Conversa
de Sábado à Noite – 28/3/92 – Sábado
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Conversa de Sábado à Noite — 28/3/92 — Sábado
O ódio do demônio à Ordem e o gosto que ele tem do caos se transforma numa vontade de se autodilacerar, análoga com a que ele dilacerou a ordem angélica e queria dilacerar o próprio Deus * Porque o nhonhô quer o caos, quer a desordem, a sua repulsa para consigo mesmo o leva a ter simpatia para o comunismo * A nobreza tem um papel específico na luta contra o caos, e a manutenção desta ordem nobre é como que um sacerdócio * A ampliação do caos não é feita gradualmente em ordem, mas por pulos loucos de almas sem nenhuma esperança, odiando-se mutuamente * A alma que gosta de ver as superioridades, admira a respeitabilidade com seriedade e veneração * Um exemplo de admiração: meditação do SDP diante da imagem de Nossa Senhora na capela do Praesto Sum * “Minha vida, até agora pelo menos, se transcorreu toda ela nesse binômio: um misto de menosprezo ostensivo, e de admiração oculta”
(Sr. Guerreiro: [Dá um resumo da conversa anterior] O senhor não poderia desdobrar ainda toda essa problemática do atrativo do caos, e depois dos estilos do caos? Das últimas formas de contradição que há no demônio e na alma humana, a principal é a que o senhor explicitou na semana passada? Aí está o mistério desta apetência da desordem ou há outras modalidades também de contradição e de horror?)
No demônio?
(Sr. Guerreiro: No demônio e por extensão na alma humana. […] Dada a desigualdade de natureza muito grande que têm os demônios, se pergunta se daí não decorre uma hipótese de que as modalidades de caos de que eles são capazes de gerar, produzir e estimular, tem uma amplitude quase que impronunciável de tão vasta que é. Isto é assim? Não é? Não sei se consegui…)
* A incomensurável variedade e riqueza do mundo angélico
Não, a pergunta está muito clara. Eu acho que é preciso tomar em consideração o seguinte: São Tomás de Aquino diz que os espíritos angélicos são muitíssimo mais numerosos do que os homens; na proporção de um para mil…
(Sr. P. Roberto: Dois terços para um terço.)
Dois terços para um terço, exatamente. E que há uma diferença entre os anjos e os homens que é a seguinte: é que todos nós somos do mesmo gênero, pertencemos ao gênero humano. O gênero humano comporta mil maneiras diferentes de ser, conforme cada pessoa. Se você considerar todos os homens que houve desde Adão até o último homem que vai viver sobre a face da Terra, você terá uma variedade prodigiosa, estrelar, incomensurável, etc., etc.
Agora, você multiplicando isso por três, você pode imaginar o que é com os anjos. Agora, conosco, como somos todos do mesmo gênero, as diferenças figuram, palidamente, as diferenças que há entre os anjos, porque cada anjo é uma espécie, é uma coisa completamente diferente. Seria mais ou menos como, por exemplo, as diferenças que vão… No reino animal há diferenças acentuadíssimas, entre não sei um cupim e um elefante, o que se pode imaginar de diferença é uma coisa incalculável simplesmente.
Bem, a diferença entre os anjos é maior do que essa, porque o gênero animal é muito mais pobre do que os anjos, e como cada anjo é único na sua espécie, seria portanto preciso imaginar o reino animal em que cada animal fosse único na sua espécie. Por exemplo, houvesse uma só paca, houvesse um só rouxinol, houvesse um, etc., na sua espécie e mais nada, e imortal, de maneira que aquilo é para todo o sempre daquele jeito. Você fica diante de uma riqueza de ser que é verdadeiramente deslumbrante, de um lado, e impressionante de outro lado. Impressiona muito.
Agora, a hierarquia e a harmonia que existe entre eles são muito mais acentuadas do que existe entre nós.
(Sr. Guerreiro: São quase que apartheid…)
É, é uma coisa prodigiosa a diferença que vai entre um e outro. Mas por isso mesmo também, a harmonia de um com outro é prodigiosa, como seria, por exemplo, numa orquestra: a diferença dos instrumentos forma a harmonia do conjunto. Assim também, nos seres angélicos há uma harmonia fabulosa nessas diferenças fabulosas. É uma harmonia riquíssima. Aqui entra a palavra riquíssima que eu empreguei há pouco falando de riqueza. Uma coisa extraordinária.
De maneira que um de nós homens, ouvindo a música angélica, ouviria uma coisa tão rica, um som tão admirável debaixo de todo os pontos de vista, etc., que se não fosse uma ajuda de Deus, eu creio que teria dificuldade de compreender as passagens, as harmonias deles, quanto mais eles cantando juntos, quer dizer, louvando a Deus juntos, que tem o valor de uma música, mas é uma coisa que não deixa de ser de algum modo música. Você pode imaginar o que é que é isso; uma coisa fabulosa.
* O ódio do demônio à Ordem e o gosto que ele tem do caos se transforma numa vontade de se autodilacerar, análoga com a que ele dilacerou a ordem angélica e queria dilacerar o próprio Deus
E esta harmonia, se você imaginar transformada em cacofonia e esta ordem, se você imaginar transformada em desordem, você tem por isso mesmo que a natureza deles é tão forte, tão rica, você tem uma coisa de uma desgraça, de uma desventura, de um tormento, de uma dor, de um caos, de uma dilaceração interna, mais ou menos [imaginável], estritamente [imaginável]. Agora, por quê?
Porque em cada [um de] nós homens… nós participamos do gênero humano, e de algum modo todo homem é uma miniatura do gênero humano. Assim também, cada um dos seres angélicos, num certo sentido da palavra, é uma miniatura da ordem angélica, e o ódio que ele tem à ordem angélica e o gosto que ele tem do caos se transforma numa vontade de se autodilacerar parecida com a vontade com que ele dilacerou a ordem angélica e com que ele queria dilacerar o próprio Deus. É uma coisa desse gênero.
O que leva a tormentos também indizíveis e eternos. E aí você tem o caos.
O que se falou na reunião de hoje à tarde, que aquele gosto do feio — você até fez uso da palavra para explicar uma coisa que eu ainda perguntei ao Luizinho, e o Luizinho pretendeu me explicar mas eu não entendi — aquela história que você falou, aquilo é uma coisa que é a tendência do homem para dilacerar a ordem na qual ele está, para no fundo se dilacerar a si próprio. E quando ele chega a conspurcar a sua própria beleza, conspurcar a sua própria ordem, e querer para si a desordem e o feio, então encher-se desses atributos que, uns mais e outros menos, são manifestações da deficiência do homem e, portanto, o homem não deve querer; você está vendo que está instalado nele um princípio de caos e de desordem que vai daí para fora. É uma coisa que você pode compreender.
Eu acho que contei aqui a história do príncipe Yussupov, não é?
(Sr. Guerreiro: Sim.)
* A autodilaceração é uma imagem da apetência do inferno que o sujeito tem
Os tarados que ele freqüentou em Paris não é? Eram tarados sexuais, mas não era o pior, era gente que um cortou o próprio nariz, outro dilacerou a bochecha, furou, vai comer, a comida sai de lado e essas coisas todas. E estes todos, todos desprezados pelos desfiguramentos que tinham feito em si mesmo, se reuniam para comedoria, para beberem, para rirem, etc., etc. Mas você pode imaginar o que é a sua impressão sentado ao lado de um homem que vazou aqui e vazou aqui e que vai comer, sai o líqüido por aqui e que te olha dando risada com um som cavo porque o riso não repercute com uma caixa de ressonância da boca, etc., etc., e o outro que arrancou o próprio olho, e daí para fora. E você sairia… Não, nunca teria entrado sabendo que tem esse negócio; pagaria para não entrar, etc., etc. Um tipo vai e gosta daquilo. É a autodilaceração, imagem da apetência do inferno que o sujeito tem.
Não sei se eu expliquei adequadamente essa história?
* Porque o nhonhô quer o caos, quer a desordem, a sua repulsa para consigo mesmo o leva a ter simpatia para o comunismo
E a apetência que muita gente tem para o comunismo, é porque eles sentem que o comunismo é todo feito de umas dilacerações dessas e de uns horrores desses, e eles querem isso.
Por que é que o nhonhô quer o comunismo? Porque o nhonhô quer o caos, quer a desordem, a sua repulsa para consigo mesmo leva a isso, então faz, e tem simpatia para o comunismo. Para nós, o Lula é um objeto de horror; para eles não, é um companheiro que sofre da mesma dor, que provocou em si o mesmo horror, e que é um companheiro de destino, companheiro de viagem.
(Sr. Guerreiro: […] No que o senhor está tratando hoje todo o ódio dos revolucionários para com a monarquia francesa, por exemplo…)
É isso.
(Sr. Guerreiro: E aí a gente pega todo o caráter satânico do assunto, que é esse ódio e não suportar mais que haja um rei que tenha toda aquela forma de esplendor que as monarquias tiveram.)
É inteiramente isso.
(Sr. Guerreiro: Então, toda a parte como que sensível das coisas existentes, a ordenação material sensível das coisas existentes, depois da ordenação espiritual, ela é o capítulo segundo dessa ordenação geral das coisas, isso é assim mesmo?)
É.
* A nobreza tem um papel específico na luta contra o caos, e a manutenção desta ordem nobre é como que um sacerdócio
(Sr. Guerreiro: E que essa ordenação material das coisas de modo mais excelente, mas elevado, mais requintado, à esta ordenação Deus cria uma condição para o homem que é a condição de monarca e de aristocrata para realizar essa missão.)
Isso. E é nesse sentido que, aqueles de vocês que tiverem a paciência de lerem o livro sobre a nobreza, devem dar realce a um documento de Bento XV em que ele fala do sacerdócio da nobreza. A nobreza tem um papel específico na luta contra o caos, e a manutenção desta ordem nobre é como que um sacerdócio. E é preciso ter esse sacerdócio da nobreza para agradar a Deus e depois para fazer o bem a todos.
(Sr. Paulo Henrique: E com algo de exorcístico, esse sacerdócio da nobreza.)
Sim. Sim, porque exatamente esse sacerdócio da nobreza espanta o demônio que quer o contrário. Desde que a palavra nobreza seja bem entendida, quer dizer uma concepção reta, verdadeira da nobreza. Não é uma nobreza apenas frívola, mundana, etc., etc., mas é uma nobreza na qual os aspectos sociais têm toda a importância que a ele cabe, mas a coisa é muito mais profunda, muito mais profunda!
(Sr. Paulo Henrique: É um carisma próprio dado por Deus para eles exercerem essa espécie de sacerdócio.)
Isso, exatamente.
(Sr. Paulo Henrique: Eles não foram sagrados, mas são portadores desse carisma…)
Em virtude de uma situação natural.
(Sr. Guerreiro: Para suscitar nas almas um desejo de perfeição e esplendor.)
* Os nobres estão para o rei, numa posição parecida dos anjos com Deus
Isso. Os nobres estão para o rei, numa posição parecida dos anjos com Deus. Quer dizer, os anjos são como que símbolos de Deus, invisíveis para nós no momento, mas presentes de uma presença incalculavelmente rica e freqüente por toda parte. Agora, os nobres são isto mesmo com o rei. O nobre é um rei em miniatura, em matéria atenuada, mas ele participa da realeza.
Aliás, os reis da França quando falavam dos duques diziam — nos documentos oficiais — que eram florões da coroa dele. Quer dizer, era um pedaço da coroa. Aquele homem é um pedaço da coroa do rei.
(Sr. Guerreiro: Eram elementos constitutivos da coroa…)
Constitutivos! E isso cria a beleza da…
(Sr. Guerreiro: E a providencialidade do livro que o senhor está terminando.)
* O Livro da Nobreza, sem falar de caos, é, no fundo, um livro contra o caos
O livro que eu terminei, graças a Deus, é um livro no fundo contra o caos. Creio que não fala nem uma vez contra o caos, se falo, falo muito de passagem, porque se eu tivesse que falar do caos para opor a isso, eu teria que entrar em imensidade. Ou a nobreza faz sentir o que é, e a ordem, e com isso cria uma imunidade contra o caos, ou ela rateou, ela não está desempenhando a sua missão. Esta é a realidade da coisa.
(Dr. Edwaldo: Um nobre reto, pela sua simples presença é ordenativo.)
É isso. É ordenativo por definição. Ele, vamos dizer, que é um pedaço da ordem. Por isso o nobre que não é reto, é uma caricatura de tudo isso e seria como um padre apóstata. A analogia de situação é muito acentuada.
Aliás, por isso é que também até a Revolução Francesa o senhor feudal de um lugar, tinha direito, ele e a família, a um lugar no presbitério para assistir missas, para as funções religiosas, etc., etc., como nas monarquias o rei e a família real têm direito a lugar no presbitério.
Quando vovó conheceu a princesa Isabel, era França na república, mas ela estava no presbitério da igreja de Saint-Germain-l’Auxerrois, que é precisamente a igreja de cuja torre partiu o primeiro toque de sino para o massacre dos protestantes. Eu acho que nem ela nem vovó estavam pensando nisso. Vovó então nem se fala, nem sei se tinha noção clara desse massacre. A princesa Isabel eu quero esperar que tivesse. Mas isso é uma coincidência. O que é importante é que ela tinha um lugar no presbitério com a dama de honor dela que era a baronesa de Muritiba. Como, por exemplo, também ficaria mal a ela sair à rua sem ter uma pessoa, uma dama de honor para acompanhá-la para fazer essas pequenas coisas. Por exemplo, descer do presbitério para perguntar se aquelas senhoras que ela tinha visto embaixo eram brasileiras, ficava mal a princesa Isabel fazer. Mas pedir a uma baronesa e não apenas a uma criada ir perguntar, ficava bem. Se ela mandasse uma criada, ficava mal para ela e ficava mal para as pessoas a quem ela mandasse o recado. Era preciso ser uma baronesa. Uma baronesa estava perfeitamente bem. A coisa estava direita. São as ordenações das coisas.
* A ampliação do caos não é feita gradualmente em ordem, mas por pulos loucos de almas sem nenhuma esperança, odiando-se mutuamente
(Sr. Guerreiro: O senhor então é propenso a achar que esse caos deve continuar a se ampliar e por causa dessa diversidade da natureza dos demônios, o próprio caos vai como que mudando de natureza, estilo, oscilações internas num crescendo…)
E com pulos loucos. Não tem ordem, não pense numa gradualidade que seja ordem. Porque nós pela nossa natureza pensamos em numa gradualidade sistemática. Não há, são pulos incomparáveis de almas transformadas em brasa, em chamas, em dores horríveis, eternas, sem nenhuma esperança, odiando-se mutuamente e querendo isso. Porque o mais terrível é querendo isso.
Vocês têm um pequeno sentido disso tomando em consideração a repulsa, que vocês devem ter visto em sua vida, [que] certas pessoas sentem por estar dentro da igreja. Não dentro da Igreja Católica, dentro de um edifício da Igreja Católica, destinado ao culto católico. As pessoas mundanas sobretudo sentem isso agudamente. A Igreja pré-conciliar é tão nobre, tão direita, tão acolhedora, tão Mãe de todo o mundo, ali todo o mundo se encontra tão bem, etc., etc., mas o pessoal mundano que comparecia lá, comparecia uma meia hora para a missa, porque um resto de ordem ainda estava na alma, mas comparecia na missa o tempo inteiro fazendo desordem, fazendo mundanismo, olhando para os outros, tomando atitude para fazer-se olhar, namorando, e fazendo toda porcaria que nós sabemos.
Por quê?
Porque se fosse para eles verem os anjos dentro da igreja, a menos que os anjos os tocasse com uma graça extraordinária, no regime comum da graça eles não gostariam. Eles achariam por exemplo a canção do anjos monótona, porque não tem caos. Agora, pelo contrário, o rock and roll eles gostam.
* Na música, o a-melódico substitui a melodia. Exemplo: o jazz-band e reck-time
Aliás, você toma a música até a metade do século XIX mais ou menos, mas vamos mais, até o fim da primeira Guerra Mundial, pode-se chamar música, são variantes da música, mas pode-se chamar música. O jazz não é música, é a cacofonia conservando vagos traços de música, mas é cacofonia.
(Sr. Guerreiro: O jazz é o lado reverso do tapete.)
É o lado reverso do tapete.
E depois algumas coisas que tem por exemplo o jazz… Uma regra sagrada da música antes do jazz, era precisamente a gradualidade a qual você falava há pouco. Você pega o jazz, aquela coisa está tocando e de repente tem [espontaneamente?]: fanfan! fenfen! e volta.
(Sr. F. Antunez: O jazz não tem melodia.)
Bem, basta dizer a-melódico que está dito tudo isso. Para uma música o que tem mais para dizer?
(Sr. Guerreiro: …)
É a-melódico, ele quer substituir a melodia… E depois é em tudo.
No tempo que eu era moço, dançavam uma dança que era a última palavra dentro dos padrões aceitos então, a última palavra da simplicidade na dança. É uma dança chamada reck-time eu não sei bem o que é reck, time é tempo. Eu me lembro que as primeiras palavras da coisa era assim — música americana é claro —Yes, you have not bananas today. Eu ainda poderia… se eu tivesse um piano eu tocava a mão direita da coisa para vocês terem uma idéia. Mas era uma história das impressões várias que tem um homem passando por uma rua de uma cidade americana. Então ele passa por uma quitandazinha e pergunta: “você tem bananas?” E o sujeito responde: “não, eu hoje não tenho bananas”. Mais adiante é uma oficina então tem barulho de oficina e aquele barulho é musicado. Vamos dizer o seguinte: um passeio ouvido por um cego que não pode perceber o mundo exterior a não ser pelo ouvido, poderia ser expresso dessa maneira mas de modo extravagante, porque…
(Cel. Poli: E um passeio num lugar desagradável de passear.)
Num lugar desagradável de passear.
(Sr. P. Roberto: E sem nenhum roteiro.)
Nada, nada, nenhum roteiro, é uma coisa assim. Por exemplo, no passeio você poderia imaginar que ele encontrasse um chafariz e que sentisse aquela água cair, poderia imaginar que tem passarinhos nas árvores, poderia imaginar um frescor dentro do qual você entra de repente porque tem uma árvore e faz sombra, outras coisas assim. Não, é tudo extravagante. Já é a proximidade o jazz.
* O “jazz” é a primeira oficialização do feio na música
Agora, o jazz já é a primeira oficialização do feio na música. Porque não se pode negar que o jazz é feio. E quando eu jazz apareceu, eu falei cobras e lagartos contra o jazz. O pessoal dava risada e dizia: “mas você não sabe interpretar a coisa! Não se toma a sério isto, isto é uma coisa de americanos, são uns bobões ricos, estão contentes da vida, fazem bobagem, você precisa conceder uma quota de lugar para bobagem na vida”.
É precisamente o que eu não queria conceder. Mas essa quota de bobagem na vida era já um bafo do inferno, era isso.
(Sr. Paulo Henrique: E isso se passou para todas as artes depois.)
Tudo! Tudo.
(Sr. Guerreiro: E como a indústria concorreu para destruir o mundo antigo e abrir as portas para esse mundo novo.)
Sim, porque ela, ainda quando queira fazer o bonito, ela faz feiamente; as máquinas de fazer as coisas são feias, os barulhos que essas máquinas fazem são feios, o ambiente em eu que elas trabalham são ambientes feios, os homens que trabalham ali são homens como classe, menos bonitos da sociedade, porque o próprio trabalho os enfeia, e tudo junto é uma oficina da feiúra, de maneira que o sujeito se deteriora lá.
Você ia perguntar alguma coisa, meu filho?
* Com o igualitarismo democrático o Feio foi penetrando na vida política. Uma comparação das guerras antigas com as de hoje
(Sr. P. Roberto: Nos acontecimentos políticos houve alguma coisa que fosse paralelo ao jazz e ao rock?)
Foi o igualitarismo democrático. Quer dizer, a política era uma coisa linda, era um acontecimento de corte, de parlamento, a partir o momento em que o igualitarismo achincalha as cortes, e plebeíza as cortes e de outro lado desfigura a vida parlamentar, o feio é que vai penetrando naquilo.
(Sr. P. Roberto: Mais recentemente, por exemplo, a queda da cortina de ferro, essas coisas todas… […] isso seria uma nova fase ou estaria no ritmo das antigas?)
Não, decididamente no ritmo antigo não está, mas são tão diferentes, tão descontínuos que eu ao menos tenho dificuldade em classificar. Você veja, por exemplo, a guerra do Iraque. A guerra foi feia enquanto desenvolvimento de relações entre os beligerantes.
Antigamente a guerra era assim: chegava o momento em que duas potências — já por aí, o se chamarem potências; hoje é difícil referências à potências em vocabulário político, se diz nações. Naquele tempo, “duas potências”, dá idéia da grandeza do Estado não é?
Bem, duas potências entram numa contradição de intenções irremediável e a guerra é a única coisa que é possível. Então, o Estado que quer fazer a agressão manda seu embaixador procurar, mas de fraque e cartola, procurar o ministro do exterior, que também se apresenta já de fraque para [o] receber, e receber um ultimato que é uma ameaça: ou o país “x”, vamos dizer a França, muda de atitude em tal ponto, ou a Alemanha invade a França…
(Sr. P. Roberto: Daí o armamento da Alemanha na primeira Guerra Mundial, todo o mundo já sabia que dali ia sair uma guerra, mas era uma coisa que tinha um certo…)
Um certo ritmo-cerimonial quase como de um minueto.
Bem, o embaixador comparecia lá, fazia um ultimatum, o ministro declarava que não atendia, o embaixador telegrafava ao seu próprio governo, o governo mandava ele então avisar que o estado de guerra existia entre as duas nações. E o ministro da potência que declarava pedia ao mesmo tempo seus passaportes.
Ao mesmo tempo o ministro da nação com que se declarava a guerra, estava desenrolando o mesmo o ritmo na outra nação. Fazia-se o embarque das coisas que o embaixador quisesse levar num trem especial. E a potência que estava rompendo mandava o embaixador estrangeiro, acompanhava até o limite de seu próprio território. Ali ele descia, tomava o trem de seu país e ia para onde quisesse.
Bem, mas é uma coisa que tem uma certa dignidade. Enquanto o embaixador estivesse no país com guerra, ele não tinha que recear vaia, não tinha que recear nada, era respeitado em tudo, etc. Quando ele saísse, ele deveria ter feito a triagem de todos os documentos da embaixada, móveis, coisas mais preciosas, levar tudo. Davam-lhe vagões para isso. O resto, a potência agredida, tomava conta da embaixada, mandava pegar tudo que tinha, guardar num depósito tudo que tinham deixado lá, e instalavam serviços próprios. Isso ficava assim até que a guerra terminasse em que a embaixada era desocupada, restituída, mas também davam os móveis, etc.
Eu sinto uma certa beleza nisso. Mas não é mais assim hoje.
(Cel. Poli: O Japão é a segunda potência mundial produção de material bélico. Mas me pareceu ver que ele está fazendo um esquema de defesa e de ataque unicamente tecnológico, como que sem exércitos. Quer dizer, é uma máquina de destruir eletrônica, não sei o quê…)
Tem uma espécie de metralhadora rotativa.
(Cel. Poli: Uma máquina de destruição que não é mais uma atividade militar, é uma atividade meramente industrial.)
É isso.
(Cel. Poli: Agora, aí acabou tudo, quando a defesa de um país e meramente…)
Aperta um botão parte uma bala daqui do porão vai… como é que é isso?
(Sr. F. Antunez: No confronto do senhor com o caos, isso só pode dar por via de um choque, ou o senhor tem um verbo que é ordenativo e pelo qual o senhor poderia fazer como que implodir o caos, e conquistar gente, etc., ou é um verbo só de destruição?)
Você escreva o que eu vou dizer, que é rápido, mas eu não quero gravar.
(…)
* A alma que gosta de ver as superioridades, admira a respeitabilidade com seriedade e veneração
… é a atitude da alma pela qual ela é ávida de admirar, e quando encontra algo a quem ela deve uma admiração por inferioridade e gostando de ver a superioridade, essa alma admira a respeitabilidade com seriedade e com veneração. Esta alma assim torna-se ela respeitável. Então, você pode imaginar uma pessoa que a gente possa examinar em qualquer situação quando encontra, ouve falar ou lê de alguma coisa que lhe é superior, fica contente. E fica contente de contar para os outros e dizer aos outros: “venham admirar também, eu estou admirando, venham admirar também”. Mais ainda, quando aquilo que está sendo admirado não corresponde propriamente ao que merecia, a pessoa constrói a imagem do que aquilo deveria ser pelo seu modo de tratar.
Então, vamos dizer, trata com um padre relaxado, mas trata com tanto respeito, que os outros compreendem como deveria ser um bom padre, e aí começam a respeitar o padre relaxado porque é um pedaço sujo de padre bom. O padre bom é uma coisa tão formidável que a pessoa respeita.
Então encontra um príncipe, encontra um marquês, encontra qualquer coisa graduada diante de si, a pessoa se regala, não se compara. Não é o seguinte: “mas e eu dentro disso? Ele é mais do que eu ou não? Felizmente, eu encontrei mais do que eu, porque eu sou feito para admirar, admirar é minha vida, e não procuro senão o que admirar. Eu não estou procurando saber se sou mais, se sou menos, eu encontrei quem admirar.”
Isto põe na pessoa algo que a torna digna de admiração. Põe uma forma de seriedade, uma forma de limpeza de alma, uma forma de honestidade, uma atitude benfazeja, no sentido próprio da palavra benévola, porque é volo bene querer o bem das coisas onde o bem se encontra, e que leva até para as coisas pequenas. Por exemplo ver não sei o quê… aquele livrinho alemão das crianças que vimos outro dia, e se encantar com aquilo, são molequinhos alemães, mas é um encanto. A gente admira, fica contente. Isso tudo faz a respeitabilidade.
Agora, é inegável que grande parte do Grupo poderia ter muitos degraus acima de si, no seu estágio atual para ser como é. Ou eu estou enganado?
(Sr. Paulo Henrique: Infelizmente é a pura realidade.)
Você não acha, meu filho, que essa definição de respeitabilidade corresponde à realidade?
(Sr. Paulo Henrique: Corresponde inteiramente.) [vira a fita]
… tem o amor ao absoluto. As coisas devem ir até onde devem ir, devem ser inteiramente como devem ser, devem ter inteiramente a ordem que devem ter por causa do absoluto que é Deus, onde tudo isto se realiza nesta plenitude escachoante e irradiante e que é o Ser [que] se definiu: “Eu sou Aquele que é”, e acabou-se.
* Um exemplo de admiração: meditação do SDP diante da imagem de Nossa Senhora na capela do Praesto Sum
Ainda hoje — eu digo de passagem — mas eu estava preparando para a comunhão, uma preparação aliás, muito rápida, por causa daqueles dois visitantes, e a reunião que estava atrasada, etc., etc., e os meus olhos caíram naquela imagenzinha tão sem valor monetário, mas respeitável, digna de interesse, etc., que tem na capela do Praesto Sum, e que como tantíssimas outras imagens, representa Nossa Senhora com o Menino Jesus nas mãos. E eu pensei: “o que é que deveria estar no espírito de Nossa Senhora quando Ela pegava o Menino Jesus e se dizia a si própria que era Deus?” E Ela disso tinha a evidência, Ela o tinha concebido do Espírito Santo e sabia disso.
Você pode imaginar Deus criador de todas as coisas, o Ser por excelência, a Perfeição por excelência, Deus que não tem qualidade, Ele é as qualidades que ele tem, enfim, superior a tudo, e Nossa Senhora com o Menino Jesus no braço e esse Deus, por exemplo, reclinar a cabeça sobre o peito d’Ela para ouvir o coração d’Ela pulsar. Que impressão isso deveria dar? O carinho d’Ele para com Ela, e Ela pensar: “É Deus que está me acariciando, e está me acariciando porque está contente comigo, é portanto o Padre Eterno de quem eu sou filha — pensaria Ela — que me ama especialmente como nenhuma outra criatura, é o Verbo de Deus que é meu filho, eu sou Mãe de meu Deus, e eu gerei Aquele que me criou, na aparência uma contradição fabulosa. Olha como Ele está me amando, Ele, nesse momento está me dirigindo um sorriso infantil, mas no olhar d’Ele eu vejo toda a sabedoria divina. O Espírito Santo é meu esposo, mais do que José, e o momento inefável em que Ele produziu em mim, a humanidade de Jesus Cristo já em união hipostática, eu jamais esquecerei, etc., etc.”
Mas tudo isso é de uma elevação! Uma coisa fantástica tomando em consideração que Deus é Absoluto.
Bem, pensei: “vou receber o Absoluto no meu peito”. Alimenta uma comunhão. Alimentaria um ano de comunhões. Bem pensado, bem preparado, etc., alimentaria um ano de comunhões. Mas esse absoluto sério assim, levado às mais altas coisas, e amigo, porque é amigo da admiração, amigo de considerar o mais alto, do mais alto, do mais alto e se extasiar diante disso, isso são fontes de respeitabilidades. Ou eu não entendo mais nada.
* No Grupo há uma recusa permanente da respeitabilidade pelo gosto de estar em sincronia com a superficialidade. É uma forma de crucifixão que a pessoa não quer
Agora, esta é a recusa permanente que eu encontro. Recusa permanente pelo gosto da superficialidade, pelo gosto de estar em sincronia com uma época que vocês conheceram principalmente superficial, e que agora está mudando. E não é a superficialidade, é o hediondo do demônio que vai aparecendo. E então, vocês naturalmente acham melhor não pensar nisso, porque do contrário são obrigados a revestir a pele e a carne da respeitabilidade, e a respeitabilidade a pessoa não quer, não quer e está acabado. É uma forma de crucifixão que a pessoa não quer. Não adianta, é isso. E depois é em qualquer Grupo. Você toma uma gota disso que fosse aceita pelo Grupo de Paris, como o apostolado na França mudaria.
Mas, Grupo de Paris! Por que é que eu vou tão longe? O Grupo de São Paulo! Pronto!
(Cel. Poli: Grupo de São Paulo, nós.)
É assim e está acabado.
(Cel. Poli: O Grand-Retour seria a restauração disso?)
É isso, seria.
(Cel. Poli: Agora, nós temos que esperar o Grand-Retour para isso, ou o senhor quereria que já caminhássemos de alguma maneira…)
Não, vocês cuidem do Grand-Retour em si que mais ou menos automaticamente o Grand-Retour vai se produzir nos outros.
(Cel. Poli: Claro, seria um meio de ver no senhor essa sacralidade…)
Essa respeitabilidade cuja causa é a sacralidade.
Qual é a relação entre sacralidade e respeitabilidade?
O por onde o homem é respeitado é a sacralidade que ele tem. Há uma espécie de reversibilidade.
Quer dizer, o que vocês precisariam fazer é formar um propósito de aceitar a cruz de serem respeitáveis, não de serem megas, mas de serem respeitáveis, que é uma coisa completamente diferente da megalice.
Por exemplo, um padre que é respeitável não tem nada a ver com um padre mega. São coisas diferentes.
* Minha vida, até agora pelo menos, se transcorreu toda ela nesse binômio: um misto de menosprezo ostensivo, e de admiração oculta.
Bem, aceitar isto sendo amigo de admirar, de procurar, de ficar contente vendo tudo que há para se admirar. E se encontram uma pessoa especialmente respeitável, admirar, e encontrar porquê, explicar-se para si mesmo porquê, e tomar essa atitude. A gente vai por uma união de almas adquirindo essa respeitabilidade. Mas aí não é provocar em torno de si reverências, é apanhar, é levar pancada.
Eu estava dizendo ontem à noite que minha vida, até agora pelo menos, se transcorreu toda ela nesse binômio: um misto de menosprezo ostensivo, e de admiração oculta. Mas vocês não acham que é mesmo?
(Sr. Paulo Henrique: É a realidade, é o que se passa.)
É o que se passa. Quer dizer, ostensivamente qualquer um… Ocultamente um olhar: “olha lá, ele disse isso, olha ele faz aquilo, olha ele agora deu na cabeça daquele outro, ele agora teve uma vitória”, mas…
(Dr. Edwaldo: Oculto e portanto covarde.)
E na primeira hora que puder rouba. E é muito curioso o seguinte: a ilusão de que vindo a sentar-se na presidência da TFP, imediatamente se reveste das qualidades que a pessoa oculta. Quer dizer, isso seria um efeito do cargo. Mas nada dos outros não quererem reconhecer, hein! Porque aí dá encrenca, não é? E daí também manifestações de ingratidão inenarrável.
Havia uma pessoa — eu acho que já contei isso aqui — uma pessoa no Grupo, não está no Grupo, senão não contaria, que levava a vida mais irregular possível e sabia que eu sabia dessa vida irregular porque ele me contou, eu animei muito, ele…
(…)
* Quando a gente se mete no nosso caminho, é para entrar no caminho da respeitabilidade, da sacralidade, e passar por uma paixão parecida com a de NSJC. Exemplo do moço bom do Evangelho
…colocada diante do bem, recusa o bem, acontece como o moço bom do Evangelho. O moço bom do Evangelho era bom, não é dizer que ele fosse hipócrita e se fazia de bom. O Evangelho diz que Nosso Senhor [intuitus eum dilexit eum??]; olhando para ele o amou, mas depois ele recusou o convite de Nosso Senhor para deixar tudo e segui-lO, e diz-se que entre os que apedrejavam Nosso Senhor, quando Nosso Senhor estava a cruz, estava esse sujeito.
Quer dizer, o sujeito que era bom tornou-se ruim vendo o bem. Ele era bom e passou a ser ruim, mudou de gênero, se você quiser, passou a ser ruim, e passou a odiar Aquele que lhe fez aquele convite, a ponto de ser dos apedrejadores. É uma coisa do outro mundo. Mas as coisas são assim. Quando a gente se mete no nosso caminho, é para entrar no caminho da respeitabilidade, da sacralidade, e passar por uma paixão parecida com a paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. O convite é esse.
(Sr. Paulo Henrique: Pedra de escândalo.)
Pedra de escândalo. O profeta Simeão disse isso.
(Cel. Poli: E o elemento para poder tomar essa atitude é admirar o padrão de sacralidade que Nossa Senhora nos deu.)
É recusar isso.
(Cel. Poli: Se recusar não tem força, se admirar tem força.)
É assim.
(Cel. Poli: É uma misericórdia insondável o senhor ter dito isso para nós.)
É uma grande misericórdia, é uma misericórdia colossal.
(Cel. Poli: É até uma data que precisaria ser marcada.)
Com afeto, mas você veja, qual é o mais novo de tempo de Grupo aqui, eu acho que é Fernando não é?
(Sr. F. Antunez: 65.)
Eu acho que ninguém entrou depois de 65, talvez Paulo Henrique.
(Sr. Paulo Henrique: Não nós entramos por essa época.)
Mais ou menos na mesma época. Bom, quanto tempo foi preciso passar para se poder dizer isso? E dizendo ainda causa assim uma espécie de apreciado e respeitável assombro. Não é verdade que já devia ter [sido] visto por nós?
(Sr. P. Roberto: O tempo que nós passamos no Grupo sem isso não foi aproveitado.)
Não foi, não foi.
Bom, foi aproveitado nesse sentido, que não caíram nas abominações aí de fora, e foi possível afinal aparecer um dia em que isso era dizível, só. Não é pouco, mas é pavorosamente insuficiente. Para dizer a coisa com palavras bem medidas é isso.
(Dr. Edwaldo: É uma graça que nós não pedimos.)
Não, não, não pediram.
(Sr. Paulo Henrique: E que uso faremos dela?)
Agora, resta isso.
(Sr. Paulo Henrique: Nosso passado não nos recomenda.)
Não, nem um pouco.
(Dr. Edwaldo: São Paulo diz uma coisa na epístola aos romanos que se aplica na reunião de hoje. “O Espírito Santo pede por nós porque nós não sabemos pedir, e Ele pede com gemidos inefáveis”. Eu acho que uma graça dessa provém disso.)
Que coisa bonita!, “gemidos inefáveis do Espírito Santo”, que coisa bonita, admirável!
Aliás, no período constantiniano era uma coisa que me distinguia muito, me separava muito do ambiente constantiniano, é que eu morria de admiração por todas as coisas da Igreja e as pessoas que manipulavam aquilo tocavam com era possível, mas não tinham essa admiração.
* Os sinos de São Paulo pararam de tocar, e a cidade e o Grupo não percebeu.
(Dr. Edwaldo: E qualquer coisa que o senhor conte dessa época a gente vê isso.)
Por exemplo, eu tenho impressão, não posso garantir, mas tenho impressão que a bem tempo já, os sinos cessaram de tocar em São Paulo, e que com exceção de um carrilhãozinho encantador, ingênuo, muito provinciano, mas muito puro do mosteiro da Luz, que ainda toca, que não há mais sinos tocando em São Paulo.
(Dr. Edwaldo: Um ou outro lugar toca.)
Um ou outro? Mas se é um ou outro Edwaldo, é quase como se não tocasse.
(Sr. Guerreiro: Na catedral tocam.)
Na catedral tocam? Ainda é alguma coisa. Porque é uma coisa terrível quanto houve de diminuição de toque de sino. Por exemplo, o Coração de Maria como tocava antigamente. Santa Terezinha tocava… Bem, a cidade não percebeu. E eu que me encantava com qualquer toque de sino, por mais que fosse um sinozinho a toa, etc., eu me encantava, eu vi aquela indiferença… Bem, mas dentro do Grupo também não notaram. “Sino!” Para mim, sino é um enlevo, uma admiração, um encanto, a voz da Igreja, etc., etc., etc.
Eu me lembro que houve um tempo que nós fazíamos todos os domingos à tarde, para pôr em dia as orações, eu saía e ia com o pessoal que vai comigo no carro, mais o Átila e íamos rezando. E no caminho da estrada dos Bandeirantes, passava uma capelinha; capelinha a mais mínima que pode haver, e eu tirava o chapéu, de longe, até nem era obrigado, porque a gente deve tirar o chapéu quando passa em frente à porta da igreja, mas assim de longe… Mas vendo naquele campo, naquele descampado, um fim de cidade, etc., uma capelinha, eu tirava o chapéu. Olhava em torno de mim…. Comecei e a elogiar a capelinha, e falar — o Fernando deve ter visto uma parte disso.
(Sr. F. Antunez: Vi sim.)
Como era capelinha, como era um encanto, etc., etc. Alguma coisinha tocou muito de leve, mas tocou. Mas eu tenho receio que se tivessem destruído a capelinha, não se notaria também. Ninguém diria: “ó, mas porque destruíram a capelinha?” É não compreender a vida da Igreja, o zelo da Igreja, eu diria quase a adorabilidade da Igreja enquanto Corpo Místico de Cristo. Não se tinha esse sentimento da Igreja.
Iam preparando exatamente essa falta de apetência de considerar a respeitabilidade indizível da Igreja Católica e eu me encantava com a Igreja Católica e me encanto pela respeitabilidade dela. Fazia uma dissonância enorme!
(Dr. Edwaldo: Em Porto Alegre numa igreja perto da sede tocavam os sinos, então promoveram um abaixo-assinado para proibir o toque de sino.)
Que horror! E o Grupo não reagiu?
(Dr. Edwaldo: Eu não sei.)
(Sr. Paulo Henrique: Não, pela lógica do que o senhor está dizendo nem se deu conta.)
Um qualquer protesto… Engraçado que há poesias de autores ímpios, trechos de prosa de grandes literatos ímpios, elogiando os sinos, mas nós não. Nós não.
(Dr. Edwaldo: Pinturas sobre o ≥ngelus.)
O ≥ngelus. Na catedral engloutit uma das coisas é o sino, a catedral sai de dentro da água e começa a tocar. Essa idéia do sino que sai de dentro da água e começa a tocar, a mim me encanta. Mas há muitas pessoas que se tirasse esse pormenor da narração dava na mesma.
Aliás, só isso: “La Cathédrale engloutit”, só essa idéia da catedral afogada e que sai de dentro das águas e que toca em certas circunstâncias é de uma beleza extraordinária. Não comove nada! O que é isso!
Agora, “a oficina mecânica ficou de consertar meu automóvel e eu não sei se vai desembrear, não sei o quê, teteté”, isso é muito importante.
(Sr. Paulo Henrique: As sirenes que tocam..)
Sirenes sim.
Bom, meus caros, eu creio que nós estamos muito adiantado na hora, eu sou obrigado, infelizmente a demarrar.
(Sr. Paulo Henrique: Eu já li alguma coisa sobre os sinos que têm o papel exorcísticio que espanta demônios…)
Espanta demônios!
(Sr. Paulo Henrique: Isso aí tem um método.)
Pois é evidente.
* Alguns comentários sobre o livro do Andreas Hofer
(Sr. Paulo Henrique: Lendo livro da Andreas Hofer, tive a oportunidade de ver aquelas atitudes ímpias do imperador proibindo o toque de sino em toda região.)
É o demônio que não queria.
Você está lendo o Andreas Hofer
(Sr. Paulo Henrique: Já terminei.)
Você não achou muito interessante?
(Sr. Paulo Henrique: Interessantíssimo. Eu emprestei ao sr. Armando Santos e ele se dispôs a traduzir para o português…)
Ah, meu acho que seria…
(Sr. Guerreiro: Ele está tocado, ele disse que gravaria e se alguém quisesse copiar…)
Pois então se vocês tiverem com ele, digam que não esqueça de levantar — que ele tem um encontro aos sábados à tarde comigo para rever os papéis — que ele não deixe de me dizer, porque me entusiasma a idéia.
(Sr. Paulo Henrique: Pode dizer para ele fazer a tradução se ele quiser?)
Ah pode, pode. Aquela introdução, Paulo Henrique, quando fala da organização daqueles municípios da Suíça, aquelas [autonomias] você chegou a ler aquilo?
(Sr. Paulo Henrique: Sim, eu tive oportunidade de conhecer um pouco o Tirol, e aquilo me mexeu muito.)
Antes de conhecer Andreas…
(Sr. Paulo Henrique: Lá a região do Tirol. Foi depois de conhecê-lo porque eu estava na Itália e ele já estava aqui. […] Dava até vontade de voltar de novo e fazer uma peregrinação, porque eu não conhecia a história do Andreas Hofer.)
Eu vou dizer a você o seguinte: se eu voltasse à Itália, um dos lugares que eu queria ir é visitar o túmulo do Andreas Hofer. Não sei onde ele está sepultado; o livro deve contar.
(Sr. Paulo Henrique: Está escrito creio que no local onde ele foi enterrado: “enquanto houver rochedos, montanhas e nossos peitos, haverá proteção em torno da Casa D’Áustria”.)
Que beleza! Depois o homem é muito bom narrador, você não acha?
(Sr. Paulo Henrique: Ah sim. E ele teve um flash…)
Foi, foi um flash.
(Sr. Paulo Henrique: Esse livro foi editado no ano passado…)
Mas que estava tendo saída em Paris enorme. E olha que elogiando um sujeito que combateu a França.
Agora, Napoleão aparece aí ainda mais sujo, não é? Um porco! Agora, tem uma coisa, o Andreas Hofer foi meio ingênuo numa coisa, é acreditar que o imperador da Áustria preferiria deixar ir abaixo o império a abandonar o Tirol.
(Sr. Paulo Henrique: Será que elementos do clero… ou é ingenuidade de camponês?)
Eu acho que era ingenuidade de camponês, porque os elementos do clero não teriam levado ele a confiar na Casa d’Áustria nunca. Mas nunca!
Aquela coisa muito bonita, no fundo era um departamento de imprensa avant la lettre que a casa d’Áustria tinha naquele tempo, que distribuiu aos tiroleses contra Bonaparte, distribuiu literatura sobre músicas, etc., dos chouans e dos espanhóis, revoltados contra Napoleão. Bonito! Como pegaram bem, com viam bem o que estava se passando. E eles, tiroleses, pegaram, cantaram, etc., etc. É bonito!
Meu caros, me desculpem…
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