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Conversa de Sábado à Noite — 8/12/90 — Sábado

O ponto culminante da alma do SDP conhece-se a partir das mais altas consonâncias de seu espírito com a tranquilidade gaudiosa, com a dor, a estabilidade e a serenidade

(Sr. Guerreiro: O sehor em um MNF recente falou de um ponto culminante do espírito do senhor, que o senhor ainda não discerniu inteiramente. Que o senhor esperava que no Grand-Retour Nossa Senhora tornasse esse ponto muito explícito. E aí tudo o que o senhor explicou no MNF ficaria muito ordenado e se compreenderia inteiramente. E que seria a presença dessa graça na TFP que faria com que a TFP dentro do mundo de hoje provocasse uma tal reação no adversário, que pudesse levá-los a desencadear a Bagarre. Agora, não é muito fácil, mas o pedido seria do senhor tratar de um ou outro aspecto desse ponto da alma do senhor. O senhor não quereria tratar um pouco mais de todo esse tema? Porque ficou muito claro que isto existe no senhor.)

* O ponto culminante do espírito de um homem se conhece pelas mais altas consonâncias de seu espírito com determinadas coisas

Sim… Eu estou pensando para arranjar um jeito de tratar a cois eficazmente, que dê jeito.

Aqui é uma pesquisa que eu mesmo estou fazendo em mim, de maneira que para essa pesquisa podia se adotar um princípío, um ponto de partida: que algo em que a alma do homem se sente particularmente bem — naturalmente no sentido bom da palavra, não é portanto nas febricitações nervosas nem nada disso — mas o homem considerado na sua ordem, bem ordenado, quando ele está colocado em toda a ordem de sua alma, inclusive na sua virtude, quando ele em algo se sente particularmente bem, isto revela a presença de uma consonância daquilo que lhe causa bem-estar com o mais fundo do seu espírito.

E nesta perspectiva, se se conseguissem estabelecer os pontos da mais alta consonância do espírito de um homem com determinadas coisas, nós conseguiríamos compreender o tal ponto central dessas coisas. Porque é um ponto de convergência, então. E de um modo descritivo nós poderíamos chegar a um ponto que depois poderia ser teorizado, poderia ser considerado em abstrato e teorizado. Seria um meio de nós andarmos nisso.

* A tranquilidade gaudiosa, abrangendo o sofrimento, é um ponto culminante do bem-estar do Senhor Doutor Plinio

Então, eu estou procurando me lembrar de impressões que eu tinha quando menino, e que algumas delas correspondiam a esse bem-estar particular. Mas de tal maneira que se poderia dizer de alguma forma que esse bem-estar atingia nesse ponto o mesmo alto grau que atingia em alguns outros pontos. E que a esse título representava uma excelência equivalente a outras excelências.

Essas excelências, portanto, tinham um ponto central comum que corresponderia à pergunta que vocês estão fazendo por meio do Guerreiro.

Então, eu tomo dois pontos que me parecem muito característicos. Primeiro, uma característica prévia. É que há uma forma de bem-estar que é feita na tranquilidade, na inteira serenidade, e um pouco numa contemplação de si mesma, um pouco contemplativa, mas não é uma contemplação no sentido de dizer: “Como eu sou bem ordenado nesse ponto”. Não é isso não. Não é uma contemplação de si próprio. É o sentir em si próprio uma certa tranquilidade, e fazer dessa tranquilidade um ponto culminante de seu próprio bem-estar.

Essa tranquilidade seria feita de uma ordenação adequada das coisas, e nessa ordenação uma suficiência, de maneira que de momento nada faltasse à gente; e essa ordenação ou suficiência seria feita de tal maneira a encher de um gáudio intenso, mas que não fosse um gáudio apotéotico. Fosse um gáudio largo, amplo, suficiente, bom, para sem conduzir propriamente a apoteoses e coisas assim. Porque se conduzisse à apoteose poderia já não estar mais presente a tranquilidade. E a tranquilidade é uma condição essencial para todos esses gáudios serem gáudios.

E aí muito paradoxalmente, uma certa procura dessa tranquilidade gaudiosa — eu a chamaria assim — e suficiente, a procura dela, no que há de muito alto sem dúvida, mas de tal maneira amplo, abrangendo de tal maneira campos diferentes, que a própria dor, o próprio sofrimento visto por um certo ângulo seria um fator para esse gáudio, para esse bem-estar se realizarem.

Então, vamos imaginar o seguinte. Uma pessoa que tivesse… Eu estou me lembrando de situações que eu vi descrever em outros, em que outros se encontravam, e que me pareceram que esses outros tinham nessa situação esse estado de espírito que eu gostaria de ter. E, portanto, de algum modo ajudando a descrever o que eu quereria. Eu vou falar de personagens históricos, ou de outros personagens que eu conheci, pêle-mêle, o que for me ocorrendo.

* O Príncipe de Bourbon-Pentièvre na visão do SDP

Eu ouvi ler várias vezes o seguinte. Vocês ouviram falar naturalmente de uma Princesa de Lamballe, que tinha sido muito amiga de Maria Antonieta. E era aparentada da Casa Real. E cuja cabeça foi cortada pela multidão, e foi introduzida pelos varais da prisão de Maria Antonieta, para ela ver a cabeça da amiga dela gotejando sangue.

Essa Princesa, ela era propriamente italiana, era da Casa de Saboya, mas ela era casada com um Príncipe de um ramo um tanto colateral da Casa Real francesa, mas grosso modo era Príncipe da Casa Real francesa. É dele que eu vou falar.

Ele era um homem imensamente rico, vivendo a uma certa distância de Versailles num castelo muito bonito, mas não é castelo de deixar o queixo de maravilhoso. É um castelo muito bonito no sentido comum da palavra, viúvo, o filho dele, o Príncipe de Lamballe, tinha morrido, e ele tinha apenas essa nora, que morava com ele, etc. O resto do castelo estava todo arranjado, todo perfeito, quartos, tudo, para receber qualquer pessoa a qualquer momento, criadagem em quantidade.

Mas, ele levava uma vida meio retirada e, se não me trai a memória, ocupando seus lazeres em três coisas diferentes. Uma era rezar. Ele era muito piedoso, um homem notável pela piedade. Outra era dar esmola aos pobres. Como ele era muito rico, e ele era meio senhor feudal das terras daquele castelo e daquelas circunjacências, ele ia fazer visita para aquela gente, e dava esmolas, etc., etc. E depois, terceira coisa, é tocar flauta! Uma vida flauteada, como vocês estão vendo.

Bem, sempre muitíssimo bem vestido, e até ricamente vestido, mesmo quando estivesse na maior solidão, a uma distância de Versailles que, quando ele quisesse, ele poderia sem se esbaldar chegar até o Rei e tratar com o Rei. A sua condição lhe dava franco acesso ao Rei. Ele ia a certas solenidades em que todo Príncipe da Casa Real tem que ir, ele ia e brilhava ali exatamente pela sua virtude, pelo seu porte, e pela sua categoria.

Mas, ele não gostava de ir muito a Versailles. Porque Versailles era exatamente o lugar da super elegância, do frufru, e, no fundo, de uma certa agitação do espírito. Vocês imaginem Versailles com menos agitação, e vocês teriam o castelo dele.



Esse homem morreu durante a Revolução Francesa, ele não emigrou. Mas ele era tão venerado e querido pela criadagem dele toda, por todo o mundo daquela espécie de feudo, que ele morreu sem que se tocasse nele com a ponta de uma flor. Com a parentela toda presa, a nora com a condição que você sabe, mas ele agonizando tranquilamente, com um padre rezando na cabeceira dele, quando os padres já estavam perseguidos, etc., as portas todas abertas, e o pessoalzinho camponês que quisesse ir prestar homenagem a ele durante a agonia com toda a liberdade para entrar, e chorando junto à cabeceira dele.

(Sr. Gonzalo: O senhor ainda não deu o nome dele, que é uma música…)

É… É o Duque de Bourbon-Pentièvre. Um dos nomes mais bonitos que pode haver. O nome é lindo, e musicaliza bem essa situação.

* A alegria, a glória, a tristeza, a estabilidade e a serenidade no Príncipe Bourbon-Pentièvre

Essa situação assim, sobre o meu temperamento tem um misto efeito de várias impressões que convém ao homem, mas dosadas de uma certa forma, uma certa maneira, que forma um todo. E este todo me parece sumamente desejável.

O negócio é o seguinte: estão presentes a alegria, a glória, a tristeza, a estabilidade e a serenidade. Tudo isso está coordenado para formar um todo em torno dele, que permitia que nas horas de flauta ele subisse ás mais altas considerações. De outra maneira na hora da oração. E de outra maneira na hora de passear pelo seu parque. Um parque magnífico, onde ele passeava sozinho, sem um pingo de neurastenia, à maneira de contemplativo. Outros poderiam ser contemplativos numa paisagem muito grande, poderiam ser contemplativos num panorama marítimo muito bonito, ele era contemplativo dentro de um quadro altamente civilizado. Era contemplativo da civilização. Mas de uma civilização vista assim, e de uma contemplação vista assim.

De maneira tal que esse homem encontrava na conjunção dessas circunstâncias uma tranquilidade, por onde não lhe apetecia mais nada. Mas uma moderação e uma ascese sem dor, sem sofrimento, por onde tudo o que ele tinha lhe apetecia, não havia saturação, não havia o blasezismo. E uma despreocupação de espírito que lhe permitisse subir às mais altas regiões sem esforços nem incômodos, e habitar normalmente lá.

De maneira tal que ele fazendo o papel ali do Duque de Bourbon-Pentièvre, ele por assim dizer vivia a vida de todos aqueles símbolos. E me parece que essa situação tem muito de parecido com o céu empíreo e a bem-aventurança celeste.

Eu não preciso explicar, porque vocês viram, no que é que estava presente a glória. É a glória da Casa Real, com a participação dele, estava presente.

No que é que estava presente a alegria? No evidente comprazimento dele com tudo quanto o cercava. Era um bem-estar gaudioso.

No que é que estava presente a tristeza? Era o isolamento dele naquele lugar, onde evidentemente um homem — se ele era assim como o descrevem, e como eu o estou descrevendo — ele poderia dizer um tanto como São Pio X: “De gentibus non est vir mecum”. Porque vê-se que na França deteriorada daquele tempo não havia lugar para ele.

Estabilidade é a estabilidade de tudo. Tudo o que ele tinha estava baseado num direito sucessório incontestável e incontestado. E numa situação econômica absolutamente inabalável.

Alguém dirá: “Não é verdade, porque a Revolução Francesa teria abalado”. Eu digo: É verdade, mas entende-se incontestável, etc., no período normal da vida dele. Não é no período em que veio a Revolução, que seria preciso ver, não tenho dados, como é que esse homem viu a Revolução.

* A objeção do homem contemporâneo: o gáudio está na totalidade e no frenesi da satisfação

Aqui se coloca, portanto, uma coisa contra a qual o homem contemporâneo teria uma objeção enorme para apresentar, que em termos lógicos se apresentaria assim: “Se você gosta muito de algo, você tem que gostar ainda mais do todo daquilo. E, portanto, você não pode dar-se por satisfeito, enquanto você não tiver as totalidades. Ora, você Plinio, apresenta um panorama de não totalidades. E por aí vem uma sensação de carência que não está na imagem desse personagem que você descreve.

E mais ainda. O desejo da totalidade conduz naturalmente ao desejo do gáudio total. E o gáudio total não comporta a placidez de que você fala. O gáudio total comporta o frenesi, comporta a sensação deliciosa de uma vibração quase histérica de satisfação diante daquilo que a pessoa tem, ou que está recebendo. E você não põe isso. Você põe um détaché, uma distância entre você e essas coisas, pelas quais você gosta muito delas, com a condição de você ser meio independente delas, e poder ser inteiramente você, de tê-las a uma certa distância de si. E isto nos parece a nós o contrário desta falta de distância psíquica em que o homem põe hoje todo o seu prazer.”

* É no desapego da pureza e da castidade que se encontra a felicidade

Bom, a isso eu darei uma resposta muito simples.

(Sr. Guerrreiro: Esse frenesi está ligado, no fundo, a uma visão sensual da vida.)

É, vamos dizer o seguinte: é levar todo o prazer que a vida pode dar a um paroxismo parecido com o da sensualidade. E fazer desse paroxismo inquieto, agitado, frenético da sensualidade, a felicidade. Mas é fazer com que o trem inteiro descarrilhe. Porque exatamente a felicidade está no contrário: está em compreender que nesse gáudio sensual das coisas, ainda que sem relação com o 6º Mandamento — não há uma relação, há uma analogia como disse o Guerreiro — mas, no fundo, que é naquele espécie de détachement, de desapego da pureza e da castidade, por onde o homem é capaz de ter essa sensação de suficiência sem chegar aos frenesis da impureza, é precisamente nessa castidade que está a felicidade.

Está nisso, propriamente, o estado de equilíbrio no qual a pessoa se torna capaz de ser feliz. E aí fica o prêmio da castidade que, sem fazer a menor censura ao estado matrimonial, pelo contrário tendo a devida reverência ao estado matrimonial, diz ao matrimônio perfeito: “Tu és digno, tu és respeitável, tu és sóbrio. Mas tu não és a castidade perfeita, na qual o homem encontra verdadeiramente essa posição de que eu acabo de falar”.

(Sr. Gonzalo: Agora, nessa descrição assim o senhor fez o que disse o Sr. Guerreiro, porque o senhor mostrou o Duque de Bourbon-Pentièvre como ele seguramente não foi. Isso é fruto dessa graça que o senhor tem de arquetipizar tudo.)

Pode ser. Pode ser.

(Sr. Gonzalo: Descrevendo a ele, o senhor fez um exercício de arquetipia.)

É, eu acho que ele talvez tenha sido assim… Ah, ah, ah! Eu acho que… Eu compreendo bem, mas eu acho que em vocês entra um ceticismo de pessoas batidas pela vida de mil jeitos, e que formam, pra evitar desilusões, prévias certezas de que certas coisas não existem. E eu não chegaria até lá. Eu acho que ele talvez tenha sido assim.

(Sr. Gonzalo: Mas dificilmente foi descrito assim. Mas não importa.)

Bem, para mim o que importa à pergunta que vocês fizeram é um pouco diferente: é como eu concebo isso.

(Sr. Paulo Roberto: Isso que o senhor estava fazendo é uma introdução.)

É uma introdução para um tema muito delicado, que tem que ser tratado com muito cuidado para ser bem apanhado.

* É necessário pôr o papel da tristeza

Agora, essa coisa posta assim, é preciso pôr o papel da tristeza. Porque se não se puser o papel da tristeza, fica a coisa cambaia e não vai. É preciso pôr o papel da tristeza, e é preciso saber descrever a tristeza. Porque não é qualquer coisa que é a tristeza justa. Qual é a tristeza equilibrada.

Mas vejam que eu não quis imaginar para ele uma esposa encantadora, não quis imaginar filhinhos ou filhinhas de desmaiar de tão bonzinhos. Não quis imaginar nada disso. Eu quis tomar a situação como era. Inclusive com essa nora que, você compreende, uma nora não é uma filha. Uma nora viúva, inteiramente independente, ela própria muito rica, e amiga de Maria Antonieta assim… a la prima. E, portanto, com acessos à corte a toda hora, e tudo o mais que você pode imaginar.

* A presença da dor é um símbolo da precariedade de todas as coisas

Então põe-se aí a situação: qual é o papel da tristeza ai?

É uma posição de alma pela qual a pessoa posta assim compreende que tudo aquilo está muito bem, mas que falta um símbolo ali dentro. E que esse símbolo é a presença — como dizer isso? — a presença de uma gravidade, de uma seriedade e de uma compreensão que a vida tem dores, e que toda estabilidade que a gente tenha não evita da gente passar por ela. Que o homem em certo momento vai ter que passar pela morte, e quando chegar a vez dele morrer, ele não só vai perder tudo aquilo, mas ele vai passar por uma situação que é indiscutivelmente tragicíssima, porque a morte é muito trágica.

E que ele está cercado de outros que têm situações muito menos boas que ele, e que sofrem mais do que ele, e que passam por coisas piores que ele. E que, portanto, há um fator dor na vida, que ele compreende que é um fator que parece o contrário de tudo quanto ele vê, e tudo aquilo em que ele está, mas que se não fosse a presença um tanto longínqua dessa dor — não é uma dor que está sentado ao lado dele, e que passou o braço por debaixo do braço dele, como poderiam estar duas pessoas num sofá, mas é uma dor um tanto longínqua, mas que está ali e que faz com que ele compreenda que sobre tudo aquilo paira uma melancolia de algo que não vai mais ser, que não vai mais existir, ele mesmo não vai mais existir. E então uma dor da precariedade de todas as coisas.

* A nobreza e a melancolia dos cimos não atingidos

E por onde ele pode passear por aquele castelo, e se perguntar: “E quando isto estiver reduzido à poeira? Um dia isto ai ser pó. O coração dos homens que recordação vai guardar do exemplo que eu estou dando? Que recordação vai guardar, que gratidão vai guardar da bondade que eu estou dando, da perfeição que eu simbolizo, o que eles vão guardar? Eles não vão guardar nada!”

É assim. Esta coisa leva a uma pergunta: “Mas, então, tudo isso o que é que é?” E um véu de melancolia se estende a tudo isso, e confere a isso uma nobreza sem a qual nada tem verdadeiro valor, não tem seu verdadeiro valor, e cuja resposta é: “Para além dessa vida há uma perfeição em comparação com a qual isto não é nada. E para além dessa vida, Alguém te quer de um querer que esgota todo desejo que você tem de que lhe queiram. Mas ainda vai muito além! E é tal que, por mais que você o queira, você não o quererá como deve. E que você fez sofrer este Alguém, e ainda hoje não corresponde a este Alguém como você deve.

E que na sua paz, na sua tranquilidade, você deve compreender, portanto, que separa um rio preto, torvo, inóspito, pelo qual você tem que nadar para chegar depois a algo que, isto sim, é a verdadeira pátria de sua alma. E aonde não adianta perguntar se se lembrarão de você, porque alguém tomou nota de toda a sua virtude, e não se esquecerá absolutamente de nada disso. Alguém tomou nota também de seus defeitos, e talvez te faça passar pelo Purgatório. Mas você no Purgatório terá o gáudio de afinal libertar-se de apegos que você aqui na terra não conseguiu libertar-se, e de afinal ser a alma que você quereria.

E quando você vir esta perfeição de frente, aí você terá alcançado tudo quanto você queria!”

Então, aqui nasce uma nobreza para a alma, uma elevação acessível a qualquer cozinheira como Santa Ana Maria Taigii, ou qualquer padeiro como São Clemenete Hofbauer, e não apenas ao Príncipe de Bourbon-Pentièvre. Mas que no Príncipe de Bourbon-Pentièvre tem um valor de simbolizar isto de um modo especial, em que o conúbio dele com isso tem peculiaridades. E ele sabe que ele é um pouco para os outros o que Deus é para ele.

Bem, então nasce aí uma espécie de melancolia dos cimos não atingidos, das magnificências não obtidas, daquilo que a vida poderia dar e não deu, e para o que os olhos da pessoa não estão cerrados. Pelo contrário, é uma das belezas da vida.

* A felicidade perfeita do Príncipe de Bourbon 2DPentièvre

E você pode imaginar, numa tarde bonita, sentado numa muito bela poltrona, num terraço de mármore, num entardecer de outono como esses que só a Europa tem, o Príncipe de Bourbon-Pentièvre sentado, e pensando nessas coisas — e você compreenderá o papel da dor na vida do homem.

A noite vai baixando, vai ficando violácea, as estrelas vão nascendo, ele está sozinho, ninguém o procura. É um dia a mais que passou, é um dia a mais rumo à morte que chega, é um dia a mais de uma realização de uma vida que ele sente que um dia, num lugar naquele tempo habitado por índios, um grupo de homens haveria de louvar! E ele ouve talvez os grilos, ele vê uma ave noturna que passa, ele tem uma dessas bengalas ligeiras que são mais para afugentar um bichinho do que quaquer coisa, com um castão de ouro, com que ele brinca assim e marca um compasso sobre o mármore. E um certo apogeu vai se realizando nele.

Chega em certa hora, ele vê que na sala vizinha as velas estão sendo acesas, e daí a pouco entram três ou quatro lacaios, chamarrés de ouro, de prata, de cabeleira, etc., e que avisam: “Le dÔner de Monseigneur est servi”. Inclinam-se, ele se levanta, e vai viver a vida de todos os dias, da qual ele emergiu por essas altas considerações, cheias de uma tristeza melancólica, doce, mas sem moleza, uma coisa varonil, ele emergiu passageiramente.

À noite, com todas as janelas abertas, portas, etc., ele toca mais um tanto de flauta. Depois vai para a capela, reza, e ninguém sabe o que esse homem pensou até a hora de adormecer.

É uma situação que a meu ver reflete uma felicidade perfeita. Mas, se vocês comparam isso com o conceito hollywoodiano de felicidade, é um contraste berrante.

* Uma vida que é um modelo para a TFP

(Sr. Gonzalo: É o senhor, com a vida que o senhor viveu, que pode fazer uma análise assim.)

Enfim, seja como for, essa vida acaba sendo para nós da TFP um modelo. Porque comparada com a Heresia Branca e com M. Émery, o choque é o mais violento possível. Porque este homem, poderia acontecer a ele isto: entrar com os estribos soltos, e a todo galope, um homem que se aproxima dele: “Monseigneur, je suis le Vicomte Untel. Le Roi vous écris”. Ele abre a carta, é o Rei que diz: “Mon Cousin, o trono está em perigo, minha pessoa está em risco, seu lugar é ao meu lado.”

Bem, na hora ele toma um cavalo e sai para a aventura, sai para o risco! Sai para o contrário de tudo que ele tinha. Mas, tão equilibrado, que ele sai como quem sobe. E nem deixa ao diretor do seu palácio instruções sobre nada. Ele parte no escuro galopando, para o que for! Quer dizer, isso daria o sentido inteiro da vida desse homem.

* Uma vida sob o olhar do Sagrado Coração de Jesus

Bem, não sei se querem, antes de eu ir adiante, perguntar alguma coisa? Eu diria só isso: que eu só imagino na capela desse homem, bem entendido o Santíssimo Sacramento, mas uma imagem do Sagrado Coração de Jesus, e no lugar adequado, segundo as prescrições canônicas, mas adornado com um carinho particular, a imagem do Imaculado Coração de Maria. Porque é só o que eu imagino. E está acabado.

Em última análise, a doçura, a paciência, o olhar profundamente inteligente — nesse sentido da palavra: que vê dentro, penetrante — do Sagrado Coração de Jesus, o perdão… (Vira a Fita)

Outro tanto, mutatis mutandis, poder-se-ia dizer do Coração Imaculado de Maria.

* A base do estado de espírito de um homem assim é a graça de Deus e a ação dos anjos

Faltaria, por faltas de dados sobre esse assunto, faltaria alguma coisa sobre o papel dos anjos aí. É uma outra questão.

(Sr. Paulo Roberto: Um pouco o papel natural dos anjos, porque tudo isso que o senhor diz faz lembrar os comentários do senhor aos quadros de Claude Lorrain, onde se vê essa melancolia assim. Mas aqui o papel religioso está muito mais presente.)

É, muito mais, porque eu sentiria que eu não teria dito nada se eu não tivesse posto o fator religioso.

(Sr. Paulo Roberto: Os anjos entrariam nesse embasamento.)

Ah, é fora de dúvida. Mas aqui seria preciso dizer o seguinte. É que eu acho que um quadro desses, é evidente, é o quadro de um homem que mantém habitualmente o estado de graça. E que o estado de graça, duravelmente nenhum homem mantém sem o auxílio da graça. E que, portanto, isto aí é a graça de Deus, com tudo quanto ela tem de charme, de esplendor, de beleza, etc., etc., mas está também como mensageiros da graça de Deus a ação dos anjos. E que sem um certo pairar angélico sobre isso, tudo quanto eu disse não se descreve bem.

(Sr. Gonzalo: Ele próprio é meio angélico.)

Ele próprio é meio angélico. E tudo quanto está dito, ele encontra esse entretenimento — porque é um homem entretenido, altamente — ele encontra esse entretenimento porque anjos pairam por ali. Ele não sente, ele pode não saber, mas era só o anjo se retirar que ele julgaria estar muito doente.

* A felicidade que se deve querer no Reino de Maria

Quer dizer, eu creio que se nós tivéssemos estavelmente diante dos olhos o quadro desta felicidade, como a felicidade desejável, de tal maneira que nós nos disséssemos o seguinte: quando vier o Reino de Maria, nós queremos para nós não estar postos dentro da politicagem, nem estar postos dentro do frufru de nada, mas quereríamos uma situação dessas, tendo a mais a austeridade e aquilo tudo que por exemplo tem o nosso São Bento de eremismo, ainda mais sublimado do que isso que eu acabei de dizer — então nós compreenderíamos o que é andar pela vida, tendo compreendido bem a vida, e tendo compreendido bem a morte.

* Uma alma com tal felicidade tem uma irradiação fantástica

E aí a gente compreende que uma alma dessas assim, pelo fato dela existir, ela tem uma irradiação fantástica. Mas que, se uma alma dessas existisse em nosso século, ela seria demolida como foi destruído Nosso Senhor Jesus Cristo.

(Sr. Gonzalo: Mas não deixaria de ter muita irradiação também.)

Ah, não, não.

(Sr. Gonzalo: Por causa da irradiação tentariam demolí-la.)

Exatamente.

Agora, o problema é o seguinte. É que nós ficamos com uma porção de idéias falsas a respeito da felicidade. E pelas idéias erradas de felicidade que construímos, alimentamos em nossas almas cem minhocas, cem vermes, enchemos nosso horizonte de pássaros noturnos medonhos, que nos deslocam completamente. E forma esse mundo que vocês estão vendo aí.

Então a gente poderia compreender, por exemplo, nesses salões, cores claras, esses lustres de cristal esplendorosos, coisas amenas. Mas a seriedade não estaria ausente em nada. E seria muito agradável fazer num ambiente desses uma reunião de MNF.

* Essa posição de alma séria, grave e ornada não tem nada de centrismo

(Sr. Gonzalo: É a gravidade com ornato.)

Gravidade com ornato. Porque, por exemplo, a estética dessa gente era toda cheia de regras, regras verdadeiras de estética, que indicavam a seriedade, mas ao mesmo tempo ornadas. E ali se poderia falar sobre cem coisas. Inclusive se poderia falar da necessidade do Lambesc! Porque um estado de espírito desses esbarrando numa oposição revolucionária, lambesqueia: “Como?! Onde é que estamos? Não! Isso vai acabar, e vai acabar já, e completamente! Se não acabar, acabou eu! Mas, juntos não ficamos!”

Quer dizer, isso não tem centrismo nenhum. É o contrário do centrismo.

Agora, que proveito prático tirar disso? É uma pergunta que se pode fazer.

Eu tenho impressão que uma coisa assim poderia ser… As coisas da tradição do passado um pouco convidam para isso, se a gente as sabe ver. É preciso ter isso em consideração. E que a gente por aí compreende melhor o que é uma idéia de felicidade que à maneira de restos ficavam no espírito humano, e que, naturalmente, hollywoodizando se destroçaram a ponto de não se poder mais falar a respeito disso. Mas, se a gente fixasse bem tudo isso, a gente compreenderia uma série de coisas, e como se desmentem umas noções de felicidade. Mesmo felicidade terrena.

* O papel da Senhora Dona Lucilia na formação do Senhor Doutor Plinio: ela existiu, ela foi!

(Sr. Gonzalo: Ajuda muito a compreender o senhor.)

Talvez. Eu não me examinei de fora para dentro.

(Sr. Gonzalo: Mas nós podemos. Muita coisa disso se aplica ao senhor.)

[SDP aponta para o Quadrinho:] Existem em quadros do passados possibilidades de se recompor isso..

(Sr. Paulo Roberto: Essa figura dela estava inteiramente descrita nisso.)

Quer dizer, vocês compreendem aí perguntas a mim: “No que é que Dona Lucilia influenciou a sua formação?” Eu fico meio embaraçado, sem saber o que dizer. Ela existiu! Ela existiu, acabou-se! Ela fez o mais importante: ela foi.

(Sr. Paulo Roberto: E deu ao senhor a possibilidade de viver dentro do ambiente dela.)

Isso, exatamente. Está acabado. Eu sei que muita gente julga que isso não quer dizer nada. Mas eu não penso assim.

Eu acho que é porque eu tenho estavelmente a idéia de que a clave deveria ser esta, é que isso me dá inclusive alguma ajuda para sofrer. E às vezes sofrer barbaridades. Mas é porque a clave deveria ser esta. Então a coisa se explica, se faz entender, etc., etc.

* Os homens no Reino de Maria terão essa serenidade feita de tristeza

E que seriam possíveis em grande quantidade homens assim no Reino de Maria, faz parte de minha idéia do Reino de Maria. Mas também, então, veja bem, não é só esse gênero, mas é por exemplo o homem do povo da Idade Média. É todo aquele que viveu sob essa graça, e que não foi intoxicado pelas falsas idéias de felicidade, de integridade humana, e de tudo o mais, que conheceu essa serenidade feita de tristeza e de tudo o mais — esses eu tenho impressão que no Reino de Maria serão numerosos e mais sublimes ainda do que foram os da Idade Média. E que aí está…

(Sr. Guerreiro: O senhor poderia explicar um pouco mais, por que é que para esse quadro todo da vida desse homem que o senhor acabou de descrever…)

Eu estou com uma certa dificuldade de regular esse meu aparelhinho hoje, e…

(Sr. Gonzalo: Ele pode falar mais alto.)

Não, não faça isso não. Porque não há nada como a voz natural. Ainda que seja para a audição não natural, a voz natural é incomparável.

* “Tout casse, tout passe, tout lasse et tout se remplace”

Diga meu filho.

(Sr. Guerreiro: O senhor poderia explicar um pouco mais em câmara lenta, por que é que para o quadro da vida esse varão que o senhor acabou de descrever, a tristeza é um estado de espírito sem o qual ele não encontraria nessa terra toda felicidade tão guadiosa, tão nobre, que o senhor acabou de descrever que ele tinha? Como é que entra isso para compor e dar todo esse quadro, e à vida dele, portanto, uma alegria que, se lhe fosse tirada a tristeza, ele não teria a felicidade nesse quadro?)

Meu filho, eu acho muito oportuna a sua pergunta, porque eu passei um pouco por alto, pelo sentimento de que seria um pouco complicado explicar, e que pediria uma explicação à parte. Mas você pede, eu dou a explicação à parte, porque não vai atrapalhar o quadro de conjunto. Pelo contrário, cai bem nesse momento.

Há uma expressão francesa que diz isso: “Tout casse, tout passe, tou lasse, et tout se remplace”. É uma expressão cruel, atroz, onde o mais cruel é tout se remplace, que quer dizer que você vai ser remplacé, e que vai haver um momento em que outros te substituirão.

Agora, isso se prende à seguinte coisa que, se você fugir dessa consideração, você começa a olhar as coisas sem se lembrar que elas cassent, passent, lassent et se remplacent, e elas começam a aparecer a você próprias a dar slpeen. Não sei se vocês sabem o que é spleen na linguagem de hoje?

(Sr. Gonzalo: Não se usa praticamente hoje.)

É uma espécie de sensação de que a coisa está sobrando, que você tirou dela todo o gáudio que ela pode dar, e verificou que ela tem qualquer coisa de fátuo que não satisfaz, de vazio. E todas as coisas que você não considerar assim acabam dando um vazio, que dá na Cristina Onassis.

Para elas não darem esse vazio, você tem que ter a sensação de que elas são uma espécie de avant-scène, ou avant-goÚt, de alguma coisa coisa que não vai se passer, ne casser, ne lasser, ne remplacer. Se não tiver isso subconsciente e vivamente — não apenas por uma teoria, mas vivamente — tudo lhe parece zero.

* A necessidade do efêmero para o equilíbrio humano

(Sr. Gerreiro: Em certo momento tudo parecerá zero.)

Tudo parecerá zero. E daí nasce então os absurdos: “Se isso tudo é zero, eu vou vender tudo isso, vou liquidar tudo isso, e vou fazer uma coisa completamente nova. Vou lançar uma moda nova!”

Bem, de moda nova em moda nova, você vê esse mundo no que é que dá. Sensações novas… Você entra na engrenagem de Hollywood.

Quer dizer, é preciso, para o equilíbrio do homem, que ele compreenda o efêmero das coisas. Porque as coisas só são inteiramente bonitas vistas no seu efêmero. Aí que elas são verdadeiramente bonitas.

(Sr. Guerreiro: Por detrás do efêmero ele pega o que não é efêmero.)

Exatamente, se levanta a figura da eternidade.

(Sr. Gonzalo: O ver o efêmero produz uma certa tristeza. E é uma tristeza boa?)

É uma tristeza santa, cheia de equilíbrio. Porque aí você tem o equilíbrio. E se sente — porque se trata de sentir, é uma convicção derivada da Fé, etc. — mas se sente da seguinte maneira: tomando aquela coisa, sentindo o gáudio que ela dá, é preciso sentir esse gáudio, e ver depois o que sobra. Há algo que aquilo não encheu. Começa a tristeza. Sem isso, as coisas o que é que ficam?

* Toda dor tem algo de participativo com a morte

(Sr. Paulo Roberto: Como fica a dor dentro disso?)

A dor, meu filho, fica nisso: toda dor tem alguma coisa pelo menos de longinquamente participativo com a morte. Há uma expressão — eu estou com a cabeça cheia de frases francesas hoje, que remédio tem? —”Partir c’est mourir un peu”. Quer dizer, você despedir-se para uma viagem e partir, é morrer um pouco para aquele ambiente. É verdade. Ainda que seja por um partir muito breve, é morrer um pouco.

(Sr. Gonzalo: O senhor não sabe a partida do senhor para a Europa o que foi!)

Bom, mas por exemplo, quando eu parti para a Europa, eu parti para uma viagem que se prenunciava de alegria, e que me trouxe muitas alegrias. Está bem, mas eu senti uma dilaceração. E quando eu voltei eu senti que entrava no que me é próprio.

* No equilíbrio entre o efêmero e o perene está a verdadeira posição perante as coisas

Mas, isto tudo faz parte de um jogo do existir efêmero. E que o próprio efêmero das coisas nos prepara para a eternidade, sentindo. Você percebe que absurdo que não seja assim, e isso, aquilo, aquilo outro.

Você veja, por exemplo, essa sala aqui, essas duas salas. Das pessoas com quem outrora me reunia nessas salas, quase todo mundo morreu. Quer dizer, morreram todos os irmãos de minha mãe, todos os cunhados, cunhadas, as irmãs, tudo morreu. Fato fundamental: morreu ela! Morreu há pouco minha irmã. Os meus primos, as pessoas de meu tempo, quase todas morreram.

Bem, nós estamos sentados à beira da sepultura! Chateaubriand, quando descreveu aquelas “Mémoires d’outretombe”, ele começa dizendo que ele está sentado à beira da sepultura, com dois pés metidos dentro da cova. E que é por isso que ele dá às memórias dele — porque são as memórias — o título de Mémoires d’outretombe, são as memórias para além do túmulo, como se uma pessoa que tivesse morrido escrevesse a vida que levou.

Mas, é positivo que esta roda também se desfará. E que um dia haverá em que esses móveis vão ficar sozinhos, e vendidos — na melhor das hipóteses — para um comprador de móveis de segunda.

(Sr. Paulo Roberto: Só se não vier o Reino de Maria.)

Não, com o Reino de Maria é outra coisa. Mas eu digo que normalmente o curso da vida é este.

Bem, então nós fazemos essas reuniões durante quanto tempo, todos os sábados. É a mesma roda que se reune. Fica um certo fundo de que esta roda se reunirá indefinidamente. Mas se nós soubéssemos que nós vamos passar 200 anos reunindo-nos todos os sábados, nós diríamos: “Meu Deus, 200 anos!”

(Sr. Gonzalo: Para o senhor nós compreendemos que seja um drama, mas não para nós…)

Não, não, não!

(Sr. Guerreiro: O senhor se recorda que numa ocasião nós pedimos que o senhor tivesse a bondade de continuar essas reuniões no céu, e o senhor aceitou o pedido.)

Sim, é verdade, mas vocês compreendem: não é isto. E depois tem o seguinte: isto nos atrai tanto, porque tem uma graça que atrai para isso. Porque se não tiver, isso passera, isso se cassera, e isso se remplacera, bem ou mal.

E essa sensação de uma coisa que vive, morre, mas morre para reviver, nela o homem encontra o equilíbrio na posição perante as coisas. Se ele acreditasse só em que elas vivem e não reviverão, isso se transformaria num inferno. Ele acreditando que o que ele viverá eternamente não tem nada que ver com o que ele está vivendo agora, também não vai. Tem que ser que haja essa continuidade, mas que essa continuidade para nós, filhos de Eva, seja rompida por uma descontinuidade. (…)

* Tudo isso é uma glorificação da Santa Cruz de Nosso Senhor

(Sr. Guerreiro: …em certo momento palpita na alma deles um certo desejo de algo mais nobre ainda, de mais elevado, que explica a nobreza a qual eles amam.)

É, mas você tem toda razão.

(Sr. Guerreiro: É uma coisa tocante.)

E é tocante mesmo. E que dá à vida o seu sentido.

(Sr. Guerreiro: É gente ruim, mas um certo perfume da graça que toca nisso.)

Pois é. É surpreendente, mas é assim.

(Sr. Guerreiro: As almas deles se abrem para assuntos assim.)

Pois é. E essas são as almas que mais Deus ama. E o chamado para a TFP envolve um ponto onde se vê isso assim. O chamado para a TFP envolve isso. Na medida em que não se tenha isso em vista, a gente bordeja em torno da TFP, mas a gente de fato não entra no espírito dela. Isso é assim.

(Sr. Paulo Roberto: Essa pessoa descrevia uma coisa interessante, que é a seguinte. Tinha uma procissão do Santíssimo, com um padre amigo da Monarquia, e um dos que estavam segurando o pálio era D. Bertrand. Quando chegou uma pessoa do povo, e pegou um ramo que o padre usava para aspergir as pessoas com a água benta, e a coisa mais bonita que a pessoa achou foi o entragarem esse ramo para D. Bertrand. E essa pessoa diz que sentiu naquilo uma coisa tão bela, que ele nunca tinha sentido uma coisa tão bela. Não pelo lado religioso, mas pelo lado de homenagem…)

Do principado.

(Sr. Paulo Roberto: Parece-me que toca um pouco nisso.)

E no lado religioso, de fato é o lado religioso. É sentir no seu significado religioso as coisas temporais. E exatamente esse pessoal não quer saber disso por nenhum preço.

Então, de vez em quando, quando uma alma foge disso, o infortúnio despenca em cima dela. Mas às vezes esse infortúnio é uma salvação. (…)

Então isso tudo que nós dizemos, acaba sendo uma glorificação da Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Acaba sendo isso.

Então, Ave Crux, Spes unica, você compreende. E São Luis Grignion de Montfort que coloca na mesma linha o devoto escravo de Nossa Senhora, e amigo da Cruz!

E toda a descrição que eu dei do Príncipe de Pentièvre, por detrás, muito discretamente, estava a harmonia da cruz. De todo lado.

* O brasileiro é muito compreensível da cruz

Agora, isso depois, em cada país, em cada quadrante físico do horizonte, em cada povo, etc., toma um caráter próprio. E vocês vêem, por exemplo, no brasileiro, as duas coisas que se opõem. Porque no brasileiro é, de um lado, muito compreensível da cruz. E quando ele canta por exemplo o “luar do sertão”, de fato ele canta a tristeza. Não sei se vocês, brasileiros como eu, sentem isso como eu sinto?

[Inteiramente.]

Canta a tristeza. Agora, isto é um lado. O maxixe, e a canção saracoteada, e o gosto do Ford bigode, etc., é o efeito da hollywoodização em nós, que nos adulterou profundissimamente! Mas já é uma outra questão.

Mas, o que faria do brasileiro um homem verdadeiramente como deve ser, é se ele compreendesse assim a cruz, e compreendesse uma tristeza presente mesmo nos mais bonitos panoramas dele.

Por exemplo, o panorama da Guanabara. Fizeram do Rio um panorama de prazer, mas o panorama do Rio não é um panorama de prazer! Vamos dizer, por exemplo, a linha do Corcovado não é uma linha de saracoteio. É uma linha muito digna.

* A interlocução com a dor consoladora em Paquetá

Mas você tomando, por exemplo — Paulo Roberto e Edwaldo moraram no Rio muito tempo, têm que ter ido a Paquetá necessariamente — Paquetá hoje deve estar de lo ultimo.

(Sr. Gonzalo: Eu estive lá recentemente. Está inimaginavelmente de lo ultimo.)

Inclusive o trajeto?

(Sr. Gonzalo: O trajeto é interessante, salvo a ponte Rio-Niteroi, que liquida tudo. Mas a ilha está numa baixa de nível pavorosa.)

Mas vocês não conheceram a Ilha há uns 30 ans atrás…

(Sr. Guerreiro: Eu conheci.)

Você conheceu meu filho? Você deve ter sentido uma certa placidez, ligeiramente tristonha…

(Sr. Guerreiro: Inteiramente. Eu tinha 11 anos quando conheci.)

Mas você está vendo que produziu esse efeito sobre você. Já a caminhada para Paquetá, a gente vai conversando com os companheiros. Em certo momento a conversa vai morrendo, e o panorama vai se abrindo, e a pessoa vai prestando atenção naquilo. Mas entra em interlocução com a dor amena, a dor bondosa, a dor doce, a dor consoladora…

(Sr. Guerreiro: E o trolezinho que sai…)

É: pépépépé… Na ilha que só pode haver troles, não pode haver automóveis. E depois aquelas casinhas, aquela populaçãozinha, e a memória do D. João VI que ia descansar lá — Até isso! Um reflexo do ouro da Coroa ali presente — forma uma coisa que é preciso ter conhecido para compreender. E que a meu ver aponta o mais bonito aspecto da alma brasileira que é este. Talvez seja de toda a América do Sul, não conheço bastante bem para poder opinar, mas eu creio…

(Sr. Guerreiro: Outro dia eu vi umas fotografias de Havana, a velha. E tinha alguma coisa disso, tinha um charme espanhol. Foi uma pena que esse povo tenha apostatado.)

Bem, você pega coisas do Peru, são coisas maravilhosas. Mas com uma nota meio diferente quanto à presença da tristeza.

(Sr. Gonzalo: É diferente. Não é a tristeza portuguesa que há no Brasil, banhada de bondade…)

De doçura…

(Sr. Paulo Roberto: As fazendas antigas do Brasil tinham muito disso.)

Tinham muito. Mas, mais as fazendas que provavelmente você conheceu, que são as do Estado do Rio, do que as de outros lugares. Porque as fazendas de São Paulo do mesmo tempo são muito menos bonitas do que as do Estado do Rio. Mas muito menos, a perder de vista. Mas as do Estado do Rio são realmente muito bonitas.

(Sr. Gonzalo: SDP, está muito tarde já, são 3 e pouco.)

Vamos andando então.

(Sr. Gonzalo: Nós ficamos imensamente agradecidos pela reunião prodigiosa.)

Agradeçamos a Nossa Senhora!

* A tristeza enluarada da alma brasileira

(Sr. Poli: O senhor disse que um dos aspectos mais bonitos da alma brasileira era…?)

É exatamente essa presença em mais ou menos tudo desse fundo equilibrado de tristeza. Inclusive na alegria, hem? Porque o brasileiro tem alegrias, etc. Mas essa presença enluarada da tristeza da alma brasileira existe, e é uma maravilha!

Bem, vamos rezar, meus caros?

Há momentos minha Mãe…”

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