Conversa da Noite – 16/9/89 – Sábado . 7 de 7

Conversa da Noite — 16/9/89 — Sábado

Inocência, vida e amor ao sofrimento * A imaginação da inocência; a inocência eleva o homem à condição de anjo * Vitalidade de Nosso Senhor: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” * Vida: uma certa presença da graça que faz perceber os designios da Providência e comunica certa forma de alegria nisso; uma graça, participação da vida de Deus * Quando se ama a vida por vir de Deus, dá uma disposição para abraçar os sofrimentos * As raízes da graça so deitam quando começam a conviver a alegria com a Cruz * Quem amou a inocência avança com ânimo! * O problema da pureza

* Vida de Hollywood e vida da Tradição

na expressão que você fez, a palavra “vida” era tomada em vários sentidos. Por exemplo, você falou da vida dos EUA no período do Hollywood.

(Sr. GL: Mas isso foi morte.)

É, mas em certo sentido, em comparação com o bolor é a vida. Bem, o que é aquela vida?

Agora, outra coisa é a vitalidade de uma tradição, por exemplo. Uma tradição pode estar viva ou morta. O que é a vida de uma tradição, o que é a morte de uma tradição?

Ooutra coisa é a vitalidade de uma família de almas, ou de uma escola de vida espiritual, ou de uma coisa incumbida de uma missão profética, etc., são sentidos análogos da palavra “vida”, mas não idênticos. E é preciso diferenciar bem, para a gente ver bem do que é que quer falar.

Na sua pergunta a palavra “vida” tem um sentido específico, quer dizer, mais especificamente você a fez girar em torno de uma coisa que eu passo a dizer agora como é que eu penso, e você verá. É o seguinte.

* A imaginação da inocência é sempre mítica, para a plenitude da vida

A inocência tem uma certa imaginação por onde sempre que ela imagina alguma coisa, na coerência da sua própria inocência a imagina numa certa situação meio ideal, meio mítica, mas que representa aquela coisa com uma plenitude de vida. Quer dizer, toda a vitalidade que aquela coisa poderia ter, assim a inocência a vê.

* O Senhor Doutor Plinio admirando um pêssego

Por exemplo, o outro dia me chegou uma caixa de pêssegos, eu não sei bem se eram da Espanha — se foram da Espanha é preciso agradecer — ou se eram do Chile, precisamente. Não sei. Mas uns pêssegos lindíssimos, paradigmáticos! Bem, peguei no pêssego, e fiquei olhando durante algum tempo. Quase encontrando mais gosto em ver o pêssego do que comê-lo.

Aquele pêssego tinha naquele misto de cor dourada com cor vermelha, de um modo pelo qual o dourado e o vermelho tinham um degradé pelo qual se passava de um para outro, etc., tinha uma beleza de vida, que era o ideal do que um pêssego mítico podia ter.

* Formas de perfeição paradigmáticas que lembram a vida do Paraíso

Às vezes acontece que as coisas da natureza realizam um mito. Por exemplo, o pavão — eu falava deles no auditório hoje à noite — o pavão, o cisne, etc., têm qualquer coisa de mítico. E assim a inocência se compraz em imaginar as coisas de um modo meio paradisíaco e, portanto, com uma espécie de forma de perfeição, em que está ligada à coisa um tipo de vida que mais normalmente ela teria no Paraíso. E o homem decaído sente que falta em algo e ele imagina a coisa como seria sem isso.

* A perfeição do ser vivo: “Eu vim para que tivessem a vida, e a tivessem abundantemente”

E é uma elevação que isto dá a todas as aspirações do homem, uma elevação que dá a todas as tendências do homem, que é para a perfeição, mas para a perfeição considerada no ser vivo, e como uma vida abundante, que a meu ver talvez tenha relação com aquelas palavras de Nosso Senhor: “Eu vim para que tivessem a vida, e a tivessem abundantemente”.

* A vitalidade de Nosso Senhor: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”

E realmente Nosso Senhor representa Ele próprio, que é o Homem-Deus, representa a natureza humana elevada pela união hipostática a um grau de excelsitude que nenhum sonho de inocente poderia imaginar. É dada à inocência dobrar os joelhos diante d’Ele e examiná-Lo adorativamente, mas não seria dado a um homem criar aquela figura — nem a figura moral, nem a figura física não seria dado a um homem criar; um artista não ia imaginar aquilo —, mas que tem no Evangelho.

E em tudo o mais que se vê e que se sabe d’Ele a gente percebe a vitalidade d’Ele, a forma de vitalidade: é uma perfeição, uma plenitude de vitalidade, uma coisa que não se tem um modo de elogiar suficientemente.

E que não corresponde ao que hoje em dia a Revolução imagina de vitalidade. A vitalidade do jovem e da jovem, vestidos como nós sabemos como, levando a vida que nós sabemos como, etc., passa por ser vitalidade. Essa não é a vitalidade. A vitalidade é a vitalidade de Nosso Senhor Jesus Cristo. É por isso que Ele disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”.

* A inocência, uma graça dada ao homem que dá-lhe vida e o eleva à condição de anjo

A inocência é uma graça que baixa no homem, e que lhe dá essa apetência. E que, portanto, levanta todas as forças dele, soergue, e dá uma espécie de capacidade de voar que um homem que é um bípede não tem por sua natureza. Assim a inteligência humana é bípede, se você quiser, mas vira anjo quando sopra sobre ela a inocência.

Assim o homem, por sua inteligência, por tudo, fica com qualquer coisa de semelhante, de análogo ao anjo, que é muito superior à inteligência comum de um cientista, por exemplo, uma coisa assim — embora a inteligência de um cientista possa ser muito respeitada, isso é outra questão —, e que concebe coisas que, por serem concebidas por um espírito que tem muito essa vida, satisfazem as aspirações desse espírito, que são aspirações vivas e que são muito capazes de despertar nos outros essa vida também.

* A nossa vida chama-se thau!

De maneira que, então, debaixo de certo ponto de vista — debaixo de certo ponto de vista — a nossa vida se chama thau. E quando nós correspondemos ao thau, nós temos uma inocência que vai para frente, vai para frente, o thau leva para frente a inocência, a inocência leva para frente o thau, aquilo sobe, sobre indefinidamente! E as pessoas que estão dizendo “sim” para o seu próprio thau sentem penetrar aquilo aos borbulhões dentro deles. Eles então se alegram e ficam satisfeitos, etc., porque eles recebem aquilo que eles quiseram.

Se a pessoa não corresponde, aquilo vai se transformando em tristeza, em pesar, em bolor e em outras coisas assim, e dá numa diminuição que eu não sei até onde vai. (…)

* Definindo vida: uma certa presença da graça que faz perceber os designios da Providência e comunica certa forma de alegria nisso

Então, o que eu chamo aqui de vida é uma presença da graça, mas não é uma qualquer presença da graça. É uma peculiar presença da graça, por onde uma pessoa que recebe essa ação da graça tem uma certa noção intuitiva, sensível — eu qualificaria, talvez, de uma graça da mística ordinária — por onde ela mais ou menos sente, percebe tudo quanto a Providência quer dela, e para onde ela é chamada e são chamados aqueles que junto com ela estão sendo convidados a seguirem pelo mesmo caminho.

E essas pessoas recebem com isto uma forma de alegria, cheia de um antegozo das graças que devem acompanhar esse caminho. E de uma certa intuição de como será a plenitude dessa alegria, quando a pessoa realizar a obra que Deus quer dela. De maneira tal que aquilo vai se desenvolvendo na pessoa com mais alegria do que qualquer alegria da vida. Mas qualquer alegria da vida. É uma espécie de florescência, uma coisa incomparável! E vem junto aquela promessa.

* Quando se ama essa vida não por ser deleitável, mas por vir de Deus, dá uma disposição para abraçar os sofrimentos

Mas acontece que essa vida tem sua prova. Quando a pessoa ama essa alegria, que é uma ação de Deus, e que a pessoa portanto deve amar não porque é gostosa — ela é deleitável —, mas deve amar não só porque é deleitável — também porque é deleitável mas não só porque é deleitável —, mas principalmente porque a pessoa de um modo ou de outro intui que aquilo é Deus que está falando nela, a pessoa está disposta, para seguir aquele caminho, a ter sofrimentos.

Porque nós não podemos imaginar que a via da cruz é uma via só de alegria. Por exemplo, a gente vê que Nosso Senhor várias vezes cumulou os Apóstolos de alegria — Mas cumulou! —, mas o caminho era um caminho com muita cruz! Nem seria um caminho bendito se não tivesse cruz.

* As raízes da graça so deitam quando começam a conviver a alegria com a Cruz: a fidelidade à promessa primeira durante a tormenta

Chega em determinado momento, Ele introduz a cruz d’Ele ali. E aparece a necessidade de conviver essa alegria com esse senso da cruz, e aí é que começa, propriamente, a graça a deitar raiz, e ir para frente.

Quer dizer, ela não está sensível, mas a pessoa quer porque compreende que no meio daqueles vagalhões, daquelas tempestades, a promessa fica de pé, e que ela vai ter o que lhe foi prometido no começo. Essa é a questão fundamental: a promessa inicial se cumprirá, quaisquer que sejam os vagalhões, os tufões, os horrores que encontrem pelo caminho, a promessa se realizará.

* A noção de vida: uma dinamismo próprio que nos levará ao fim do caminho

O sentido [é] de uma coisa que começou e que tem um dinamismo próprio [tal] que mais esse dinamismo nos levará do que nós andaremos com os nossos pés: Essa noção é a vida!

* A vida, uma graça, participação da vida de Deus

Agora, descendo teologicamente até o fim, a graça se define, em Teologia, como uma participação criada do homem, na vida increada de Deus. Quer dizer, a graça não é a vida increada de Deus em nós, mas é uma participação nossa nessa vida. Mas é uma participação criada: Deus cria algo, que é a graça, por onde nós participamos da vida d’Ele. E a alegria, e tudo o que há dentro dessa graça, vem do fato de haver ali uma participação da vida d’Ele. E é esta participação que nos faz sentir vida em tudo.

* A hora da provação: o Senhor Doutor Plinio e o pátio de cerejas

Bom, então, chega o momento de provações. Vamos dizer, por exemplo, no meu tempo do pátio de cerejas no Colégio São Luiz. Chega o momento das provações, [que] apresenta-se assim: “Independente de tudo, está prometido para você esta vida assim, Mas há um episódio novo que não foi tratado. Você encontra diante de si isto e agora, como fazer? Você abandona esse rumo da inocência? Se você abandonar, você tem tudo diante de si. O que quiser! Agora, se você não abandonar, veja hem? Tem um caminho com pedras em ponta para você seguir descalço! Agora, você aí bate a porta para isso que você recebeu! Você quer bater?!” É o problema!

* Quem amou a inocência avança com ânimo!

Bem, se a gente amou bem aquilo, a gente diz: “Vamos tocar para frente com ânimo, porque a minha esperança se realizará!”

Bem, se a gente não bate para a frente, acabou.

* O problema da pureza

Eu, quando tinha toda essa inocência primeva, eu não tinha a noção do problema sexual. Em certo momento ele se apresentou, e apresentou sob as formas das tentações que se apresenta a todo mundo. E eu tive um período dificílimo para agüentar isso. Nossa Senhora me ajudou, aqui estou eu pela graça d’Ela!

Mas ali, por exemplo, eu poderia ter naufragado como milhões de meninos naufragam! Ela me ajudou.

* O fracaso depois da eleição de deputado

Depois, outra coisa: eleito deputado! Então: “Bom, as esperanças se realizam!” Eu não sabia que aquilo era um antegozo para deixar-me depois durante 50, 60 anos com o cálice seco, e de vez em quando com vinagre dentro. Bem, mas vamos para frente, vamos para frente, vamos para frente!

* A certeza do Senhor Doutor Plinio se acentuou cada vez mais ao longo da vida, corroborada pela graça de Genazzano

Sempre realizando em doses milimétricas, e de algum modo, uma enorme esperança que fica adiada sempre para o futuro.

(Sr. GL: Mas essa esperança o Sr. a sente assim?)

Sinto. Sinto uma certeza. Essa certeza é uma comunicação da graça, que provém daqueles antigos prenúncios, e que nunca caiu, pelo contrário, sempre se acentuou! Bem, e que a graça de Genazzano corroborou enormemente.

Se não fosse a graça de Genazzano — vocês já me viram dizer isso várias vezes — eu teria morrido. Quer dizer, tais foram os aborrecimentos — eu não tenho dúvida nenhuma de que essa diabetes que eu contraí provém disso — mas a graça de Genazzano me deu a certeza de que eu chegarei até lá.

* Estar pronto para só ver a Terra Prometida, como Moisés

Bem, comporta o seguinte, hem? Você veja bem: “Está bem, eu chegarei até lá. Mas não será que eu deva apenas tocar com a ponta do dedo isso? Moisés chegou a ver a Terra Sagrada. Mas viu do Monte Nebo!”

(Sr. GL: Mas a promessa ao Sr. não é de tocar com a ponta do dedo…)

Não. E há mais: em Genazzano também não era. Mas eu tenho que estar sempre nesse estado de espírito: “Se for, terá sido. Deus seja bendito.”

(Sr. GL: Mas a promessa não é essa.)

Não é essa.

(Sr. PP: E a certeza tampouco é essa.)

Tampouco é essa. Mas se Deus quiser, se contra a minha expectativa isso dever se realizar assim, em algo eu não entendi. Mas quem é a verdade, o caminho e a vida é Ele. Vamos para frente!

* Provação dos dez primeiros anos de solidão, e a gotinha d’água do Congresso da Mocidade

Agora, vejam como a Providência procedeu a esse respeito comigo — eu digo porque é ilustrativo para vocês —, Nossa Senhora me fez passar praticamente dez anos — vocês sabem que dez anos na vida de um menino são dez eternidades, vocês todos foram meninos, e sabem bem que quando começava o ano novo, a gente tinha impressão que o próximo ano novo era daqui a um eternidade —, eu passei dez anos procurando alguém junto a quem fazer apostolado, e que pudesse ser cor unum et anima una comigo, para fundar a sonhada ordem de cavalaria.

Não encontrei na-da! Nem nada que se parecesse, nem nada disso. É zero, zero, zero!

Bom, de repente se abriu uma caudal: Congresso da Mocidade Católica, etc. Está bem. Mas essa caudal, para quem esperava incomparavelmente mais, essa caudal era um cálice de água.

* O Auditório São Miguel cheio de todas as partes do mundo não é senão um centésimo da promessa

Então, por exemplo, hoje à noite eu podia ver o auditório cheio, cheio de gente de todos os lugares do mundo, de todos os Brasis, de todas as Américas, de todas as partes… Áfricas, Índias… Tinha tudo ali! Portanto, África, Ásia, etc.

Não deixa de ser verdade que isto, que eu sei pela experiência dos meus dez a vinte anos, sei porque de lá para cá as coisas ficaram cada vez mais difíceis, sei que um assim é um milagre no mundo de hoje — porque até lá nós chegamos: um assim é um milagre nos dias de hoje! —, ter um auditório cheio desses é um milagre! Mas é um milagre que faz um centésimo da promessa. Então, a promessa é tal que Ela, por pena de mim, dá-me um pouco da água prometida, mas nunca me mata a sede.

(Sr. GL: Mas está longe de matar a sede.)

Está longe de matar a sede. Mas muito longe de matar a sede. Mas eu queria que vissem isso para compreender as coisas como se acertam, como é que elas são, etc. (…)

a alegria da vida, porque todos vocês tomaram um ar de quem… um sopro de vida passou por vocês.

(Sr. GDA: É que passou mesmo!)

Passou mesmo. Mas que passou mesmo! (…)

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