Conversa
de Sábado à Noite – 13/4/91 – sÁbado
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Conversa de Sábado à Noite — 13/4/91 — Sábado
O arqui-homem do demônio é um pseudo-grande homem * Gorbachev, o joguete com cara de quem manobra * Dois super-estandartes preparam-se para o choque: o santo mistério de Maria contra o mistério de satanás * Sonhos e mistérios
* Uma extraordinária reunião… feita com sono!
…você pode imaginar como seria deleitável estar com Ela, hem? Um minuto que a gente passasse com Nossa Senhora… Nem sei! Vamos passar a eternidade com Ela, se Deus quiser.
(Sr. Gonzalo: O convívio é insubstituível.)
Isso é verdade mesmo. Por isso que eu venho com alegria para a reunião de sábado à noite. Chego sempre atrasado, mas por razões independentes de minha vontade. Hoje a razão era um sono…! Nunca tive uma reunião tão sonolenta em minha vida quanto tive hoje à tarde.
(Sr. Paulo Roberto: Mas o senhor disse coisas maravilhosas.)
(Sr. Gonzalo: Estava uma maravilha.)
Uma maravilha?! Eu estava com vergonha de fazer aquela reunião!
(Sr. Gonzalo: Foi uma coisa fabulosa.)
(…)
* O mundo desaba sem grande barulho
Se nós pudéssemos imaginar uma cidade física passando por terremotos por que passa a Igreja, nós ficaríamos apavorados. É quase Pompéia. Mas vai indo! Vai indo!
(Sr. Poli: Aliás, esse ano de 91 está sendo um ano de degringoladas assim…)
(Sr. Guerreiro: Mas sem grandes barulhos.)
Exatamente. Todas as pedras que caem têm em volta de si pneumáticos. De maneira que elas caem no chão e pulam, não fazem barulho. Mas, as paredes vão ruindo água abaixo. Uma coisa tremenda!
Mas, qual é o nosso tema hoje? (…)
(Sr. Gonzalo: Podemos entrar na matéria de sábado à noite?)
Vamos!
* O arqui-homem da Revolução seria um pseudo-grande homem
(Sr. Guerreiro: …se o senhor poderia comentar um pouco mais esse conjunto de fenômenos que o senhor acha que deverão vir. E depois destacar com mais nitidez diante de nossos olhos quais são os aspectos do profetismo que nós devemos mais conhecer e amar.)
Eu começaria, meu filho, pelo seguinte lado. São hipóteses. Quer dizer, sobre tudo isso que vocês estão me perguntando agora, eu nunca pensei. Porque se eu tivesse que pensar nisso quando eu tinha 70 anos, há 12 anos atrás, se eu tivesse que pensar nisso, de fato eu tinha certeza que naquele tempo eu não atinaria bem com a coisa, porque é tão diferente o que vai se apresentando, que não há jeito de você atinar bem. É uma incógnita completa que se põe diante de nós. Portanto, eu vou dar coisas que são hipóteses brumosas, e muito brumosas. É dessas que eu vou tratar. Digamos, então.
Nessas hipóteses a gente poderia ver as coisas da seguinte maneira. O que é que seria um arqui-homem, ou uma arqui-mulher? Não poderia ser um Aristóteles, nem um Platão, nem um São Tomás de Aquino, muito menos. Nada do que corresponde ao grande homem estaria… Mas é um tipo que tivesse um efeito parecido com o do grande homem, a ação dele teria um tipo de efeito parecido com o do grande homem, mas nele tudo seria fraude. De maneira que ele seria um homúnculo. Mas, nem tudo seria exclusivamente demônio. Ele teria certas aparências que o sub-medíocre de hoje tem, por culpa própria, na conta de sinal de grande homem.
E, de outro lado, ele teria também dotes falsos, de que o demônio colaria nele, e que impressionaria o povinho. De maneira que não seria um homem inteiramente frusto, mas seria um homem que de grande homem não teria nada. Seria um hominho comum, mas com algumas qualidades — como, aliás, o homenzinho comum tem — que sobressaem mais, e que dão a ele uma linguagem comum de um hominho comum. E, de outro lado, seria um pseudo-grande homem. São duas coisas coladas num homem só.
* Gorbachev, o tipo do pseudo-grande homem
E para mim o tipo disso aí é o Gorbachev. Mas é o tipo do homem do gênero. Porque até hoje vocês não vêem aparecer uma manifestação concreta que os jornais elogiem das tais habilidades de Gorbachev, nenhuma. Apenas o ser muito simpático.
(Sr. Paulo Roberto: Pensamento nenhum. Porque ele não diz nada.)
Não tem pensamento. Não diz nada porque não tem.
(Sr. Guerreiro: Em matéria de pensamento eles apresentam que ele é o homem que quer tirar de todo o sistema stalinista, socialista, ele quer introduzir o princípio democrático, que é distender toda aquela armadura de aço colocada sobre a União Soviética. E nesse ponto ele tem pensamento..;)
Não, meu filho. Isso aí é banalidade… Para todo o mundo que não é comunista, supondo que ele não seja comunista, numa roda de gente que aos sábados à noite está conversando, etc., e diz: “Não, eu quereria tal coisa assim, que alguém girasse aquele aparelho”, [ele] diria isto. Não é uma coisa notável pelo pensamento.
(Sr. Guerreiro: Mas diante da Rússia de hoje, qual o pensamento interessante que ele poderia apresentar a não ser esse?)
Ah, eu acho que haveria. Nâo é que eu tenha esse pensamento. Mas eu posso indicar por onde eu acho que correria. Aqui está a questão.
Bom, mas afinal de contas, o que ele tem, que é o grande dote que opera, é uma simpatia. Você procure ver nas capas de revista, etc., no que é que a cara dele é simpática, eu pergunto: é por ser proeminente em qualquer coisa?
Não. Ele cria a ilusão da benevolência. Quer dizer, quem trata com ele tem a impressão de que ele é benévolo.
(Sr. Gonzalo: E ao mesmo tempo vê que ele não é.)
Não é. Mas ele tem uma espécie de luminosidade dentro do olhar, assim de um tipo benévolo, que fica alegre quando pode concordar com o outro, e que tem alegria em dizer “sim” para os outros. É uma coisa especial que tem no modo de ser dele. Habitualmente alegre — o que é meio ligado à benevolência dele — quer dizer, habitualmente disposto a tomar as coisas pelo lado bom, e a ser otimista, etc., etc., e como tal um homem que retibui com uma espécie de sinceridade as coisas benévolas que façam para com ele.
De maneira tal que todo o mundo tem a idéia, tratando com ele, de uma relação fácil, arejada, e eminentemente confiável.
Ora, ver um homem desses no timão de um navio do tamanho da Rússia, dá evidentemente uma espécie de simpatia. Mas que decorre exclusivamente desses pequenos dotes. Porque não é dizer que ele tenha uma imensa benevolência. Não. No diapasão comum ele é muito benevolente. Mas é uma benevolência de diapasão comum. Não é nem São Francisco de Assis, nem São Francisco de Sales, e infinitamente menos Nosso Senhor Jesus Cristo.
* Truman e Gorbachev
(Sr. Paulo Roberto: Seria algo que o Truman teria sido para os Estados Unidos?)
É, com uma diferença. E aí é o ponto onde ele tem uma certa razão. O Truman é um homem que não queria nada. Era inteiramente vazio. Se ele em vez de ter olhos naturais, usasse olhos de vidro, aquele seria o olhar dele. De tal maneira era uma besta quadrada. Do Gorbachev dizer que ele é uma besta quadrada, não se pode dizer… desde que alguém lembre o Truman!
No modo de ser dele há uma coisa que o Truman não tinha. É que a gente sente que ele no meio de tudo aquilo quer uma certa coisa. E que essa coisa que ele quer, ele quer muito. Ele envolve aquilo, vamos dizer, num invólucro de zinco luminoso da benevolência dele. Não é prata, é zinco. Mas nesse zinco luminoso ele envolve a coisa dele.
Mas, o que ele quer, ele quer muito, com tenacidade. Isso ele tem. Mas, como tudo é bom, como tudo o que ele quer, etc., a pessoa nem presta atenção nesse timão que ele tem. Ele ruma para um certo lado. Ele tem rumo.
Nesse sentido, por exemplo — também não é um colosso isso — ele tem mais rumo do que o Reagan. Esse atual, o Bush, muito mais rumo do que o Bush. Schwatzkopf, essa gente toda, eles não têm… O próprio Mitterrand é um homem que aposentou o leme, e que vai vogando na vida…
(Sr. Gonzalo: Foi aposentado!)
É, exatamente.
(Sr. Paulo Roberto: Antes tinha.)
É, antes tinha.
Agora, esse tipo de homem tem certas aptidões que impressionam portanto as massas, mas não caracterizam os grandes homens. Mas, num mundo de nulidades pode representar o papel de grande homem.
(Dr. Edwaldo: Essa figura vai um pouco na linha do Anticristo, como o senhor o imaginava?)
Pode perfeitamente ir. Diferente da Raíssa, meio demônia. Ele tem um demônio que não quer aparecer como demônio. A Raíssa não: tem um demônio que aparece como demônio. E que é meio a mulher mefistofélica que compensa o vazio do marido.
Bom, este seria um exemplar do grande homem.
* Um joguete com cara de quem manobra
Agora, alguém dirá: “Dr. Plinio, não se pode simplificar isso. Porque esse jogo que ele tem feito de se pôr de simpático com o Ocidente, para desmobilizar a Rússia, e depois se pôr de simpático com o Oriente, e favorece o Iraque, não sei mais o quê, é um jogo muito subtil. Tanto é que ele não cai.”
Eu digo: sim, é verdade, mas esse jogo subtil tem a peculiaridade que não é dele. Ele faz papel de joguete. Porque a mídia inteira, do mundo inteiro, facilita as circunstâncias para ele. E, portanto, não é dizer que ele manobre isto. Ele finge que manobra. Nem finge. Dizem que manobra. Ele tem aquela carinha dele, a gente olha e diz: “Homem, talvez manobre!”
(Sr. Paulo Roberto: Mas outro talvez tivesse caído.)
Ele tem essa encenação que permite que o povinho creia nele. Um de vocês falava dele como muito confiável. Para o povinho ele é muito confiável. (…)
* O fascinante mistério russo
…o fato de que o demônio, assim como tem tipos quem tem certos dotes naturais, mas que ele pode completar por uma ação dele, pode haver países, pode haver regiões, pode haver famílias, ou grupos sociais, ou qualquer coisa, que o demônio por esta forma torna sugestivos. E a Rússia teve sempre isto, que a Rússia de Ivã o Terrível, a rússia velha, antiga, que Pedro o Grande quis destruir, essa Rússia sempre fascinou o Ocidente. E a I.O., ela mesma, toda ela é meio endemoniada, e exerce um certo fascínio sobre o Ocidente com todas aquelas coisas. E é uma espécie de poder de expressão maior do que a dimensão natural das coisas que tem lá.
Você pega, por exemplo, o Kremlin. Aquelas torres do Kremlin são meio fascinantes.
(Sr. Gonzalo: São muito bonitas, mas o fascínio que produz é desproporcional à beleza que tem.)
Exatamente.
(Sr. Paulo Roberto: Aquele imperador no Congresso de Viena, o Alexandre, os outros eram mais do que ele, mas ele como que tomava conta da cena.)
Exatamente. E depois outra coisa… Aí é muito delicado o negócio. Certas coisas bárbaras dele, o pessoal dava risada, mas aumentava o prestígio dele: como descobriam que ele mandava todo dia vir neve da Suíça para fazer a barba. Um homem que faz a barba com neve, é uma coisa de você ficar horrorizado!
Mas num homenzarrão meio bárbaro, e dono daquele império de mistério, a neve …… no rosto, com o sabão de barba francês que ele mandava comprar, vamos dizer, com um perfume delicadíssimo, o bárbaro cheirando perfume no meio da neve, você pode imaginar um pincel desses grossos… uma brocha! E fazendo a barba, aquele barba de arame que ele cortava em poucos minutos, e estava pronto, e estava feita a barba do tigre. É uma coisa que tem seu fascínio, se você comparar com soberanos ocidentais do mesmo tempo: Luiz XVIII, o próprio Carlos X, etc.
(Sr. Gonzalo: O Imperador da Áustria…)
O Imperador da Áustria era uma tristeza. É uma linguiça.
(Sr. Guerreiro: É que eles não tiveram a Renascença, que cortou no homem do Ocidente o mistério.)
Eu ia dizer isto. O gótico tinha mistério. Tiraram o mistério, implantaram o racionalismo, e o resultado: a Rússia ficou drappée nos seus mistérios — a Rússia de Moscou, não de Saint-Petersburg — e é isto que interessava o europeu.
(Sr. Guerreiro: Isso é o que dá a arqui-dimensão para a….)
Para a Rússia de hoje, inclusive.
(Sr. Paulo Roberto: Tem um substractum natural.)
Tem o substractum natural, mais aí se acrescenta uma coisa do preternatural junto com isso.
Você quer ver? Conta-se do Tzar Alexandre I (ou II, não me lembro bem, mas é este), que ele saciado da vida, e tendo tido todas as glórias, etc., em certo momento quis fazer-se de morto, anunciar que morreu e desaparecer, e ser pregrino assim um pouco à maneira de um monge, viandante, e vivendo na miséria, para experimentar uma outra vida. E com intuitos religiosos.
Eu pergunto: isso não deixa de ter sua poesia. Se isso fosse feito por qualquer monarca ocidental não tinha graça.
(Sr. Poli: Ele chegou a fazer isso?)
Alguns dizem que sim, outros dizem que não. Há umas dúvidas sobre o caixão dele, que parece que não permitiram que fosse aberto, então alguns diziam que estava vazio, e outras coisas assim.
(Sr. Gonzalo: Metternich o levava um pouco na conversa. Ele o manipulava…)
Sim, manipulava, porque eles sentiam que o Metternich era o homem que era capaz de guiar a Europa no meio daquele caos. Só isso.
(Sr. Gonzalo: Não entrava nada de coisa austríaca…)
Não, não, não. Era habilidade de raposa. Raposão.
* A surpresa: um universo misterioso e inexplicável
Mas agora então voltando ao nosso caso. Eu creio que no nosso Gorbachev… Nosso não! No Gorbachev de satanás o grande homem não existe. Existe essa aparência, que com a Raíssa constitui um todo de um casal novo, que se lança na vida dando um par completo, e para um mundo novo.
Por exemplo, eles para a Europa do tempo de Alexandre I, eles não dariam nada.
(Sr. Paulo Henrique: É curioso notar que até o aparecimento dessa Raíssa, a mulher antes não tinha um papel na política russa. Não se falava das mulheres dos líderes anteriores.)
Ninguém perdia tempo para falar delas. Mas com a Raíssa não. O próprio nome de Raíssa tem assim uma sonoridade esquisita.
Bom, isso seria uma maneira de encher o vazio que eles estão fazendo, com o mistério. Então você tem aqui outra avenida das surpresas, que é não o mundo explicável e explicado, mas da parte do homem que já não tem lumen rationis, e que não é carente de explicações, da parte desse homem você ter a criação do ambiente de um universo misterioso e inexplicável. Que então é o universo do guru… Isso se emenda com o resto, com todo o aspecto da 4ª e 5ª revoluções.
(Sr. Guerreiro: O caos político vai sugerindo ao homem essa…)
Isso. Vai fazendo uma espécie de caos mental, caos psíquico, mas cheio de mistério. Não é, portanto, uma bagunça feia como é o mundo de hoje, mas imagine se evolar de repente, desse mundo de hoje, uma espécie de aspecto de mistério feio, mas que seja o contrário do racionalismo.
(Sr. Paulo Roberto: Do qual o homem já está farto.)
Já está farto. Eu descrevendo isto, me dá quase medo, porque fico com medo que, aparecendo, os homens entrem assim. E aí você tem um pouco a idéia da surpresa. Não é, portanto, logo de cara o aparecimento de uma figura apocalíptica que tem cinco cabeças, aparecem dois dentes saindo de dentro do ouvido, essas coisas assim, mas é um mundo cuja atração nós podemos compreender. (…)
* O verdadeiro mistério é uma continuação harmônica da realidade
Por exemplo, aquela Igreja de são Basílio na Praça Vermelha, aquela igreja tem um mistério ali. Não é um mistério bom, mas tem mistério. Há ao lado de algum bom, como muita coisa da I.O., coisa ruim.
O mistério daquela igreja é o seguinte. O verdadeiro mistério é uma continuação harmônica da realidade. E, pelo contrário, o mistério ruim parte de um sonho arbitrário e primeiro, gratuito. E aquela igreja tem isso. Você toma, por exemplo, a Notre-Dame, ela é uma continuação harmônica da realidade. Ela ama a realidade na qual ela está. E é misteriosa. E é santamente misteriosa! Mas eu acho que é assim.
Mas, o que é curioso é o seguinte. Um que tem mistério é São Luiz Grignion. Muito. Por exemplo, aquelas orações dele, oração pedindo missionários para sua Companhia…
(Sr. Guerreiro: O ardor com que ele fala, a gente percebe que ele está tocado por algo.)
É, mas é uma coisa que você tem impressão que é meio angélico.
(Dr. Edwaldo: E ele fala muito de mistério.)
Fala muito de mistério. A palavra mistério é freqüente nele.
* No Reino de Maria, um mistério amigo da lógica e antecâmara do céu
Esse mistério, quem sabe se no Reino de Maria haverá um estilo de mistério, amigo da realidade, amigo da lógica, amigo da verdade, amigo de todas as coisas, e que é já uma ante-câmara do céu.
* Mistério de Maria x mistério de satanás
(Sr. Gonzalo: O Segredo de Maria é o mistério de Maria.)
O Mistério de Maria, exatamente. E eles estão preparando o que vocês estão vendo, que mistério. Agora, é possível que esses dois mistérios se choquem, como sendo dois super-estandartes!
* Os sonhos de Nossa Senhora
Apenas por curiosidade, mas enfim: nós saímos agora do Êremo de São Bento, o Gugelmin e eu na frente, o Arnolfo e o Fernando atrás. O Fernando fez uma pergunta qualquer depois que fizemos as orações do percurso, e deu em negócio de sonho. O Arnolfo e o Gugelmin continuaram a ouvir a conversa. E o Arnolfo então disse uma história, até valia a pena um de vocês tendo tempo ver no Traité de l’amour de Dieu, de São Francisco de Sales, que fala a respeito do sonho. Então diz que o sonho é ou um reflexo do pecado quando o homem fez coisas más, e sonha com as coisas que fez, ou um reflexo do ato de virtude. E, portanto, enquanto tal, reflexo de Deus, quando o homem sonha coisas santas e boas, etc., que fez durante o dia.
Ele contou um pouquinho disso, achei interessante. Então São Francisco de Sales fala de Nossa Senhora. Se o Arnolfo interpretou bem, ele dizia que Nossa Senhora sendo perfeita, que Ela sonhava. Mas que os sonhos d’Ela eram inteiramente razoáveis. Não racionais, razoáveis. E de uma perfeição exstraordinária. Donde, o Arnolfo levantou o problema curioso de saber como seriam os sonhos de Adão e Eva no Paraíso, se não tivessem pecado. Seria o sonho dos homens.
* O sonho do menino caindo da montanha: reflexo da provação axiológica
E eu estava dizendo a eles que eu achava que o sonho não é apenas o que o grande São Franciso de Sales ao que parece afirmou dos sonhos de Nossa Senhora, mas que todo sonho tem um quê de criação. O sonho não é uma recapitulação de coisas que houve, mas é alguma coisa que o espírito humano cria, levado pelo pavor, portanto pelo pânico da repetição, ou levado por uma ardente apetência.
Por exemplo, os cientistas dão a isso uma explicação, que parece que passou um julgado para eles, a respeito do fenômeno — o Edwaldo deve saber isso — qual é a explicação médica desse sonho?
(Dr. Edwaldo: Há um mundo de coisas recentes que eu não conheço, porque estão realmente fazendo quantidade de estudos nesse sentido. As explicações mais comuns são essas psicoanalíticas, ligada a desejos ou impressões que a pessoa teve durante o dia. Vai um pouquinho na linha do que o senhor disse. É mais desejos.)
Mais desejos do que pânicos?
(Dr. Edwaldo: Pânico também entra. Mas na linha psicanalítica era mais desejos.)
Porque eu estava dizendo a eles o seguinte. Eu tive, e vocês todos devem ter tido, sonhos em menino, o sonho clássico da criança que cai da montanha. Todos tiveram. Mas quando eu remonto a esse meu sonho, eu chego à conclusão que tinha uma espécie de reflexo de uma dúvida axiológica profundamente subconsciente, que era uma espécie de contrário da inocência, que era o seguinte: tudo está tão bom, tão bom, mas eu noto nas coisas que elas de vez em quando dão errado. E, portanto, há alguma coisa chamada “o erro” que de repente tem que intervir na minha vida, como na vida dos outros, e que dá num desastre.
Ainda bem que papai, mas muito principalmente mamãe, me garante contra isso! Porque eu vejo que quando me acontecem coisas ruins ela protege. De maneira que se acontecer, ela protege. Eu estarei vacinado contra qualquer coisa ruim?
Eu quero muito bem a mamãe, tenho loucura por ela, o que podem querer! Mas, fica uma brecha. Essa brecha dá no sonho de que eu estou caindo da montanha. E me lembro que a montanha — ao menos no sonho de que eu me lembro — tem uma espécie de esporão para fora, mas revestido de vegetação verde, como o resto da montanha. E eu vendo que estou caindo, vejo que eu não posso abarcar com o braço todo o esporão. E que então vou me prender numas graminhas que tem lá. Mas que não adiantam também de nada, pum! Aí acordo.
Mas, aí, nesse período, eu me lembro de mim mesmo pensando: “Não adianta mesmo, e dessa vez não tem papai nem mamãe, nem nada! O erro, o mal, vão comer você!”
(Sr. Guerreiro: Isso no sonho?)
No sonho.
(Sr. Guerreiro: E isso se explica pelo pecado original?)
Eu acho que é pecado original, e sensação de que eu mesmo tenho qualquer coisa errada, eu posso dar errado, e as coisas em volta de mim podem dar errado. Daí a queda.
E é possível que se vocês analisarem com cuidado os seus ur-sonhos, vejam o problema do axiológico e do não-axiológico metido no meio dele. E que é a insegurança que o homem sente dentro do paraíso da inocência. E que é a primeira garra da dor que passa por ele. Depois virão outras.
* Os sonhos do homem antes do pecado seriam êxtases?
Mas, fica essa história: Adão e Eva antes do pecado, Nossa Senhora, eles não poderiam pensar alguma coisa que lhes desse medo. Então só poderiam pensar numa coisa desejável. Não seriam sonhos um pouco parecido com êxtases, e que dessem pré-visões do Paraíso celeste? É uma hipótese. Está nos desviando um pouco do tema, mas…
(Sr. Guerreiro: É o mistério…)
Mistério.
(Sr. Paulo Roberto: Eu li que quando Nosso Senhor criou Eva, Ele mandou um sonho a Adão. E Adão nesse sonho viu toda a Igreja que seria criada, com todos os seus sacramentos, etc.)
Isso é muito bonito.
(Sr. Paulo Roberto: Isso eu li no Cornélio.)
É muito bonito, eu não sei de quem é…
(Sr. Gonzalo: Do Cornélio.)
Sim, mas o Cornélio cita muitos autores.
(Sr. Paulo Roberto: Eu não sei quem ele cita, mas achei muito bonito o fato dele ter tido um sonho,…)
Parece a Igreja nascendo do flanco de Nosso Senhor Jesus Cristo. É muito bonito. Aliás, se eu tivesse tempo eu iria no Tratado do Amor de Deus, e pedia para o Arnolfo indicar o ponto ele viu isso.
(Sr. Gonzalo: Nós podemos ver isso.)
Por que é uma coisa muito curiosa nesta linha dos mistérios e dos sonhos, para onde a gente caminha. Esse mundo assim para o qual nós entramos é mais ou menos tão imprevisível quanto dos sonhos.
(Sr. Paulo Roberto: Mas aí tem a ação direta da Providência com os sonhos bons.)
Claro. No nosso caso, sobretudo.
* Nossa Senhora poderá fazer nascer em nós um santo mistério, ornato da lógica, capaz de arrebatar as multidões
Quer dizer, agora aqui entra uma coisa sobre a qual eu estava conversando ainda hoje com o Fernando, rapidamente. É sobre o Grand-Retour, o nosso Grand-Retour. Dentro dessa perspectiva, não será que Nossa Senhora nos torne bastante bons, para que possa nascer em nós um mistério santo, capaz de arrebatar as multidões, e de jogar o papel anti-Gorbachev, sem dispensar a lógica, mas sendo o ornato da lógica? Não o substitutivo da lógica, mas o ornato da lógica. Mas um mistério que nos deixe megas?
Porque tem uma coisa: a gente ser portador de um mistério é uma coisa para o amor-próprio mais inebriante do que ser portador da lógica. E, e…
(Sr. Paulo Roberto: Aí pode entrar o outro mistério.)
O outro mistério.
(Sr. Guerreiro: A lógica fica uma espécie de perna de pau diante de mistério.)
Exatamente. E não deve ser. O mistério deve ser o ornato da lógica. Não acham que é interessante até a gente dissertar sobre isso? Vocês não sentem que um pouco a gente passa a mão pelo nosso futuro nisso?
(Sr. Gonzalo: E nosso presente…)
Não, não, não!
* O santo mistério do Fundador
(Sr. Guerreiro: Nos olhos do senhor nós pegamos exatamente o futuro que o senhor discerne… E aí a gente pergunta o seguinte: se nesse futuro que o senhor discerne, não seria um pouco os sonhos de Nossa Senhora na alma do senhor, que pela graça o senhor explicita?)
Domine non sum dignum! Imaginar sonhar o sonho de Nossa Senhor?! Meu Deus!
(Sr. Guerreiro: Nossa Senhora fala ao senhor isso.)
Ah, isso que eu estou dizendo aqui? (…)
O fato é, que eu acho que não é nenhum pouco garantido que as coisas sejam assim. Mas isto nos dá um certo antegosto de como elas são. Aqui está a questão.
(Sr. Gonzalo: Aquilo que vimos no audio-visual ontem, aquilo vivido durante 82 anos, 24 horas por dia, aquilo é uma espécie de sono de Deus. A maravilha da TFP é isso. O Grand-Retour é isso.)
(Sr. Paulo Henrique: Quase que poder-se-ia dizer que se confunde com o mistério, mas na verdade é um super ornato dessa lógica.)
É, eu estou quieto porque exatamente me tenho em consideração de homem sem mistério…
(Sr. Poli: Os inimigos do senhor, de fora do grupo, só vêem mistério no senhor.)
Eu acho que para dentro de mim é tudo tão claro, meu pensamento flui com tanta lógica, tanta clareza, que eu não vejo onde está o mistério.
(Sr. Poli: Ordenado não quer dizer que não tenha mistério…)
(Sr. Guerreiro: Aplica-se ao senhor o que o senhor dizia há pouco sobre a Catedral de Notre-Dame…. (…)
(Sr. Paulo Henrique: …a França de hoje é meio transparente.)
Transparente. A França é uma pintura feita não sobre tela mas sobre cristal. Diáfana. (…)
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