Conversa
de Sábado à Noite – 6/1/90 – Sábado
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Conversa de Sábado à Noite — 6/1/90 — Sábado
Aristocratismo
* A fina ponta da Revolução no anti-aristocratismo
(Sr. Guerreiro: O Sr. poderia tratar um pouco sobre o dom do aristocratismo com que a Providência ornou a alma do Sr., e a vocação profética do Sr.? Esse dom estaria indissociável do profetismo no Sr.? Pareceria que sim…)
É, ao profetismo enquanto ele está em mim, eu acho que é fora de dúvida que é. Fora de dúvida nesse sentido, que do conjunto do espírito da Revolução, se se pudesse comparar uma porcaria, como o espírito da Revolução, a uma flor, a corola da flor asquerosa da Revolução seria o anti-aristocratismo. Não é nem sequer o antimonarquismo, se não o antimonarquismo acaba sendo a fina ponta do anti-aristocratismo, mas, propriamente o que eles querem extirpar é o anti-aristocratismo.
De onde acontece que todos os “profetas” da Revolução, “profetas” do demônio da Revolução, uns depois de outros, exceto quando tiveram por missão, para fazer maior mal, meter-se no meio dos aristocratas para apunhalar e trair a aristocracia, exceto nesses casos eles foram pessoas que eram fundamentalmente anti-aristocráticas.
Poderiam ser nobres — Philippe Egalité é um —, podiam até ter um ar muito nobre — também seria uma coisa possível —, mas, sem embargo de tudo isso, o aristocratismo neles, a aparência aristocrática neles era uma aparência, mas eles levavam consigo um profundo ódio à aristocracia. Mesmo quando eles tivessem aparências muito aristocáticas.
* O filho de Felipe Égalité, que tinha a intenção de arruinar aquilo que ele sabia simbolizar tão bem
E mais curioso ainda é o seguinte. Não é só isso, mas essas aparências poderiam fazer parte vitalmente do modo de ser deles. Não é que eles estivessem representando de aristocratas, mas era parte do modo de ser deles. Eles odiavam aquilo que eles tinham.
Para dar um certo exemplo, o rei Luiz Filipe, dito Rei dos Franceses… Nós já comentamos aqui, eu creio, uma vez: o negócio do filho primogênito dele, que sofreu um desastre de equitação, uma coisa qualquer, no Bois de Boulogne, pelo qual ele foi levado a uma casinhola de um homem que morava ali, e ali expirou. Mas levou tempo para expirar. E chamaram o pai, enfim, todas as pessoas lá da entourage dele — o pai era rei, rei usurpador, mas dizia-se rei — acorreu lá, etc. Morreu ali.
Esse Príncipe deixou um testamento, que foi publicado, que é um testamento ideológico, cuja autenticidade ninguém contesta, em que ele diz ao pé da letra isso: que ele desejava era servir à Revolução. Mas Revolução com “R” maiúsculo, sem deixar a menor dúvida sobre o que era. E que se ele tinha aparências aristocráticas, e viveu no meio de aristocratas, viveu só se consolando disso pela idéia de que ele favorecia a Revolução.
Agora, nas “Memórias” do Metternich, eu li um dado sobre esse homem. O Luiz Filipe queria muito arranjar um jeito de legitimar a usurpação dele, fazendo-se reconhecer como rei verdadeiro pelas várias cortes da Europa que não queriam reconhecer. E o jeito que ele inventou para uma coisa dessas, foi de casar o filho dele com uma princesa austríaca. Como a Casa de Habsburg parecia a dinastia legítima por excelência, já Napoleão tinha dado esse passo. Depois, também, outros filhos de usurpadores, etc., sempre queriam isso.
Então houve uma troca de correspondência entre o Metternich e o governo francês, porque o governo francês queria que o rapaz fosse lá, frequentasse a corte de Viena, e pedisse a Arquiduquesa tal como esposa. Uma Arquiduquesa escolhida lá, segundo combinações genealógicas, e outras conveniências. E a pressão do Luiz Filipe foi tal, que o Metternich julgou — eu acho que ele fez mal — ele julgou que ele deveria dar entrada ao rapaz, e receber na corte, etc. O Imperador concordou.
Então mandaram dizer, ele foi. A gente vê que ele foi lá, que ele brilhou na corte! Ora, a corte da Áustria é uma corte muito exigente. Ele brilhou na corte magnificamente! Muito atraente, muito bonito, muito fino, com uniformes e tudo muito rico, comitiva, grande instalação em hotel, e o que você pode imaginar. Ele teve tudo.
Na saída ele fez um pedido de casamento à Princesa tal. E muito jeitoso, o Metternich disse que a Princesa se sentia muito honrada com o pedido, etc., que tinha falado com o pai dela, que o pai também se sentia muito honrado, e tal, mas que ela era uma Princesa da Casa Imperial, e que precisava consultar o Imperador. Os príncipes e as princesas da Casa Imperial não se casavam sem o consentimento do Imperador. E que, naturalmente, iam ver.
E assim ele saiu sem levar o consentimento que ele queria. Já estava visto que estava preparado uma negativa cortês.
Realmente, quando ele chegou, nova troca de cartas, e por fim a Princesa escreveu ela mesma, se não me engano, ao Rei Luiz Filipe, dizendo que ficava encantada, etc., que conservava uma recordação extraordinária do rapaz, um Príncipe exímio, que ela julgava que a mão dela não poderia ser dada melhor do que tá, tá, tá, tá, mas que ela tinha que confessar — e vinha aí uma bofetada dessas de ficar doendo nos ouvidos durante uns anos — que, com o que tinha acontecido com Maria Antonieta (prima ou tia dela, qualquer coisa), ela não tinha sossego de se casar com o Rei da França, porque de repente podia vir uma outra revolução do mesmo gênero e ela ser guilhotinada. E que ela não tinha ânimo para casar-se lá, não podia ser feliz casada lá, e nem podia dar aos filhos a educação tranquila e serena, etc., que conviria dar aos netos do Rei dos franceses. De maneira que não podia ser.
Mas o que quer dizer que esse homem, essa história toda é para contar que esse homem foi o brilho em pessoa, o que você pode imaginar de perfeito. Mas ele tinha a intenção de estragar e de arruinar aquilo que ele sabia que simbolizava tão bem.
* O aristocratismo é um modo de ser que adere à pessoa, e não se confunde com convicções aristocráticas
Portanto, o indivíduo pode até ter predicados aristocráticos, que são predicados pessoais que ficam aderentes ao homem de tal maneira, que o homem não seria capaz de tomar um cafezinho numa xícara sem fazê-lo aristocraticamente, mas com ódio do aristocratismo que ele representava.
Isso é para se compreender uma certa peculiaridade do aristocratismo, pelo qual ele se distingue das convicções aristocráticas, ele se distingue do amor à Aristocracia. E é um determinado modo de ser que entra, que adere ao indivíduo, e que pode fazer de um filho das trevas um aristocrata.
Por quê? Porque o aristocrata se fez filho das trevas. Então, por causa disso…
Pedro Gastão tinha alguma coisa disso. Ele não tinha o brilho que parece que teve este homem, esse outro, que era primo dele, não teve esse brilho — esse morreu, aliás, sem descendentes, era solteiro, vocês estão vendo que não conseguiu casar-se — mas o Pedro Gastão tinha muito brilho. Era agradável, interessante, fino, etc., mas com uma simplicidade, uma naturalidade, e um modo de ele tratar a pessoa, já tinha qualquer coisa de democrático, mas veja a coisa como era:
Ele trataria um de nós, como se ele não fosse senão um senhor da boa sociedade de São Paulo, inteiramente igual a nós. Mas, de fato, com tanta finura, que ele fingia esquecer aquilo que ele estava continuamente fazendo sentir.
Mas era, então, um homem de, por exemplo, fazer brincadeiras, etc., mas não brincadeiras baixas. Brincadeira social, etc., E conversar com cada um, fazendo entender que ele notava bem o que valia aquele indivíduo que estava falando com ele, sem ele ficar de baixo. Mas que ele notava bem e apreciava, dava valor ao indivíduo. E se punha meio igual com aquele indivíduo. Mas de fato ele era tão superior, que ele podia fazer esse jogo.
Nessa posição havia, entretanto, um espírito profundamente revolucionário. Eu nunca o vi dizer uma coisa que representasse oposição à Revolução. Nunca o vi dizer uma coisa que representasse elogio da Idade Média, ou qualquer outra coisa do gênero. Uma ou outra vez aparecia uma pequena crítica da República, enquanto tendo criado uma dificuldade para a família dele. Isso não é uma crítica à República.
E ele via bem a minha posição contra-revolucionária, muito mais categórica do que a dele. Ele evitava de me contundir nesse ponto de mil modos. Não elogiava nunca. Ele fingia que não percebia. Mas isso com uma facilidade, uma distinção, uma coisa, que era encantadora! De maneira que o trato com ele era um trato encantador.
* Um modo de ser meio instintivo que vai se formando desde criança
Agora, você me pergunta, então, se isso era nele uma coisa intencional, ou se era uma coisa que estava no modo de ser dele.
A distinção não e fácil de fazer. Vamos dizer, você pode conceber um indivíduo que, dormindo, durma como um marmiteiro. O modo, vamos dizer, de passar o braço por debaixo do travesseiro; o modo de — quando a pessoa está dormindo às vezes faz isso com os pés, por exemplo — fazer isto, qualquer coisa, pode ser feito de um modo tão marmiteiro, que se vê ali o marmiteiro. Ele tem consciência disso? Não tem.
Também uma pessoa com a nossa educação pode fazer isso de um modo nada marmiteiro, mas sem ter consciência disso também. É um certo pondus, uma certa medida das coisas que adere ao indivíduo no que ele tem de mais íntimo. E por onde ele, sem querer, faz espontaneamente uma coisa que se ele raciocinasse também faria assim.
E esse modo de fazer mostra, portanto, que o aristocratismo é uma coisa que deita raízes tão profundas no ser, começa por ser uma educação com um determinado modo que entra tão a fundo no indivíduo, que ele mesmo não nota aquelas profundidades, e que aquilo constitui nele um modo de ser que é modo de ser, e acabou-se.
Vamos dizer, por exemplo, aqui. Nós estamos conversando inteiramente à vontade. E julgamos que estamos nos sentindo em toda a intimidade. Mas se nós compararmos nosso modo de ser com o modo de ser com que conversam os homens que servem essa bomba de gasolina — quando não tem nenhum automóvel lá eles estão conversando entre si — tudo, tudo, tudo é diferente de nós.
Agora, nós temos um código de regras pelo qual nós fazemos o que estamos fazendo? Não é verdade. Nós temos muito mais do que isso: é um certo aperçu interno, mais ou menos instintivo, de que as coisas devem ser feitas de um determinado modo, por onde nós compreendemos que devemos ter um certo estado de espírito — isso vem desde criança —, e por onde nós entendemos, também, que esse estado de espírito deve governar toda a nossa pessoa. E nós permitimos… permitimos só, não: fazemos com que a lógica desse estado de espírito se instale em nosso espírito, e se instale em todos os nossos modos de ser.
A educação de criança é feita disso: obrigam uma criança, por exemplo, a entrar no salão para cumprimentar uma visita da mãe, que chegou. A criança ao mesmo tempo está achando aquilo paulérrimo, mas a visita que chegou diz certas gentilezas, faz certas amabilidades; a criança teve que se vestir com uma roupa especial para ser vista pela visita, vestida naquela roupa especial ela se sente um pouco mais dignificada do que na roupa com a qual ela brinca no quintal da casa, por exemplo.
Tudo isso junto conduz a que entre no espírito da criança uma espécie de dicotomia: aquele modo de ser mais fino desagrada, porque impõe coerções, e agrada porque traz gostosuras. É gostoso ser assim.
E com o tempo, o lado gostoso prevalece sobre o lado que desagrada. E a pessoa, pela apetência natural da gostosura, vai fazendo com que aquilo normalmente tome esse rumo. E aí está onde a garra aristocrática pega a pessoa no mais profundo. E comanda até o modo de dormir, como eu estava dizendo.
* A hereditariedade no aristocratismo
Então, primeiro, é uma boa hereditariedade que impede que as espontaneidades da criança sejam espontaneidades desordenadas e grosseiras, toscas. É todo o surto, a sorgente primeira do fluxo vital que já é meio coibida por isso.
Além dessa coerção do fluxo vital, entra então esse jogo de duas personalidades: o plebeu que tende a haver no homem quando ele não é educado; e, de outro lado, esse fluxo vital que a pessoa já herda de várias gerações coibidas, e que faz com que o fluxo já nasça belo, e não é aquele esguicho plebeu, comparável ao esguicho de uma coisa de bombeiro para apagar incêndio. É um chafariz de parque de castelo, e não uma coisa de bombeiro para apagar incêndio.
Depois, além disso, vem então a opção pelo mais aristocrático, enquanto mais elevado, mais agradável, etc. E aí se forma a completa conexão interna que vai depois marcar o indivíduo até o último suspiro que dá, mas que não é idêntico às convicções dele. De maneira que ele pode ter convicções opostas, e entretanto ser assim.
(Dr. Edwaldo: O pecado imenso tem muito disso.)
Tem muito disso.
* O amor à sacralidade prepara a aristocratização
Bom, agora, o princípio ao qual a pessoa poderia se opor nessa visualização, é o princípio seguinte. O Reino de Maria deve ser um reino tão marcado pelo aristocratismo sacral — e entra aqui uma palavra para ser muito notada, eu vou comentar daqui a pouco —, pelo aristocratismo sacral, quanto o reino da Revolução foi marcado pela vulgaridade irreligiosa, atéia.
Mas não é, veja bem, eu não estou dizendo plebéia. Porque a plebe pode não ser assim. Um bom plebeu pode ter maneiras populares. O tal fluxo vital dele pode ser muito vulgarão, mas a alma dele é muito voltada para o sacral, vive à procura do sacral. Primeiro ponto.
Em segundo lugar, uma série de coisas da virtude, mais do amor à sacralidade, preparam remotamente a aristocratização dele.
* Aristocratismo beneditino
Então, eu queria apresentar o exemplo de uma coisa que se diz pouco, e eu tenho lido apenas farrapos disso em coisas atinentes à ordem beneditina. E, aliás, não se nota tanto isso no Brasil nos beneditinos muito portadores de tradições beneditinas ainda do tempo colonial, mas se nota em beneditinos europeus, por exemplo alemães, franceses, etc., quando vêm ao Brasil ou quando não vêm ao Brasil, pouco importa. A gente olhando para eles, vê que eles são uma ordem nobre. Não quer dizer que sejam uma ordem de nobres, que é uma coisa diferente. Poderia haver uma ordem de nobres. Mas não é disso que se trata.
A ordem beneditina tem como intenção ser uma ordem rica, que pratica um culto externo rico, e que fornece um status de vida de boa categoria para os seus próprios monges. De maneira que apesar do que há de penitencial numa ordem beneditina, a alimentação, as celas e tudo, não de uma casa rica, mas são de uma ordem rica, em que tudo é de bom tom, de boa categoria, de bom estilo, de bom jeito, etc., e aristocratizante nesse sentido.
Veja bem, hem: sacralizante e aristocratizante.
Eu conheci muitos beneditinos aqui, alemães, alguns de uma vulgaridade a toda prova, outros não, realmente de um tom de primeira linha. E esses beneditinos representavam bem, bem a ordem beneditina.
Agora, o que a graça pode conferir, por certos desígnios da Providência, a uma ordem religiosa, ela pode conferir a uma civilização. É uma coisa evidente.
* O crespúsculo dos anjos, simbolizado de maneira aristocrática
Agora, como é que seria uma civilização aristocrática, tanto quanto esta aqui está sendo plebéia, vulgar, e etc.,? Como é que seria isso?
Eu começo por lembrar uma coisa: que todos aqueles que pintam anjos como eles devem ser, pintam-nos de um modo interessante, sempre com uma nota aristocrática. Quando pintam o demônio, pintam-no sempre com uma nota vulgar e baixa.
Se me lembrarem, eu comentarei aqui, se Deus quiser, uma revista — o 30 Giorni — o último número que me apareceu, e que o Guérios me mostrou ontem à noite. É uma coisa chocante nesse ponto, e bem pensada do lado “ambientes e costumes”, a ponto de dar um baque. São umas duas ou três colunas, mas dessas colunas mais italianas do que romanas, ou seja, de um estilo romano da Renascença, e não estilo romano do tempo propriamente de Roma.
Tanto quanto eu me lembro bem, eu não garanto a fidelidade de alguns pormenores do quadro, são dessas colunas que, por causa do clima ameno do Sul da Itália, são em terraços, e sustentam o teto do terraço, porque embaixo é vazio, então precisam as colunas para sustentar o teto. E de bonitos mármores, de um bonito mármore, dando para um céu azulado e muito luminoso, que faz ver a vocês uma loggia de Palácio italiano.
De costas para o panorama, numa poltrona revestida de uma bonita seda, um bonito tecido — seda, ou qualquer outro — mas não se vê, tem a forma de uma poltrona, e portanto um pouco a forma de um trono, mas a forma de uma poltrona que é tão revestida por esse tecido, que não se vê de que madeira é feita a poltrona nem nada. Bom, e depositada sobre essa poltrona, numa diagonal, quer dizer, pega o alto, como seria do braço direito do Guerreiro ou do Edwaldo, indo assim para baixo em diagonal, uma série de plumas, que a gente prestando atenção vê que são as asas do anjo, que ele deixou e foram depositadas naquela cadeira.
E depois, saindo debaixo da poltrona, mas aparecendo assim bem claramente, debaixo do pano da poltrona, uma dessas longas cornetas que anjos tocam. E se não me engano, na boca da corneta, uma bola cuja razão eu não sei qual é. Talvez para indicar que a corneta está tapada para todo o sempre. E o título é: “O crepúsculo dos anjos”.
(Sr. Gonzalo: É extraordinário.)
Ah, extraordinário. É muito evocativo, muito interessante. Valia a pena, se vocês me lembrarem — Poli, você podia me lembrar — de comprar essa revista e comentar aqui na nossa próxima reunião.
Agora, a coisa qual é? É uma enquête a respeito de quem é que ainda acredita nos anjos nos dias de hoje. Então, a tese é de que quase ninguém mais acredita nos anjos. Que a fé nos anjos desapareceu. E que, portanto, os atributos dos anjos, as asas, a trombeta, estão aposentados.
Bom, mas os atributos do anjo são atributos de si tão aristocráticos, que eles são apresentados como relegados ao passado nesse décor altamente aristocrático. Quando os atributos de satanás, as asas de satanás, a gente só pode imaginar picadas e postas aos pedaços ante uma lata de lixo. E ele se usasse uma tuba, dever-se-ia imaginar uma tuba de forma grotesca, singular, e também toda estraçalhada, amassada e jogada na lata de lixo. Ele é o vulgar, o anjo é o nobre.
* Os homens devem tender a ter algo de angélico em si
Bem, se Deus tem o universo que é, pela elevação da natureza, mais próximo a Ele, são puros espíritos, são nobres, a gente compreende o papel do dom aristocrático na criação. E compreende que tudo aquilo que na Igreja tende à perfeição, deve tender para a categoria superior. E que nós homens devemos tender a ter alguma coisa de angélico em nós. Angélico e, portanto, sacral. Porque não há uma coisa que seja superior, que não tenda no fundo a Deus. E, portanto, tem que ser sacral, e profundamente sacral.
Agora, o que é o aristocratismo em função disso?
(Sr. Guerreiro: Apenas uma coisa, para ver o contrário do que o sr. disse, do angélico que deve haver em cada um de nós. Saiu uma reportagem no “Estado de São Paulo”, mostrando como é rara a família que não tenha hoje em sua casa um mostrinho tipo ET, para as crianças brincarem.)
No “Estado de São Paulo” que saiu isso? Desta semana?
(Sr. Guerreira: Semana passada.)
Quer dizer, não é a semana que termina hoje? É a semana que precede…
(Sr. Guerreiro: Eu poderia mandar para o Sr. o artigo.)
Você podia trazer aqui à noite. Mas eu gostaria que você me desse antes, porque eu gostaria de utilizar para a Reunião de Recortes.
(Sr. Guerreiro: Eu posso trazer amanhã.)
Então me faz favor, eu gostaria enormemente. Porque isso é inteiramente característico. É o oposto, exatamente.
* A santidade aristocratiza
Agora, o que é propriamente o aristocratismo?
Se um de nós visse um anjo, ou visse melhor algo da corte angélica, um conjunto de anjos — portanto, desiguais, porque eles são todos desiguais — e relacionados entre si, teria uma idéia de sociedade de seres inteligentes, tão elevada e tão superior, que a vida inteira tenderia a constituir em torno de si um convívio dessa natureza. Bom, esse convívio forçosamente seria aristocratizante.
Agora, como aristocratizante?
Aqui entra a coisa que pode provocar muitos mal entendidos, confusões, etc., se não for bem compreendida.
Aristocratizante de espírito, quer dizer, tendendo a um angelismo de espírito? Sem dúvida. Levando a que esse angelismo de espírito tivesse uma transparência no aspecto material, e no procedimento material da pessoa? Sem dúvida também.
Agora, aqui é que entra a questão. Essa transparência não é necessariamente… Como, meu filho?
(Sr. Poli: Não…)
Quer dizer, você está escrevendo, está muito bem… Está gravando, não é? [Sim.]
Tivesse uma transparência, está muito bem. Mas agora, há modos distintos de transparência. Isso é preciso analisar.
Ter uma transparência a la Pedro Gastão, ou ao Príncipe de Orleans mais remoto, morto no desastre de que eu falei? Não necessariamente. Porque aquelas são maneiras de penetrar o homem de um vislumbre celestial e angélico, que não necessariamente modelam com esta profundidade aspectos da criatura humana que, quando ele tem, facilitam a santidade… [Vira a fita]
[Relato Sr. Poli: “…quando ele tem, são fatores de santidade; quando ele não tem, não faz falta para a santidade.]
Bom, sem embargo do que, por essa ação curiosa da hereditariedade familiar, se durante algumas gerações houvesse um ambiente muito santo numa família, por mais que ela fosse uma família plebéia — e teria o direito de o ser, um direito inteiro, escarrapachado de ser, até um dever de ser — acabaria alguma finura entrando naquele modo plebeu, que não faria daquela gente propriamente gente aristocrática, mas dava um quê que tiraria a vulgaridade freqüente na condição plebéia.
* O “raffinement” da plebe, sem deixar de ser plebe
Por exemplo, há vários quadros de pintores do século XVIII representando cenas de família. Em que aparecem muitas vezes crianças, a família toda reunida, crianças e pajens, ou frãuleins, ou coisa que o dera, presentes no grupo da família, e um pouco contendo as crianças. Bem, mas são pessoas não do nível de uma frãulein, mas do nível de uma arrumadeira de quarto. Essa arrumadeira de quarto, em geral, é mais fina do que uma Grand-Dame de hoje em dia. Quer dizer, então é preciso ver bem como é que no concreto isso se realiza. Mas vê-se que não é a dona da casa.
Eu aludo, portanto, a isto: a possibilidade de haver um raffinement da plebe, que não tira a plebe da condição de plebe, não lhe dá [N.D.: “tira” ?] uma certa sadia plebeidade indispensável para o equilíbrio do corpo social, mas quand même lhe dá uma certa finura maior do que o simples estado social dela faria pensar.
Bem, e o país que mais brilhou vocês estão vendo que é a França. Também é uma coisa inteiramente evidente. (…)
* Um elemento do Reino de Maria: penetração de uma nota aristocrática em todas as classes sociais
Vejam a coisa como é, que era uma mulher então de uma classe quase plebéia francesa, de um nível de vida que já se está vendo o que é que é, reforçava o dinheiro das massagens. Eu não sei se as massagens não eram um pretexto para ela se meter em casas ricas ou abastadas, e ali fazer cavações, etc. Porque há de tudo!
Sem embargo do quê, essa mulher tinha esse brilho de conversa, esse enjoÚment, essa coisa toda, que a nós todos nos enganava.
Não sei se eu mostro aí como, portanto, o efeito da civilização cristã estava presente, remotamente, na elevação de uma mulher de um nível tão baixo, que não era uma aristocrata. De nenhum modo era. Ela era uma massagista. Mas aristocratizava de algum modo a massagista, sem que ela deixasse de ser uma massagista.
Então, a penetração dessa nota aristocrática em todas as classes sociais, seria um elemento do Reino de Maria, sem que deixasse de haver classe social, e sem que deixasse de haver plebe.
* O que é aristocracia: um certo participar da condição angèlica
Agora, o que é que é propriamente aí a aristocracia?
O fenômeno da aristocracia se dá quando há uma metamorfose na pessoa, por onde a gente sente que existe a criatura humana com o seu pecado original, mas uma influência qualquer exercida sobre ela, por onde ela parece elevar-se tão alto na condição humana, que participa um tanto, ou como que participa de uma condição angélica. Quer dizer, na própria pessoa se percebe a metamorfose que existe nos vários estágios da pessoa.
E isto é que é propriamente a noção de aristocracia.
Então, se nós vamos tomar tudo quanto nós achamos aristocrático, nós vamos ver que, por exemplo, num homem pecador, uma longa hereditariedade de inocência, pode fazer com que ele tenha os charmes da inocência sem ser inocente. É o Pedro Gastão. Ou de inocência, sendo inocente: D. Luiz, D. Bertrand.
Ou num homem de plebeidade pecadora, uma vulgaridade horrível, que custa para sair de seus descendentes. Ainda que ele seja muito rico, etc. é mais ou menos como quando o sujeito molha a mão em certas tintas, tem que passar alguns dias, porque a pele tem que acabar absorvendo aquela tinta. Por mais que se passe aquela pedra pome, e faça o que quiser, não sai, com sabão, o que seja, aquilo fica. Fica assim também em algumas pessoas, em algumas famílias, alguma coisa assim.
* Aristocratismo: um fruto da virtude especialmente potente para impregnar o ambiente temporal
Isso nos dá, então, toda a idéia do que é o aristocratismo: é um movimento para a sacralidade, impregnante… A santidade impregna a vida espiritual, e de algum modo, em algum sentido a vida temporal. O aristocratismo é um fruto da virtude. Esse fruto da virtude, enquanto virtude, é fundamentalmente espiritual, mas enquanto particularmente potente para impregnar aspectos acidentais, circunstanciais de uma pessoa, e impregnar o ambiente temporal no qual a pessoa se move, isto é aristocratismo.
* Uma reunião que descança a cabeça
(Sr. Poli: É uma coisa tão bonita, tão agradável de se ouvir, areja tanto a cabeça…)
Descansa a cabeça, meu filho. Descansa. Eu estou fazendo essa reunião, vocês me dirão: “Dr. Plinio já fez uma reunião tão difícil à tarde, agora faz essa reunião…” Para mim, não. Eu estou conversando! Estou me expandindo. Porque a gente vive nessa compressão revolucionária horrível, eu não sei o que dizer, então…
(Sr. Poli: Tem algo de muito benfazejo isso que o Sr. está dizendo. A gente se sente despoluído…)
É, sente-se lavado da Revolução. Propriamente, propriamente.
* O profetismo na defesa do aristocratismo
Vem o profetismo em cena, agora.
Pode-se compreender que as idéias mal construídas a esse respeito deformem tanto os espíritos, que seja dificílimo para eles terem bem idéia da própria santidade, enquanto eles não estiverem em ordem a esse respeito. Não precisa que esteja em ordem explicitamente, podem estar em ordem implicitamente, mas devem estar em ordem, devem tender a ordenar isso.
É desordenando os espíritos a esse respeito que a Revolução produziu esse fenômeno trágico que é o Concílio Vaticano II, com todo o democratismo dele, com todo — é duríssimo dizer, mas como tendência — com todo o comunismo dele.
Então, compreende-se que a confusão a esse respeito, sendo a nota da 2ª Revolução, e depois da 3ª Revolução, já tendo tido muita importância na 1ª Revolução, o combate a esse estado de espírito é como o combate a uma heresia. E que possa haver, portanto, uma vocação profética especialmente orientada para combater isso, para esclarecer isto, para fazer sentir o contrário, para fazer amar isto, etc., Pode-se compreender.
(Sr. Guerreiro: Não é um profetismo dos princípios somente, mas dos fatos, das coisas, dos modos de ser…)
Das circunstâncias. É, portanto, um profetismo que diz respeito à Revolução A e à Revolução B.
(Sr. Guerreiro: No que diz respeito ao plano religioso…)
E ao plano temporal.
(Dr. Edwaldo: Portanto absolutamente indispensável.)
É, eu acho que é indispensável.
(Sr. Guerreiro: Indissociável, portanto.)
Indissociável. Quer dizer, a haver uma vocação que acabe com a Revolução, essa vocação tem que bater nisso. Não há uma Contra-Revolução sem isso.
Bom, de onde, se essa a minha, portanto a nossa, vocação isto tem que estar em nós de algum modo.
* Artesão: um plebeu que ajuda o nobre a ser nobre
A gente sente certas coisas assim. Eu não resisto a tratar de passagem a coisa, para vocês verem como as coisas são. Complica um pouco, mas eu acho que vale a pena. É o seguinte.
O artesanato é uma coisa que eu aprecio enormemente. E acho que o brilho do artesanato é talvez tão indispensável para o esplendor do culto, e esplendor da ordem temporal, quanto as artes. Nós estávamos falando sobre isso ontem à noite, o Átila e eu, e o Átila, que visitou o Château de Chambord, estava me falando a respeito das telhas do Château de Chambord, a famosa ardoise française.
E dizia-me — eu não me lembro de ter notado isso no castelo — que os tetos são em declive. Como manter aquela ardósia, muito fininha, como mantê-la na rampa, sem que umas escorregassem sobre as outras, e fossem todas para o chão?
Ele me disse que havia um mecanismo para prender, não sei o quê. Ele me explicou uma coisa que eu entendi incompletamente, mas que dava nisso: que em cada ardósia havia uma espécie de grampo, uma coisa…
(Sr. Guerreiro: São grampos de metal.)
Agora, esses grampos, de qualquer natureza que sejam, deveriam tão pouco quanto possível aparecer. Porque não seriam grampos ornamentais. Então estava comentando com o Átila como seria uma coisa bonita se nós pudéssemos imaginar, com esse mundo de pedras que não tem apenas o Brasil, mas vários países da América do Sul, pedras lindas não preciosas nem semi-preciosas, há pedras lindas. Então, como seria bonito se esses grampos fossem uma espécie de pregos de pedra — não sei se tecnicamente é possível — cravados na ardósia, mas que fossem ágatas do Rio Grande do Sul, por exemplo, ou de Minas. Seria muito bonito. Poria um ponto luminoso, de uma cor viva, em todas as ardósias. Ardósia muito escura não iria bem, mas imaginando um outro revestimento, poderia ficar uma beleza! Mas… supõe artesanato.
O artesão pode chegar a raffinements extraordinários nisso, quando ele, por exemplo, faz iluminuras que não são propriamente obras de arte, são obras de artesanato em que ele precisa ter finura de espírito, uma finura de bom gosto, que o nobre não tem. O artesão pondo aquilo na vida do nobre, ele ajuda o nobre a ser nobre. Entretanto, ele é um simples plebeu.
Não sei se vocês vêem por aí como a presença da virtude, e de uma virtude aristocratizante, pode colocar alto toda uma civilização a partir da plebe, não a partir da Aristocracia.
Bom, por outro lado, se esse artesão não tivesse conhecido nunca uma ordem aristocrática… (…)
…toda uma sociedade que tende a superar-se a si própria, sem que cada qual deixe de ser o que é. É o caso dos artesãos.
Eu acho que completa tanto o que nós dizíamos, que era a seu modo indispensável dizer.
* O papel da mística ordinária no aristocratismo
(Sr. Gonzalo: O exercício do profetismo no Sr. é de si muito aristocratizante.Como é que o Sr. vê isso?)
Bem, eu acho o seguinte. Pode acontecer que Nossa Senhora chame para uma determinada missão profética uma certa pessoa a quem Ela dê dons naturais nessa linha, e mais alguns dons sobrenaturais nessa linha também. Tudo fazendo parte do profetismo, segundo o plano da Providência.
(Sr. Gonzalo: O Sr. poderia dizer que dons sobrenaturais seriam esses?)
Seria uma espécie do dom da… Eu explico. É uma coisa um pouco mais complicada, mas eu explico.
Se tudo o que eu disse é verdade, então é também indiscutível uma coisa: que quem é católico tem outras possibilidades de ter essas elevações de alma do que quem não é católico. E que quem tem umas certas graças, ou certos favores místicos da mística ordinária, por onde tem uma espécie de experiência do sobrenatural, tem mais condições de aristocratizar-se do que quem viveu numa corte. Porque quem viu certos reluzimentos do Espírito Santo, viu mais do que [se visse] anjos. E todos nós católicos temos coisas dessas.
E eu tenho a impressão de que no artesanato, para fazer aquelas iluminuras, etc., entravam graças de ordem mística comum, corrente, freqüentemente, que levavam um artesão a conceber um colorido de vitral; um pintor a conceber…
… um tecelão, que era fruto de uma superexcelência, que o discernimento de uma graça lhe acrescentava.
* Um modo aristocrático de tratar temas susceptibilizantes
(Sr. Gonzalo: O Sr. poderia acrescentar como o Sr. discerne certas coisas? Porque não é só o discernimento dos espíritos. O que é isso, no caso do Sr.?)
Bom, descrevendo chãmente o que se passa comigo, acontece o seguinte. Você falou dos povos, por exemplo. Talvez você queira aludir ao seguinte. Eu tomei muito cuidado, quando falei dos povos, de falar como quando pessoas educadas tratam entre si sobre temas que podem susceptibilizar alguém, empregar modos, tournures de fazer, etc., que evitem de susceptibilar, pelo afeto com que é feito, mas também com o respeito que é introduzido naquilo.
E falando de outros povos hoje, mais de uma vez empreguei essa expressão, esse cuidado, etc., Por exemplo, quando eu falei da política brasileira, que segue hoje a política argentina. Eu me lembro que empreguei todo um modo de dizer que deixasse os argentinos bem à vontade. Mas também que não rebaixasse o Brasil. De maneira que eu insisti muito que essa espécie de seqüência — a Argentina adiantada de três meses sobre o Brasil — é esporádica nas nossas mútuas histórias, que nenhum dos dois povos está atrelado ao outro. Eu tomei muito cuidado de que o Brasil ficasse bem colocado. Mas sem gabolice em relação aos argentinos. De maneira tal que eles também ficassem bem. E uma coisa dessas poder-se-ia fazer aristocraticamente.
Agora, o que é que é isso?
É a caridade cristã utilizando-se de recursos culturais, nos quais ela encontra a sua própria expressão.
* Um discernimento aristocrático
(Sr. Gonzalo: Está claro. Mas eu me referia a outro ponto, talvez mais alto que esse, que é a mentalidade dos povos. Concretamente o brasileiro como o Sr. analisou hoje, ou o japonês. Há no Sr. um discernimento aristocrático das coisas.)
Propriamente é o seguinte: se esse discernimento não fosse aristocrático, perceber-se-ia o suor, sangue e lágrimas para chegar a esse conhecimento.
Você vê que não, que é um discernimento que não custou isso, que, pelo contrário, foi adquirido com certo deleite, e que eu tenho um certo deleite e uma certa facilidade — para usar bem a palavra francesa adequada, um certo dégagé que indica um domínio da matéria, mas indica também que, graças a Nossa Senhora, eu não procuro nem um pouco me ornar com aquilo que eu estou dizendo. Eu me orno [ou] não me orno: Não estou pensando nisso [ou] estou pensando na matéria.
Eu concebo que tudo isto junto tenha uma substância aristocrática, eu concebo bem. Mas isto é uma facilidade de observação muito grande, em que o observar é, antes de tudo, ver. E o ver tem uma facilidade que eu acho que é natural, mas ajudada pela Providência.
Como é em todo o meu profetismo?
Quando eu prevejo um golpe que o adversário vai dar, prevejo uma coisa que no futuro vai ser de um jeito ou doutro, é uma coisa que eu vi, mas que eu vi com uma claridade maior do que a simplesmente de uma inteligência humana, em concreto maior do que a minha inteligência — eu sei que eu não sou burro, mas sei que eu vi mais claramente do que por minha inteligência eu veria —, e que eu uso disto falando com os outros, à maneira de um homem educado que usa qualquer coisa, usa seu garfo…
(Sr. Gonzalo: Evidente. Mas a diferente entre um garfo e o espírito dos povos é uma coisa impressionantemente grande.)
É, é muito grande.
(Sr. Gonzalo: E o quilate desse aristocratismo é absolutamente distinto.)
É, de algum modo é inteiramente distinto.
(Sr. Gonzalo: E isso em ordem a uma missão.)
É, perfeitamente.
(Sr. Gonzalo: Agora, o que é isso, e como é isso? Porque para dizer a coisa chãmente também, se o Sr. permitir, aparecia muito na reunião um aspecto régio do Sr. O Sr. estava como um rei na matéria. Não é só nessa matéria, pode ser qualquer outro assunto. Isso refulgiu muito.)
Eu não me dei conta. Eu estou surpreso com o que você está dizendo.
(Sr. Gonzalo: Mas justamente o Sr. Guerreiro perguntava por causa disso.)
Eu entendi, pela exposição que vocês fizeram eu entendi isso. Eu não tive a menor suspeita disso.
* Um carisma aristocrático, subsidiário do carisma profético
(Sr. Gonzalo: Tratar-se-ia de analisar essa característica régia do profetismo, o cume de ouro do profetismo, digamos assim.)
Eu acho meu filho, que isso é um carisma. Não tenho certeza, mas acho que é um carisma. Eu não estou muito familiarizado com essa linguagem, mas acho que é isso.
(Sr. Gonzalo: Um carisma anexo ao profetismo, diferente…)
Não, é um carisma, suponho eu, subsidiário do carisma profético, dado em auxílio do carisma profético.
(Sr. Gonzalo: Mas o Sr. concorda que isso é assim?)
Concordo. Isso eu concordo. E agora que você fala, eu percebo que realmente poderia ter havido isso. Mas eu de tal maneira estava longe disso, e de tal maneira estava me entretendo em falar… Aquela reunião tinha qualquer coisa de conversa, não é? Tinha qualquer coisa de conversa. De tal maneira estava me entretendo com aquilo, que não me passou pela cabeça o problema: se eu podia estar fazendo isso aristocraticamente ou não. Alegro-me que eu tenha feito aristocraticamente.
(Sr. Gonzalo: Mas tudo o que o Sr. faz, o Sr. o faz aristocraticamente. Tudo. Mas uma coisa é saudar uma pessoa de forma aristocrática, e outra coisa é fazer um juízio da História contemporânea, sondando os povos até os rins, como diz a Escritura. É outra coisa.)
É, naturalmente. É muito mais elevado.
(Sr. Gonzalo: Um profeta outro, que não seja o Sr., poderia sondar as coisas muito amplamente. Mas desse modo como o Sr. faz, não. Esse é o problema.)
É, é bem provável. É bem provável.
(Sr. Gonzalo: Isso é uma coisa que reluz enormemente.)
Eu me lembro aqui de um trecho de Pio XII, em que ele diz uma coisa muito interessante. Ele fala aos nobres decaídos do tempo dele, ele diz o seguinte: que a verdadeira nobreza é tal, que mesmo quando um nobre esteja reduzido a uma condição muito inferior à dele, ele deve procurar exercer aquela profissão com aquele toque próprio de perfeição que só o nobre põe, mesmo quando ele exerce uma condição humilde.
É um senso da perfeição, e um apetite da perfeição, um desejo de vê-la em tudo e de realizá-la em tudo, que constitui propriamente o espírito do nobre, e que constitui então o modo aristocrático de se fazer a coisa profética. A mensagem profética, enquanto mensagem — não é a mensagem profética enquanto conteúdo propriamente, mas enquanto mensagem — é feita com um desejo de perfeição que é de si um carisma colocado junto ao profetismo, como o adjetivo está colocado junto ao substantivo.
* Embora a essência do profetismo seja o lado religioso, o aristocratismo é indispensável ao profetismo contra-revolucionário
Agora, você disse bem, isto é para o profetismo contra-revolucionário.
(Sr. Guerreio: E, portanto, não é um adjetivo colocado ao lado do substantivo, mas posta a Revolução como ela se desdobrou, a gente percebe que isso queria dizer um adjetivo em outros tempos, mas nos dias de hoje fica a impressão de que é algo indissociável do profetismo.)
Meu filho, a questão é a seguinte. É preciso a gente ver bem como é. É que a Revolução conseguiu fazer, através de uma coisa secundária, excelentemente uma coisa capital. A Revolução B é isso: através de coisas secundárias, fazer excelentemente uma difusão de idéias.
E, portanto, o profetismo contra essa Revolução consiste em fazer, muitas vezes, excelentemente coisas secundárias a serviço do principal.
(Sr. Guerreiro: No caso do Sr., então, é essencial esse dom.)
Sim, eu acho que é. É indispensável, digamos. Não é só necessário, mas é indispensável. Isso eu concordo.
(Sr. Gonzalo: Não é como que consubstancial, medular?)
É uma coisa… Não, o que eu quero dizer é o seguinte: a essência do profetismo é propriamente religiosa num sentido tal, que as considerações temporais entram como um adjetivo de algo que visa a Revelação, o céu, a vida eterna, e a essência da Religião enquanto Religião. Embora, virada para o temporal, a nota profundamente religiosa é a nota dominante desse profetismo. Ela é aristocrática porque defende a Igreja nesta muralha onde a Igreja foi atacada, e onde os desastres foram sem nome! Mas, de fato, a coisa essencial do profetismo é o amor de Deus.
(Sr. Guerreiro: Claro, é pelo amor de Deus que isso tudo é realizado.)
É. O movimento de tudo isso é o amor de Deus.
(Sr. Guerreiro: Mas o leque do amor de Deus nesse profetismo abrange todo esse canto.)
Ah, abrange.
(Sr. Guerreiro: E quando se exclui esse canto, o profetismo do Sr. cessa.)
Cessa. Para o meu profetismo isso é essencial. Aí eu concordo.
Para dar um exemplo cômodo, seria como se Santa Joana d’Arc deixasse de ser guerreira, sob a alegação de que o lado guerreiro é um lado adjetivo, e o lado substantivo é o amor de Deus.
(Sr. Gonzalo: Uma forma de amar a Deus enquanto hierárquico transcendente, não é?)
É, mas “transcendente” aqui… A expressão em linguagem teológica pode prestar a outras idéias, transcendente pode querer dizer “enquanto outro que não eu”, mas não é: é enquanto “ápice supremo de todas as coisas”, e, portanto, Deus enquanto “a perfeição subsistente”. Isso é um modo magnífico de amar a Deus.
(Sr. Gonzalo: Esse é o modo que o Sr. tem de amar a Deus.)
É verdade. Eu recebo graças especiais para amá-Lo assim.
(Sr. Gonzalo: O Sr. disse que o profetismo é antes de tudo amor de Deus. O amor de Deus no caso do Sr. é fundamentalmente hierárquico. De onde a substância do profetismo no caso do Sr. é aristocrática.)
É, não tem dúvida. Nesse sentido é.
Meus caros, eu vou ser pouco educado, mas eu vou consultar o relógio. Não… nós temos alguns minutos ainda. Se quiserem perguntar mais alguma coisa… Diga, meu Guerreiro. (…)
* Justificação dos simbolos materiais para seres que são puros espiritos
…os antigos punham as questões — não é propriamente o tema que você tratou, mas está vizinho — umas questões de uma elevação, que as aulasinhas de apologética que nós tivemos não têm nem de longe, está compreendendo?
Eu estava vendo outro dia num folheto de explicação do que era um ícone, a propósito de uma exposição de ícones russos que houve no Vaticano, em que levantava a questão seguinte:
Os antigos, anteriores ainda à separação entre a Igreja Católica e a igreja cismática, se puseram em determinado momento o seguinte problema: sendo Deus puro espírito, os anjos puros espíritos, até que ponto é legítimo procurar representá-los com formas materiais? Uma vez que se sabe que eles não têm essas formas, até que ponto é legítimo fazer isto?
E a resposta dada nesse folheto, que dá a idéia dos padres antigos, que me pareceu mais frappante, mais extraordinária, é a seguinte: que uma vez que Nosso Senhor Jesus Cristo se encarnou, Ele fez daquele ente de carne a imagem do Verbo. O que prova que é legítimo fazer imagem material de uma coisa imaterial.
Eu acho uma coisa tão… Eu confesso que eu fiquei entusiasmado, e não sei o que dizer de um raciocínio desses. Que é de uma elevação, não sei se sentem como eu, que o pensamento do homem moderno vira lixo… (…)
* A comoção do Sr. Dr. Plinio com uma cena da Paixão
…perpendicularmente, e não permite contestação. É como se aparecesse um anjo e dissesse ao demônio: “Para lá!” O demônio vai filando para lá… envergonhado, revoltado, carregado de ódio, mas impotente. Para lá! Está acabado.
Agora, eu vi outro dia uma coisa — com isso eu termino — uma coisa… Eu não sei quem foi que mostrou umas esculturas de madeira, fotografias postais de umas esculturas de madeira, representando cenas da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo…
(Sr. Gonzalo: O Sr. mostrou no MNF de 5ª feira.)
Bem, e apresenta a seguinte situação. Eu confesso que eu não deixei transparecer o que eu estava sentindo, mas me foi uma espécie de punhalada. Quer dizer, se eu assistisse essa cena, eu era capaz de ter uma privação de sentidos, e fazer não sei o quê. Nosso Senhor caído, e aqueles algozes d’Ele, etc., para obrigá-lo a se levantar, tendo passado em torno d’Ele cordas, e erguendo como quem ergue um pedaço de pau ou de pedra. E Ele voltando para trás, com uma cara de pavor, porque alguma coisa estava destroncando n’Ele de um modo horrível, e pedindo para não fazerem aquilo, porque a dor d’Ele aumentava enormemente.
E a escultura não deixa ver se eles atenderam ou não atenderam o pedido. É aquela cena de Nosso Senhor assim… Aquilo me causou uma impressão, como eu não saberia traduzir, está compreendendo?
E eu sou fleugmático, não sou uma pessoa de grandes explosões, mas tive uma punhalada com aquilo, vendo o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo procurar defender-Se de arrancarem o braço, de qualquer horror desses, e suplicando, como em nenhuma coisa da Paixão eu vi!
Agora, daí me veio uma pergunta: em tudo quanto eu vi na minha longa vida da Paixão de Nosso Senhor… [Troca a fita]
[Termina aqui a gravação.]
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