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CSN — 4/11/89 — Sábado

CSN 4/11/89 — Sábado

A decadência geral do mundo, fonte do

desapego das atuais gerações

Í N D I C E

A decadência geral do mundo, fonte do

desapego das atuais gerações

* O Grand Retour deve fazer almas com

o espírito de cavalaria

[Sobre a carta do Cardeal Decoudray à TFP francesa.]

Depois, equivale ao seguinte: a pedir por escrito que não os ataquemos mais. Diretamente isso.

(Sr. GD: Que gênero de graças move essas pessoas que estão se aproximando da TFP?)

Não são as graças específicas da cavalaria. São as graças no sentido do bom membro do Grupo, como tem sido até agora. Mas o bom membro do Grupo contém o germe de cavalaria, não é ainda propriamente a cavalaria. As almas que tenham inteiramente o espírito de cavalaria, eu tenho impressão que são as almas que o Grand-Retour deve fazer.

(Sr. GL: Porque dava a impressão que era gente que estava espalhada por essas Austrálias afora…)

Não, não. É um ou outro, aqui, lá ou acolá.

(Sr. GL: Melhores do que as vocações que nasceram até agora.)

É. Eu prefiro não dizer, mas é coisa que dá muita esperança.

* No mundo de hoje já não se tem pretextos para aderir

ao mundo, pois o mal já aparece sem mistura de bem,

o que outrora não ocorria

(Sr. GD: O Sr. não poderia descrever como são essas graças, e como é essa forma de bem que o Sr. vê nessas almas?)

São muito diversas, ouviu? Pode-se dizer o seguinte. Por uma obra da graça, mas também por uma espécie de evanescença da Revolução, do mundo revolucionário de hoje, são pessoas que não são ligadas ao mundo como os do passado foram. Porque a coisa chegou a um tal ponto, que as coisas do passado que despertavam admiração — por exemplo, essa geração que está aqui — não existem mais.

E depois, sobretudo o que tem é o seguinte. É que as coisas que no passado despertavam admiração nessa geração aqui, eram coisas em parte mundanas, mas em parte coisas que tinham algo de comum na aparência com a tradição católica. De maneira que eram coisas misturadas.

De maneira tal que, por exemplo, o bom pai ou a boa mãe da geração dos que estão aqui, tinha algo — como diz o Guerreiro, pelo menos na aparência — tinha algo que participava ainda da figura do bom pai ou da boa mãe do passado. E tinha, portanto, uma certa afinidade com o catecismo. O homem honesto, a pessoa bem intencionada, desejosa de fazer bem aos outros, o homem capaz de trabalhar… Eu vou dizer mais: até o próprio parvenu, que se sabia que era um ladrão e que era um sem-vergonha, ainda procurava, tanto quanto possível, tomar uns ares conforme ao que se julgava antigamente um homem direito.

De maneira que essa máscara, que muitas vezes era de hipocrisia, outras vezes era de incongruência, porque num ponto ficava uma coisa de bom, mas depois tinha horrores, tudo isso misturado, dava em que, rapidamente, as almas dos filhos, etc., formassem uma admiração que nos espíritos deles era solidária com o espírito do Grupo.

E isto trazia uma espécie de pretexto para aderir às coisas da “Bagarre Azul”, etc. Porque formava um mundo que a pessoa quer achar que ainda é defensável.

Vamos dizer, por exemplo, numa outra ordem de coisas: a grande cidade, como da qual se falou hoje tanto na Reunião de Recortes.

A grande cidade já tinha coisas da grande cidade, é uma coisa evidente, mas ainda tinha muito de aprazível, muito de amável, de bem arranjado, de distinto, de agradável. De tal maneira que era muito freqüente, ao menos aqui em São Paulo, nos fins de semana o pessoal do interior vir passar o fim de semana em São Paulo. Em São Paulo tinha toda uma indústria hoteleira que ainda não era dos Hiltons e dos Sheratons, mas era uma indústria hoteleira feita com proporção de fazendeiro rico. Não era hotel palácio, mas era hotel tipo do que foi — não é mais — o Othon Palace Hotel, na Praça do Patriarca. É um hotel muito aparesentável, muito composto, etc.,, mas não era ainda o Hilton, esse luxo fofo, balofo, falso do Hilton, do Sheraton, não era.

E um rapazinho de 17, 18, 16 anos, que entrasse para o deslumbramento disso, percebia que havia dentro muita imoralidade, mas tinha pretextos para não querer ver que aquele conjunto era uma fábrica de imoralidade.

Bem, a pessoa cometia um pecado de se deixar engodar pelo pretexto, e de ficar com uma idéia que opunha reticências contra mim. Porque eu tirava conclusões genéricas, que desagradava a eles, e que eles tinham pretexto para não tirar.

Depois, o mais difícil é que era uma dissonância não de doutrina propriamente, em que eu, em nome da ortodoxia, poderia cobrar uma outra atitude deles. Mas era de uma apreciação concreta dos fatos. E aí como obrigar uma pessoa a ver direito como são as coisas, etc.? É extremamente difícil. De maneira que era só querer escapar, que escapava.

* As novas gerações não estando presas a nada

têm maior facilidade em dar-se inteiramente

Agora, eles não. A coisa desceu a um ponto tão, tão baixo, que eles medem o contraste enormemente. Nessa geração aqui, esses lados bons tinham o defeito de prender ao mundo, mas preparavam o espírito para admirar a Igreja. Porque a Igreja tinha esses lados bons levados a um alto grau, indizível. Então, o bom filho ao mesmo tempo ficava preso ao mundo, mas admirador da Igreja e da Religião Católica, da tradição.

Eles não. Eles não têm mais isso. Nem têm noção de tradição.

(Sr. GL: Eles vêem direto o Sr….)

A questão é a seguinte. Eles têm idéia do vazio total, não têm nenhum ponto de referência, mas têm a crise de quem não tem nenhum ponto de referência. Está inteiramente solto, e não está preso a nada. E nessa situação eles então encontrando uma organização como a TFP, que lhes apresenta tudo, eles tendem a dar-se totalmente.



De maneira que a TFP para os desta geração era um ideal; para eles é um refúgio.

(Sr. GL: Isso facilita enormemente..;)

Facilita a doação integral. Torna mais difícil a meia doação. Quer dizer, o número dos que entram será talvez menor. Sobretudo o que tem é que entram muitos e saem muitos. Mas alguns que vêem a situação, dão-se inteiramente, porque não têm a quem dar.

Eu me lembro, acho que contei aqui — se contei, me falem para eu não repetir — o negócio da cadela? Contei isso aqui?

(Sr. GL: Contou sim.)

Bem, o que representa isso com orfandade, é uma coisa que não se imagina. Mas há numerosos casos assim, daí para fora. (…)

(Sr. GD: Acho que 70% da população, pelo menos, está numa situação assim.)

Eu não contesto. Não afirmo, mas não contesto, porque acho que é possível que seja.

* Há 30 anos atrás o mundo funcionava

como uma escola de felicidade terrena

[Depoimentos sobre o estado da sociedade hoje em dia.]

Depois tem o seguinte, também. Isso que vocês estão dizendo é verdade, mas também tem o seguinte. É que o mundo funcionava, inclusive no tempo em que os que estão aqui eram mocinhos, como uma escola de felicidade terrena. Inteiramente calculada, etc., como se calcula a Medicina numa Faculdade de Medicina, a Economia numa Faculdade de Economia, assim se calculava a felicidade terrena numa escola chamada mundo, que ensinava o seguinte: a preeminência social antes de tudo; depois, a despreocupação quanto ao dia de amanhã; depois, o prazer do superconsumo — eram no seu conjunto a felicidade da vida. E quem alcançava isto, alcançava a felicidade.

Para ter isto, e depois poder gozar disto, era preciso uma certa dose de educação, às vezes até convinha ter uma certa dose de tradição, mas isso era conforme o ambiente. Havia ambientes em que nem isso era necessário. Em alguns ambientes era, mas não era muito, era uma coisa que se podia adquirir facilmente. O problema é ter dinheiro. Tendo dinheiro, tendo saúde, o resto se tinha.

Então, para que o filho fosse feliz, era preciso que o filho conseguisse isso. Para que o filho fosse uma honraria para o pai, era preciso que o pai, se fosse bem sucedido, pudesse apresentar ao olhar dos outros uma ninhada de filhos bem sucedidos também. Nisto estava o homem feito, e estava o céu conseguido na terra. Assim como no céu há várias moradas, assim também havia vários graus, vários níveis disto, mas era isto.

* A carreira e seus atrativos outrora, e o vazio hoje

Esta noção da carreira, por causa do igualitarismo que avança, está muito atenuada, quando não inteiramente supressa. E leva à conseqüência de que o mundo já não é uma escola de felicidade, porque não oferece os atrativos que, por exemplo, a carreira oferece.

Por exemplo, vocês quatro que estão aqui, cada um a seu modo, a família agindo à moda da família, mas eu tenho certeza que os quatro receberam impulsos, estímulos, etc., para que estudassem, para que fizessem seu curso, para que se formassem, para efeito de serem profissionais que alcançassem sucesso. Eu tenho certeza que isso estava presente.

Acontece que isto acabava formando uma espécia de áspera alegria na vida do estudante, que era o risco, o estudo, a promoção, o aborrecimento que quebrava a monotonia do constante prazer: é preciso estudar, é preciso fazer alguma coisa. Mas tudo isto ainda coloria a vida. De maneira que a existência era uma existência cheia de atrativos.

Bem, vinha admiração, vinha tudo o que nós descrevemos, e daí a transladar-se para a TFP sem arrière-pensée era uma coisa de uma dificuldade enorme, que poderia ter sido vencida se nós fôssemos mais generosos. Mas historicamente falando foi vencida à meias. E, por exemplo, para os quatro aqui, é uma coisa que representou qualquer coisa de doloroso, foi ver que o ideal da carreira a TFP pede que renuncie. E quando o sujeito se mete dentro, Nossa Senhora, por proteção, evita que a pessoa tenha êxito. (…)

Para esse pessoalzinho esses problemas não se põem. O problema é o problema do vazio próprio. E, depois, dessa falta de afeto, dessa soledade, dessa certeza… (…)

etc., Agora, qual é a diferença que houve entre a minha geração e a dos quatro?

Na minha geração tudo isso era muito mais marcado, por todas as razões, eu nem vou descrever isso. Mas se uma pessoa tivesse uma intrasigência doutrinária completa, perceberia na minha geração que ela já era em substância o que é a geração de hoje, e que o resto era aparência.

Mas era preciso ter a força e a probidade de alma para reconhecer. E isto, precisamente, essa geração atual não tem. Não examinavam as coisas — aliás, os da minha geração também não examinavam as coisas assim.

* A podridão da sociedade já na geração do Sr. Dr. Plinio

Não sei se foi aqui que eu contei o caso de uma senhora… (…)

o que havia de oco naquilo, as compreendi logo que aquilo não era um caso isolado. Percebi logo. E disse: “Se isso é assim, há uma porção de coisas”. E logo assim: “ Então, fulana, fulana, fulana e fulana, tem coisa assim.” Então a podridão da sociedade assim, assim, assim, assado. (…)

As senhoras todas viam que chegava à noite os filhos iam para onde iam. Não tinham a mínima objeção. Beijavam os filhos que saíam, etc., De manhã elas estavam comungando! Que comunhão era essa? Que Religião era essa? Então uma senhora dessas teria horror de estar presente num prostíbulo, mas ela sabia que os filhos dela todos tinham à noite estado no prostíbulo. E que depois iam beijá-las. Elas tinham horror realmente à condição de prostituta?

Não tem! Então, aquilo tinha que dar no que deu. Com uma espécie de concatenação irreprimível, desde que faltasse os princípios, irreprimível: o instinto bate à porta, bate à porta, não tem o princípio, não quer ter princípios — a Igreja ensina princípios verdadeiros, muitas vezes os sacerdotes com que moleza! — o resultado… o barco estava afundando mesmo!!

Agora, eu não estou certo que todos os que dentro do Grupo pertencem à geração de vocês raciocinavam assim… Mas, quer dizer, em última análise não viram porque não queriam ver.

Está muito severo isso?

[Não, absolutamente. Está excelente.]

E a pegunta é: por que é que o Sr. não nos disse isso?

Se eu dissesse, se cobrasse, eu tenho impressão que era uma dispersão geral. Feita sob outro pretexto: “Não, eu nego que com os meus seja!” E fanfarronada, etc. Eu já estava vendo que era. Não me venha com lorota, que eu estou vendo! (…)

Se a gente leva os princípios até o fim, já no meu tempo tinha ver que a coisa ia chegar nisso. Por quê? Porque não havia princípios. E de nossa parte não havia vontade de ver isso assim. (…)

* Quem não analisa o mal tem dificuldade

em analisar o Sr. Dr. Plinio

moleza no qualificar essas coisas, redunda numa moleza em analisar-me. E não tirar as conseqüências positivas que se devia tirar em relação a mim. Uma coisa traz a outra. Porque se eu não sou um homem de princípios para considerar o mal, eu não sou um homem de princípios para considerar o bem. Então vejo tal, tal aspecto de uma pessoa que pode me edificar, qualquer coisa: “Ah, bonito. É bom…” Mas não tem essa coerência.

Resultado: também não dá valor. É como um bonito álbum que a gente folheia, tem bonitas fotografias, joga o álbum de lado. Guarda aquilo, naquele móvel. Pronto! Não é verdade?

[Inteiramente.]

(Sr. GD: A questão é que nós não podemos olhar só para o lado moral do que o Sr. diz, porque um bom padre de há 40 anos atrás diria mais ou menos as mesmas coisas. Mas nós precisamos olhar todo o conjunto da mentalidade do Sr., que está por detrás de tudo isso.)

* A baixa de nível das conversas

Por exemplo isso, meu filho, está ligado ao que nós falávamos: nesses ambientes que falávamos há pouco, tirando de lado o aspecto moral, a baixa de nível das conversas! Mas é uma coisa que é uma noite escura! Porque são só fatos concretos. Ao menos o que eu conheci, são só fatos concretos em que cada um, quando se reúnem, cada um fala de sua vida, e interessa-se menos quando os outros falam da própria vida, e é para megalar. Quando não é para megalar, é para atrair a compaixão, porque quer obter favores. Quando não é por isso aí, fala porque falou, porque quer falar. Mas a gente conversa com essa gente duas, três horas, não tira uma coisa que se aproveite. Mas ao pé da letra não é nenhuma coisa!

Porque, o que é que tem na cabeça dessa gente quando eles forem prestar contas a Deus? Não sai nessas conversas um princípio, uma consideração de caráter abstrato. Mais ainda. Quando tratar alguma coisa que não são eles, por exemplo política, era uma politicagem vil, de terceira categoria, que não tem… Em comparação com as nossas considerações políticas, não se pode até comparar. Não dá para comparar.

Conversa sobre arte, nunca! Se não é artista profissional, em que trata então da arte porque faz parte da profissão, por exemplo discutir amavelmente, em nível de conversa: “Gosto mais de tal músico; não, você gosta de tal…” Subir para a questão das interpretações: “Por que é que é isso, por que é que é aquilo, e tal escola, essa música é romântica, eu não gosto, porque gosto mais da música não sei o quê; ou eu gosto muito de tal pintor…” No que eu conheço, não sai nunca, nunca, nunca. Não sei se vocês conhecem coisa melhor do que isso?

(Sr. GD: Não tratam disso nunca. Um ou outro ouve um pouco de música clássica, mas…)

Mas é assim: à maneira de colecionador de disco, mais do que ouvinte de música. E que quer ter uma coleção de disco grande, bonita. A música ele aprecia sozinho. De maneira que não conversa sobre a música.

(Sr. GL: Mas eles, no modo de ser deles, são de uma coerência, e de uma radicalidade em proclamar o contrário do que queremos, que é enorme.)

Eles são de uma intrasigência… Por exemplo, de nossa castidade, eles tiram todas as conclusões. De maneira que eles são capazes de perceber a nossa castidade, pelo fato de eu estar brincando com esse tubinho, eles são capazes de dizer: “Isso é porque ele é casto!” (…)



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