidade do SDP pode ser tida como ocidental com alguns traços orientais * O SDP convida às almas a se porem na contemplação dessa perfeição do universo, rica em simbolismos — daí a implicância que ele desperta * O arco-íris da nova ordem de coisas no Reino de Maria: uma muito alta visão de como seriam as coisas no Paraíso * O thau e a união com o Fundador nos permite de passar da Urca para o Pão de Açúcar, na contemplação do universo * Os sofrimentos da Bagarre nos lavarão das birras que temos contra essa ordem de coisas paradisíaca
Então, nós já rezamos? Ave Maria… [Três vezes.] Auxilium Christianorum…
Quem é apresenta o tema?
(Sr. G. Larraín: Nós teríamos uma pergunta salvo se o sr. quisesse tratar do que o sr. tratou na última reunião aqui.)
Qual foi mesmo o tema? (…)
(Sr. G. Larraín: … reuniões do sr. no auditório sobre o livro da nobreza, parece que Nossa Senhora tem dado muitas graças para o grupo.)
Muitas.
* O modo de operar do espírito do SDP: a partir de algo que lhe chama a atenção, aprofundar até as mais recônditas reflexões que aquilo sugere, no fundo das quais encontra-se o cerne do problema
(Sr. G. Larraín: As reuniões têm sido extraordinárias. Então surgem vários assuntos para perguntar ao sr. […] como o livro trata do tal enquanto tal […] e a gente nota que quando o sr. está expondo os vários assuntos a respeito disso, a alma do sr. se mostra enormemente […] e um outro aspecto é o caráter exorcístico que isso tem […] não sei o que é que o sr. acha disso, se o sr. teria algo a dizer? Não sei se está claro?)
A coisa está muito clara. É uma pergunta muito boa, muito compreensível que seja feita mas que eu nunca me pus a mim mesmo. De maneira que não poderia ir sem uma certa reflexão. Eu não sei mesmo se eu seria capaz de produzir essa reflexão aqui, tirando de dentro da minha cabeça o que tem dentro disso.
Porque para responder a isso seria preciso tomar em consideração uma coisa, que parece que não tem nada que ver com o caso, mas que tem e que é o seguinte: eu sou um espírito filosófico, um espírito teológico, um espírito sociológico, histórico? O que é que eu sou? Artístico? O que é que eu sou?
A resposta seria a seguinte, quase sempre o modo de operar — ao menos como eu me lembro aqui na cabeça no momento em que eu estou expondo a vocês — de meu espírito é o seguinte:
Eu sou solicitado por uma coisa que eu vejo e, portanto, é um fato concreto que eu tomo em mãos. E esse fato concreto me abre reflexões e considerações e também problemas de ordem concreta. A partir desses problemas eu vejo bem que eu no fundo não estou procurando a questão primeira que eu me ponho, senão que a questão primeira é uma espécie de casca, uma espécie de película que cobre uma questão segunda, uma terceira, uma quarta, no fundo da qual está o problema que verdadeiramente me chamou a atenção quando eu peguei a coisa.
* Um espírito dado à abstração somente após ter descascado por inteiro a realidade concreta
Bem, mas isso não é propriamente de um espírito filosófico ou teológico. Se se entende um espírito propenso a usar um método específico da teologia ou um método específico da filosofia para atingir determinadas verdades. Mas essas verdades estão no campo da teologia e da filosofia.
De maneira que eu não sou um espírito muito inclinado a abstração, a não ser depois da abstração ter procedido previamente a uma análise que descasca a realidade concreta até apanhar inteiramente bem como ela é. E aí, a propósito de uma noção determinada sobre a realidade concreta aparece uma pergunta que é de caráter abstrato.
* Como o SDP faria uma meditação a respeito dos anjos
Por exemplo, vamos dizer, os anjos.
Se eu tivesse que fazer uma meditação a respeito dos anjos inteiramente à minha maneira e, portanto, para mim eu começaria por colher o seguinte:
Que representações os anjos têm recebido da parte de artistas e da parte de literatos dignos da confiança e da atenção dos católicos, pela confiança que neles deita a Igreja, pelo renome que eles adquiriram dentro da Igreja.
E o que é a idéia, o substractum comum a todas essas representações de anjos, dá uma espécie de bulbo central da idéia de anjo que eu deduzo do modo pelo qual eles conceberam os anjos.
(Sr. G. Larraín: Uma espécie de cone do Fujiyama dos anjos, não é?)
Exatamente.
Bem, agora a partir disto eu começo a procurar o que é que eles não representaram. Eu vejo que isto [que eles fizeram] é incompleto. Por mais que eles façam e bordem, e ornem, etc., eu acho incompleto. E a minha alma pediria a esse respeito algumas coisas que resultam do que seriam anjos imaginados por mim. Mas eu não tenho o talento necessário para imaginar esses anjos e modelá-los. Mas eu poderia dizer o que é que a minha alma esperaria deles, como é que eu gostaria que eles fossem.
Ou seja, qual é a perfeição de Deus que esse pessoal que tem pintado — têm feito coisas esplêndidas a respeito de anjos — puseram e o que é que ainda não foi posto? E o que é que aí completa a minha idéia de anjo.
* No momento de atingir o abstrato a propósito dos anjos, mais uma imersão na realidade: o anjo que torna o céu presente na terra
Mas você vai ver, essa idéia de anjo é um anjo operante na terra, que torna o céu presente na terra, que executa a vontade de Deus, que representa a Deus e que, portanto, está… No momento em que pareceria que eu estava fazendo um vôo para ir para uma abstração e entrar no campo específico da teologia: o anjo, um puro espírito, altíssimo, destinado a servir a Deus, etc., etc., nesse momento eu faço mais uma imersão na realidade, mas é uma imersão aí já mais imaginária: é a realidade mais algo que eu quero descobrir nela a partir do exame dela para a construção de uma coisa que ainda não foi vista.
* Vários alçares de vôo e outras tantas reimersões na realidade, até atingir a perfeita idéia que se deve ter dos anjos. Após o que, o confronto com a Doutrina Católica
Bem, então é uma reimersão, assim vários alçares de vôo e várias reimersões até que se compõe uma idéia do que eu acho que é o anjo e da representação que exprime inteiramente isto. Portanto, não é propriamente uma idéia artística à procura de um pulchrum mas é uma idéia que procura o verum, o bonum e o pulchrum do anjo ao mesmo tempo. Mas completado por alguma coisa que está na apetência de minha alma mas não está na ciência de minha alma; a minha alma apetece de conhecer mas ela não conhece.
E aí chega um determinado momento em que o que eu fiquei conhecendo do anjo ou da natureza angélica é aquilo que eu preciso conhecer. Aí entra em confrontação com a Igreja Católica.
Aliás durante todo o percurso eu vou me perguntando: isto está de acordo com a Doutrina da Igreja? isto está de acordo? está de acordo?
Feito o quadro de conjunto, eu me pergunto:
Isto posto o que é que a Doutrina da Igreja diz a respeito disso?
E naturalmente eu só tenho tranqüilidade quando eu vejo que a Doutrina Católica referenda aquilo, apóia aquilo. Do contrário, eu sei que eu sou falível e que, portanto, pode escorregar-se pelo meio uma coisa que eu não queira. Mas com apoio na Igreja Católica expressa idoneamente e não na tristeza da crise de hoje. Então aí eu conquistei o que eu deveria saber de anjos antes de morrer.
* Na origem, um “pressentimento” sobre os anjos, e a necessidade de preencher a apetência de alma suscitada pelo mesmo
Bem, mas você está vendo que na origem, vem então aqui a nascente — não digo do Amazonas mas do Tietê…
(Sr. G. Larraín: Não, pelo amor de Deus!)
Mas você vê que há uma coisa pressentida em mim a respeito do anjo e que eu senti quando nas primeiras vezes me falaram sobre anjos, e que eu fiquei vendo que a noção de anjo para ser completa para mim tem que satisfazer tais pontos que estão faltando. Aqui está o começo.
Há uma necessidade de preencher um vácuo existente no meu espírito mas um vácuo… não é propriamente um vácuo porque algo dentro de mim apetece e onde há uma apetência existe um vácuo ilusório. É como o sujeito que, por exemplo, está com fome e diz: “Eu estou com o estômago vazio” ou então dirá, “Eu estou com tanta fome que eu já não tenho estômago”. É uma ilusão, tudo isso que ele sente se não tivesse estômago ele não sentia. O estômago pode ser um vazio, é uma bolsa que envolve um vazio.
Mas de fato, há dentro uma apetência originária e que se repete a respeito de quase tudo quanto existe.
Agora, isto assim como está apresentado tem clareza suficiente ou não?
(Sr. G. Larraín: Clareza e uma elevação do outro mundo, não é?)
Bem, eu preciso fazer notar a você que um verdadeiro filósofo, um verdadeiro teólogo rejeitaria esse processo. Porque o processo deles é linear, é outro; sobretudo o filósofo. Não tanto o teólogo mas sobretudo o filósofo.
Quer dizer, ele constrói, etc., no ar. E chega a conclusões também no ar, que são muito respeitáveis mas a mim não me bastam. Quer dizer, no final das coisas enquanto eu não tivesse feito uma concepção de anjo que fosse uma concepção real mas pictórica — pintura ou escultura ou qualquer coisa assim — enquanto não tivesse concebido isto, não iria.
* Chegado à uma conclusão, esta como que passa a fazer parte da pessoa do SDP
(Sr. G. Larraín: Isso o sr. chamaria a nascente […] a gente vê que isso se dá em relação aos anjos mas se dá em relação a tudo […] a facilidade de tratar de tudo, de todos os assuntos, mas tem um pico do qual parte o sr. para tratar de todos eles porque isso não se pode tratar de modo horizontal. E mesmo pensar tão rápido […] o sr. disse que o sr. pensa muitíssimo rápido, porque o sr. quando menino viu que tinha que pensar sobre tantas coisas que se pensasse individualmente de modo horizontal a vida não daria para chegar à conclusão final. Por isso o sr. decidiu que tinha que ir a algo mais alto e colocando-se nos píncaros das coisas, aí as colorações se tornam muito rápidas. Agora, o que é na alma do sr. essa rapidez e essa facilidade de explicitação? […])
O que se dá é o seguinte, que quando eu chego a uma conclusão dessas, ela fica a bem dizer fazendo parte de minha pessoa, e fica conhecida por mim como eu conheço, por exemplo, o travesseiro em que eu durmo. Quer dizer, ponho a mão debaixo toda noite e, etc., e sei como é o meu travesseiro. É uma espécie de contato comum, rotineiro com tudo isso que eu pensei. Porque a propósito de uma coisa, ou de outra, ou de outra, ou de outra, tudo isso me volta ao espírito.
(Sr. Paulo Henrique: É um conhecimento quase tátil daquela realidade, não é?)
Quase tátil.
(Sr. Paulo Henrique: E depois quando o sr. sobe, depois o sr. faz a reversibilidade para ver se corresponde com aquilo que o sr…)
E depois ali enriqueço o meu ponto de partida com algumas coisas que eu adquiri durante a viagem sobre o assunto, sobretudo no píncaro onde eu tenha chegado — e que pode não ser o píncaro absoluto — sobre aquele assunto.
* O SDP faz o papel de pintor da realidade para si mesmo, sabendo que quando estiver diante de Deus, a verá de outra maneira
(Sr. G. Larraín: E os assuntos se esgotam ou não? […] ou isso nesta terra para o sr. não é inteiramente satisfatório?)
Capaz de ser satisfeito. Satisfactível, dir-se-ia. A palavra eu acho que não existe mas o conceito é esse.
Eu acho que existe um conhecimento nesta terra mas que a gente sente que não é completo. Mas é como se você quisesse — antes de haver fotografia fazia-se muito isso — ter uma noção de alguma coisa, por exemplo, da Acrópole de Atenas, você pagar um artista que vai a Atenas e te pinta uma Acrópole e te traz de volta, e você tem então uma noção da Acrópole de Atenas. Mas você sabe que embora o quadro possa estar extraordinário, quando você vir a Acrópole vai ser uma outra coisa.
Assim também, eu faço o papel de pintor para mim mesmo mas sei que sou o pintor incompleto e que quando eu estiver diante de Deus eu verei aquilo de outra maneira.
(Sr. G. Larraín: E o pintor de que quadro? De toda a ordem do universo ou do céu também?)
Do céu é mais difícil porque eu sou muito pouco imaginativo.
(Sr. G. Larraín: Mas qual é o quadro que o sr. pôs como meta para pintar?)
Com licença um instantinho.
[O aparelho de audição começa a apitar e o SDP tenta desligar]
(Sr. G. Larraín: O sr. quer que chame o sr. Amadeu?)
Não obrigado, Amadeu [ab dormiet?]
(Sr. G. Larraín: O Leônidas então?)
Muito menos. Que coisa pertinaz!
[Continua a apitar.]
Ou estarei enganado e a coisa deve vir aqui?
(Sr. Poli: Será que não está fora da posição?)
Não está não, está na posição certa. Mas é uma coisa diferente, eu digo o que é, mas eu não consigo conversar… Tem um cinzeiro aí, você quer me dar?
Bom, assim eu creio que numa roda pequena eu converso bem. Eu fico intrigado com o modo pelo qual isso assobiou de repente. Às vezes costuma acontecer.
(Sr. G. Larraín: O preternatural de repente, não acha?)
Ou preternatural ou é o sinal de alguma coisa. Foi com o…
Que horas são?
(Sr. G. Larraín: Cinco para as duas.)
Cinco para as duas?
Bem, vamos ver se aconteceu qualquer coisa às duas horas ou o que é que é?
(Sr. G. Larraín: É impressionante sr. também o que o sr. está tratando não é pouco, de maneira que dava para apitar mesmo. É de muita elevação o que o sr. está tratando…)
Eu ouço bem, meu filho, [ininteligível] voz normal.
(Sr. G. Larraín: Ah, perdão.)
(Sr. Paulo Henrique: O coronel trouxe de volta, não sei se já esteja consertado?)
Não não, está apitando aí. Não mexer.
* Conhecer todas as coisas, sobretudo as mais altas, pelos seus mais altos aspectos, a fim de, pelo mais excelente, conhecer o conjunto
Bem, aí positivamente vem uma idéia que é hierárquica e que é o seguinte, conhecer as coisas em seus mais altos aspectos. E conhecer sobretudo nos mais altos aspectos as mais altas coisas, de maneira que assim por implicitude se conhece tudo.
Quer dizer, existe uma espécie de píncaro da realidade o qual píncaro o espírito humano intui que existe mas existe de uma certa maneira que contém o que está embaixo. De maneira que conhecendo o mais excelente do modo mais completo a gente conhece o conjunto das coisas e cada coisa melhor.
* O espírito oriental tem mais facilidade a esses vôos de espírito que o ocidental. O exemplo do padre hindu que tentou imaginar uma liturgia fabulosa e perfeita em honra de Siva
E exatamente o espírito oriental tem muito mais facilidade para se voltar para isso do que o espírito ocidental. Mas acontece que o defeito deles é que eles caíram no paganismo, adotaram uma porção de erros de toda ordem, de ordem filosófica, de ordem teológica, etc., etc., e se desviaram nisso. (…)
Depois Vishnu era muito vagamente uma idéia de…
Era o seguinte: Brahma era a origem das coisas; Vishnu era o viver das coisas; e Siva era a destruição das coisas para que elas revivessem em outras reencarnações. Era uma coisa mais ou menos assim.
Bem, então tinha um padre católico que aprendeu a dança de Siva, mas Siva não era esse deus destruidor que a gente imagina nas versões que dão aqui sobre isso, mas tem outras funções e outras coisas também e ele então dançava a dança de Siva.
A dança é uma dança demoníaca, o modo pelo qual ele dança, ele pula, ele gesticula, etc., etc., é uma coisa do outro mundo, não é? Não se compreende como é que uma criatura humana pode repetir durante umas três ou quatro horas, com aqueles pulos, aqueles saltos e que se repetem, etc., do mesmo modo.
Mas no fundo da história tinha uma idéia, e isso ele realiza, de que em honra a Siva ele faz uma espécie de proeza que é quase inimaginável essas horas de dança. E ele tem a ilusão de que ele faz uma coisa lindíssima, e que não é. De maneira que ele é um passageiro que errou a viagem, ele tendia a subir ao píncaro da montanha e ele ficou dançando na periferia quinta, décima abaixo do píncaro da montanha. Mas o espírito dele é de alpinista, era de chegar ao alto da montanha.
Quer dizer, ele queria imaginar uma coisa, uma espécie de liturgia inimaginavelmente bela, inimaginavelmente atraente, inimaginavelmente perfeita.
Essa tendência a representar o inimaginável está muito nas coisas do Oriente, se o nosso especialista aqui concorda com essa idéia?
Bem, e isto não está no espírito do Ocidente. Está um pouco mais no espírito dos latinos do que dos germânicos e anglo-saxões também. Mas é tudo muito achatado em comparação com certos élans do espírito Oriental.
* Sob certo ângulo de vista a mentalidade do SDP pode ser tida como ocidental com alguns traços orientais
E eu vejo que não tendo senão sangue ocidental, americano, e quiçá outra coisa que americano. Bem, que eu entretanto, tenho muito — em tudo isso que eu estou dizendo — de orientalizante.
Como é isso? Eu também não sei, mas debaixo desse ponto de vista talvez a minha mentalidade seja a mentalidade ocidental com uns traços orientais.
Agora, não sei se o Oriente se deve ver assim?
(Sr. Aloísio Torres: O sr. não seria a síntese do que deve haver no Reino de Maria, como o sr. disse entre o Oriente e o Ocidente, não seria exatamente isso?)
É, eu acho que sim. Com menos realidade existe em mim, com menos realidade do que, por exemplo, uma alma de um russo seria chamado a ter. Porque eles deveriam ter sido o hífen entre o Oriente e o Ocidente. Já os alemães um pouco, hem!
Porque eles têm aquele espírito prático todo, etc., mas na realidade quando eles se dão para imaginar eles vão nem sei por onde!
(Sr. Paulo Roberto: Muito mais que o francês, não é?)
Mais que o francês.
O francês imagina uma linda terra. O alemão dá saltos desesperados no ar para ver se alcança o céu.
Bem, o oriental não dá saltos fabulosos, ele tenta vôos.
Se o alemão tivesse feito esse papel de síntese entre uma coisa e outra, ter-se-ia dado a fusão dessa mentalidades em algo de muito bonito. E é uma coisa curiosa que eu realmente não sei como explicar, mas algo disso existe no meu pensamento.
* O ódio perfeito que o SDP vota ao idealismo dos filósofos alemães
Agora, é preciso notar o seguinte, hem! Eu odeio, mas odeio, —perfecto odio oderum te: eu te odiarei com ódio perfeito, canta aquele Salmo que os nossos eremitas cantam — eu odeio com ódio perfeito a filosofia alemã, idealismo alemão: Kant, Fichte, Nietzsche, Schopenhauer, Kierkegaard, tudo isso eu odeio! Porque tudo quanto há de racional em mim se revolta contra essas coisas.
O alemão está assim sentado e de repente ele inventa: “Não existe a idéia pura. Existe isto sim, uma concepção horizontal perfeita”, eu estou imaginando.
O que é que é idéia pura? Por que é que não existe? De onde é que tirou isto?
É uma afirmação gratuita cujo conteúdo ele ignora e a propósito disso ele constrói gratuitamente uma filosofia.
Isto eu odeio!
Vamos ver com o pé no chão, a verdade concreta, dois mais dois é igual a quatro! Detesto que não seja assim!
Mas isto é diferente do que eu disse, o que eu disse não tem nada de coisas arbitrárias, tudo é testado pela razão, testado pela fé, é calmo, é tranqüilo, não tem pulos nem nada.
Eu estou falando porque vocês me perguntaram.
(Sr. G. Larraín: Isso deve estar muito ligado ao espírito de Nosso Senhor Jesus Cristo […] )
Eu acho que com a graça de Nossa Senhora está reto.
* Pode-se imaginar que no Paraíso terrestre — muito mais rico em simbolismo — existam os arquétipos de tudo o que há na terra
(Sr. Paulo Roberto: Por exemplo, Nosso Senhor fala, “olhai os lírios do campo”, o sr. disse que gosta muito disso. Mas [ininteligível] uma analogia com isso que o sr. está dizendo, não é?)
Tem. Porque, “olhai os lírios do campo” faz pensar nuns campos e nuns lírios como eles não são. Faz pensar no campo e no lírio que também não é a pura fantasia, mas é uma construção. Quer dizer, no paraíso se pode imaginar que existam os arquétipos de tudo o que existe na terra. Então os lírios do campo no paraíso não serão…
(Sr. G. Larraín: O sr. fala não do céu mas do paraíso?)
Paraíso terrestre.
Então os lírios do campo quando Ele fala, “olhai os lírios do campo, não tecem nem fiam”, a gente é introduzido numa ordem de realidade que é ao mesmo tempo terrena mas de um terreno de uma elevação que o nosso terreno atual não tem.
Agora, qual é essa elevação? É a capacidade de exprimir simbolicamente algo de espiritual com muito mais densidade, com muito mais intensidade do que comumente.
Quer dizer, eu tenho impressão que o paraíso terrestre é muito mais rico em simbolismo do que é a terra, mesmo com as coisas que a Terra tem de mais bonito.
(Sr. G. Larraín: Não sei se o sr. sabe mas… dá para cortar aí coronel?)
(…)
… talvez, quer dizer, as coisas que você está dizendo eu preciso pensar, etc., para ver.
* O SDP convida às almas a se porem na contemplação dessa perfeição do universo, rica em simbolismos — daí a implicância que ele desperta
Mas enfim, talvez se possa dizer o seguinte, que a implicância que eu desperto, o ódio que eu desperto, e a batalha em que nós ficamos expostos com isto, é exatamente que eu convido as almas a se porem nessa visão que tem alguma coisa de — a palavra visão aí é uma concepção do espírito, não é uma visão mística de um ser que apareça não é isso — mas essa concepção do espírito que tende para uma perfeição de seres, de universo no qual o homem esteja, muito mais rica em simbolismos, por aí se pega um pouco mais o resto.
* A flor “brinco-de-princesa” exprime simbolicamente uma porção de coisas que convêm a uma dama medieval
O que é que isto quer dizer? Por exemplo, uma flor. É fácil que uma flor seja muito simbólica, é muito fácil. Mas a gente pode conceber uma flor dessa espécie e com significado simbólico muito mais carregado. Aí a flor tem uma beleza que não é só a beleza estética, mas é uma riqueza de conhecimento que ela dá de uma coisa mais alta do que ela.
Aliás houve um pequeno desentendimento entre brasileiros a respeito de uma flor que eu mencionei numa dessas exposições que eu fiz, o brinco de princesa. Eu não sei que flor vocês designam como brinco de princesa, nem sei se existe no mundo castelhano.
(Sr. G. Larraín: Não conheço sr.)
(Sr. Paulo Henrique: Nos Buissonets há um brinco de princesa, pelo menos o que eu conheci de Minas. Ainda ontem colhi uma — não me ocorreu de trazer uma aqui — mas tem um pedúnculo muito grande, depois ela desabrocha assim creio que em quatro pétalas e depois sai uma parte vermelha e depois sai uma… e lá na pontinha está o polem. Toda ela é bem grande e muito estilizada e não é uma árvore, é um arbustozinho meio trepadeira.)
Nem chega a ser… trepadeira eu nunca notei que fosse porque eu só vi brinco de princesa no jardim de minha avó. E o pezinho era apoiado sempre por uma haste de madeira que o jardineiro punha, amarrava até com barbante. Quer dizer, ela não tem nenhuma força para estar de pé.
E depois ela corresponde à sua descrição mas dá uma florzinha deste tamanho, não grande como você designava.
(Sr. Paulo Henrique: Não, com o pedúnculo é grande … [vira a fita])
Não seria um “rasga orelhas de princesa”, seria…
(Sr. Paulo Henrique: Não não, todo ele é muito delicado, não é?)
Sei, muito delicado mas tem muita fantasia.
Não sei se você nota que é uma flor meio posta de lado, não é? Uns ou outros plantam, etc., etc., quase porque ela se impõe de tão bonita. Não se fala dela.
E você não vê num jardim aí nem nada, brinco de princesa nenhum.
(Sr. Paulo Henrique: É, eu me lembro de ter visto isso em menino, e depois de 40 anos vi agora no Êremo de Nossa Senhora da Divina Providência o antigo, na Rua Atibaia. E agora nos Buissonets que eu vi. Não vi mais em lugar nenhum.)
Veja que coisa.
Bem, minha impressão é de que, por exemplo, brinco de princesa é uma flor que exprime muito simbolicamente uma porção de coisas que convêm a uma dama medieval, não é uma qualquer dama mas uma dama medieval. Como importância, mas como delicadeza, como beleza, como riqueza de cor, etc., etc., uma dama feudal podia usar aquele brinco perfeitamente, na forma daquela jóia.
* A transparência de Deus nas coisas é tanto maior quanto maior for a carga simbólica das mesmas
Aquele planta tem um certo significado simbólico, mas no paraíso… eu vou ser um pouco esquemático demais: no paraíso se deveria imaginar que existe um brinco de princesa, mas com aquela carga simbólica muito maior, de maneira que todos os imponderáveis que esta flor tem aqui, no paraíso terreno teria muito mais.
E com isto estaria compreendida uma transparência de Deus nas coisas por causa da força simbólica que simboliza Deus. Por causa da força simbólica, uma transparência de Deus nas coisas de uma categoria muito maior, e de onde um nível e uma beleza do universo terreno muito menor porque é…
[Chega o Dr. Marcos]
Oh, meu Marcos, entra aqui, como vai você?
(Dr. Marcos: Bem, graças a Deus.)
Não lhe dou a mão porque como de costume estou meio resfriado. Nossa Senhora lhe abençoe. Pega uma cadeira aí. Você sabe que há um outro tanto do outro lado de lá, ouviu? É gente resfriada e é o Poli, o Guerreiro e o Edwaldo, estão ouvindo do outro lado do fio na sala de jantar. De maneira que se você de repente ouvir uma interferência quase espírita do outro lado e que chega até aqui, você não se espante. Ahahah! é o que está havendo.
Mas você vai pegar o bonde andando certamente.
Quer dizer, a beleza das coisas consistiria então nesse valor simbólico que as coisas têm. E propriamente a finalidade da arte não seria… ela tem isto mas não é a finalidade dela, a finalidade vai além.
* Se o homem não tivesse sido atingido pelo pecado original, ele teria uma visão do Rio de Janeiro (simbolizando a terra) não da Urca, mas do Pão de Açúcar
Isto é um pouquinho como no Rio de Janeiro — a presença do Marcos me fez lembrar disso — o Pão de Açúcar e a Urca. A Urca é uma montanha mais baixa e antigamente, eu acho que hoje não é mais assim, o carrinho leva até a Urca e depois na Urca a gente tomava outro carrinho que levava ao Pão de Açúcar. Eu acho que hoje não é mais, não é Marcos?
(Dr. Marcos: Continua sendo assim.)
Continua sendo assim.
Bem, então a gente poderia dizer que para nós que somos da Terra e que moramos ao pé do Pão de Açúcar, as nossas elucubração de espirito nos levam até a Urca. Mas que se o homem não tivesse sido atingido pelo pecado original e ele vivesse no paraíso terreno, ele teria a visão que se tem do Rio não da Urca mas do Pão de Açúcar. Quer dizer, é a mesma visão, é o mesmo Rio, é a mesma cidade mas tem outro ar, outro perfume, outra beleza vista do alto do Pão de Açúcar do que do alto da Urca.
Eu não sei se eu descrevo bem a coisa?
* A inteligência do homem seria a capacidade que ele tenha de se configurar as coisas, de modo a nelas ver o arquétipo que têm no paraíso
(Sr. Paulo Henrique: SDP, quando o sr. faz as considerações teológicas, filosóficas, metafísicas, religiosas do sr. Mas quando o sr. arquetipiza uma determinada coisa o sr. eleva a esse Pão de Açúcar.)
A tendência é, se eu consigo eu não sei. Mas é dar ao homem…
(Sr. Paulo Henrique: O sr. nos tira do chão talvez quando [ininteligível] vamos até a Urca, mas o sr. evidentemente está no Pão de Açúcar para cima.)
Não, eu acho que a beleza do paraíso terrestre nenhum homem pode imaginar. O que eu acho é que o — talvez, hem! — tudo isso é uma conversa sobre temas que eu não tive tempo de pensar. Vocês me fizeram uma pergunta agora à noite que me está pondo em movimento temas que eu não tive tempo de pensar. Mas é muito bom, eu não estou censurando nem um pouco.
Mas assim com essas ressalvas eu diria o seguinte, que você deveria imaginar um homem que chega até o alto da Urca e que do alto da Urca tem, por exemplo, um telescópio ou uma coisa qualquer de onde ele pode chegar a ver as coisas como se veria do alto do Pão de Açúcar mas não é a mesma coisa.
Assim nós temos dentro da cabeça um padrão plus, mais, para todas as coisas que está na proporção da inteligência de cada homem. E seria até a definição melhor da inteligência do homem, seria a capacidade que ele tenha de se configurar as coisas de um modo que tende a ver nelas o arquétipo delas que existe no paraíso.
Não sei se eu estou me exprimindo bem?
(Sim!)
(Sr. Paulo Roberto: Isto é verdadeira inteligência.)
* Cada homem teria uma “lei da gravidade” para cima, rumo ao Paraíso
Eu seria aqui nessa conversa de momento, com ressalvas portanto de outras reflexões, seria levado a dizer que é uma espécie de lei da gravidade para cima e não para baixo. E que, portanto, cada homem tem uma lei da gravidade rumo ao paraíso mais enérgica ou menos enérgica, com a capacidade de voar mais ou de voar menos que é uma propriedade de ordem natural, calculada pela Providência para cada homem como Deus entende. Mas mediria até onde a alma pode voar se ele tivesse toda a concepção, se ele tivesse um bom padrão destes e fosse fiel ao convite da Providência e subisse até lá.
Eu não sei se isso está claro ou não?
(Sr. G. Larraín: Sim, está prodigioso sr.)
(Dr. Marcos: Mas isso qualquer homem? Se aplicaria a qualquer homem?)
Sim, em proporções muito desiguais, não é?
Vamos dizer, por exemplo … (…)
(Sr. G. Larraín: Pode gravar agora?)
Pode. Mais ou menos o espírito de todos eles têm — umas ascensões maiores ou menores mas em que essas diferenças são muito marcantes, ouviu?
Mais marcantes do que outros povos. Por exemplo, mais marcante do que o francês — que eu admiro tanto — mas que está sempre naquela plataforma.
Esses outros nossos amigos não, moram no andar térreo e sentado nas calçada para ver passar o trânsito. Bem, mas de repente, píuummm! lá vão.
(Sr. Paulo Roberto: Mas mesmo o que fica na calçada, de repente salta?)
Não não, alguns moram na calçada, outros…
(Sr. G. Larraín: Vivem na calçada e morrem na calçada.)
É, mas tem uma capacidade de pegar as coisas que pasma a gente.
[João, eu vou dar um exemplo pessoal, você não leve a mal, depois você me perguntando eu te digo quem é.] (…)
* O arco-íris da nova ordem de coisas no Reino de Maria: uma muito alta visão de como seriam as coisas no Paraíso
(Sr. G. Larraín: … entra também sobre isso a missão, não é? Soma-se a graça também […] o Reino de Maria não é uma visão do mundo do Pão de Açúcar?)
Isso pode ser que no Reino de Maria por causa… Vamos dizer, por causa da reconciliação com os homens que haverá na aurora do Reino de Maria haja — assim como houve arco-íris depois do dilúvio — como símbolo de uma nova ordem, porque o arco-íris é o símbolo de uma nova ordem. Como símbolo de uma nova ordem e como característica da nova ordem uma visão muito adequada, muito alta de como seriam as coisas no paraíso. Uma tendência a fazer as coisas da terra segundo o estilo do paraíso, e por causa disso verdadeiramente semi-paradisíaco, não é?
* Onde não está Nosso Senhor Jesus Cristo sangrando com sua Cruz, não há verdadeiro paraíso
Mas um semi-paradisíaco no qual teria presente a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo com ele crucificado. Porque por uma aparente contradição, que não é contradição, onde Ele não está sangrando com a Cruz d’Ele e com a coroa de espinhos e pregado na Cruz, etc., não há paraíso. É uma coisa que é assim.
* Se por absurdo acontecesse, em uma noite de Bagarre, de todas as cruzes desaparecerem da face da terra, o SDP seria capaz de desmaiar
Você imagine por uma dessas coisas que se acontecesse eu seria capaz de desmaiar. Mas enfim imaginem que durante a Bagarre se constatasse de repente que numa misteriosa noite de tempestade e de horror, todas as cruzes que haviam na Terra teriam desaparecido. Então no alto das igrejas, nas encruzilhadas das estradas, das pinturas, das esculturas, tudo! A cruz e o crucificado teriam desaparecido.
O mundo me pareceria tão insuportável e tão inaceitável que eu era capaz de desmaiar. Quer dizer, há um certo mistério difícil de instalar dentro disso.
Mas a cruz por meio da qual nós recebemos acesso ao paraíso celeste — porque Ave Crux! Spes unica, não é? A única esperança do paraíso celeste é através da cruz — a cruz dá um equilíbrio e uma proporção a todas as formas de bem, de beleza, etc., etc., e as eleva pelo fato de Nosso Senhor ter assumido a natureza humana, e ter padecido como um homem aquilo que os homens não são capazes de padecer. Quer dizer, aí a cruz como condição formal, o be-a-bá de tudo para nós é evidentemente a cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.
(Sr. G. Larraín: E a gente vê que o sofrimento maior que o sr. teve desde menino, me parece, foi a cruz de aceitar o isolamento pela fidelidade a esse paraíso, não é?)
Mas é verdade, mas eu não teria amado isso se não fosse a cruz. Porque a cruz tem uma espécie de atração única.
* O thau e a união com o Fundador nos permite de passar da Urca para o Pão de Açúcar, na contemplação do universo
(Dr. Marcos: Dr. Plinio, complementando um pouco a pergunta, quer dizer, em outras palavras, qualquer homem tem acesso ao Pão de Açúcar ou tem acesso à Urca. E só teria acesso ao Pão de Açúcar depois de conhecer o sr?)
É, eu precisaria pensar um pouco. Eu vou tentar responder aqui mesmo.
Mas com reserva sobre tudo o que eu estou dizendo, porque eu estou fazendo explicitações de coisas muito delicadas e que nem sempre a gente consegue pegar o pensamento que a gente mesmo está produzindo: a palavra falta, o conceito foge, é muito difícil às vezes.
É certo que tratando desta faculdade natural ela é dada desigualmente e que mesmo quando o indivíduo, da Urca onde ele esteja, ele procura formar a idéia mais… Porque é bonito, o panorama da Urca é bonito; a minha comparação até não seria válida se fosse feio, é um panorama bonito. Você é de lá e deve ter visto mais de uma vez, é um bonito panorama. Mas não é o panorama do Pão de Açúcar.
Então, se uma pessoa chega até a Urca e com largueza de alma, com empenho, etc., etc., procura imaginar o que ela veria se ela conseguir chegar ao Pão de Açúcar, ela dilata o seu conhecimento, e dilata as coisas que têm em sua alma. Isto é a coisa natural.
Agora, por mais que um sujeito se esforce aí ele não terá a visão que tem chegando ao Pão de Açúcar.
Como é que lhe é dado essa visão?
É pelo thau e por uma certa união que [envolve?] a nossa vocação, estabelece entre nós. Pelo qual se cada um de nós correspondesse inteiramente ao thau que tem decorreria daí uma visão interna da TFP que seria deslumbrante na ordem das riquezas espirituais, e que seria de uma maravilha, não é? Mas na qual se pode conceber que um tenha uma função preponderante no sentido de guiar os outros, de atrair, etc., etc.
Não sei se a minha resposta responde à sua pergunta?
(Dr. Marcos: Claro.)
(Sr. G. Larraín: É bem o inverso de Adão, porque Adão nos fechou as portas do paraíso. O sr. abre as portas do paraíso. Uma coisa fabulosa isso.)
Então essa tendência por assim dizer, paradizar, sabendo que o paraíso não é como nós imaginaremos em cada coisa concreta. Por exemplo, seria um erro pensar que cada flor existente na terra tem o seu símile no paraíso, matematicamente. E que as subespécies de rosa, por exemplo, existem também no paraíso, mas que elas todas têm poder simbólico muito maior, de onde uma beleza muito maior. Isso eu acho que é muito linear e que não corresponde à sabedoria de Deus.
Mas quem olhasse esta ordem no seu conjunto e a ordem do paraíso no seu conjunto, viria que a ordem esta aqui, é de fato um símile empobrecido e castigado daquela ordem.
Tomando os conjuntos… bom, talvez haja semelhanças lineares mais numerosas do que eu estou dizendo, talvez até muito numerosas. Não tenho elementos aqui para responder à essa pergunta.
* A cultura é culta na medida em que nos faça, através da coisas da terra, conceber paradisiacamente como é aquilo
Mas aí a gente compreende, por exemplo, a finalidade da cultura. O que é que é cultura?
A cultura é culta na medida em que ela nos faça através das coisas da terra, conceber paradisiacamente — e eu falo do paraíso terreno e não do céu empíreo — como é que aquilo é.
Eu vou dar a vocês um exemplo que me parece muito significativo.
Pela disposição que Deus pôs ao organizar toda a criação, sendo que o homem é o rei da criação, das várias ordens que esta ordem total do paraíso tem, porque é uma ordem que se compõe de seres muito diversos. E, portanto, cada ordem é como que uma fatia do paraíso, um gomo desta laranja maravilhosa, laranja de ouro que se poderia chamar paraíso.
Então, acontece que… eu ia dizendo uma coisa e me esqueci.
(Sr. Paulo Roberto: Da cultura, o sr. estava dizendo…)
* A ordem excelente que haveria no paraíso terrestre, aperfeiçoada pelo homem
Sim, que a ordem mais excelente tem de ser para as criaturas mais excelentes. E que, portanto, no paraíso, aonde é certo que haveria cidades, haveria uma vida como a nossa se Adão não tivesse pecado. Não é, portanto, uma vida mitológica de homens que ficam passeando por um jardim…
(Sr. G. Larraín: Um mato, meio ecológico, não é?)
Meio ecológico, e que no fundo seria meio insosso. Passa todo o dia por aquele jardim, aquela maravilha, etc., etc., mas afinal de contas, está bem! mas isso chega aonde, não é?
Em vez de ser isto seria uma coisa que se move e capaz de progresso, é capaz de melhorias ainda comunicadas pelo homem, etc., etc. De todas essas ordens a mais maravilhosa seria a ordem humana, de maneira que o homem admirando aquele mundo de gente que não cometeu pecado que está em estado de graça, etc., etc. Eu não sei se os homens — não Adão e Eva — cometendo um pecado seriam expulsos do paraíso sem retorno. Isso eu não sei.
Mas o conjunto dos homens no paraíso, o conjunto deveria ser de gente que provavelmente está em estado de graça. Então imaginando essa multidão de homens em estado de graça que não morre, que é por assim dizer canonizado em vida, quando sobe diante de uma apoteose, etc., etc., não têm doenças, não tem… homem! é uma maravilha!
Esta ordem seria mais bonita do que a ordem das estrelas no céu.
(Sr. Paulo Henrique: Mas isto constituiria uma civilização e dentro dessa civilização teria uma cultura, digamos assim?)
Sim, a cultura é a alma da civilização, é o aperfeiçoamento que tem a alma e por onde ela faz a civilização.
(Sr. Paulo Henrique: Isto seria um dinamismo próprio da criação que constituiria essa civilização entre eles? E que daí daria vários frutos, não é?)
Vários frutos.
Bem, isso deveria ser a mesma coisa na terra. Mas não há um homem que ouse dizer que isto é necessariamente assim nessa terra. Por causa do pecado original nos rebaixou ao estado em que infelizmente nós estamos. Bem, mas eu espero que o Reino de Maria tenha algo disto como restituído a nós nesta reconciliação depois do tremendo pecado e do enorme perdão.
(Sr. G. Larraín: Está muito bonito isso.)
(Sr. Paulo Henrique: E o pecado que negou exatamente a cruz, não é?)
Negou a cruz.
Eu concebo isso dessa maneira, eu não sei como é que vocês vêem isso?
* A nossa vocação é inebriante: recebendo o “Grand-Retour”, podemos ser os fiéis que, por graça de Nossa Senhora, viraram o curso da História
(Sr. G. Larraín: Está extraordinário, inclusive uma coisa que se trata pouco com o sr. é que os revolucionários fizeram uma enorme arquetipização para baixo, não é? […] agora, como revide disso a gente vê que é arquitetônico que o Reino de Maria tenha que ser o contrário e mais algo, não é?)
Aí você veja como a nossa vocação é inebriante, pensar que em determinado momento recebendo o Grand Retour nós podemos ser os fiéis que conseguiram por graça de Nossa Senhora virar o curso da História. E que esse rio da História que despencava no rio onde fica — segundo Dante — a barca que separa no inferno do resto do mundo, parece que é [Caronti??], uma coisa assim. Desviar o [Caronti??] de curso e fazê-lo subir em vez de descer. Imaginar um rio cujas águas sobem é uma coisa lindíssima, maravilhosa.
Eu acho muito bonito, muito alentador.
(Sr. G. Larraín: […])
Agora aí dá para a gente ver também o seguinte, durante a Bagarre os graus de consolação que nós podemos ter, hem! Não é só pensar nas provações que a gente tem que ter necessariamente, nós faremos parte da expiação. Mas pensando que agüentando aquilo tudo nós estamos juntos virando o rio, é uma coisa…! E que estamos caminhando para a era da ordem humana paradisíaca por assim dizer, e abaixo dela participando de algum modo até o poder simbólico de expressão das águas ou das flores, eu acho que…
De maneira que para tomar o assunto que causou assim uma… não digo uma controvérsia mas uma conversa muito viva ontem em muitas rodas, para tomar o pavão e o cisne, terão expressão muito mais viva e simbólica nesta ordem.
(Sr. G. Larraín: Fabuloso sr! Mas depois precisamos ver através dos olhos do sr., senão…)
(Sr. Paulo Henrique: Para ver e ouvir, porque isso é muito consoante com tudo aquilo que… depois que o sr. diz o nosso thau se sente reconfortado, se sente à vontade, se sente…)
Tratado pelo bom samaritano, ouviu? Parece-me que é muito bom.
O que é que há com o meu Horácio?
(Sr. Horácio Black: Esplêndido sr. Realmente não tenho palavras para dizer. Paradisíaco.)
É aí que a gente compreende certas coisas e…
* Quando certo indivíduo tem uma eminência qualquer, ele acaba tendo birra da coisa que o eleva mais alto: a reação dos príncipes contra o Livro do SDP sobre a nobreza
Agora, é curioso que nós comentávamos hoje no almoço — até estava presente D. Luiz — a respeito de uma coisa e outra e saiu a birra que as pessoas teriam, com incumbência de fazer um determinado bem, quando elas não andam bem, elas tomam birra do bem que elas deveriam fazer e dá um certo ódio. Então, por exemplo, como é de se esperar — salvo uma graça especial e tal — a respeito do livro da nobreza, que os príncipes em geral espanquem o livro.
Bem, como o clero espancou o Em Defesa que era a defesa deles contra o que está vindo aí. Porque o indivíduo que tem uma eminência qualquer, mas não tem esse amor ao paradisíaco — no fundo é uma forma de amor de Deus — acaba tendo birra da coisa que o eleva mais para o alto.
* Os sofrimentos da Bagarre nos lavarão das birras que temos contra essa ordem de coisas paradisíaca
Donde acontecerá que durante esta elevação paradisíaca, etc., nós deveremos ser lavados ao pé da letra de muita birra que nós temos subconscientemente pelo menos, a toda esta concepção porque nós somos os grandes beneficiários dela. E por causa disso se tem a birra dessa concepção como os judeus tiveram birra de Nosso Senhor.
(Sr. Paulo Roberto: Por isso é preciso o sofrimento da Bagarre, não é?)
Precisa do sofrimento da Bagarre, é preciso. E depois nós devemos querê-lo porque é expiação inclusive do mal que nós fizemos. As almas no purgatório vão queimar no fogo, mas elas vão queimar com uma espécie de alívio à medida que elas sentirem que estão se purgando dos defeitos que tiveram na terra. Porque aí a pessoa fica com horror dos seus defeitos como de uma uma túnica de fogo e quer sair de dentro. E essa túnica de fogo vai queimando no sujeito o apego que tinha dos defeitos, então isso é necessário. E na Bagarre que satisfação a gente perceber que a nossa alma vai se desrevolucionarizando.
(Sr. Paulo Roberto: O sr. falava do papel da cruz, não é?)
É que só a cruz limpa, não é?
Aliás é por isso que eu em vários êremos consegui que se fizesse uma cruz preta em que o crucificado não está, por que Ele ainda é uma consolação, mas Ele não está. Está o lenho do sofrimento, com a escada com que o sujeito subiu para perfurar o flanco de onde nasceu a Igreja, e a esponja, e outras coisas pregadas, instrumentos de tortura, o pano branco, etc., etc., está tudo ali, coroa de espinhos, etc., não é?
Quer dizer, está representado o sofrimento no seu estado puro, não é?
Mas isso lava, limpa, retifica, nem sei quanta coisa, nem sei quanta coisa!
* Como a TFP seria menos bonita se não houvesse nela quem sofresse!
(Sr. G. Larraín: O sr. aponta muito uma cruz e uma luz, não é?)
É. Per crucem ad lucem.
(Sr. G. Larraín: Mas essa luz é a luz desse paraíso e a cruz gigantesca para não haver confusão e que senão a pessoa vai tomar uma cruz que é de outra, digamos. A luz está bem explicada nesta reunião qual é. […])
Você veja, por exemplo, a TFP. A TFP traz consigo muitos sofrimentos mas como ela seria menos bonita se ninguém dentro dela sofresse. Não acham isso?
(Sr. Paulo Roberto: Sim, inteiramente.)
João! Vocês aí… é preciso cortar, eu depois explico ao João o que é. (…)
* Durante a Bagarre veremos a “crucifixão” de muitas almas boas, a fim de que raie a aurora do Reino de Maria
E aí é o mistério da cruz, não é? Que se enriqueceria de quantas “crucifixões” de “almas boas” durante a Bagarre para completar o que Nosso Senhor Jesus Cristo quis que ficasse faltando da Paixão d’Ele para raiar a aurora do Reino de Maria.
Tudo isso a gente deve tomar, aceitar de bom grado, etc., etc.
* A Cruz no alto da qual Nosso Senhor, exercendo seu poder de Rei, redimiu o mundo, orna hoje as coroas e as condecorações
(Sr. Paulo Henrique: A respeito do triunfo da cruz e depois a presença da cruz. Certa vez o sr. falou que com o triunfo dela ela passou a figurar por cima de todas as cúpulas, de todas as torres, de todas as coroas, não é? E de todas as comendas, e a única que não tinha forma de cruz, tinha forma de cordeiro.)
Isso, o tosão de ouro. Mas é isso.
Ninguém pensaria nisso no momento em que Ele estava na cruz coberto de escarros, de sangue, de poeira, de lama que jogaram nEle, e o sangue precioso d’Ele escorrendo no meio daquela sujeira toda e salvando o mundo. Mas esse poder da cruz Ele o exerceu como um rei ou um juiz do alto cruz, quando Ele disse ao bom ladrão: “Tu hoje estarás comigo no paraíso”.
Porque foi o primeiro ato de justiça judiciária, ficou entendido o bom ladrão para onde ia, não é?
“E hoje estarás comigo no paraíso”, uma coisa extraordinária! Ele abriu a porta do paraíso por que? Porque Ele estava dando sangue, dando sangue, a porta ia se abrindo, não é? E as almas podiam entrar no céu.
(Sr. Paulo Henrique: E nesse sentido ele exercia o poder monárquico d’Ele de rei.)
Poder de rei, Cristo Rei, é o Cristo convertendo e depois julgando e perdoando o bom ladrão.
Meu filho… nós temos…
(Sr. G. Larraín: Ele ia lembrar da hora.)
Eu tenho que levantar cedo amanhã por causa da reunião dos correspondentes.
Há momentos minha Mãe… (…)
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