Conversa
de Sábado à Noite (Êremo de São Bento) –
15/2/92 – Sábado – p.
Conversa de Sábado à Noite (Êremo de São Bento) — 15/2/92 — Sábado
Uma das formas de conceber a melhora de um ser é ir à plenitude do que lhe é próprio * A perfeição é de si uma excelência de qualidades e uma abundância de qualidades maior do que a natureza da coisa exige e comporta, à vista de uma finalidade que também excede a coisa * O homem nobre é aquele que tem qualidades que estão acima do que a natureza humana exige e que o coloca numa esfera que tende a algo de angélico * A nobreza é uma situação por onde se exige um estado de virtude médio e uma muito boa excelência de todas as qualidades próprias para o convívio na sociedade temporal * “O armário que eu tenho no meu quarto, tem uma certa graça que vem da atmosfera mística da Idade Média que inspirava o artista e chamava o anjo” * A sala do Reino de Maria voltou ao zero dentro do Grupo, e o auditório Nossa Senhora Auxiliadora nos picou pelos lados não sacrais que temos * A insuficiência, a mediocridade, a ausência de sacralidade dentro da TFP é uma coisa do arco-da-velha * Antes mesmo do profetismo ser sobre a hierarquia é sobre a sacralidade
Vamos rezar três Aves Marias.
Ave Maria…
Então, sentemo-nos.
Fernando, o Caio não veio?
(Cel. Poli: Ele disse que tem que levantar às 7:30 hs. para um dia inteiro de despacho com o sr. Carlos del Campo.)
Ah, estava muito cansado.
Então, quem é que…
(Sr. Guerreiro: É um pedido se o senhor podia explicitar um pouco mais toda essa questão de que, no livro da nobreza, faltava alguns pontos que o senhor queria tratar muito, e que Pio XII não cobria esta parte. E aí então o achado do cardeal Herrera Oria, e daí o senhor nos ter comentado algumas frases uma noite. E das várias frases que o senhor comentou conosco, uma delas pareceu que era uma das frases mais interessantes para o objetivo que o senhor tinha em vista no trabalho. Ele a las tantas dizia que compete à Igreja suscitar um movimento rumo à perfeição espiritual. E que cabia à nobreza verdadeiramente católica suscitar nas almas um impulso para no plano material procurarem realizar as coisas cada vez mais com perfeição, já então no plano material. […] O senhor não poderia comentar um pouco conosco essa questão? Porque o senhor não vai colocar no livro da nobreza todo o pensamento do senhor que esta frase e as outras que ele deu, suscitaram no seu espírito. […] Não sei se está suficientemente claro?)
* Um das formas de conceber a melhora de um ser é ir à plenitude do que lhe é próprio
Está suficientemente claro, sim, e eu respondo com muito gosto porque é um gênero de cogitações que eu tenho feito ultimamente e que eu acho muito importante.
Em matéria de perfeição, a gente deve se perguntar, dos vários graus de perfeição qual é o máximo grau. Naturalmente, compreende-se o seguinte. A gente pode dizer, simplificando as coisas, que existe uma perfeição máxima, uma perfeição média, uma perfeição mínima, uma perfeição não sei o quê, e dividir isso em quatro ou cinco graus completamente teóricos e depois fazer uma aplicação qualquer. Mas não pega o fundo da questão. O fundo da questão é o seguinte:
Na melhora de um ser, tem duas formas de conceber essa melhora. Por uma das formas, o ser pode ir até a plenitude do que lhe é próprio. Você tem então uma perfeição inteiramente satisfatória. Vamos dizer, por exemplo, esse vidro aqui de água de colônia. Um vidro de água de colônia em tese deve ter determinadas qualidades. Existe um modo de ter, pelo qual em função da idéia teórica de vidro de água de colônia se pode dizer: este vidro, as formas dele, as condições dele não tem nada de contrário ao fim próprio, e enquanto tal esse vidro é perfeito. O que quer dizer aqui perfeito? É a ausência de defeitos. É a posse num grau que não importa defeitos de todas as qualidades mínimas necessárias para este vidro.
Agora, o vidro pode ser um vidro desta ou daquela, daquela qualidade que eu posso imaginar. Em última análise, um bloco de cristal no qual se escavou um orifício necessário para conter o suficiente de água de colônia, e um cristal muito puro, e se arranjou uma forma bonita, mas muito simples, seria por exemplo uma esfera, portanto escavar um vidro dentro de uma esfera de cristal apenas com o necessário para essa esfera não rolar, para ela ficar de pé, já seria uma coisa muito bonita. Mas você poderia imaginar um cristal cor-de-rosa, ou de uma cor não sei mais o quê, ainda teria mais isto. Você poderia acabar imaginando que isto feito não num cristal de rocha, mas num brilhante, tomar o koh-i-nor, por exemplo, escavar o koh-i-nor e ali dentro fazer um buraco onde coubesse água de colônia. Você teria então um vidro de água de colônia de desmaiar. Teria atingido uma perfeição impensável, inexcogitável, não poderia ser maior a perfeição.
* A perfeição é de si uma excelência de qualidades e uma abundância de qualidades maior do que a natureza da coisa exige e comporta, à vista de uma finalidade que também excede a coisa
O que é que significa aí a perfeição?
Significa que é uma excelência tão grande de tudo quanto o vidro deve ter que o espírito humano não pode imaginar uma coisa mais excelente do que aquela. Houve exagero nisso? Depende da pessoa a quem se destina esse vidro de água de colônia. Vocês imaginem que por exemplo este vidro se destinasse a conter água de colônia para uma soberana que fosse uma rainha do mundo, de uma importância, de uma elevação, etc., etc., também ela inexcogitável. Estaria na proporção.
Mas esse vidro de água de colônia, então, seria um vidro nobre. Até que ponto um vidro de água de colônia é excelente sem ser nobre? Até que ponto esse vidro é nobre e não mais excelente? Então até que ponto ele é nobilíssimo?
Não sei se a pergunta está clara.
A resposta é: o vidro de água de colônia perfeito é aquele que tem em grau extremo tudo aquilo que deveria ter. Ele vai, portanto, muito além do que é a excelência comum dos vidros, ele está num grau que é exatamente o inimaginável [que] está acima disso.
Você tem nessa afirmação a ordem de que todos os seres são capazes, em tese, de uma excelência que chega quase até o exagero sem ser exagero. E que essa excelência é a perfeição no sentido próprio da palavra quando existe um grau de perfeição tal que o vidro de colônia é nitidamente superior ao que o gênero exige.
Se compreenderia que um vidro, vamos dizer, para conter água benta — porque água benta vale muito mais do que água de colônia — para uma rainha…
Mas quando se chega a pensar no cristal de rocha e se chega a imaginar que no cristal de rocha se faz um “M” e uma Cruz inseridos e que nesse se arranja um outro cristal de rocha e cor diferente que cobre exatamente essa cruz e esse M e faz uma verdadeira jóia, você tem então a perfeição das perfeições […?] do vidro de água de colônia. E depois chega ao inimaginável, porque podem ir até graus inimagináveis.
Bem, a perfeição é de si uma excelência de qualidades e uma abundância de qualidades maior do que a natureza da coisa exige, maior do que a natureza da coisa comporta, à vista de uma finalidade que também excede a coisa. A coisa é portanto transportada de dentro de si mesma e posta num patamar mais alto que ela, de maneira que ela fica quase humilhada pelas condições em que ela está posta, de tal maneira as qualidades são pronunciadas na essência da coisa, que as qualidades quase fazem sombra à própria essência. Esta aqui é a maravilha da coisa.
* O homem nobre é aquele que tem qualidades que estão acima do que a natureza humana exige e que o coloca numa esfera que tende a algo de angélico
Então, se isso [que] se pode pensar assim de uma água de colônia, pode-se pensar também de um homem. Então o que é que é um nobre? É aquele que tem qualidades que são acima do que a natureza humana exige e que essas qualidades o colocam numa esfera que é acima do homem e que tendem a algo de angélico. A condição de nobre é portanto angelizante.
Agora, como entre os anjos existem Arcanjos, Dominações, Potestades, Querubins, no auge Serafins, então, existe dentro da condição de nobre, que já é a natureza do homem esticada ao último ponto, mais algumas excelências. São os vários degraus da nobreza. O inimaginável realizado é a realeza.
* A santidade é medula da condição de nobre
Vem aí o problema do papel da santidade com isso.
A santidade é a medula da condição de nobre, no seguinte sentido de que pelo menos no estado de graça se exige do nobre com um rigor maior do que se exige do plebeu, em igualdade de condições de vocação.
Por quê?
Porque como todas as outras qualidades ele deve ter excelentes, ele só conseguirá ter excelente realmente se ele está na graça de Deus, porque isso vivifica todas as qualidades. Do contrário não vai ser um verdadeiro nobre.
Um nobre não pode ser herege por esta razão, é que se ele se afasta da Igreja de Deus, ele é como um cadáver, e um cadáver não pode ser posto na direção de um reino ou qualquer coisa dessa porque não tem vida; o nobre em estado de heresia está em estado cadavérico, não há nada para querer exigir dele.
Mas não basta a santidade, é preciso que tenha alguma coisa que a santidade ajuda a obter, mas que não é essencial a ela, não é indispensável a ela, e que é próprio à nobreza ter. É tomar todos os outros predicados do homem inclusive os da vida meramente temporal e exigir deles também, esse grau de magnificência.
Aí, se você imaginasse um nobre assim, você teria imaginado um santo [assim], mas teria imaginado um nobre de alto quilate, eventualmente um rei.
Bem, eu vou mostrar de um modo chocante como isso é necessário, e de outro lado como não é.
* Um exemplo: não se pode imaginar que São José fosse capaz de qualquer ação à maneira trivial
Como isso é necessário. Nós não podemos imaginar São José… eu não sei de homem que tenha tido glória comparável a dele; para ser esposo de Nossa Senhora e Pai do Verbo de Deus Encarnado é uma coisa inimaginável, insondável, não se tem o que dizer. Não se pode imaginar que São José fosse capaz de qualquer ação à maneira trivial.
Por exemplo, há umas lendas graciosas a respeito da fuga do Egito. Nossa Senhora, o Menino Jesus, São José passam perto de um coqueiro, uma palmeira, uma árvore alta, em cima tem frutas e Nossa Senhora está com fome, Ela quer alimentar-se para poder alimentar bem o Menino. Bem, solução: São José sobe no coqueiro. Não vai. Mas então a solução é um milagre, o coqueiro se verga de maneira a cair bem ao alcance dele. De maneira que de um modo normal e fácil ele possa destacar e dar para Nossa Senhora o coco. Mas, ainda precisa fazer a incisão, romper a casca do coco. Não fica bem a gente imaginar São José ir junto a uma pedra e jogar o coco contra a pedra até arrebentar, escorre a água, ele leva para Nossa Senhora, Nossa Senhora bebe diretamente no coco. Não está bem.
A gente pode imaginar uma suma compostura e delicadeza de ação que o milagre se pratica até que eles saiam disso, de tal maneira isso é necessário a eles.
(Sr. Gonzalo: Isso não é por causa da santidade, é por causa da nobreza deles.)
Não, é por causa da santidade e da nobreza conjugada.
(Cel. Poli: Se fosse só a santidade talvez não fosse necessário.)
Não, no grau d’Eles é necessário. Aqui as coisas se juntam.
(Sr. J. Clá: A separação é meramente didática para se poder explicar, mas as duas coisas são inseparáveis.)
No caso extremo d’Eles. No caso [super?] extremo.
Nessas condições a gente poderia dizer então que Eles deveriam ter essas facilidades para guardar uma super-singeleza com uma super e simplicíssima dignidade, uma simplicíssima venerabilidade.
Agora eu vou empregar uma palavra que cabe muito bem para homens comuns, e você vai ver como não cabe para São José. São José deveria ser distintíssimo. É uma excelente qualidade que cabe à nobreza, que é exigida pela nobreza, mas que não cabe a uma tão alta santidade. Por exemplo uma pessoa que dissesse: “Nosso Senhor Jesus Cristo com toda sua distinção…” Há qualquer coisa que você sente que é impróprio. E qualquer coisa que seja impróprio nEle, é gravemente impróprio. Não tem por onde escapar.
Por quê? Porque a distinção é uma excelente qualidade, mas [não] é uma qualidade própria para quem atingiu uma tal altura que transpõe os umbrais da nobreza, mas não transpõe os da santidade.
(Sr. Guerreiro: Mesmo num rei, se colocar a tônica na distinção, é um pouco diminuir a majestade dele.)
É um pouco diminuir a majestade. Um pouco, mas um pouco diminui. Quanto mais aplicar a São José. Não é verdade?
Bem, mas para um nobre é o que convém dizer: “Tal marquês é muito distinto”.
(Sr. Gonzalo: E se não é, deixa de ser marquês.)
Deixa de ser marquês.
Bem, elegância. Uma santa que seja, vamos dizer Santa Elisabeth duquesa da Turíngia. Ela se separou da sociedade temporal e vivia uma vida mais ou menos de freira, embora cuidando dos seus meninos, e isto em virtude de um chamado divino. Dizer: “a alta distinção da duquesa da Turíngia…” é desagradável. Mas a irmã de Luis XVI que está beatificada, ela devia ter uma alta distinção. Por quê? Porque ela estava posta na sociedade temporal. E esta qualidade que à simples santidade de quem está acima da sociedade temporal não é necessário, para a sociedade temporal é um adorno, e a bem-aventurada que está vivendo na sociedade temporal deve ter.
(Sr. Guerreiro: Quando o senhor usou a palavra alta distinção, já confere nova vida que…)
Um novo brilho por assim dizer.
(Sr. Guerreiro: Uma certa grandeza que a mera palavra distinção de si não é inteiramente descritiva desta forma de distinção.)
Isso exatamente.
* A nobreza é uma situação por onde se exige um estado de virtude médio e uma muito boa excelência de todas as qualidades próprias para o convívio na sociedade temporal
Bem, então o que é que é a nobreza?
É esta situação por onde se exige um estado de virtude como exigência, um estado de virtude médio e uma muito boa excelência de todas as qualidade próprias para o convívio na sociedade temporal. Isso é a condição de nobre. Ela se supera, ela tem uma excelência que está acima das exigências da condição humana. Mas ela tem. Por causa dessa idéia fundamental que o nobre é aquele que se superou a si próprio e tem umas qualidades para seu estado e para sua missão, qualidades superiores a que o homem precisa ter e pode ter normalmente naquela condição. Essa idéia do mais além de um certo limite posto pela própria exigência da natureza, isso caracteriza a idéia de nobreza.
Não sei se eu devo exprimir isto melhor?
Diga, meu filho.
* O profetismo, a santidade e a nobreza
(Sr. Gonzalo: Se o senhor poderia relacionar isso com a vocação da TFP, com o profetismo, porque o senhor está dizendo isso que é uma explicitação fabulosa e que a gente vê que está no fundo da alma do senhor. Certamente isso foi uma das coisas que o senhor amou desde menino e que é um ângulo muito característico do amor de Deus no senhor, o considerar as coisas assim. Agora, o que há na alma da pessoa que tem a vocação de ser o profeta tal enquanto tal nessa pista, no ver as coisas assim? Ao nobre se requer também que tenha grandes horizontes? Agora a gente vê que no profetismo, os horizontes são de um tamanho… e que diz algo a respeito dessa excelência suprema que está por cima do que se pede a um homem comum. Então ele é nobre também, além dos títulos normais por onde ele é nobre, ele deve ter títulos de nobreza que passa por cima disso. Um dia do senhor é tão variado, mas tão estável de outro lado, e cogitando coisas de uma tal envergadura que isso de si passa a natureza humana. Então como o senhor ligaria o que o senhor acaba de dizer sobre o nobre com o profetismo? Com o profetismo do senhor.)
É o profetismo da Contra-Revolução. Esse profetismo constitui em relação à santidade como em relação à nobreza um tercius genus porque em rigor, em rigor, em rigor, o profetismo é um carisma e esse carisma é um carisma que não depende da santidade. O indivíduo pode fazer uma profecia porque Deus lhe revelou, e ele conta, mas não é necessariamente um santo. Conviria muito a quem fosse profeta ser santo. Por isso mesmo houve entre os profetas, santos extraordinários, etc., etc. Mas de si, de si, de si, o profetismo não exige a santidade e a santidade não exige o profetismo, e, portanto, estas qualidades são distintas entre si.
Nós teríamos que imaginar portanto o carisma do profetismo assentado sobre um homem que fosse santo e depois um homem que não fosse santo. São duas coisas diferentes.
E, de outro lado, a matéria do profetismo também entra em cena, porque se a matéria do profetismo é de si uma matéria muito alta, muito grande, ela coloca diante do profeta horizontes que ele não pode não amar, a respeito dos quais ele não pode não meditar, e que estão para ele como os coloridos dos vitrais estão para o interior de uma capela. Assim também a luminosidade interior da alma de um profeta, de um profeta de grandezas, de um profeta de magnificências até no castigo, até na miséria, até em tudo mais, como também na vitória é um profetismo que versa sobre temas tão altos e tão imensos que aquilo é como vitrais que refletem as suas qualidades dentro da alma dele. E portanto, ele como um indivíduo deve considerar aquilo que lhe é dito, deve amar e aquilo deve refletir na alma dele.
Eu estou claro, meu filho, ou estou confuso?
(Sr. Gonzalo: Sim, está claro.)
Agora, a nós na TFP, cabe participativamente um profetismo pelo qual nós temos um carisma de discernir a alma do profeta, de discernir a profecia do profeta, e de amar o profeta enquanto ele tem em si as luzes desses vitrais e enquanto nossas almas foram feitas para que essa luz filtre até nós. E portanto, nós participamos de tudo quanto é dele, e se ele tem a missão não só de prever mas de agir e de cumprir a própria profecia, de executar o que ele disse… Por exemplo, São João Batista, ele executou o que disse, ele profetizou que seriam aplainados os caminhos do Senhor, mas os aplainou. Se isto é assim, então nós devemos ter também uma consonância com a ação do profeta, e portanto uma participação naquilo que ele ama, naquilo que ele odeia, naquilo que ele desconfia, etc., etc., devemos ter uma participação que configura as relações fundador e religioso.
(Sr. Gonzalo: Mas nessas cogitações, a problemática nobreza entra de modo muito grande…)
Muito!
(Sr. Gonzalo: A tal ponto que o senhor no simpósio “Quem somos nós” mostra que a formação da alma do senhor em menino, o papel da família como resto da Cristandade viva, foi fundamental. E o profetismo está em aumentar enormemente esse papel da nobreza?)
* O profetismo faz amar enormemente aquilo que ele deve pregar que é a desigualdade harmônica e proporcionada
O profetismo aumenta enormemente no seguinte sentido. É que ele faz amar enormemente aquilo que ele deve pregar que é a desigualdade harmônica e proporcionada.
Agora, quer dizer que todos os que têm a vocação do profetismo devem ser do píncaro dessa escala?
Não. Mais ou menos o pessoal mais humilde da nossa vocação deve estar diante do pessoal que tem vocação profética mais acentuada na posição de um fiel diante do sacerdote. O fiel assiste a missa que o sacerdote celebra, ele conhece a excelência do que o sacerdote faz, ele venera o que o sacerdote faz, e o sacerdote enquanto fazendo aquilo. Mas ele não tem a necessidade, nem lhe cabe ter uma atitude sacerdotal. Ele tem a atitude do fiel reverente, transido de amor e de gosto de ver o sacerdote mas que não é sacerdote. Assim também aquele que é plebeu em relação àquele que é nobre.
Agora, a questão é que a dignidade e o esplendor sacerdotal próprio a um padre, isso o fiel participa enquanto venerando, enquanto colocando-se abaixo, enquanto se deliciando em ver que aquilo está acima, e nisso aparece nele a verdadeira piedade. E é um santo.
(Sr. Guerreiro: É a condição para se santificar.)
É a condição para se santificar. De maneira que por exemplo, vamos dizer — eu não quero falar alto — mas este […inaudível] que o tornam respeitável. (…)
* No convívio com pessoas reais, na medida em que nós os veneramos, eles podem ser mais próximos de nós. Nesta medida eles crescem para baixo, e quem trata com eles cresce para cima
…isso de curioso que faz o indivíduo que respeita participar da grandeza da coisa diante da qual ele se inclina. Você veja o convívio com as pessoas reais. Se são pessoas reais que são como devem ser, e a gente as trate como deve tratar, na medida em que nós o veneramos, eles podem dar-se o contentamento de serem mais próximos de nós. Nesta medida eles crescem para baixo, que é uma coisa necessária para eles — daqui a pouco vou mostrar uma coisa — e quem trata com eles cresce para cima.
(Sr. Gonzalo: A gente vê como a democracia separa.)
A democracia separa.
(Cel. Poli: Crescem para baixo sem se diminuir.)
Sem se diminuir, evidentemente.
Bem, eu dou um exemplo. Você imagina um rei que está entrando — infelizmente vou ter que dar um exemplo protestante porque é quase o que só há hoje em dia — em cortejo, etc., etc., na basílica de Westminster e vem uma velhota qualquer tomada de entusiasmo e exclama: “O meu rei!” E fica diante dele atrapalhando o caminho. Normalmente ainda mais em coisa protestante, tem um sir, um lord, ou qualquer coisa assim, “pssit! vai embora!” E se compreende.
Bem, feito isto com o cortejo do Papa, não. Se compreende que o Papa desse ordem à sede gestatoria para parar, desse à mulher uma bênção e depois continuasse. O Papa cresce para baixo. Mas é que ele pode crescer para baixo sem se diminuir. E o rei que é muitíssimo menos que o Papa não pode crescer para baixo.
(Sr. Guerreiro: O rei não pode crescer para baixo?)
(Sr. J. Clá: Nessas circunstâncias…)
Nesse caso, nessas circunstâncias. Em outros casos e outras circunstâncias sim. Mas nesse caso e nessas circunstâncias não.
Vamos definir melhor assim: há coisas de crescer para baixo que um rei não pode fazer e que um Papa que é muito mais do que o rei, pode e deve.
Você não acham muito bonito?
(Dr. Edwaldo: Um, crescendo para baixo, aumenta e o outro diminuiria.)
Diminuiria. Não pode fazer.
E uma baronesa deve desmaiar se pegam nela.
(Cel. Poli: Havia uma coisa na Senhora Dona Lucilia por onde ela podia ter uma atenção para uma criada… O senhor conta que ela encontrou uma criada na rua e teve uma atenção para coma criada que dona Rosée ficou…)
Horrorizada.
(Cel. Poli: Mas ela não se diminuía fazendo isso.)
Não. Onde Rosée tinha razão, é que as pessoas que passavam não tinham mais o espírito para compreender uma coisa dessas que ela compreendia, e por causa disso diminuía a situação de mamãe e dos filhos dela. Porque aí já é uma questão prudencial. Mas em si, no Reino de Maria não.
(Sr. Guerreiro: Nesses exemplos que o senhor está dando em que as autoridades podem crescer para baixo sem se diminuir, eu perguntaria ao senhor se no Brasil, diante de um certo público que é bastante numeroso, muito “pobre-coitado”, muito miserável, se uma pessoa sem ter nobreza, sendo mais, pode ter alguma acessibilidade a uma pessoa muito inferior sem se diminuir, não é isso?)
Sim, porque se repete por analogia essa situação.
(Sr. Guerreiro: É um paralelismo que sai do mil para o…)
O zero virgula um.
(Sr. Guerreiro: Mas que guarda simetria.)
E depois tem o seguinte. Como em nós o afeto se forma facilmente e liga facilmente as pessoas, se compreende melhor que a predominância do afeto numa relação rei-povo, do que em outros povos. Por onde nesta linha, um imperador do Brasil poderia e deveria crescer para menos para tornar transitável na ordem da realidade o exercício desta faculdade da alma nacional.
(Sr. Guerreiro: O que um pouquinho o livro do dr. Leôncio a gente pega nessa linha.)
Tem, alguma coisa ele tem nessa linha, mas já em outras coisas não tem. (…) [vira a fita]
(Sr. Gonzalo: … nós temos muita dificuldade em ver o aspecto monárquico da TFP, e esse lado democrático em vez de unir, acaba separando.)
Sim, mas é porque é mal apanhado a coisa.
(Sr. Gonzalo: Se o senhor pudesse tratar um pouquinho sobre esse ponto…)
Acontece o seguinte, meu filho, que nós estamos falando em tese, mas para tratar dessa questão, em certos momentos nós temos que entrar no concreto para depois voltar para a tese, porque do contrário a fluidez do assunto nos escapa da mão.
Eu vou apresentar a coisa de outra maneira e é por um lado muito inesperado, mas é por onde me é fácil pegar a coisa assim en passant, no vôo.
Você sabe que a maior parte dos teólogos sustenta — e eu sou ardoroso no afirmar isso - que quando há uma tentação existe sempre… uma tentação humana, normal, por exemplo um homem passa diante de uma árvore carregada de frutas, junto a um muro, a árvore pende para além do muro e ele está com muita vontade de comer uma fruta, e ele percebe que ele pode destacar uma fruta e comer. É uma situação toda natural que o tenta. Mas esta tentação natural não existe em concreto só no natural, distingui-se do que seria uma tentação preternatural, mas em concreto não se separam.
Em toda tentação natural, o demônio intervem junto para fazer força para perder o homem. Assim também numa civilização, num ambiente em que a vida mística ordinária é muito intensa, em que a graça com freqüência toca as almas em experiências místicas a respeito daquilo, daquilo e daquilo outro, tudo quanto é naturalmente respeitável é meio sacralizado e como que um anjo toca o homem para ele respeitar aquilo de um respeito que é a soma da respeitabilidade natural e da respeitabilidade sobrenatural que aquela coisa tem.
* O que quer dizer respeitabilidade sobrenatural?
Respeitabilidade sobrenatural o que é quer dizer?
É que o anjo dá uma graça para o indivíduo perceber a respeitabilidade que aquela coisa tem, aquela respeitabilidade natural, mas a graça através da qual ele vê essa respeitabilidade é uma coisa sobrenatural; o que faz com que um sujeito vendo através da graça, é como se visse através de um vidro colorido e por causa disso algo de místico ou de sacral pode de algum modo tocar o homem. E freqüentissimamente toca, ou habitualmente toca.
De maneira que a sociedade temporal, natural no Reino de Maria está completamente banhada como se fosse uma cidade sub-aquática, está completamente banhada no sacral e, portanto, em certo sentido, sobrenatural. Todo movimento de respeito no católico batizado, sobretudo se esse respeito se volta às autoridades eclesiásticas, etc., mas também ao civil posto por Deus para dirigir-se, etc., ou preeminência sociais postas também por Deus para dirigir-se, etc., alguma coisa da analogia daquilo com a ordem sobrenatural toca com cores e sabores sobrenaturais, e faz com que todo ato de respeito feito de um modo ou doutro seja sobrenatural.
(Sr. Guerreiro: A graça evita que a fronteira entre o mundo e Deus Nosso Senhor, fique adelgaçado, fique…)
A graça faz com que os dois horizontes se interpenetrem e é esta uma das exigências mais internas, é a exigência mais interna da TFP em matéria de ordem temporal é que a ordem temporal seja assim.
* Assim como indo à igreja se pode ter sensações de ordem mística natural, assim também as coisas naturais devem dar essa sensação freqüentemente, ou habitualmente, na sociedade temporal
(Sr. Guerreiro: A ordem temporal tem que ser uma metáfora para a ordem sobrenatural.)
É isso exatamente. E não só metáfora, mas banhada da ordem… Assim como se vai à igreja e se pode ter várias sensações de ordem mística natural, assim também as coisas naturais devem dar essa sensação freqüentemente, ou habitualmente, ou sempre um mínimo na sociedade temporal.
(Dr. Edwaldo: Isso seria uma nota de muita superioridade em relação à Idade Média.)
A Idade Média tinha algo disso, mas terá muito mais intenso. Mas habitualmente isto na Idade Média existe, mas muito menos sobrenatural.
Bem aí, Edwaldo, é que você pode compreender bem que exílio nós vivemos, e também o caráter profundamente religioso da TFP.
Isso corre o risco da gente perder um pouco de vista quando à força de nós falarmos coisas concebidas na ordem temporal sem acentuar esta interpenetração. Por exemplo, você imagine um exército que parte para a batalha. Mas um exército ainda de antes da I Guerra Mundial; portanto, com dignidade, o aparato, o donaire que a americanização dos aspectos das forças militares depois da I Guerra Mundial tirou ou diminuiu muito. Parte para a batalha. É um exército de católicos que vai empreender uma guerra de defesa do território nacional. Mas é uma guerra temporal, apenas estão envolvidos ali assuntos de ordem temporal. Mas a idéia de que aquela gente que vai combater lá, vai combater para cumprir um dever e um dever de justiça em relação à própria pátria, e que elas morrendo, a morte delas ou é um martírio ou tem alguma coisa do martírio, sacraliza em algo o desfile militar. E quem tem isso em vista percebe ali, realidade que nós não perceberíamos. Mas [se] o mesmíssimo exército tivesse partindo para uma Cruzada lo que se dice Cruzada, Cruzada para libertar do comunismo, subiria….
(Dr. Edwaldo: Enormemente.)
Bem, mas se fosse — veja a coisa curiosa hein! — para libertar o santo Sepulcro, ainda muito mais. Quer dizer, a finalidade da guerra nos deixaria perceber algo de muito respeitável que existe até na ordem natural da guerra, mas que uma certa unção da graça apresentaria nos seus aspectos sacrais, até para a guerra temporal. E essa sacralidade de absolutamente todas as coisas, vistas assim, na civilização cristã isto é para nós uma coisa fundamental.
(Dr. Edwaldo: Meio celestial.)
Meio celestial. (…)
… uma coisa sobre isso. Eu se pudesse mandava o João tapar os ouvidos diante do que eu vou dizer. Mas ele me contou uma ocasião com muitos pormenores, a brincadeira deles com os esquilos que batiam na janela dele e depois as espiéglerie que ele fazia com os esquilos. Os esquilinhos queriam entrar dentro da sala, batiam no vidro, [ele] punha uns saquinhos com amêndoas, não sei com quê do outro lado, e os esquilos…
Bem, essa brincadeira do João com o esquilo numa sede da TFP, aqueles esquilinhos ficaram elevados em mais algo. Simplesmente isto. Agora, se dissesse que o Bush… (…)
… são as mil coisas que a gente deve saber observar antes de fazer a teoria, porque senão a teoria saía cambaia. Tão complexa é a realidade que a teoria sai cambaia. Eu penso assim.
(Sr. Gonzalo: […] A missão do senhor é celestificante, assim como a Revolução quer infernizar a terra, mas muito pela ordem temporal, ou seja criar uma civilização que tem uma mística que banhe o homem de coisas demoníacas…)
É tal e qual isso. Que horas são? São três e dez?
(Sr. Gonzalo: Não. Mas foi muito duro o dia hoje.)
Não, não, eu não estou cansado assim. Se eu fosse autocrata eu mandaria alguém ir dormir, que está cansado além de toda medida e que está num verdadeiro pelourinho. Por que não vai dormir, meu filho?
(Sr. F. Antunez: Tenho que resistir.)
Tenta assistir? É, mas amanhã você vai ficar esgotado…
* “O armário que eu tenho aqui no meu quarto, tem uma certa graça que vem da atmosfera mística da Idade Média que inspirava o artista e chamava o anjo”
Bom, mas eu volto a dizer. Por exemplo, aquele armário que eu tenho aqui no meu quarto é qualquer coisa que atrai e que tem qualquer coisa assim uma certa graça que vem da forma dele, vem da madeira, etc., etc., mas vem da atmosfera toda mística da Idade Média que inspirava o artista e chamava o anjo.
(Sr. J. Clá: É impressionante. O gótico é arrebatante.)
Não tem comparação com nada. Com nada!
(Cel. Poli: Essa formulação “inspirava o artista e atrai o anjo é…”)
Mas é assim.
(Cel. Poli: É uma formulação muito bonita mas pega a realidade como ela é realmente.)
É, eu estou tentando… Eu em toda essa conversa aqui não estou procurando literalizar, eu estou procurando agarrar a realidade com unhas e explicitá-la. Mas a questão é que daí sai um som de beleza; é o efeito natural desta procura do sacral.
* A sala do Reino de Maria voltou ao zero dentro do Grupo, e o auditório Nossa Senhora Auxiliadora nos picou pelos lados não sacrais que temos
(Sr. Gonzalo: A sala do Reino de Maria é prodigiosa nessa matéria…)
Muito, muito, muito! Bom, e aí se a gente fosse cantar o que somos nós, não para descrever a vocação, mas para descrever a realidade, como a sala do Reino de Maria voltou ao zero dentro do Grupo! Uma coisa impressionante! Porque voltou ao zero.
Agora, por quê? Veja o fato, e você vê aí quem somos nós. Apareceu o auditório Nossa Senhora Auxiliadora que nos picou pelos lados não sacrais que temos. Em comparação com auditoriozinho São Miguel, o auditório Nossa Senhora Auxiliadora parece mais dignificante, dá mais status humano a quem o freqüenta do que dá status humano o auditório São Miguel. O que é evidentemente inegável.
Por outro lado é mais cômodo e mais fresco, e então as pessoas se sentam ali, muitos, com ar de burgueses dignificados, e começam a ouvir ou não ouvir a conferência que se faz ali, ou a música e o cântico que se toca. Ouvir ou não ouvir, é perfeitamente secundário.
Mas o que tem no fundo da questão é que essas pessoas não procuram o sacral, elas procuram coisas temporais sem preocupação de sacral; forma almas laicas. E quando a alma é laica, não espanta que ela só procure sua vantagem.
Bom, o reflexo disso deu com a Sede do Reino de Maria. Não quiseram mais ir à sala do Reino de Maria sob pretexto de que me vêem muito melhor fora da sala do Reino de Maria; e que eu não sei qual é o tormento que existe de me ouvir falar e não poder ver meu rosto. Mas, caras que eu estou vendo que se vêem meu rosto, às vezes têm vontade de fazer assim…
Quer dizer, o que é que é isso? É por que não vêem meu rosto? É talvez porque fique em pé, que é coisa muito diferente. Não é o meu rosto, são os pés deles.
* A virtude seria muito mais praticável se as almas não fossem laicas e tivessem o hábito de ver sacralizadas as coisas
Bem, e considerações de ordem temporal, laicas, mas de almas laicas. E aqui eu trato de uma coisa, já que estamos falando — saindo um pouquinho do tema de nobreza, mas é saindo para cima —já que estamos falando dessas coisas, não é verdade que a virtude seria muito mais praticável se as almas não fossem laicas e tivessem o hábito de ver sacralizadas as coisas? Por exemplo, a pureza. Falam tanto [de] métodos para a guarda da castidade, porque não sei o quê, não sei o quê. Se tivessem a alma bem sacral não haveria outra facilidade para guardar a pureza?
(Sr. J. Clá: É de se perguntar se é possível praticar a pureza na integridade total sem isso.)
E no total, meu filho, a vida católica com suas austeridades, ela é praticável por causa dessa sacralização de todas as coisas que o católico põe em torno de si, etc., etc. E se não põe, ele flecte.
(Sr. J. Clá: Apesar da gente saber que a Senhora Dona Lucilia era casada, que era mãe do senhor e tudo mais, a gente quando chegava perto dela, tinha sensação de uma virgindade…)
Tinha! Ah tinha sim.
(Sr. J. Clá: Por causa dessa sacralidade.)
Sacralidade! Altissimamente sacral, mas altissimamente!
(Sr. J. Clá: Angelicamente sacral.)
É, é. Aliás era uma das coisas que me atraia a ela enormemente, enormemente, era isso.
(Sr. J. Clá: Era tal que uma rosa que se apresentasse… Às vezes acontecia isso, de alguém passar numa floricultura e encontrar uma rosa bonita, comprar a rosa e levar, uma só rosa. Eu me lembro dessa cena: ela pegou a rosa na hora do almoço, mais ou menos, e ficou com a rosa até à noite…)
Ah sim!
(Sr. J. Clá: … e qualquer pessoa que entrava para falar com ela, ela contava história da rosa, comentava a rosa. Era uma rosa!)
É, é isso. Eram freqüentes episódios assim.
(Sr. J. Clá: Uma coisa impressionante.)
E o espetáculo verdadeiro não era olhar para a rosa, olhar para ela. Ahahaah!
(Sr. Gonzalo: [inaudível])
É dela, exatamente é dela.
* A insuficiência, a mediocridade, a ausência de sacralidade dentro da TFP é uma coisa do arco- da-velha
Bom, mas enfim, então vamos pegar a coisa até o fim. Por exemplo, imagine uma situação dolorosa: um rapaz que quer entrar para a TFP, mas ele foi injustamente caluniado e não o admitiram na TFP, e é uma prova a que Nossa Senhora quer sujeitar esse rapaz. Ele fica de fora olhando a TFP de longe, ele assiste desfile no viaduto, ele vê isto, vê aquilo, e ele vê a TFP como os anjos queriam que ela fosse, e de repente, a calúnia se levanta ele entra para a TFP. Eu digo: os senhores teriam mais medo dele admirando a TFP de fora, ou conhecendo de dentro? Olha que não há nada entre nós de infamante. Nada, graças a Deus. Quando há, se expulsa. Mas não é a questão. É a insuficiência, a mediocridade, a ausência de sacralidade dentro da TFP. Esse é o negócio. Ausência de sacralidade. É uma coisa do arco-da-velha e mais algo.
(Sr. Gonzalo: E que vai ser atacado por todos os demônios. O senhor mostrava que vai entrar uma infestação muito grande daqui a pouco, e essa infestação vai nessa linha exatamente.)
Eu acho, meu filho, que essa conversa que nós temos, por exemplo, de algum modo prepara os olhos para o Grand-Retour. De algum modo. Quer dizer, é uma [conversa] que traz consigo uma discreta alusão ao Grand-Retour. Porque se o Grand-Retour não for uma sacralização muito grande, não houve Grand-Retour.
* Antes mesmo do profetismo ser sobre a hierarquia, é sobre a sacralidade, porque a hierarquia só se compreende olhada com olhos sacrais
(Dr. Edwaldo: Essa conversa deixa muito claro também do que o senhor é profeta.)
Sim. Antes mesmo do profetismo ser sobre a hierarquia é sobre a sacralidade. Porque a hierarquia só se compreende olhada com olhos sacrais. Eu digo não só a hierarquia eclesiástica que é evidente, mas a hierarquia temporal. É por excelência o que deve na ordem natural ser vista com olhos sacrais.
Aliás, eu me lembro de eu tomar conhecimento da palavra sacral. Eu tinha assim uns vinte anos, vinte e um anos assim e li um livro do Tristão que dá vontade de dar risada: “Esboço à introdução do estudo da economia moderna”, uma coisa assim. “Esboço da introdução!” Mas era um livrão dessa grossura assim. É verdade que impresso, por concepções do editor, com uma letra muito grande, de maneira que tomava muito espaço, mas era assim mesmo um livro difícil de engolir. Eu li o livro todo. Li o livro movido pela idéia de que o Tristão — que não conhecia quando li o livro — sendo um homem de toda confiança da hierarquia deveria ser um homem excelente e que eu deveria sorver as palavras dele como o vinho da melhor qualidade.
E em certo momento eu encontrei ali aquela expressão: “Estado sacral”. Eu disse: “Mas que coisa bonita! Esse adjetivo sacral eu nunca vi! Eu tenho ouvido falar em sagrado, mas sacral eu nunca ouvi.”
* O sagrado pertence à Igreja, e o sacral é o modo da sociedade temporal ser sagrada
O que é sagrado? No que é que se pode distinguir o sagrado do Sacral?
É exatamente porque o sagrado pertence à Igreja, e o sacral é o modo da sociedade temporal ser sagrada. É a sacralidade que cabe à sociedade temporal. É a diluição do sagrado, por assim dizer, que cabe à sociedade temporal.
Bem, ficou-me na cabeça, o adjetivo nunca me saiu mais da cabeça. E eu até pensei em ver no dicionário. Mas os dicionários não dizem essas coisas assim; não vale a pena. Eu também não sou muito de consultar livros. Eu acho que o livro fecha… É a mesma coisa que se eu quisesse ver alguma coisa daquele panorama, então mandasse pôr uma folha de pau do lado de fora da porta para ver melhor. Esse é o livro. Eu escrevo livros, e descrevo assim o livro.
Bom, houve depois uma conferência do Tristão no Teatro Municipal, mas aí foi a conferência mais reussi que eu vi do Tristão na vida. Uns dois ou três anos depois…
(Sr. Gonzalo: Em São Paulo?)
Em São Paulo. Aí eu já conhecia francamente a ele, bastante, era amigo dele, etc., etc. Ele fez a conferência, e o creme do que havia de melhor em São Paulo encheu o teatro. Ele falou muito, muito bem, porque ele em moço estudou em Paris e tomou um pouco daquela elocução parisiense, aquela coisa que depois intencionalmente ele abandonou. Em certo momento ele falou de qualquer coisa “sacra”, mas muito mais bem aplicado do que no livro. Eu me lembro que eu tive um estremecimento de que guardo memória até hoje, de tal maneira eu achava a coisa extraordinária. E a palavra ninguém usa fora.
* O “lumen” da palavra sacral
(Sr. Gonzalo: Só o senhor usa. […] Quando o senhor usa na RCR produz nas pessoas, ao menos em mim, ela produziu um estremecimento sem saber o que era, quando o senhor mostra que a finalidade do Estado é uma finalidade sacral. […] Mas a finalidade sacral do Estado é qualquer coisa de… O nome tem algo assim. É como Jesus, por exemplo…)
É único!
(Sr. Gonzalo: […] Sacro Império por exemplo, as pessoas ouvem e é como uma música.)
Sacro Império Romano Alemão é uma… acabou-se!
(Sr. P. Roberto: O senhor também diz civilização sacral e hierárquica.)
É, civilização sacral e hierárquica. É uma coisa… Civilização sacral, a palavra sacral faz ver um lumen próprio conjugado com a palavra civilização. Quando se diz, por exemplo, um feudalismo sacral, ela faz ver outra coisa. Ela é uma espécie de caixas de luzes que quando a gente aperta de um jeito ela sai uma, depois outra… sem contraditar, é um tesouro de matizes que estão dentro dessa palavra que a gente pode empregar como quiser.
Mas para isso eu pergunto a você e o Fernando que são os dois únicos hispanos que há aqui, “sacral” existe em castelhano?
(Sr. Gonzalo: Pelo menos quando foi editado a RCR saiu em castelhano.)
(Sr. F. Antunez: Eu acho que sim.)
Você acha que existe, meu filho? Porque por exemplo no francês não existe. Eu nunca ouvi. O que é que você diz?
(Sr. Gonzalo: …)
Tem uma coisa pior no francês. É que sacré às vezes é apresentado no sentido pejorativo. Son sacré voleur, sacré é quase empregado no sentido de maldito. Não é mesmo?
(Sr. F. Antunez: Inteiramente.)
(Sr. Gonzalo: Em todos os livros do senhor que sai em espanhol se usa a palavra sacral…)
Ah sim. Mesmo os que da TFP escrevem, não escrevem coisas com a palavra sacral.
(Sr. Gonzalo: Eu creio que sim, senhor.)
Eu digo o seguinte: eu uso muito a palavra, os outros membros da TFP não me lembro que usem.
(Sr. Gonzalo: Ah, não sei.)
Entretanto é uma palavra incomparável.
* A missão da Senhora Dona Lucilia é mover o Grupo à uma concepção sacral
(Cel. Poli: O senhor na reunião de sábado passado, disse que não está bem clara qual é a missão Senhora Dona Lucilia. Que ela tem feito favores extraordinários para o Grupo, para cada uma das pessoas, mas que a missão específica dela ainda não está bem configurada. Eu pergunto, dado o que ela sempre foi, o encanto que ela sempre causou ao senhor que é nessa linha do sagrado e do sacral, será que a missão dela não será de mover o grupo à essa concepção sacral?)
Eu acho, meu filho, que é. Mas qual é o momento em que se deve começar? A gente não deve fazer força, exceto se apresentarem circunstâncias especiais é preciso deixá-la agir. (…)
(Cel. Poli: Agora pode gravar?)
Daqui por diante pode. Bem, meus caros, nós estamos chegando ao fim de nossa reunião e chegou a hora de rezar. Vamos rezar.
(Cel. Poli: Mas parece que para nós termos no fundo da cabeça essa relação dela com o sacral…)
Ah, é muito bom.
(Cel. Poli: … serve para pôr mais em dia o nosso agradecimento, a devoção que devemos ter a ela.)
Ah, perfeitamente, perfeitamente!
Vamos rezar a oração da restauração.
Meu João, eu queria ter a conversa de hoje durante o jantar e essa de agora à noite.
(Sr. J. Clá: E mais o almoço, aquele.)
E o almoço. São três conversas.
Vamos rezar então, meu caros?
Há momentos minha Mãe…
Viva meu coronel!
Meu caro Edwaldo, Nossa Senhora lhe ajude!
Nossa Senhora lhe favoreça, meu Paulo.
Meu filho, Nossa Senhora o ajude
(Sr. Guerreiro: Pelo sr. Manomi, porque eu tenho um trato com ele. Ele reza no túmulo e eu peço a bênção para o senhor.)
Ahahahah! Está bem.
(Cel. Poli: Paulo Henrique, senhor.)
Ah, pelo Paulo Henrique!
(Sr. F. Antunez: Por todos da França e pelo apostolado.)
Pois não, meu filho, de grand coeur.
O Edwaldo, você sabe se amanhã tem hipoteca?
(Dr. Edwaldo: Eles estão fazendo simpósio em Minas.)
Simpósio não, aquele Carlos Viano diz “simpôzio”.
(Dr. Edwaldo: A Hipoteca seria provavelmente no outro domingo.)
Bem, vamos andando.
(Cel. Poli: Foi uma super reunião.)
(Sr. Guerreiro: Tem um pequeno ponto de dificuldade é que nós não vemos direito os olhos do senhor aqui.)
Por quê?
(Sr. Guerreiro: A iluminação tem um certo jogo de sombra por onde eu não via essa parte dos olhos do senhor. É todo um problema de iluminação que dificulta um pouquinho o andamento da reunião.)
Você vê uma coisa engraçada, que eu também não via adequadamente os rostos de alguns de vocês.
(Sr. Guerreiro: É por causa do jogo da iluminação.)
É uma coisa assim, mas eu de fato não via.
(Sr. Guerreiro: Nós não víamos direito os olhos do senhor.)
Mas porque não puxaram a cadeira?
(Sr. Guerreiro: Da próxima vez…)
É isso. Porque para a gente participar de uma reunião, isso é capital.
Olha aqui, vamos fazer a oração do plantoneiro?
Entrem! Podem entrar.
Poli, agora feche a porta.
Quem é o plantoneiro da noite? É você, meu filho? Pois então vamos rezar.
Ave Maria…
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