Conversa
de Sábado à Noite (Alagoas, 1º andar) –
12/8/89 – Sábado – p.
Conversa de Sábado à Noite (Alagoas, 1º andar) — 12/8/89 — Sábado
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O convivio humano, como o Senhor Doutor Plinio o faz com seus filhos; unicidade e absoluto de cada homem * Aliança entre cognição sensível e intelectiva; correspondência às graças da mística ordinária do Senhor Doutor Plinio desde pequeno * Os grilos dos terrenos baldíos
(Sr. NF: … que atrai tanto ao Sr. E depois, se é verdadeira essa observação feita a propósito das considerações que o Sr. faz das reuniões, das pessoas. Não sei está claro?)
Está claríssimo!
* Em todo homem há algo como que de absoluto, pelo fato de ter sido creado para toda a eternidade
Uma primeira resposta de um primeiro aspecto da questão é a seguinte. É que em cada alma humana, por ser criada à imagem e semelhança de Deus, por ser eterna — não é eterna no começo, nós não fomos criados ab aeterno, embora você saiba, sem dúvida, que segundo São Tomás de Aquino poderia ter Deus criado ab aeterno anjos. Porque uma criatura não deixa de ser criatura para passar a ser criador, pelo fato de ser criada ab aeterno. Mas não é o que eu estou tomando em consideração, porque nós não fomos criados ab aeterno, e Deus não criou criaturas ab aeternas. Poderia ter feito.
Mas acontece que nós depois não vamos ter fim. A morte para nós é apenas um estágio passageiro. Ainda que dure cinco mil anos, é um estágio passageiro. Então, por causa de tudo isso, por nossa natureza espiritual, etc., de algum modo há qualquer coisa no homem que não é um absoluto, mas que joga como um absoluto, na ordem concreta das coisas.
* Exemplo: um rei salvando uma criança de se afogar num lago
Pelo que, por exemplo, se você toma um qualquer… Você faça idéia de uma cena assim… Um rei no tempo da Monarquia Absoluta. Portanto, tudo depente dele. Ele está dando despachos num escritório que esteja no andar térreo de seu parque. Em determinado momento ele olha maquinalmente para fora, e vê um rapazinho, uma criança, qualquer coisa, que está se afogando num lago, numa coisa em frente. Bem, ele está tratando de negócios de Estado, muito graves. Se ele interromper isto para ir salvar a criança, ele infringe um certo prejuízo aos negócios do Estado.
Mas ele olha em torno de si, e não tem consigo a não ser um ou dois ministros que fisicamente estão fora do estado de atender a criança, porque são velhos ou qualquer outra coisa, e em toda a redondeza não há ninguém. Ele então interrompe o tratamento de negócios de Estado, se joga dentro da água e salva a criança.
Pode ser que ele sacrifique ali, por causa da criança, um interesse de Estado que valha mais do que valeria uma guerra para a qual ele mobilizará a criança quando for homem. Mas, no momento, por algo que há à maneira de absoluto no homem — não é absoluto, mas à maneira de absoluto — se compreende que ele faça assim com a criança.
* Defender isso é ser anti-socialista até o fundo
E há toda uma série de coisas que dizem respeito ao homem, e que devem ser vistas assim. É até a refutação mais profunda ao socialismo, está nisso. Quer dizer, se a gente quiser descer, esgravatar o anti-socialismo até o fundo, mas com gente capaz de compreender esses princípios, é o ponto errado do socialismo por excelência. O socialismo acha que o homem vive para a coletividade, e não é. Primordialmente o homem vive para si e para Deus; secundariamente para a coletividade.
* O Senhor Doutor Plinio aplica isso continuamente no relacionamento com seus filhos: unicidade de cada homem; o convivio humano
Bom, agora, acontece que isto se dá muito na questão do relacionamento de importância dos temas e dos indivíduos e grupos de indivíduos com que eu estou tratando, e dos temas que constituem a meta para a qual eu vivo.
Quer dizer, eu estou, por exemplo, conversando com um filho, tratando disso, daquilo e daquilo outro. O normal, se nossas relações forem bem colocadas da minha parte e da parte dele, é que ele sinta — eu não pretendo que isto exista sempre — mas sinta pelo menos em certas vezes no relacionamento comigo, algo de único por onde ele é entendido e tem o direito de ser entendido, e ele é favorecido, amparado e protegido, como ninguém na Terra faz com ele. E se ele não sentir isto, é porque ele [não] me sente bem. Mas deveria ser assim, porque esse é o relacionamento que deve haver entre nós.
E na hora de ele perceber que eu descolo dele para um outro tema, é bom que ele perceba que eu tenha isto em vista. E que eu participo do pesar que ele tem de romper naquele momento aquele contato, para tratar de uma coisa; que eu também participo com ele. Para ele sentir a reciprocidade de minha parte, que é um elemento primordial de todo convívio humano. O convívio humano sem reciprocidade não é um convívio ordenado.
* Como ele exprime em termos de convivio esta doutrina
Então, às vezes eu digo coisas como essa: que eu tenho reunião do MNF, tenho isso, etc., deixando ver aquilo como uma coisa muito menor, mas é com intenção de dizer de modo indireto, em termos de conversação comum, isso que é toda essa fundamentação doutrinária que estou dando aqui.
E depois tem que ser que isso não seja dito sistematicamente em termos de doutrina, mas em termos de conversação comum, tem que ser dito assim, porque em meros termos de doutrina a pessoa não sente que eu estou sentindo isso. E para convencer é preciso que a pessoa sinta.
Então, o perceber que eu por algum lado, sob algum ponto de vista, eu também estou sentido aquela separação, e estou sentindo realmente, reciprocamente, o dizer isso é de minha parte uma obrigação. Que o indivíduo não se sinta jogado de lado. Em certo momento ele está objeto de toda a minha atenção focalizada sobre ele, e depois, de repente, psit! ele some. Ele se sente abandonado, se sente, não digo desprezado, mas esquecido. Ele não tem dúvida nenhuma que se ele me procurar vai se repetir o fato: eu vou prestar atenção nele, disso ele não tem dúvida. Mas ele se sente como se eu o esquecesse. E isso ele não deve sentir, eu devo fazer o possível para que ele não sinta.
De maneira que uma coisa que parece inexplicável. Eu compreendo bem que pareça inexplicável, que pareça até tocar nas raias do contraditório — também eu compreendo isso muito bem. De fato não é contraditório. Isso é um lado da questão.
* O zelo do Senhor Doutor Plinio pela Cristandade, pela Contra-Revolução não o leva a desprezar as pesoas individuáis?
Agora, de outro lado da questão é verdade que se pode pôr a seguinte pergunta. O senhor — hoje deu-se isso, quando eu sai do auditório de Jasna Gora… (…)
… mostra a você como é a forma desse relacionamento, que é muito delicado. E por causa da natureza individual de toda pessoa, não pode ser tratado per summa capita. Mas cada um está no seu direito de sentir que é um capítulo para mim, e que representa para mim um papel. Isso é uma espécie de complemento do que eu estava dizendo.
Sem embargo disso, entra aqui uma coisa que tem a aparência de uma contradição. É que na realidade a pessoa vendo como eu falo da Cristandade, como eu falo da Contra-Revolução, como eu falo da Revolução, vê que há uma esfera de pensamento no meu espírito, que não é um andar superior a isso, mas que é uma torre em relação ao resto de um edifício.
Bem, então se dirá: “Mas o zelo para essa torre não faz com que você olhe de cima e diga: e essas choças que estão aqui em volta, que se arrangem com quiserem eu vou defender a torre. A torre não paira acima de tudo isso?”
* Cada um é um campo de batalha da luta R-CR; um general que não só dirige de longe, mas combate em cada ponto
A resposta é: Não é verdade. A torre habita em cada um. Quer dizer, cada um é um campo de batalha entre a Revolução e a Contra-Revolução. E a Contra-Revolução e a Revolução não existe nas nuvens, mas existe em concreto. E eu fico aí numa posição de um general que está dirigindo uma batalha, mas que não é apenas o que dirige a batalha, mas combate ele mesmo.
E que portanto, devo eu mesmo, com o mesmo afinco com que eu estou dirigindo a batalha, desbaratar os inimigos que estão diante de mim. Ou seja eu devo entrar nas almas e em escala individual que está no meu alcance, na minha possibilidade, nessa escala individual travar essa batalha.
Porque se não eu violo meus deveres para com os indivíduos, e de outro lado eu perco a batalha, porque eu perco aqueles que são meus auxiliares naturais na luta que eu tenho que conduzir.
* Consciência constante deste fenomeno na alma do Senhor Doutor Plinio; entrelaçamento entre a teoria e a realidade; mística ordinária
Objete o que quiser.
(Sr. NF: … O senhor tem idéia desse caminhar do senhor?)
Tenho.
(Sr. NF: E isso a cada instante aparece para o senhor de que modo? É um sentimento ou é algo de intelectivo também?)
Sem muitas certezas eu seria propenso a dizer o seguinte. Que é uma coisa intelectiva do seguinte modo. Não é uma coisa que primeiro em concebi teoricamente e que eu depois fiz a conversio ad phantasmata. Mas é uma coisa em cuja elaboração eu andei alternativamente da realidade para a teoria e da teoria para a realidade, com vistas a esgortar o tema de um determinado modo em que estivessem presentes se associando, à teoria e a realidade. Nunca a teoria sem realidade, e menos ainda a realidade sem teoria.
E que isso se faz exclusiva ou principalmente — isso é que eu fico na dúvida, é um pouco ousado afirmar, mas se não é assim ou se não for ortodoxo dizer assim, ao menos as coisas me dariam a impressão de que são assim, mas se não for ortodoxo, não são assim e está acabado —, ajuda para fazer isso toda a impressão que a pessoa tem, e que está voltada para esse ponto.
E entre essas impressões ficam as tais graças da mística ordinária que nos dão uma certa visão, um certo conhecimento imponderável de uma porção de coisas que são de uma realidade sobrenatural, que mais ou menos a gente pega.
E que é o conhecimento disto que fornece à alma algo que transcende a pura doutrina, e transcende o conhecimento sensível, e na qual a doutrina e o conhecimento sensível se fundem por uma manifestação sobrenatural maior.
* Exemplo: os “vitraux” da “Saint-Chapelle”, e a correspondência às graças da mística ordinária
Se estiver muito embrulhado eu posso dar exemplos.
(Sr. NF: Seria bom sim.)
Você toma por exemplo. Você entra numa catedral com muito bons vitraux, explêndidos vitraux, vamos dizer na Sainte 2DChapelle. Quando entra, a primeira impressão — eu acho que é a de todo mundo que entra lá — antes de poder analisar qualquer coisa é: óóóóóh! E é aquele conjunto de luzes formando uma espécie da calidoscópio de uma variedade enorme, mas de uma harmonia enorme nessa variedade, que toca a retina, toca a vista fisicamente, mas dá à alma uma espécie de cognição do que é que vem a ser o princípio da unidade na variedade, e da variedade na unidade, que é uma das mais altas regras do pulchrum. Quando sobre isso se insere uma graça de ordem sobrenatural mística, você tem como que uma visão beatífica pequena.
Isto numa pessoa que procura ser fiel, que procura seguir a doutrina católica, bá-bá-bá, pode vir a tornar-se freqüente. Pode ser até que normalmente a pessoa em contato com qualquer realidade externa um pouco superior, tenha uma graça assim, e viva envolvido nessa graça.
* Assim o Senhor Doutor Plinio vê todas as coisas, à luz da luta R-CR; aliança entre cognição sensível e intelectiva
E aí se dá a ponta de uma cognição ao mesmo tempo sensível e intelectiva. Sensível porque os sentidos entram em algo nisso — um cego não poder ver vitral. Mas também sensível no sentido de que o indivíduo sente o pulchrum daquilo, e sente por um discernimento à maneira dos discernimento dos espíritos, a graça que está habitando no meu espírito na hora que eu olho para aquilo.
E a Revolução e a Contra-Revolução em última análise eu as vejo assim.
Eu tenho a impressão que os cruzados quando iam para a Terra Santa, eram levados por graças desta natureza.
* Correspondência à mística ordinária do Senhor Doutor Plinio desde pequeno
Mas diga então.
(Sr. NF: Tudo isso parece tão afim com o transcendental da monarquia do qual deriva todos os ódios, preferências, e até mesmo a forma de governo… eu pergunto se é certo.)
É certo. É o seguinte. Esse misto de uma coisa teórica: a família deve ser assim, assim, assado, com uma coisa cultural: a família dos Montmorencys, ou a família dos Albas, é assim por isso aquilo, aquilo outro. Depois com uma graça que nos faz discernir algo na ordem sobrenatural, algo em Deus que é assim. Este conjunto nos dá um conhecimento de algo de Deus cuja glória nós queremos e que é o fim para o qual nós caminhamos.
(Sr. NF: Mas isto é afirmado até pelas dobras do paletó do senhor.)
Eu fico muito consolado de saber. Ainda as dobras amarrotadas de meus paletós.
(Sr. NF: Porque isso é a restauração da crença em Deus num mundo ateu como este. Isso foi sempre assim no senhor?)
Sempre. Desde pequeno. Desde que eu me lembro de mim mesmo. Eu não saberia explicitar, mas era assim. E mesmo quando o João me falou dessa graça ordinária, etc., que o Padre Garrigou-Lagranje defende, que pelo que diz o João, lendo o livro do Padre Garrigou, todos os teólogos hoje reconhecem que é assim. Isso eu sentia em pequeno ao tomar conta de uma série de impressões que me vinham a propósito de tudo e de nada.
* Os grilos dos terrenos baldíos: considerações sobre o pulsar da natureza
Eu não sei se eu contei a vocês a impressão que eu tinha a respeito de uns grilos, ou não?
No bairro onde morava, o bairro Campos Elíseos, era um bairro que era muito pouco construído no tempo da São Paulinha pequenininha, e havia um certo número de terrenos vagos.
A casa de minha avó era de esquina. A esquina toma duas faces, e depois vem duas outras faces. Nas duas outras faces haviam terrenos assim, baldios, e dentro de um desses terrenos para o qual dava o meu quarto de dormir, havia muitos grilos. E quando eu ia dormir, ou quando eu acordava durante à noite, antes de dormir eu sentia aquele, pan-pan!, pan-pan!, pan-pan!, dos grilos todos. E eu tinha uma certa sensação de que a natureza inteira pulsava naqueles grilos, que era uma pulsação de toda a natureza naquilo. E de algum modo a natureza estava pulsando para eu ouvir, e que por trás daquilo de que eu não achava beleza, achava apenas suportável, esta pulsação universal de todas as coisas, isso por onde elas vão e vêm, e se abre e se fecham, etc., tinha por detrás uma grandeza que me extasiava, mas que depois eu compreendi que era Deus.
Isto eu tinha meio discernido a la sobrenatural, e meio percebido a la natural.
Como também… (…)
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