Conversa
de Sábado à Noite (Êremo de São Bento) –
17/8/91 – Sábado – p.
Conversa de Sábado à Noite (Êremo de São Bento) — 17/8/91 — Sábado
Toda realidade tem seu fundo de quadro: o demônio tem possibilidades de agir misteriosamente sobre o indivíduo, nesta zona; Descrição do fundo de quadro da Bagarre azul * Qual é o fundo de quadro de hoje em dia? * O sabugo, a inocência e o fundo de quadro * Mudança do fundo de quadro na Renascensa, na Revolução Francesa e após a primeira guerra mundial * Aluviões de demônios presentes no mundo e atuando sobre as almas
Então, somos mais numerosos, hoje? Meu João, vamos nos sentar. Então, quem é o pergunteiro?
(Sr. Gonzalo: [Começa a pergunta com um resumo do almoço de sábado] O pedido seria se o senhor pudesse explicitar ainda mais como é a ação desse demônio. [demônio da “Mentira”] E depois outro ponto é que evidentemente esse demônio é o demônio do fim da Revolução, e portanto, de um certo requinte dela. Então, deve haver uma relação muito grande entre o feitio de espírito e o modo de agir desse demônio, enquanto o Varão da Contra-Revolução sendo inteiramente o oposto disso, e tendo em si categoria de alma, que seja precisamente o oposto a isso. […] Não sei se estão claras as duas perguntas?)
Sim, muito claras sim.
* Toda realidade tem seu fundo de quadro
Bem, eu acho melhor eu tratar das duas primeiras, porque condicionam, sem dúvida, a terceira pergunta que o meu Nelson vai fazer. Então vamos entrar na questão.
Você toma [uma] pessoa, um quadro, aquele quadro de mamãe que está ali, por exemplo. Tem um certo fundo de quadro, esse fundo de quadro é feito para realçar na figura dela algumas notas, alguns imponderáveis, etc., mas realçar com certa harmonia, e enquanto tal esse fundo de quadro diz alguma coisa, por mais monossilábica que seja a comunicação deste fundo de quadro, alguma coisa diz. E esse fundo de quadro tem sobre a pessoa que olha o quadro, um efeito maior do que a gente pode pensar à primeira vista. Como não se presta atenção no fundo de quadro, ainda mais um fundo de quadro como aquele que não tem figuras, não tem nada no fundo, é apenas um colorido, um monocrômico, portanto, a gente não presta atenção; mas de fato se a gente for ver… Imagine que aquele fundo de quadro fosse trocado por um bege, ou então por um cor de rosa, mudava tudo, o quadro passava a ser, a meu ver, inaceitável. O quanto eu gosto do quadro como está assim, se ele fosse bege ou cor de rosa, a meu ver ele passaria a ser inaceitável.
Há na realidade que nós temos diante dos olhos, há um fundo de quadro.
(Sr. Gonzalo: Hoje?)
Sempre! Porque assim como, por exemplo, para a vista do homem, para ter um quadro, precisa ter um fundo de quadro, assim toda realidade tem seu fundo de quadro.
* O fundo de quadro diz uma certa coisa, que realça o que o quadro diz, mas, não é idêntico com o que diz quadro
O que é o fundo de quadro?
É uma espécie de nota — não o quadro, é o fundo de quadro que eu estou tomando agora por analogia — é uma espécie de nota que a coisa tem, que diz uma certa coisa que realça o que o quadro diz, mas que não é idêntico com que o quadro diz.
Eu dou um exemplo muito chué, muito provinciano, talvez, nem sei o que, muito de bairro, muito bairrista, mas eu vou dar esse exemplo. Eu não sei se notaram aqui que há um certo ponto no caminho que faz daqui para as igrejas, o caminho pode ser feito por uma avenida super, super, que tem aí e que dá lá para a vila militar, mas pode ser feito também através da ponte; passando a ponte e descendo pelo gramado, e entre o gramado e o Tietê há uma pista por onde entra o automóvel da gente. E há uns canteiros com um pouquinho de grama ali, e um pouquinho de movimento de terreno também, esse movimento de terreno e aquela grama plantada ali, tem naquela paisagem miserável, tem uma certa conotação parecida com um fundo de quadro. E aquela conotação tem um efeito curioso: que ela é otimista. Ela diz o seguinte: “Não, tudo vai dar certo”.
Se vocês tomarem o trabalho de passar por lá, notarão isto, sobretudo, se o dia for bonito. O relevo do terreno é tal que dá a entender que tudo se resolve, e a grama verde naturalmente concorre para acentuar isto. Não tem uma flor, não tem um arbusto, não tem um chafarizinho, não tem nada que pudesse ser um verbo, uma palavra para dizer para quem não… e só aquele realce, ou aquela depressão suave e a grama verde, contrastando com o horror circunjacente, dá a impressão que o caminho da gente encontra uma pista benévola aonde vai fugir da feiúra do rio, da feiúra das casas e que vai, enfim: “Encontrarás as igrejas”.
Isto que se dá num panorama assim, dá-se de um modo muito curioso com os imponderáveis da vida de um homem. Em geral o homem quando corresponde à graça, ele nasceu para viver em função de um determinado fundo de quadro…
(Sr. J. Clá: Interessante…)
Mas isso é verdade…
(Sr. J. Clá: Sim, é verdade mas a gente não tinha explicitado isso.)
É, eu quase não tenho tratado disso, porque isto leva a tais incógnitas, a tais coisas, de um lado tão interessante, e de outro lado tão difícil de apanhar, que às vezes a gente acha melhor não tratar.
Mas eu estou começando [a] achar necessário tratar por razões que se me lembrarem, eu direi mais tarde.
* Efeito curioso deste fundo de quadro: não é captado pela nossa primeira nem segunda atenção, mas é um fundo nosso que o percebe
Agora, este fundo de quadro tem este efeito curioso, que ele não é captado pela nossa primeira nem segunda atenção, mas, é um fundo nosso que percebe esse fundo de quadro e que se impressiona com esse fundo de quadro, e que passa a servir, aquilo que nós vimos no fundo do quadro externo a nós, passa a dar o colorido como num espelho no fundo do quadro interno a nós. E todas as nossas idéias, impressões, e tendências, etc., etc., são meio influenciadas por aquilo que nós vemos assim, fora de nós.
(Sr. Guerreiro: Por que [é] que o homem que tem uma certa vocação, ele deve viver em função de um certo fundo de quadro?)
Não cheguei a dizer isso. Eu disse que ele tem um fundo de quadro ao qual lhe é dado viver, é desígnio da Providência.
(Sr. Guerreiro: E por que é em relação a esse fundo de quadro e não em relação ao tema principal do quadro que a pessoa tem que viver?)
Eu também não aleguei isso. Mas digo que isto também está presente no quadro. Como todo o efeito considerável e quase nulo que o fundo naquele quadro, por exemplo, pode produzir.
Bem, e uma vez que existe isto no panorama humano, e na alma humana, então isto também é suscetível de uma ação do demônio.
E [é] por onde o demônio cria condições favoráveis a tudo quanto vem depois, do fundo para cima. Eu não quero dizer condições avassaladoras, não quero dizer nada disso, eu digo que são condições propícias a impressionar tudo quanto vem depois, porque o mais fundo, por exemplo, das reflexões que possam estar no meu espírito no momento eu olhando para elas, eu vejo — entre aspas — também o colorido, o fundo de quadro da minha pessoa.
(Sr. Gonzalo: O senhor poderia dar um exemplo concreto?)
* Efeito da ação do fundo de quadro numa sala onde se realiza um cocktail
Eu vou dar um exemplo que está aqui inteiramente ao nosso alcance, mas imagine que nessa sala aqui houvesse um número grande de pessoas e houvesse um cocktail, as pessoas estariam todas em pé, estariam todos conversando; essa boisérie pelo próprio fato de se compor de figuras quadrangulares iguais, e de uma superfície em madeira igual em todos os lados, ela constitui o fundo de quadro que nós no momento temos enquanto conversamos, de maneira que somos capazes de sair dessa sala depois do cocktail, sem fazer o menor comentário da boisérie, mas seria um espírito muito superficial aquele que dissesse que a boisérie não teve nenhum papel no êxito do cocktail. Basta ele imaginar que tirassem essa boisérie e pintassem de branco a olho, para a gente compreender que o fundo de quadro mudou e que a atmosfera do cocktail em um certo sentido, e numa certa linha mudaria também.
(Sr. Gonzalo: Depois o senhor falaria como é esse fundo de quadro da pessoa…)
Da pessoa, daqui a pouco, eu quero primeiro dar um fundo de quadro externo para depois dar o fundo de quadro interno.
(Sr. Paulo Henrique: É por esta razão mesma que o demônio procura sempre se esconder, então ele prefere trabalhar nesse “arrière fond” do que às escâncaras…)
* O demônio tem possibilidades de agir misteriosamente sobre o indivíduo, nesta zona que é uma posição quase indefesa
É, mas é sobretudo uma coisa. É que ele move contra Nossa Senhora e contra Deus, uma guerra total e que ele procura empenhar o homem total, e portanto, ele não poderia movimentar as vítimas dele como ele quer se esta zona não fosse atingida também. Quer dizer tinha que ser. A grande vantagem que ele tira, de operar também nesta zona, consiste na posição quase indefesa do indivíduo. Porque por exemplo, se o indivíduo não ouviu uma exposição como esta que nós estamos fazendo, dificilmente ele terá meios de se defender contra uma ação preternatural nesse sentido.
Então qual é o recurso que ele tem para se defender contra isso? É uma coisa muito difícil. O demônio tem possibilidades de agir sobre o indivíduo misteriosamente desta forma, e um dos elementos — eu digo entre parênteses para verem bem o alcance do que eu vou dizer — quando a gente ver grandes multidões serem impelidas pelo demônio numa certa direção, ele pode fazer toda espécie de coisas, mas a coesão da multidão é segurada em parte, pela identidade do trabalho de fundo de quadro que ele pôs em todas aquelas cabeças. Não é?
Em geral as grande coesões, ou as irremediáveis dissensões, se fazem na base de coesão ou de dissensão de fundo de quadro na cabeça dos indivíduos.
Eu continuo claro?
(Cel. Poli: Está claro e está espetacular.)
Agora, tudo quanto você disse há pouco é verdade, mas não diz respeito ao demônio de que eu falei há pouco, são outros demônios e outras coisas. Mas há uma ação assim, de fundo de quadro, da qual eu quis conversar aqui naquela hora por uma razão especial… (…)
… porque do contrário a coisa escapa.
O que é que poderia acontecer com ele? Que ele tendo passado longo tempo fora chegando aqui os fundos de quadro não coincidissem bem, e não coincidindo bem, ele acharia ou que nós estamos embolorados, peremptos, e que ele acabou percebendo isto. De fato é a mentira do fundo de quadro que está atingindo a ele, ou ele acharia que não, que ele é que está defasado — é a melhor hipótese — mas que não tem para onde pegar porque ele tentou pegar a si mesmo em vários lados e não conseguiu. Então [vale] a deriva.
Agora, isso, meus caros, dá-se com todo o mundo. Dá-se com um menininho da Saúde, dá-se com tudo; pelo seguinte: (…)
…um dom para mexer no fundo de quadro que é uma coisa tremenda! É simplesmente prodigiosa! De maneira tal que muito tempo depois de ter falecido e do club “F”, ainda a recordação do que ele achava nos move no fundo de quadro. E eu insisto num ponto, é a dificuldade de vencer essa batalha se a gente não sabe se existe isso e como fazer isso. É uma coisa que é quase de desanimar. Não é de desanimar, mas é quase de desanimar.
Agora, então indo para frente. Eu acho que nisso pode haver uma ação natural, mas somando-se a isso pode haver uma ação preternatural; e costuma haver uma ação preternatural.
Bem, e acho que aquilo que nós chamamos “mundo contemporâneo”, por exemplo aquilo que foi o mundo contemporâneo da Bagarre azul, formou não sei quantos efeitos sobre o nosso fundo de quadro e aquilo ficou agarrado, para usar uma expressão medieval sicut lepra cut como a lepra adere a pele. Ficou agarrada e a pessoa, pode dar os raciocínios que quiser, os esclarecimentos que entender, etc., etc., a pessoa não ouve, não dá jeito, fica com aquilo parado. Também é com as coisas que chamam as ways of life. Quando o país tem as ways of life, conforme o estado, enfim, a unidade o país, a província, o condado, o que for, aquilo pega no fundo de quadro e produz um efeito ali, além de uma série de outros efeitos. Produz um efeito ali que predispõe para todo o resto, e que é uma força contrária a nós, ou, quando nós vivemos num bom ambiente, uma força favorável a nós, que atua enormemente.
Eu dou um exemplo.
* Exemplo da influência de um ambiente cartucho ou do Mont Saint Michel
Algum tempo atrás caiu-me nas mãos, eu não sei porque breloque, uma vida de São Bruno. E eu li com avidez a vida de São Bruno. Não estava muito bem escrita, a vida dele é uma vida de um santo admirável, mas o escritor não pegou o que havia de mais interessante na vida dele, mas de qualquer maneira aquela biografia me punha possantemente diante dos olhos a idéia do que é um ambiente cartuxo, chartreux. Bem, o que é um ambiente chartreux, e o ambiente chartreux produz na alma do indivíduo um fundo de quadro que a ser tomado a sério, é possante para lavar de qualquer revolução, de qualquer coisa assim, pôr o homem noutra dimensão.
Certos ambientes, por exemplo, como eu tenho visto em fotografia… Eu soube que você esteve lá, não me lembro se o Nelson tem ido também ou não, no Mont Saint Michel. O Mont Saint Michel pelas fotografias tem um claustro que tem uma ação sobre o fundo de quadro de quem visita muito eficaz.
Não sei, foi você que esteve lá, meu Paulo Henrique?
Você teve ocasião de notar alguma coisa assim?
(Sr. Paulo Henrique: Sim. [dá uma descrição do Mont Saint Michel])
Pois é, e você nota que você… Você está multiplicando os recursos de expressão para exprimir uma coisa que é maior do que qualquer expressão. Não é isso que se dá?
Agora, você vai ver o que é, é um efeito de fundo de quadro muito bom, que você recebeu, e que é meio inexplicitável pelo próprio fato de ter atingido até o fundo. E é esse fundo que é quase impossível de explicar mas que é o melhor do efeito que você recebeu.
(Sr. Paulo Henrique: É, deixou uma impronta.)
É isso, uma impronta.
Bom, então se não houver perguntas, eu passo para as aplicações.
Eu acho que por uma ação, por exemplo, no Mont Saint Michel, há uma ação natural. O Paulo Henrique descreveu vários fatores naturais que a justo título concorreram para formar esse efeito. A gente vê que ele mesmo sabe que há um outro fator que não é um fator que se apresenta como natural, que é indizível, e que se soma a isso, e que é o melhor disso. É uma graça. E essa graça visitou-o no fundo de sua alma. Razão pela qual você — eu tenho certeza que esta conversa está aumentando em você o desejo de ir ao Mont Saint Michel.
(Sr. Paulo Henrique: Não só o desejo de voltar lá, mas dando substância a tudo que ficou na minha alma…)
Na sua sensibilidade.
(Sr. Paulo Henrique: O senhor descrevendo o senhor me dá elementos para dar forma disso no meu espírito.)
Isso, exatamente.
Eu sustento o seguinte: que assim como aí há um fator natural, depois um fator sobrenatural ligado ao monges que ali viveram, a intenção do fundador que construiu aquilo, enfim, a uma série de movimentos de alma muito bons que convergiram para que aquilo fosse assim, e que ali viveram, e que você intui como foi, de maneira que você saiu com uma certa idéia intuitiva também, da santidade daqueles homens. De maneira que se lhe fosse dado o ver passar apenas a figura de um daqueles homens pelo claustro, você se ajoelharia imediatamente. Mas você olharia de devorar, porque você procuraria nele a representação viva de uma coisa cuja representação não viva você tinha sentido no fundo de sua alma.
(Sr. Paulo Henrique: E era de cortar a alma quando no dia de fazer essa visita, de que havia apenas um monge, e esse monge, e um monge evidentemente défroqué que era o encarregado de receber o dinheiro dos turistas que vão ali e pagam uma taxa de entrada… era o que representava esse fundo de quadro de uma história…)
Quase feérica.
(Sr. Paulo Henrique: … só toma figura em nosso espírito na medida em que nós havíamos entendido pelo senhor. Porque não só o Mont Saint Michel mas outros lugares da Europa que visitávamos tomava outra vida em função dos comentários do senhor…)
* Forma-se, em nosso fundo de quadro, uma fumarada que realça e atrai tudo que é revolucionário e põe uma nota de velhice e monotonia no que é contra-revolucionário
Bem, agora, a Revolução no seu total trabalhou dessa maneira por meio da arte real, construindo um mundo de fatores e de circunstâncias naturais próprios a produzir um fundo de quadro. E muitos fundos de quadro, porque o fundo de quadro é apenas um écran, mas um écran que retém as figuras. E sobre esse écran vão se projetando coisas, e coisas, e coisas, e coisas, e a Revolução vai projetando e vão ficando. Mas coisas cujo efeito natural é esse de que nós falamos mas ao qual se soma um efeito preternatural homogêneo. De maneira que se forma no fundo de quadro nosso, uma espécie de — depois do fundo de quadro, logo antes de chegar a ele… depois quando se fala de cá para cá; antes quando se fala de cá para cá; colado por assim dizer no fundo de quadro — uma espécie de fumarada, de fumaça, de fuligem, de poluição, de qualquer coisa assim, em que imerge absolutamente tudo que nós vemos, que pensamos, que sentimos. E que é feito de uma maneira tal que realça e dá uma certa atração, não são tentações furibundas, é uma certa atração a tudo quanto é revolucionário, e marca com uma certa nota de velhice e de monotonia tudo quanto é contra-revolucionário. E é com a batalha engajada nas almas assim, é que nós temos que iniciar o nosso apostolado.
Mas você por exemplo, meu filho, que trata aí para a direção com quantos, e quantos, e quantos enjolras de todo feitio e forma, etc., você não encontra confirmações do que eu estou dizendo?
(Sr. J. Clá: Clarissimamente. Tal e qual.)
E que faz com que às vezes a própria pessoa que está dirigindo aquele, não sabe como pegar porque é insaississable, é como uma panela sem alças; onde é que eu vou suspender a panela, não tem onde…
(Sr. J. Clá: E quente..)
E quente! Exatamente. Com a panela quente e sem alça, como é que eu vou suspender essa panela? Que negócio é esse?
(Sr. J. Clá: Depois se o senhor pudesse mostrar qual é a relação que existe entre esse fundo de quadro trabalhado pelo demônio, [Comissão?] com o fechamento de alma com relação à vocação…)
Acontece o seguinte exatamente. É que o sujeito conhece alguma coisa de bem contra-revolucionário, aquilo produz nele, ainda que seja uma coisa magnífica, produz nele uma espécie de choque que é ao mesmo tempo um enlevo e uma trombada no fundo de quadro. Ele não sente as duas coisas simultâneas, ele sente primeiro o enlevo, mas depois que ele se enlevou, se enlevou, se enlevou, ele vai descansar. Na hora que ele descansa, o fundo de quadro vai se apresentando, do mundo moderno.
Depois eu vou mostrar uma coisa curiosa com o mundo atual — já não da Bagarre azul — como é que [é] o fundo de quadro. Não sei se lhes interessa que eu descreva um pouco o fundo de quadro da Bagarre azul, ou se já conhecem, podemos passar adiante.
(Sr. P. Roberto: Seria bom dizer…)
Então, vamos tomar a Bagarre azul.
(Sr. Gonzalo: Quando o senhor está falando do fundo de quadro eu gostaria que o senhor esclarecesse o seguinte: qual é a diferença que o senhor colocaria entre isso e o movimento tendencial da pessoa?)
O fundo de quadro é um dos fatores que acentuam as tendência naturalmente existentes no homem desde o nascimento. Nem é o único fator, mas é um dos fatores.
* Descrição do fundo de quadro da Bagarre azul
Mas então vamos dizer, por exemplo, o fundo de quadro da Bagarre azul. O fundo de quadro é o seguinte: antes da Bagarre azul, e vamos supor que vocês todos tenham tido uma infância anterior, pelo menos uma primeira infância, anterior à Bagarre azul, antes da Bagarre azul, vocês estavam habituados a um certo mundo que tinha certas idéias de dever, certas idéias mínimas, de dever, de obrigação, etc., etc., e de vida humana com aspectos duros e depois com aspectos favoráveis, e tratava-se de ter coragem de enfrentar os aspectos duros, por exemplo, a vida de colégio, e, depois, gozar os aspectos favoráveis: o domingo — ao menos no meu tempo de menino, o sábado ainda não era feriado —, e quando havia feriados juntos domingo-segunda, ou sábado e domingo, então era uma maravilha, a gente caia nas delícias e tinha um mundo sem deveres.
A Bagarre azul criou como fundo de quadro a idéia de uma prosperidade constante, adquirida por um trabalho árduo, mas agradável, dando um resultado certo se a gente trabalhasse bastante, mas então dava até para fazer folia, e para viajar muito, etc., etc., se o homem tivesse um certo golpe de vista. Que era o golpe de vista comercial ou industrial, ou bancário. Se tivesse esse golpe de vista, ele teria então um mundo que lhe daria uma alegria constante, porque o trabalho com êxito era gerador de alegrias constantes, e a pessoa devia trabalhar na alegria. O homem da Bagarre azul que falasse em trabalho como condenação do pecado original, ficaria completamente desdourado entre os Amatos e seus congêneres, porque ele tinha que achar que não, que o trabalho é coisa agradável desde que ele tenha certeza do êxito. E o êxito ele tem, se ele cultivar certo golpe de vista, se tiver uma constante tendência a um certo esforço para obter um certo resultado por meio de uma audácia também ela deliciosa, e que lhe asseguraria até os últimos momentos, uma espécie de juventude prolongada e perpétua.
Então a cor dos automóveis, o talhe dos vestidos e das roupas dos homens, o gênero da linguagem, os menus dos jantares e dos banquetes, enfim, todas essas coisas proporcionavam ao homem… [vira a fita]
… proporcionava ao homem a realização de uma feería da qual, aparentemente, os efeitos do pecado original estavam supressos. Por quê? Porque o trabalho o homem tinha, mas não era mais com o suor de seu rosto, é com a delícia de sua alma. E depois era certo, não tinha incerteza. E resto… todas as coisas… a mulher, por exemplo, dar a luz com dor, eram anestésicos, etc., etc., já existiam e existiriam mais ainda, que fariam com que as mulheres ao terem filhos não sentissem dor. A medicina estava exorcizando os últimos demônios de doença que existia na terra, depois do Fleming, uma espécie de arqui-Pasteur em matéria de moléstias infecciosas, quase tudo se arranjava. É verdade que tinha uma coisa que estava aparecendo, muito feia, que era o câncer, mas que a gente combatia batendo assim na madeira, porque afastava o perigo do câncer e o resto era ah! ha! ha!
Eu me lembro a sensação que eu tive quando eu estava uma vez atravessando o viaduto do Chá, a pé, caminhando rumo ao prédio Matarazzo mas eu vinha de frente do prédio Matarazzo, e via aquela fila de automóveis que vinham para o centro velho que naquele tempo era o centro, e de homens ricos, etc, que vinham para seus trabalhos, etc., etc., e vejo chegar uma mercedes ultra-luxuosa e de dentro uma pessoa que de longe começava a me fazer sinais assim, e eu não percebi bem quem era. Quando chegou mais perto, eu vi que era um sujeito, que era mais ou menos do meu tempo e que, ele e as irmãs dele, eram muito cafajestes. Eles conseguiriam esgueirar-se em alguns clubes bons, mas … (…)
… e ele um homem carnudo, assim com rosto… a gente tem a impressão que o esqueleto era pequeno para suportar tanta carne, não que ele fosse gordo, mas tinha não sei o que, uma coisa esquisita… eles todos eram chamados “os tais”, e vinha o nome do produto. E era assim gente do último tipo.
Para dar uma idéia, eu me lembro de uma festa onde eu fui, e se passou um fato mais ou menos assim: tinha um buffet com comidas, bebidas, etc., e como acontecia ou deve acontecer ainda hoje as pessoas bebiam alguma coisa e deixavam o copo, quando não queria beber tudo, semi-bebido na mesa . E havia copos não bebidos, a pessoa que queria tomava o copo não bebido e enchia. Ele na minha presença fez isso: viu um copo quase cheio que é o que alguém tinha bebericado apenas, e disse: “É uma judiação não beber isto”, e foi e bebeu no copo onde tinha molhando os lábios um desconhecido. E até andou querendo casar com alguém de minha família e eu para desfazer isto, contei este fato, e o fato liqüidou o caso. Eu esperei primeiro inflar o balão, quando o balão estava bem inflado, eu disse: “Olha, eu vou te dizer o que que vai acontecer…” Ela ficou… arrebentou o balão. Arrebenta qualquer coisa.
Bem, la vinha o homem para mim, era que ele tinha conseguido uma empresa de uma outra natureza com um nome muito bem arranjado para o gosto do tempo, e que lhe fez prosperar muito e ficar muito rico. Ele vinha dentro alegre, mas num carro de triunfo, como quem me diz: “Olha aqui, veja meu mercedes e veja como eu sou bom com você de te cumprimentar amavelmente de dentro de meu mercedes”.
Bem, isto era na rua Vieira de Carvalho onde nós tínhamos sede, o Edwaldo, o João, eu acho que de vocês nenhum outro, o Poli um pouquinho pegou…
(Cel. Poli: Pequei sim…)
Passavam continuamente automóveis vindo do centro que se espraiavam pelo bairro de Higienópolis que naquele tempo estava na moda. Eram uns automóveis da melhor qualidade, pessoa, tudo quanto há de… Eu soube de um senhor que estava, vamos dizer mais ou menos assim, eu não quero dizer o nome da pessoa, que estava num parapeito de um terraço que dava para a coisa, terminado o jantar — na Vieira de Carvalho — ele ia para o parapeito com os filhos, e à medida que os automóveis iam passando, ele ia dando as marcas para os filhos, e os filhos babados com aqueles automóveis de luxo que passavam. Eu não sei se percebem o efeito convergente de fundo de quadro que uma coisa dessa vai produzindo: “A vida tem que dar certo, a coisa toda é magnífica, sejamos otimistas e sejamos alegres, porque isto é assim?”.
É um fundo de quadro que para mim ficou simbolizável numa cor. Você sabe que as cores são coisas que me dizem muito respeito, então é uma cor entre níquel e alumínio, pretendendo passar para o prata. Simbolizaria para mim esta época, e com a pseudo feería dessa época.
Eu conto a vocês uma coisa curiosa, que foi uma atenção muito amável, etc., etc., mas é assim. Nós morávamos na rua Vieira de Carvalho, e minha irmã foi lá nos ver, e depois saímos a pé porque ela ia para um lugar eu para outro saímos juntos. E saímos conversando e passamos diante de um antiquário que tinha numa mesa uma espécie de taça com uma tampa muito bem arranjada, muito bonita, e eu disse para ela: “Você está vendo esse objeto aí?”
Sem pararmos, ela disse:
- Sim.
- Bonito, não é?
- É lindo!
- Pois é, eu tinha muita vontade de comprar, mas deve ser um preço louco, e por isso não compro.
E ela manteve um silêncio de quem entendia. E ela estava montando a casa dela e eu me perguntei se ela iria comprar aquilo. Quando eu montei minha casa ela apareceu com o objeto. E é um objeto que está entre aqueles dois negriens. Não é um objeto rico, mas é muito bonito. Mas mostra a atenção dela, a gentileza dela. Mas seja como for, é a época.
Bem, e foi a época da grandeza da CAL. A CAL foi um dos símbolos da Bagarre azul. E a fartura com que a CAL muito generosa, mas exemplarmente generosa, depois generosa com amabilidade, com distinção, e com tudo, empanturrou por meio do Adolphinho e do Plinio, empanturrou a TFP, encheu também a TFP dessa atmosfera.
* Qual é o fundo de quadro de hoje em dia?
Agora, se a gente vai fazer análise… se for ver a coisa de hoje, qual é a nota preponderante… o fundo de quadro de hoje?
É mais ou menos o seguinte: como se ficasse esse fundo de quadro, mas por detrás dele, ele se tivesse tornado ligeiramente transparente, e por detrás dele a gente visse a sarabanda das loucuras, das ameaças, dos medos, das decepções, etc., da vida pública e da vida privada, que saltam; mas o fundo de quadro antigo é bastante consistente ainda para a pessoa poder fazer daquilo voluntariamente a nota preponderante.
Esta nota do fundo de quadro provém do quê?
Provém, evidentemente… isso que eu falei da Bagarre azul provém evidentemente de uma certa impressão de fatores naturais que o progresso material, etc., produzia, mais a soma de um jogo de quem conhece a arte real e que acentuava isso, mais uma coisa do demônio. E naturalmente o papel mais ativo era do demônio.
O Mendonçinha que era dado em matéria de economia, naquele tempo em que que inflação começava, ele dizia o seguinte: “A prosperidade do Brasil hoje, é uma prosperidade que leva as pessoas a comparem produtos de que não precisam com dinheiro que não têm”. Esta é a realidade econômica da Bagarre azul. E foi mais ou menos como vocês conheceram em São Paulo.
Antes de Allende, quando vocês entraram em contato com São Paulo, vocês de Curitiba, do Rio, do Estado do Rio, e do Rio mais uma vez, Rio Grande do Sul, conheceram São Paulo, conheceram assim, como um símbolo disto que se irradiava para o Brasil inteiro. E um prédio que no centro exprimia muito isso, era o velho edifício Matarazzo. Hoje quase transformado numa favela comercial. Quem havia de dizer hein? Mas quase transformado numa favela comercial e a casa do Matarazzo na avenida Paulista levou um pontapé de Erundina em que ela não quebrou o pé, mas quebrou a casa. Mas aquilo é de propósito, hein! E aquilo ficou assim, eu te garanto, que obedecendo a um plano que é horrível…
E assim vão preparando o deverser, o despejar à antiga prosperidade para dentro das novas calamidades para acabar aceitando uma situação bem boazinha mas que seria um vergonha no tempo da Bagarre azul. E que os homens vão aceitar porque vai ser mais uma vez, um pouco de níquel, um pouco de alumínio formando uma tela; quando eles começarem a descansar, por detrás começa vir o demônio da 5ª Revolução.
(Sr. J. Clá: E é o mesmo homem da Bagarre Azul que vai passar por isso tudo.)
Vai passar por isso tudo.
Agora, você compreende como esse homem me detesta, porque inclusive se ele souber que nós dizemos o que estamos dizendo ele ficará furioso. Mas nós não dizendo, ele não compreende nada do que nós dizemos. Como é que ele pode compreender?
(Sr. J. Clá: É uma incoerência, porque uma coisa é oposta da outra…)
É o oposto!
Mas o que tem, exatamente, é que esse fundo é o fundo onde o espírito humano elabora as premissas do raciocínio, e é um fundo tão profundo, que precisa a pessoa se analisar muito bem para chegar até ele; e então escapa à qualquer lógica.
Vocês vêem bem o seguinte: que simplesmente com uma descrição bastante sumária… [cai algo no chão]
Meu Gonzalo, muito obrigado.
Eu perdi o fio do que estava dizendo.
… que escapa à lógica, porque para uma premissa ser criticada pela lógica é preciso que ela seja conhecida. Se você nem conheceu a premissa que está passeando no seu espírito, como é que você pode mover a lógica contra isso?
Agora, vem a TFP como um guerreiro medieval, armados desde aqueles sapatos pontudos de metal até o elmo, com o passo duro da lógica combatendo isso, eles dizem: “Não, não é assim!”
- E por que não era… [inaudível]
Eles não sabem responder, ou não querem responder. Mas a questão é a seguinte: é que na prática não é. Qual é a famosa prática? A prática é o fundo deles, que dá um depoimento diverso que eles não querem contrariar.
A razão pela qual na comunhão uma das coisas que eu peço todos os dias, é que Nossa Senhora me liberte das premissas erradas. E lhes recomendo que façam essa oração. É tão simples! É uma jaculatória! A ser repetida várias vezes se a gente tem medo de estar enrolado nisso.
A questão é a seguinte: é um laboratório das premissas pré-raciocínio, porque o raciocínio é baseado na premissa.
(Sr. J. Clá: E isso que leva um sujeito a ter um apego enorme, na época da Bagarre Azul, a uma coleção de 200 gravatas. E já quando passa para a fase atual, ele tem ódio das gravatas e tem um apego por uma camisa esporte qualquer…)
Alpargata! Sapatos tênis! Vamos lá direto.
(Sr. J. Clá: É meio anti-natural, é meio ilógico, é meio absurdo! Agora está claríssimo.)
Eu vejo com pessoas que me circundam, e às quais eu quero especialmente bem. Nenhuma delas está aqui presente. Mas que eu vi na opulência comentarem, de repente, de um momento para outro, que não valia a pena comprar o jornal naquele momento na rua comigo, porque chegando em casa tinha um jornal já, e não precisava comprar o jornal na rua. Esta forma de economia, no tempo da Bagarre Azul infamaria o sujeito. “É um unha de fome, ou […??] tão miserável que ele precisa fazer a economia que nem um zelador de prédio faz. É assim.
(Sr. J. Clá: Explica muito coisa…)
Bem, o que naturalmente — você depois explica ao Fernando o que que é… (…)
* O sabugo é isso: o demônio obteve uma coexistência pacífica entre o thau e ele nas profundidades daquela alma
… causa revanche contra isso. Essa revanche consiste no seguinte, a meu ver, eu não tenho muita certeza do que eu vou dizer agora, daqui a pouco eu explico porque, pelo menos se me lembrarem. Mas eu tenho a impressão de que o demônio obteve a licença de trabalhar a vontade para castigo dos homens, numa profundidade do espírito humano, que o olhar do homem não alcança, normalmente não alcança. E que são meios que normalmente seriam extras, que devem ser normais hoje, para que o homem proceda em ordem com isso, etc., e elimine essa situação.
Nesse sentido um meio possantíssimo e que entra diretamente nesta espécie de câmara última do espírito humano, é o thau. O thau na sua aurora, o thau antes de receber as nossas primeiras bofetadas, e nossos primeiros pontapés, o thau tem uma irradiação por onde ele entra aí e entra em luta contra isso. E domina se nós quisermos que domine. Porque nós sentimos confusamente que qualquer coisa em nós está sendo encostada na parede pelo thau.
Se nós amamos o thau como devemos, nós tocamos a luta e trancamos o demônio. Se nós não cerramos ao lado do thau, esta força vai, pelo contrário, corroendo o thau, diminuindo, minguando, transformando em biscoito lambido, e fazendo com que o indivíduo no fundo rejeite o thau. É isso!
Então, esse é o primeiro fator, e às vezes o thau fica numa longa, longa luta com esse fator, e às vezes o demônio percebe que a pessoa não agiu tão mal contra o thau que ele possa expulsar o thau, e ele então propõe uma coexistência pacífica com o thau. Isso se chama ensabugamento. O sabugo é isso: o demônio obteve uma coexistência pacífica entre o thau e ele nessas profundidades daquela alma. Mas profundidades que vista sob um certo ponto, são como que um ponto de comando de todas as tendências.
(Sr. Gonzalo: […] Nós não vemos isso. Nós vemos quando o senhor mostra e a coisa bate na realidade….)
E aí também umas indisposições contra mim, nós, má vontade: “Porque não ficou provado, ele disse mas não é, logo ele chutou, eu sinto em mim que não é”, e…
(Sr. J. Clá: Essa adesão ao fundo de quadro criado por satanás, a Revolução da Bagarre Azul, depois ele com os jeitos satânicos dele muda para o cinzento dos dias de hoje, e a pessoa está apegada tanto…)
Ao próprio cinzento do…
(Sr. J. Clá: E ela depois dá o passo da Bagarre Azul para o cinzento. O senhor não, o senhor é estático, o senhor está ali como uma rocha firme rumo ao Reino de Maria, e o sujeito se sente muito mais mal ainda na situação atual que na própria Bagarre Azul, e daí então as indisposições contra o senhor. E vem então o problema com relação à vocação, se vai haver Reino de Maria ou não vai, será que o senhor vai cumprir a missão ou não vai, como é que é isso, o tempo está passando, e não veio a bagarre ainda… […] E depois tantas previsões a respeito de catástrofes que não se deram… Está tudo parado! Olha aí! E a Bagarre?)
Isso. E isso o sujeito diz esfregando a mão.
(Sr. J. Clá: Mas o problema é o fundo de quadro…)
Isso.
(Sr. J. Clá: Explica muita coisa.)
Eu não sei se vocês estão conseguindo acompanhar?
* Há uma coisa que previne tudo, mas como esta coisa é corroída! É a inocência
Há uma coisa que previne tudo, mas como esta coisa é corroída! É a inocência. Porque quando a inocência está viva, ela tem um discernimento dessas coisas. E quando a inocência morre, esses discernimento fica reduzido a muito pouca coisa para dizer que fica reduzido a algo.
(Sr. Gonzalo: Sem inocência o thau pode…)
O thau pode recriar um resto de inocência.
(Sr. Gonzalo: O thau pode pousar onde não tem nada, nada de inocência, ou não?)
Pode. Pode. A questão é que ele gera uma certa inocência.
(Sr. P. Roberto: Quando o senhor descreve uma coisa, parece que o senhor é gerador de um fundo de quadro novo nas pessoas. […] Parece que o senhor tem a capacidade de, ao descrever uma determinada coisa, o senhor como que repetir aquilo que a gente teve em cores muito vivas na infância, não sei se…)
Se eu entendi bem o que você diz? Eu fico satisfeito de ouvir o que você diz, porque me alegra, eu nunca tinha recebido um depoimento nesse sentido.
(Sr. P. Roberto: Não é só comigo que se dá…)
(Sr. Gonzalo: E a troca de vontade, seria propriamente a troca de fundo de quadro?)
Ah, ah, é mais do que isso, mas é isso também.
(Cel. Poli: Suporia isso.)
Isso. Vamos deixar a troca de vontade para daqui a pouco, que se a gente enche muito o quadro, complica, nós estamos em assuntos muito nebulosos, jogar com uma… [?] simples e tornadas claras o mais possível, porque do contrário, de repente, a gente não se mexe mais.
* Como compreender que na Renascensa o espírito se tenha apagado completamente para o pulchrum do gótico?
Há assaltos compactos do demônio, que servem de transformação do fundo de quadro de uma nação inteira, e ás vezes de toda uma área de civilização. E alguns exemplos da Revolução foram inteiramente concludentes nesse sentido, por exemplo:
Como é que se pode compreender — vamos admitir a balela de que a Renascença foi um surto magnífico de bom gosto, etc., etc.; teve algo disso, mas vamos admitir que tenha sido como os revolucionários gostam de apresentar, uma coisa maravilhosa — como compreender que o espírito deles se apagou completamente para o pulchrum do gótico? A tal ponto que eles demoliram coisas góticas, de alegres, espandogaram, destruíram de contentes, e só passou a viver do gótico na Europa, aquilo que por negligência escapou à barbárie de alguns.
Eu não sei como é que isso não chama mais atenção dos historiadores: ou o gótico não é a beleza que hoje todo o mundo reconhece, ou como é que houve um corte no senso estético do continente mais civilizado que já era naquele tempo a Europa, de onde algo tido geralmente como lindo, passa ser rejeitado, empurrado de lado. E uma outra coisa desconhecida e empanturrada dos maus odores de uma época que se tinha rejeitado, ela entra na folia da satisfação geral.
(Sr. J. Clá: Bem focalizado o problema.)
Mas como explicar?
* Como explicar que, de repente, reinos inteiros, passam do catolicismo para o protestantismo?
Como explicar que por exemplo, de repente, reinos inteiros, passam do catolicismo para o protestantismo? Mas de repente. Afinal de contas o catolicismo tem um pulchrum incomparável. O protestantismo foi sempre e sistematicamente uma vitória do feio. Eu não quero dizer que ele não tenha dado origem a algumas coisas bonitas, mas são umas coisas bonitas que são os restos mortais do pulchrum anterior. Isso é que é. É uma cópia de um passado morto. É uma beleza de necrotério.
Agora, não perceberam, e nações que tinham na Europa daquele tempo um importância enorme: a Suécia que formava com a Noruega um só todo. No tempo do Gustavo Adolpho ele andou entrando pela Europa, pela Polônia, pintou o caneco, foi um dos maiores reis da Europa no tempo dele; está bem, como é que acontece que esses homens todos não viram nada disso? Mas como é que acontece mais, é que o gótico tenha desaparecido de Roma?
Eu vejo que vocês ficam quietos com o que eu estou dizendo, porque estarrece…
(Sr. J. Clá: Impressionante!)
O que comentar? Estarrece! Mas o que estarrece mais é a ausência de comentários. É ou não é verdade, que nada disso se explica — portanto não é só por uma mudança de fundo de quadro — mas sem uma mudança de fundo de quadro isso não se explica.
O Mont Saint Michel que você falava há pouco, os jesuítas pegaram aquela maravilha gótica e construíram ali uma fachada barroca, que eu vi nas fotografias, e que não tem nada que ver com o monumento. Por que fizeram isso? Eles não eram os guardiães da fé? Não eram os guardiães da tradição? Do Passado? Como é que eles foram os demolidores dessas coisas? A gente simplesmente não entende.
* Mudança do fundo de quadro na Revolução Francesa e após a primeira guerra mundial
Quando passa para a Revolução Francesa, então aqui a pessoa perde a palavra, não tem o que comentar. Alguns dos senhores estiveram presentes naquelas projeções que o Jean Goyard organizou lá na sala São Luís Grignion de Montfort em que aparecem figuras do tempo de Luis XIV, XV e XVI. Os comentários que ele fez, mostrando a decadência de Luis XIV para Luis XVI, são verdadeiros, correspondem à coisas que nós temos dito muitas vezes, mas quando a gente pensa, em Luis XVI despachando ali com Vaudreuil, com Maria Antonieta em pé, e aquele quadro diante de uma escrivaninha discreta mas muito bonita, e enfim, aquilo tudo e o salto para o terror, não é possível fazer comentários, não há comentários para fazer. Cala-se a boca. Como é que isso poderia passar-se sem uma transformação prévia no fundo de quadro? Mas que fosse acentuando celeremente à medida que a Revolução corria?
A transformação de um fundo de quadro que houve com o começo da hegemonia mundial norte-americana com o fim da primeira guerra mundial, é uma coisa colossal! Eu presenciei… o próprio modo de conversar, de rir, o modo de tocar a sineta para chamar os empregados durante a refeição mudou. As coisas mais insignificantes, mudaram. Mas é porque o fundo de quadro também mudou.
Mas isto tudo é analisado com uma tal superficialidade maldosa, mal intencionada, etc., etc. que a gente nem sabe o que dizer.
É isso, não há o que, de momento, acrescentar. Um de vocês fez uma pergunta que eu não respondi, qual foi?
(Sr. Gonzalo: Pode ser em outra vez. É a questão da troca de vontade… […] É uma coisa duríssima tirar o fundo de quadro que a gente tem…)
Muito! É uma graça para obter!
(Sr. Gonzalo: Sem o Grand Retour eu não creio que fique limpo o fundo de quadro criado…. a graça seria para uma troca de fundo de quadro…)
Mesmo! Mesmo!
(Sr. Gonzalo: É uma zona tão profunda que está marcada por um modo de ser errado…)
* Aluviões de demônios presentes no mundo e atuando sobre as almas
O modo de ser errado, meu filho, e de aluviões de demônios presentes no mundo e atuando sobre as almas.
Eu tenho a impressão de que quando houver o Grand-Retour, vai ser uma espécie de explosão desses demônios todos estourando pelos ares e entrando precipitadamente no inferno, e aí é que vocês vão perceber como os fundos de quadros de vocês estavam sobrecarregados e vão perceber o que é…. aí é que contemplando a terra, vocês vão ter um prenúncio do céu. (…)
É ali, o resto do tempo eu tenho uma noção que me perece bastante clara de quanto tudo está sobrecarregado de demônios.
A Igreja tem certas coisas de uma sabedoria espantosa… você sabe que há certas missas, missas solenes, etc., etc., o padre começa incensando o altar para exorcisá-lo, é o altar-mor de uma igreja suntuosa, magnífica, onde está a cem anos, duzentos anos, quinhentos anos, dia e noite o Santíssimo Sacramento, tem relíquias em quantidade, foi benta a igreja, etc., etc., com tudo isso, o padre começa a missa por exorcizar para expulsar o demônio do altar. Por aí vocês podem ter idéia do que é a presença do demônio.
(Sr. Gonzalo: …
(…)
…eu estou dizendo que o Gorbachev age muito nesse fundo de quadro, mas que o fenômeno que nós chamamos de extinção do lumen rationis em certo sentido abrange uma completa irracionalidade de sucessão de figuras no fundo de quadro. Mas é isso! É uma coisa do outro mundo.
Bom, meus caros, são três horas.
(Sr. Gonzalo: São dessas reuniões que pedem continuar…)
Ah, gravidade extrema!
(Sr. Gonzalo: … tem que ir até que seja limpado isso…)
É fora de dúvida, é fora de dúvida!
(Cel. Poli: Foi um magnífico começo…)
Sim, vamos começar… Vamos rezar meus caros..
Dat.: EB
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