Conversa de Sábado à Noite (Confidencial) – 22/4/1989 – p. 11 de 11

Conversa de Sábado à Noite (Confidencial) — 22/4/1989 — Sábado [Rolo JC 6] (Datilografado por: Flavio Lorente)

(Sr. Gonzalo Larraín Bustamante: O senhor poderia tratar um pouco sobre as cogitações últimas do senhor o que tem mais preocupado o senhor. E também gostaríamos de aproveitar o dia de hoje, que como ontem — aniversário da morte dela — está um dia muito diáfano, desinfestado, etc...)

Foi, eu notei isso. De dentro de casa, olhando pelas janelas aqui, deu essa impressão.

(Sr. Gonzalo Larraín: O senhor poderia dizer um pouco sobre a proteção da Sra. Da. Lucilia, até onde o senhor vê que ela chegue, como será daqui para frente, etc. Colando uma coisa na outra.)

Sim, mas quer dizer, não se trata, portanto, de uma exposição do que seriam os panoramas. Mas seria da proteção dela em face dos panoramas? Ou seria preciso dar a “panoramática”?

(Sr. Gonzalo Larraín: A “panoramática”, depois, as preocupações e a proteção dela nas preocupações.)

(Sr. Guerreiro Dantas: Sobre a proteção, a gente vê que o senhor em torno da devoção a ela sempre tomou muita distância, nunca incentivando...)

Não. Eu não freio nada, e não incentivo nada. Por exemplo, você nunca me viu tirar o corpo, ou dar uma resposta evasiva. Perguntam; eu respondo. Se ninguém trata, não falo. Parece-me que é a atitude correta.

(Sr. Guerreiro Dantas: Agora, houve um tal desenvolvimento do auxílio dela ao longo desses anos, e depois o senhor como filho dela, e como profeta, o senhor divisando as dificuldades todas que vêm pela frente, o senhor certamente se pergunta quais os recursos que o senhor tem para enfrentá-las. E o senhor olhando para tudo o que ela já fez, o senhor se perguntará como será essa ajuda para o futuro. Eu sei que é uma coisa assim...)

Não, eu acho uma coisa cheia de propósito.

Eu gostaria de dizer alguma coisa, previamente, a respeito da minha posição pessoal em face do assunto. É que as minhas preocupações dizem respeito aos nossos panoramas. Eu não tenho nenhuma preocupação que seja alheia aos nossos panoramas. Pela razão muito simples de que a minha vida é a TFP, é a Contra-Revolução. De maneira que, todos os problemas próximos, remotos, desse jeito ou daquele outro, da Contra-Revolução e da luta contra a Revolução, quer dizer, de armar — no sentido metafórico da palavra — a Contra-Revolução, como se diz armar uma casa. Quer dizer, não é dotar de armas, mas é construí-la, edificá-la, uma coisa assim...

(Sr. João Clá: Montar.)

Montar! A palavra boa é “montar”. Então, montar o edifício da Contra-Revolução é uma preocupação. Tanto mais que é um edifício movediço, eminentemente movediço até. Bem, de um lado. E agora, de outro lado, manter a luta desse edifício contra a Revolução é outra coisa. Quer no sentido de atacar a Revolução, que no sentido de defender contra os ataques dela.

E tudo isso forma um quadro enorme, cheio de pormenores, que se podem decompor em vários quadros, evidentemente.

Agora, acaba sendo que por essas ou aquelas razões, tudo isso constitui um todo só. E nesse todo, debaixo de um certo ponto de vista, me encontro eu. Ainda que fosse uma preocupação exclusivamente pessoal minha, acaba sendo que essa preocupação se descarrega na luta Revolução e Contra-Revolução de algum modo. De maneira que não é possível separar inteiramente as coisas uma da outra.

Agora, aqui entra uma questão de minha posição perante o problema do auxílio da graça, auxílio da Providência, diante daquilo que eu possa querer, desejar, pedir, etc. Eu sou movido aí — porque eu sou todo cheio de preocupações — por duas preocupações distintas:

Uma preocupação é pedir a Nossa Senhora tudo aquilo que eu queira e que eu deva pedir, dada a situação em que eu me encontro. Mas outra é de não pedir a Ela aquilo que Ela não queira me dar. De maneira que, no sentido pleno da palavra, eu possa pedir a Ela aquilo que Ela queira me dar, ainda que seja uma coisa que Ela não me desse se eu não pedisse. Mas Ela está, por assim dizer, à espera do meu pedido para que eu dê.

E até à espera de que eu arrombe a porta de tanto rezar — porque é um conselho de Nosso Senhor no Evangelho, não é de arrombar a porta, mas é de me tornar tão aborrecido que Deus acabe me atendendo! Bem, por algum lado. Mas, por outro lado, não começar com peditórios que afastem de mim aborrecimentos que talvez Ela queira mandar. De maneira que Ela talvez queira de mim que eu agüente um determinado sofrimento, e este sofrimento eu não quero deixar de sofrer.

De maneira que forma uma espécie de dualidade de pedidos, em função dos quais eu procedo da seguinte maneira. Quando eu tenho uma coisa que eu quero pedir muito, e que eu sinto por uma graça interior que é bem-vindo que eu peça, eu peço. Mas peço então de um pedido franco, categórico, empenhado. E como vocês sabem que eu sou muito de querer o que eu quero mesmo, quero muito. Não sou de querer pouco, eu sou de “quereríssimo”! Qualquer coisa que eu quero muito, se eu quero, eu quero muito. O resultado é que eu peço e peço muito. E Nossa Senhora me concede várias coisas que eu peço.

Bem, mas se eu não sinto essa graça de modo especial, eu não peço. Eu faço uma porção de pedidos, sem mencionar nada em particular, mas deixando tudo condicional, como quem diz: “Eu estou pedindo coisas indefinidas. Essas, dai-me as que quiserdes, e as que quiserdes que eu agüente, deixai-me agüentar. Mas eu Vos peço: não carregueis muito a mão, porque o que eu já carrego não é pouco... E vontade de sofrer mais do que eu sofro, eu não tenho. Se Vós quiserdes, eu agüento! Vamos lá. Mas eu Vos peço misericórdia, na medida em que queirais fazê-la.”

De maneira que são duas avenidas das orações, por assim dizer.

Agora, isso, naturalmente eu vejo que não é o modo padrão de Nossa Senhora conduzir as almas. Mas cada um tem seu modo, e Ela de cada um quer que seja muito, ele mesmo, na conduta com Ela. De maneira que eu sou eu mesmo aqui, nas duas coisas: nas flexibilidades e nas misericórdias que eu peço para comigo, mas também nas inflexibilidades que eu por vezes tenho comigo também. Quer dizer, como me parece que eu faço melhor a vontade d’Ela.

Agora, entra nisso o recurso à mamãe. Eu não quero fazer de mamãe um instrumento para, por assim dizer, falsear esse jogo. Mas apenas sabendo como ela era bondosa, etc., eu tenho certeza que no Céu ela transborda do desejo de me fazer bem. Mas ela vê de cima, e em contato com Nossa Senhora ela vê bem o que é melhor para mim. E, portanto, sabe bem o que ela pede e não pede.

Agora, isso envolve uma coisa penosa. E essa coisa penosa é a incerteza: se eu pedi tanto quanto eu devia, ou se eu não pedi mais do que devia. Eu não me faço disso, matéria de escrúpulo, porque eu sei que não é matéria de pecado isso. Não é, portanto, um escrúpulo. Mas eu quereria agira de direito, para conseguir a perfeição de minha alma. E aí, muitas vezes eu fico na dúvida. A dúvida é mais se eu não peço de menos.

E aí entra todo... Vocês estão falando “panoramática”, eu dou o panorama que eu tenho, por mais monótono que possa ser, mas é esse assim. Eu tomo as coisas nesse sentido. Que eu vejo que eu sou dado a subestimar tudo quanto é fato concreto, ou tudo quanto é situação que poderia dar no seguinte... disto eu tenho medo.

Como a minha função é uma função muito especial, e essa “panoramática” que eu pus não toma nenhum pouco em consideração essa função, mas é uma “panoramática” — se é que entendemos a mesma coisa por “panoramática” — que qualquer católico chamado para isso poderia fazer, eu vejo que pode haver um erro de ótica dentro disso, por achar que se eu tomasse a minha função mais ao pé-da-letra, digamos minha missão mais ao pé-da-letra, eu deveria não ficar tanto nos planos gerais de qualquer fiel.

Mas, por exemplo, quem é levado a combater tanto, não será levado a pedir, também, concretamente mais? E é razoável que quem combata tanto, peça tão pouco para a vitória daquilo que ele combate? Isto está certo?

Não sei se eu exprimi bem o panorama ou não?

(Sr. –: Muito.)

Que resulta de uma análise que desejaria ser inteiramente objetiva daquilo que eu possa conjeturar da vontade de Nossa Senhora.

(Sr. Carlos Antonio do Espírito Santo Hoffmaister Poli: O senhor desculpe, não me ficou claro: o senhor é dado a subestimar...)

A não tomar, portanto, não dar todo o valor que seria normal à missão que eu tenho. Porque toda a primeira parte do problema que eu expus, qualquer alma com qualquer missão, poria. Em tese, uma das maneiras, conforme a via para que se é chamado, uma das maneiras de resolver o problema é esse. Mas nem para meus filhos eu quero dizer que isso seja maneira para todos. É uma coisa individual minha.

Bem, eu pergunto: mas se eu tomar em consideração a minha missão, eu não deveria rezar, em concreto, muito mais pelas coisas que em concreto eu faço?

Eu vou pôr a coisa da seguinte maneira: se eu não tivesse a missão que eu tenho, e conhecesse um homem que tem a missão que eu tenho, eu não rezaria muito mais para que esse homem alcançasse resultado? Com que fervor eu rezaria para que esse homem alcançasse resultado?

Agora, então, por que é que eu não rezo para eu alcance resultado? É uma objeção que eu poderia fazer contra mim mesmo. Bem, veja bem que é uma objeção feita na calma. Não é feita assim com aflição, nada disso, mas feita na paz. É uma objeção que cabe. Eu acho que não há nenhum de vocês que me diga que é uma objeção estúpida. Ela tem seu cabimento.

Agora, a questão é que não está bem posta no fundo. Pelo seguinte: eu tenho muito vivos no espírito dois pontos:

Um ponto é esse, que se houvesse na Igreja mais gente disposta a sofrer por Ela, a situação d’Ela seria outra. E que, portanto, almas dispostas a sofrer são poucas, e que esta será talvez a principal razão pela qual a Revolução viceja, e a Contra-Revolução se arrasta. Se [for] assim, eu pedindo que esses sofrimentos não caiam sobre mim, eu não estarei pedindo para não ser tão eficiente quanto eu quisera?

Você está vendo que é uma coisa raciocinada na calma. Mas raciocinada na calma. Bem, disso eu não posso ter certeza, porque eu não sei o quanto Nossa Senhora quer de mim de sofrimento, e quanto Ela quer de mim de ação, e quanto Ela quer de mim de oração. E talvez essa incerteza seja um peso que deva carregar.

Isso está suportável, toda essa...

(Sr. –: Extraordinário!)

Agora, de outro lado tem também o seguinte: que cada um deve contar, ou pelo menos devo contar, com sua própria fraqueza. E eu tenho medo de começado a pedir muita coisa para mim, eu acabar não tendo forças para carregar nenhuma. O que é um fenômeno psicológico compreensível.

Não sei se eu devo explica ro fenômeno psicológico, ou não?

(Sr. Paulo Henrique Chaves: O senhor poderia dar um exemplo?)

Por exemplo, uma coisa minúscula. Essa gripe. Essa gripe eu podia perfeitamente não ter tido. Eu podia ter pedido a Nossa Senhora de não apanhar essa gripe. Quando a gripe começou, eu poderia ter pedido a Ela para conter essa gripe. Eu me lembro o cuidado que mamãe tinha com qualquer gripe. Toda a família dela tem um cuidado... tinha — a família dela já morreu quase toda — um cuidado exagerado com tudo quanto é espécie de gripe. Portanto, eu podia pedir. E, por outro lado, a família de papai, gripadíssima! São uns pernambucanos “griposos” do outro mundo! Papai era assim.

E então, eu poderia perfeitamente faze o seguinte raciocínio: à vista de tudo isso é um pequeno fardo, porque em comparação com outros fardos é muito pequeno, mas é uma amolação. Um mosquito que te está passeando no nariz é um fardo pequeno por definição. Mas você agüentar muito tempo o mosquito no nariz não é tão pequeno o fardo. A gripe é um pouco como um mosquito que está no nariz, está na testa, está em qualquer lugar. Então, eu poderia pedir a Nossa Senhora — então por intercessão de mamãe, tão solícita, tão bondosa, tão isso, tão aquilo — que me livrasse dessa coisinha.

Mas, aqui se aplica o problema. Se eu começar a pedir tudo isso, acaba sendo que eu começo a ver como é grande o peso. E quem carrega uma cruz, a esse eu dou um conselho: nunca pense no peso de sua cruz! Porque a partir desse momento o sujeito não a carrega!

(...)

Então, eu não posso ir adiante, fico parado. Então, peço muito menos do que seria normal que eu pedisse. Por exemplo...

(...)

...pode gravar, mas não pôr na circulação.

Eu estava falando então que o problema da minha posição, que eu abordo em função da especial intercessão dela... Uma pessoa trouxe um dado, até tocante. Até que ponto é verdadeiro? Quer dizer, a pessoa não mentiu, eu acredito muito nessa pessoa, mas é um dado que pode ser uma vue de l’esprit, um sonho. Mas entra nisso: ela mesma, mamãe, porque não toma a iniciativa de me fazer sentir a iniciativa dela em alguma coisa? Vendo, como ela não via em vida, o meu combate até que ponto chega?

Conversando com um camaldulense, ele contou-me acidentalmente, e eu no modo de receber a coisa, recebi com um sorriso amável, não ostentei maior impressão, mas de fato a coisa foi depois matéria para raciocínio meu: que ele tinha tido um sonho com mamãe. E que no sonho ele perguntou a ela: “Por que razão a senhora não ajuda mais seu filho?”

(Sr. –:Ele sonhou que ela estava aparecendo a ele.)

Por que a senhora, por exemplo, não aparece a ele como está aparecendo a mim?”

E que ela respondeu: “Eu apareço para quem precisa. Ele não está precisando”. Aliás, eu preciso dizer bem como ele disse: “Ele não precisa”. Quer dizer, ela vê o maior bem meu em que ela não se manifesta. Pode ser que esse sonho seja um sonho, não é uma prova. Mas é interessante.

Bem, então, isso tudo me obriga a se muito comedido. Porque sendo comedido — está contido na palavra “comedimento” —, não passarei da medida. E não passando da medida, evidentemente, eu estou mais próximo da vontade de Deus.

E eu pesando muito maduramente os prós e os contras, e agindo na incerteza em que Nossa Senhora me deixa, eu faço aquilo que me é possível. Mais do que isso eu tenho certeza que ela não pede de mim.

De onde então, toda a minha vida de pedidos e, portanto, também das intercessões sensíveis dela no que me diz respeito, tudo isso deixa um traço mínimo na minha “panoramática”.

Eu não sei se querem me perguntar algo a esse respeito, ou como é, como não é?

(Sr. Gonzalo Larraín: Mas isso se aplica também para os desejos do senhor em relação ao Reino de Maria?)

Qualquer coisa. Para tudo. Para tudo, nesse sentido que eu quero incessantemente o maior bem da Igreja. Para isso que eu vivo. Mas, se Nossa Senhora quiser, por exemplo, que eu morra sem ter visto o Reino de Maria, depois de ter desejado e esperado vê-lo a vida inteira, eu morro tranqüilo. Porque Ela terá querido de mim esse último holocausto.

(Sr. Gonzalo Larraín: Mas, por exemplo, evidentemente o senhor deseja que a devoção a Nossa Senhora chegue ao mais alto grau que possa atingir no Reino de Maria. Isso o senhor pede, ou não? Ou então, que o “tal enquanto tal” tenha toda a sua expansão...)

Isso eu tenho como tratado entre Ela e eu. É outra coisa.

(Sr. Gonzalo Larraín: Então há outro campo aí, das coisas que são tratadas entre Ela e o senhor.)

Verdadeiramente é assim: São Luís Maria Grignion de Montfort diz isso do Reino de Maria. E vê-se pelo Tratado dele, que ele acha e que ele sabe que chegará até esse ponto. E Ela, Nossa Senhora, sabe que se eu não tivesse essa esperança, eu não teria tanto entusiasmo. Porque o Reino de Maria no chuvisco e na penumbra, se Ela quiser, eu quero. Mas eu não sinto as graças para trabalhar por isso, como pelo Reino máximo de Maria.

(Sr. Gonzalo Larraín: Mas então, como já está tratado, o senhor não pede.)

É, não peço.

(Sr. Gonzalo Larraín: Mas isso é um outro campo fabuloso, que são as coisas tratadas entre Ela e o senhor.)

São algumas coisas... Por exemplo, que virá a Bagarre, que virá o Reino de Maria, que virá o Grand Retour, etc., são coisas que eu nunca peço, porque eu tenho como certas dentro do clima de esperança que fundaram a minha movimentação toda.

(Sr. Gonzalo Larraín: Então, que o Papado e a monarquia cheguem ao seu apogeu, já faz parte do Reino de Maria e, portanto, incluído no pedido do trato.)

No pedido do trato. Depois, você está vendo que tudo isso não foi concebido romanticamente. Eu, com a mão no peito pensando. Mas é na calma que eu estou sentado nessa cadeira.

(Sr. Gonzalo Larraín: E isso foi sempre assim?)

Foi sempre, desde menino. Assim é a coisa. Se quiserem me perguntar mais algo a esse respeito, eu estou à disposição.

(Sr. João Clá: Sobre Elias, o senhor pede a vinda de Elias?)

Não. Mas aí é pelo outro lado. É pelo muito incerto. É pelo fabuloso e pelo muito incerto. Mas eu desejo imensamente a vinda de Elias. De Elias e de Henoc.

(Sr. Poli: Há a outra parte da pergunta, que é até que ponto a Sra. Da. Lucilia vai ajudar.)

Não, mas está nisso. Que ela vai ajudar no máximo, eu sei. Até que ponto esse máximo será visível por mim, ou pelos que me circundam, eu não sei. Só uma coisa eu pedi a ela, e pedi a Nossa Senhora, foi quando ela morreu. Eu estava sarando de uma doença pesada, todo mundo sabe disso. E eu pedi o seguinte: eu sabia que a morte dela se daria, e deu-se. Está bom. Eu pedi que as condições em que essa morte se desse, não fossem por demais traumatizantes para mim, de um lado.

E pedi também... nem sequer pedi para se adiar a morte dela. Que ela tinha chegado a um estado de ilucidez e de desgaste, que continuava a ser que ela era para mim, um contínuo encanto, mas continuava a ser que eu percebia que para ela a vida era um fardo cada vez maior. E quando ela morreu, eu pedi outra coisa. Eu disse a Nossa Senhora: “Em nome que eu tive toda vida com ela, em nome do afeto enorme que eu tive por ela, e em nome de todos os sacrifícios que eu fiz por ela em minha vida, eu pela primeira vez vou propor uma coisa, pedir uma coisa: me seria muito duro além de todo limite, imaginá-la muito tempo no Purgatório. Então, eu suplico que eu tenha um sinal qualquer de que ela saiu do Purgatório.”

Bem, mas também isso eu esperei na calma, na tranqüilidade. E aquilo que se deu na igreja de Santa Teresinha, para mim foi claramente o sinal. Mesmo o jeito [de] aquela luz ir embora é tão parecido com o jeito dela andar e sair de um lugar, que é uma coisa que não sei o que dizer. Só faltava ela aparecer e andar, e eu ouvir o barulho dos passos dela. Só faltava isso.

E aquilo me aliviou muito. Aquilo não quer dizer que ela tivesse acabado de sair naquela hora. Podia ter sido. Mas é que tinha saído.

(Sr. Poli: Ou que não tenha entrado...)

Não. Eu pedi “que tinha saído”. Porque Santa Teresa de Jesus, a grande, foi vista por uma mística, entrando até o Purgatório, fazendo ali uma genuflexão para pedir perdão, e depois sair. Isso, Santa Teresa de Jesus! Que eu tenho na conta que você sabe, grandíssima, imensíssima, incomparabilíssima, etc.

(Dr. Caio Vidigal Xavier da Silveira: Mas Santa Teresinha o senhor já disse que não passou pelo Purgatório, não é?)

Tenho certeza. Teve um Purgatório em vida. Isso para mim, na história dela, é claro. Eu não tenho essa certeza de mamãe. Em parte por minha causa. Porque eu adocei tanto a vida dela! Santa Teresinha não teve isso.

Agora, eu não tinha o direito de dizer o seguinte: “Eu estou acumulando Purgatório, e por isso vou tratá-la com frieza”. Porque não me cabe a mim, ser o látego de minha mãe!

Bom, assim são as “panoramáticas” da vida interior. E a gente deve tocar os panoramas da vida interior assim.

(Sr. Gonzalo Larraín: Essa posição de alma tem que tocar muito a Nossa Senhora.)

É uma coisa que eu nunca tive o direito de me perguntar: como é que Ela toma isso. Eu faço o que devo. Sei que Ela é mãe, mais do que ninguém é misericordiosa e, portanto, mesmo todo o afeto de mamãe por mim, não da nem de longe o afeto d’Ela por cada um de nós. É o que diz São Luís Maria Grignion. E, portanto, por mim também.

Agora, eu teria medo de me deter nisso, e de não retesar o arco tanto quanto devo. É meu modo de... meu modo pessoal. Não quero dizer que seja a obrigação nem o modo de ser de nenhum de vocês. Mas é como eu devo fazer.

(Sr. Poli: Agora, pela situação que nós assumimos em 1967, nós devemos proceder em relação ao senhor, como o senhor procede com ela. Pedir o que o senhor quer, não pedir o que o senhor não quer...)

É muito bom o que você diz. Mas eu compreendo que para certas almas haja conformes, haja uma porção de coisas. Eu compreendo. Compreendo largamente, facilmente. Porque o mundo das almas é riquíssimo.

Mas eu queira insistir no seguinte: vocês vêem que no fundo esse tipo de lógica, com as devidas adaptações, eu aplico a todo o meu modo de pensar, em tudo. Quer dizer, é uma impostação lógica, razoável, serena. E acabou-se!

(Sr. Gonzalo Larraín: A derrota total da Revolução, o senhor não pede também? Já faz parte do trato com Ela?)

Não. Isso está no quadro. Quer dizer, não, espere um pouquinho. Que seja a derrota total mais humilhante, “tá, tá, tá”, faz parte do trato.

(Sr. Guerreiro Dantas: Há umas coisas que o senhor tem como sendo tratadas já de antemão com Nossa Senhora...)

É. Tratadas nesse sentido de algum modo, desde o começo do meu ser, eu conheci que isso via ser assim. Vamos dizer, por exemplo, eu contei já várias vezes aquele episódio minúsculo de eu encontrar uma brochurinha à venda na Estação da Luz sobre Carlos Magno, não é?

Bem, de fato eu nunca contei a reação inteira que eu tive. Ma a reação inteira foi a seguinte... ou já contei e não me lembro. Mas eu acho que não contei: “Era este que eu procurava, e era este que eu esperava!”. Você está vendo que nisso tinha uma voz interior dizendo: “Você vai ter isto! Quer dizer, a sua meta é esta, e a sua vitória vai ser parecida com essa.”

Agora, eu devo estar disposto a não figurar entre os vitoriosos. Porque qualquer apetite de glória carolíngea para mim já faria com que eu não estivesse na linha do D. Chataurd, do desprendimento completo que é a condição do apóstolo. [Vira a fita]

E depois, D. Chataurd, ou a gente toma a sério, ou frustra a vida. Quer dizer, precisa tomar até as últimas conseqüências, não tem remédio. É assim. E nem a minha é compreensível, nem a de vocês é compreensível se, por exemplo, no que diz respeito a D. Chataurd vocês não tomarem essa posição.

E mais ainda: todo esse vai-e-vem que se dá conosco, a coisa vai para frente, vai para trás, etc., no total progride, mas progride muito, e esse muito é insuficiente para a tarefa que temos que realizar. Porque é assim dados os meios que nós temos que nós temos para avançar, nosso progresso é espantoso. Dado o tamanho do adversário que nós temos para derrotar, é um progresso liliputiano.

Nisso, nós temos que ter toda calma, nesse ponto, se formos inteiramente desapegados, o que Nossa Senhora quiser se fará. Nossa ambição pessoal não criou obstáculos a isso. Isso eu acho de uma importância fundamental.

São coisas que...

(...)

...que isso houvesse de edificar a vocês assim. Nunca imaginei.

(Sr. Gonzalo Larraín: E Nosso Senhor, os pedidos d’Ele não eram assim? Porque parece que Ele não pedia muito.)

Ele tem aquele famoso pedido no Horto das Oliveiras. Porque, você veja o seguinte: o problema d’Ele no Horto das Oliveiras, tanto quanto um sol possa ser comparado a um grão de areia, tem uma certa semelhança com esse problema. Porque é o problema da dor a sofrer por um indivíduo e, depois, se Ele pede ou não pede. O que é que Deus quer d’Ele? Diante da visão inteiramente clara da enormidade que Ele tinha que sofrer. Porque Ele estava vendo, a Humanidade d’Ele estava recebendo a comunicação inteira da imensidade do que Ele tinha que sofrer.

E havia ali um problema, que era fazer com que a Humanidade d’Ele, que não tinha força suficiente para agüentar, o que é que... [ilegível] ...incondicionalmente, ou fazer o quê?

Mas, note que isso parece... eu digo com espírito genuflexo, e com toda a adoração possível, eu digo isso: que houve uma espécie de... eu não poderia dizer debate, mas de prós e contras interiores que a Humanidade d’Ele encarou, para que Ele chegasse a suar sangue de terror diante do que ia acontecer, e só em determinado momento pedir para que, se fosse possível, não acontecesse.

Porque o que Ele viu foi tão tremendo, que no começo da visão da coisa dava para Ele pedir para não acontecer. Eu não sei se vocês pensam como eu, que parece ter havido alguma coisa... Ninguém pode saber como eram as relações da natureza Divina com a natureza Humana, na unidade de Pessoa d’Ele. Mas, era uma coisa que parece ter tido um pró e contra na consideração do fato, parece ter havido um pró e contra.

(Sr. João Clá: Ele tinha duas vontades.)

Sim, tinha a vontade Humana e a Divina, mas hipostaticamente unidas, não é? É muito misterioso. Transcende — como, aliás, é explicável — a todo o nosso intelecto. Mas Ele deixou transparecer algo.

Bem, quando Ele pediu, qual foi o fruto do pedido? A gente vê que aquele: “Pater, si fieri potest, transeat a me calix iste” (Mt. 26, 39.); é porque a Humanidade santíssima d’Ele não agüentava! Depois de ver, de pesar, de medir, etc., com a torrente de graça que a Humanidade d’Ele tinha recebido até aquele momento — você pode imaginar o que era essa torrente de graças —, com essa torrente de graças, entretanto, Ele não agüentou.

(Sr. João Clá: Ele disse aí: “O espírito está pronto, mas a carne é fraca.”)

Acho que não foi. Mas ali?

(Sr. João Clá: Sim, bem nessa frase.)

Bom, então você veja, ainda mais isso.

(Dr. Edwaldo Marques: Ele foi buscar o auxílio dos Apóstolos.)

Antes de fazer a oração. Eu digo outra coisa. Pela idéia que eu tenho, aquele “Meu Pai, se for possível, afastai de mim esse cálice”, Ele fez depois de até os Apóstolos terem renegado a Ele, terem estado dormindo. É a idéia que eu tenho, não sei se estou certo.

Depois, é mais lógico, para a nossa vista humana, que tenha sido assim. Mas, aí entrou, parece ter entrado o por onde Ele estava na ponta de si mesmo, nesse estado em que Ele viu que não agüentava: “Se Eu estou nesse estado e não agüento, Eu vou pedir em todo caso que se dê, se Ele não quiser me dispensar. Porque Ele, então, me ajudará”. É um ato de confiança o mais perfeito que se possa imaginar, Ele fez.

Agora, pode imaginar a impressão da Humanidade d’Ele, evidentemente nesse momento com a comunicação com a Divindade meio posta na aridez, vir chegar um anjo do Céu — uma criatura d’Ele! — e descer até Ele, e entregar o cálice para Ele beber.

Agora, Ele bebeu, e o problema se resolveu. Ele agüentava.

E a razão pela qual eu exatamente tenho essa atração particularíssima para essa meditação, é por causa do debate de alma — n’Ele não se pode falar de um debate —, nessa ponderação do pró e do contra dentro da alma d’Ele, de que Ele nos dá um exemplo Divino aí.

(Sr. Paulo Henrique: O pedido que devemos fazer, portanto, o pedido que o senhor faz, seria só nessas horas extremas, então?)

Não, não. Você vê, por exemplo, aquilo que eu pedi para saber que mamãe deixou o Purgatório, foi uma coisa muito... não tem comparação com aquele auge em que Ele estava. Mas são das tais coisas da vida interior: eu conheci que eu devia pedir.

(Sr. Paulo Henrique: E pedidos desses se pode fazer por isso... Porque a impressão que a gente fica, com esse exemplo de Nosso Senhor, é que Ele nos ensinou a pedir, mas também só quando chega na hora muito extrema...)

Não, não, não, não! Aí não é. Pelo contrário, você vê que Ele justifica, e incita a pedirem a Ele, em toda espécie de hora. As bodas de Caná, não era a hora extrema. É só porque Nossa Senhora estava com pena daquele pessoal, Ela pediu, Ele deu. Quer dizer, eu estou longe de dizer isso.

Eu tenho um trecho aí, estou para mostrar para vocês, marcado, do que Santa Teresa de Jesus diz que São José concedia a ela. Está com o Fernando Antúnez, para o fim de uma reunião do MNF, dou também para meu Merizalde, se me lembrar... Mas você me lembre, meu filho, porque você sabe que pode contar comigo para várias coisas, com a memória você sabe bem que não conta.

Bom, mas então, o que Santa Teresa diz que Nosso Senhor falava com ela, e dava para ela, uma coisa extraordinária. Eu fiquei empolgado quando eu li aquilo. Você conhece o negócio de São José Parlero, não é?

(Sr. Paulo Henrique: O senhor nos contou um dia aqui.)

Você conhece, Luiz Daniel?

(Luiz Daniel Merizalde: Não senhor.)

Ela pertencia a um convento. Deixou esse convento para fazer as reformas, porque o convento não queria se deixar reformar. Em certa altura ela foi eleita a Superiora, ou a Abadessa desse convento. Então, ela voltou para tomar conta do convento. E nesse convento havia uma imagem de São José, que se conserva lá até agora. O João e eu vimos juntos essa imagem.

Essa imagem chama-se: San José Parlero. Porque quando ela voltava para o convento, a imagem contava para ela às irregularidades que as freiras tinham feito. Era São José que falava com ela. E eu tenho uma fotografia de São José Parlero. Osculo todo dia de manhã e à noite, porque fiquei muito attaché no assunto. Completamente attaché no assunto.

Bem, mas você está vendo, são ajudas extraordinárias que Nossa Senhora dá, conforme a via de cada alma. Cada alma tem sua via.

(Sr. Gonzalo Larraín: Dada à impostação de alma do senhor, que tem que agradar a Nossa Senhora enormemente, em função d’Ela nós podemos pedir o que necessitamos. Porque se nós temos os defeitos que temos... pedindo tanto como pedimos, se formos deixar de pedir... Não sei se a impostação da coisa é certa.)

Quer dizer, a minha dúvida é a seguinte: você fala de novo dos méritos dessa impostação de alma. Eu fico assim... porque eu não olho para os meus méritos, eu deixo isso de lado. Não vou dizer se tem mais mérito ou menos. É uma coisa que acontece.

(Sr. Gonzalo Larraín: Mas quanto ao pedir...)

Ah! Não. É evidente, deve pedir. E eu mesmo dou o exemplo de coisas muito menores, eu peço. Vamos dizer o seguinte: a alma de cada um de nós é um harmônio, e Nossa Senhora executa em cada alma uma partitura distinta.

Bem, meus caros, não me levem a mal, eu preciso ver um pouco a hora. Chegou a hora, eu tenho que me deitar.

(...)

Nós não temos tempo de tratar hoje. Os anjos bons parecem que no Céu tiveram alguma coisa desse gênero. No Céu não podiam ter, porque eram felizes. Ma a julgar por alguma coisa do Gênese tem-se a impressão que eles tiveram uma certa vacilação. E que quando São Miguel levantou o brado, eles seguiram. Era possível uma vacilação assim no Céu, uma vez que eles eram anjos?

É verdade que eles não estavam confirmados em graça, mas também não pecaram, não foram para o Purgatório. Como foi isso? É uma bonita questão.

(Sr. Paulo Henrique: Porque vacilar, podiam, tanto é que os outros não só vacilaram como caíram.)

Pois é, mas a questão é que os outros que vacilaram, não pecaram. Como é que pode vacilar sem pecar? Como é isso?

(Sr. Paulo Henrique: É um ponto que precisava ser definido.)

Lindo! Cornélio com certeza trata disso. Mas isso fica para a Gruta!

(Sr. João Clá: O senhor vai ter que resolver muita coisa que o senhor deixou para o Cornélio resolver...)

Ah! Sim! “Hahaha!”. Vamos rezar!

* * * * *