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CONVERSA DE SÁBADO À NOITE — 25/3/89 — Sábado

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CSN 25/3/89 — Sábado Homens do presente que apresentam pulchruns do passado que os antigos não viram, e apontam para o futuro — Quando sabe-se explicitar o passado e o presente, compreende-se a verdadeira rota do futuro

I. Nosso Senhor: ida ao inferno para obrigar a todos a Lhe prestarem a homenagem devida

gáudio de Nosso Senhor, e a vitória d’Ele, etc., etc. Você sabe que há teólogos que dizem que essa história de dizer que desceu aos infernos, que Ele desceu às regiões inferiores todas. Portanto, é verdade, Ele esteve no limbo. Depois passou pelo purgatório e libertou uma quantidade enorme de almas. Depois foi ao inferno para obrigar a todos a Lhe prestarem a homenagem devida.

Eu fiquei muito contente quando eu soube disso. Mas é uma coisa muito bonita.

Então, o que é que temos para hoje, o que é que há, como estão as coisas?

II. Aurora boreal, um sinal muito considerável (Sr. JC: Apenas uma coisa, antes da pergunta. Uma frase que o Sr. disse em Amparo, durante um almoço, no dia 9 desse mês: “Eu tenho impressão que dos dois lados a partida está jogada. E que tudo está pronto à espera de que Deus entre no jogo. E procurando interpretar os menores fatos, respondendo à seguinte pergunta: nessa preparação da entrada de Deus Nosso Senhor no jogo, quanto falta, o que é que falta? Há algum sinal precursor?” E três dias depois houve a aurora boreal.) Que bonito, não é? Muito bonito. Eu acho que essa aurora boreal, ainda mais com os dados comparativos que foram tomados com a aurora boreal de antes da 2ª Guerra Mundial, depois com o fato de abranger Cuba, etc., etc., é uma coisa que evidentemente não pode se tomar como uma certeza, mas deve ser tomada em muito séria consideração! Isso eu acho, muito, muito séria consideração! Para que efeitos? Para todos os efeitos! São tantos os efeitos que a gente não sabe o que dizer. Mas é para toda espécie de efeitos. Assim se deve ver a coisa. Bem, o que é que tratamos hoje? (…) III. Chateaubriand, julgando que com a Revolução Francesa seria o fim do papado …delegação da França no tempo em que Pio VI ou Pio VII foi retirado de Roma, por ordem de quem governava a França — seria, portanto, Napoleão nos primórdios do governo dele, ou seria a Revolução mesma, sans-culotte e sem vergonha, no tempo de Pio VI — mas ele [Chateaubriand] viu sair o Papa com o esquadrão de cavalaria, carruagem, etc., para levá-lo embora preso para a França. Ele viu sair o Papa com passo apressado, e uma guarda pontifícia ajoelhar-se e prestar honras a ele. Porque as honras militares eram prestadas de joelho. E ele passou com o passo rápido, muito preocupado, distraído, e deu uma bênção de passagem, como quem responde a um cumprimento, entrou no carro, bateram, ele seguiu. Então, ele tem uma exclamação assim: “Elle est donc finie, cette race des Césars spirituels” — Acabou a raça, quer dizer, a linhagem, a estirpe espiritual, desses Césares espirituais, que eram os papas. Porque eram Césares, através do poder espiritual, mas eram realmente Césares. E ele mesmo diz que quando — há alguma bolostroca de dados, a coisa como está na minha memória é assim — que quando Pio VII foi eleito, foi uma surpresa para a Europa inteira. Ele foi eleito naquela ilha em Veneza, San Giorggio, num convento de beneditinos lá. Ele foi eleito lá. Que quando se realizou esse conclave, que ninguém acreditou que ainda se elegesse um Papa no mundo. O papado parecia uma coisa quebrada, e que nunca mais existiria. Ora, no momento em que Chateaubriand presenciou essa cena, a gente percebe nele uma espécie de resignação de que não haveria mais o papado. Bem, e o cântico de morte bonito, até faustoso, que ele cantou sobre a sepultura do papado. IV. Para o Sr. Dr. Plinio a certeza indefectível de que sempre haveria papas, do contrário tudo quanto há de belo no mundo se apagaria Mas ele não compreendia que tudo quanto há de belo no mundo se apagaria se deixasse de haver papas. Era uma coisa irremediável. Mais valia a pena acabar o mundo imediatamente, para não ter violação a promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo de que as portas do inferno não prevaleceriam contra a Igreja. E, pelo contrário, eu poderia ser um menino de 10 anos, que se eu presenciasse essa cena, eu diria: “Não é verdade! Vai haver Papa!” Isso você tem certeza. Não é verdade, vai haver Papas. Por quê? Porque há uma certa luz que eu vejo, e que banha todas as coisas, e sem o papado seria uma coisa… Seria dizer que o culto ao Sagrado Coração de Jesus é falso, seria dizer qualquer coisa assim. Uma loucura! Então, não é! V. A indiferença ante o fim do maravilhoso leva a um fechamento para o Sr. Dr. Plinio Agora, para muitos isso não faria diferença. Inclusive para gente que no dia seguinte ia comungar. Porque isso é assim. Para gente que estaria fazendo uma Ladainha ao Sagrado Coração de Jesus, para conseguir que uma calosidade suspeita que se formou no côncavo da mão, passasse. Para o que estão também fazendo passar um óleo de eucalipto, ou sei lá qualquer dessas benzeduras desse gênero, e rezando para o Sagrado Coração de Jesus. E seriam capazes de ficar maravilhados de a calosidade passar; e se no dia em que essa calosidade passasse definitivamente, fosse eleito um Papa contra toda esperança, eles mais louvariam a Deus por causa da calosidade do que o Papa que se elegeu. Vocês conhecem pilhas de gente assim. Bem, agora, isso tem um reflexo. Porque isso é toda uma ordem de realidade. Mas no momento em que o indivíduo diz: “Não, isso não é assim, pelo contrário, e não sei o quê, não sei o quê”; No momento em que o indivíduo diz isso, fecha-se um guichê da alma dele para mim. Não tem por onde escapar. * Indiferença ao fim dos vitrais (Sr. Poli: No momento em que o indivíduo?..) Fecha uma escotilha, um guichê da alma dele para mim, quando ele diz: “Não, isso aqui tudo…” Pode dar-se nas ocasiões mais variadas. Vamos dizer, por exemplo, a abolição dos vitrais. Isso é uma coisa na qual você pode ver um progresso, no tal ponto de vista. Porque tem mais transparência, entra uma luz mais natural. Com a entrada dessa luz natural talvez entre mais o sol. E a entrada do sol talvez expulse certas umidades, tenha certos efeitos higiênicos favoráveis, etc., etc. No total pode se conceber que a entrada da luz o sol concorra para uma maior beleza de alguma coisa. E, portanto, você poderia conceber, por exemplo, em tese eu conceberia, uma Capelinha na Suiça, no meio daqueles montes, que fosse toda construída com vidro transparente. E que pudesse lucrar em ser construída com vidro transparente. Para essa pessoa, a abolição do vitral podia ser uma vantagem. Mas vocês estão vendo que eu choro com toda a minha alma, e de modo inconsolável, o desaparecimento dos vitrais. Agora, por quê? Porque o vitral traz consigo uma sacralidade que exatamente tem as vantagens opostas às vantagens da iluminação comum, que ajuda as almas a entrarem na clave certa. Enquanto a luz do dia, não. * Apagada a luz do maravilhoso a censura e repulsa ao mal diminuem

O Chanteclair canta isso: “O sol sem o qual as coisas não seriam senão o que elas são”. E é muito bem…

O Claude Lorrain — eu gosto tanto do Claude Lorrain! —, ele pinta panoramas marítimos, ele pinta coisas desse gênero de toda ordem. Às vezes muros leprosos, com um molequinho brincando ao pé do muro, mas um sol em cima que é um sol maravilhoso, e que faz do menino não um menino de ouro, mas um menino sobre o qual pousa uma luz de ouro.

E tudo isso são símbolos da presença dessa luz para a gente ver as coisas. Quando essa luz sse apaga, a atitude perante a Bagarre muda. Depois, muda forçosamente, não pode deixar de mudar. Como é que pode não mudar? Porque a partir de você não considerar a Bagarre, você fica insensível ao mau odor da imoralidade, da imundície moral que há por aí. Porque uma coisa vem ligada com a outra. Apagada essa luz a censura ao mal diminui; a repulsa ao mal também se eclipsa. E a pessoa não vê as coisas como são. O mal que está, a pessoa não vê.

* Quando não se sente a necessidade de que o mal seja punido e o bem vença, o Sr. Dr. Plinio e a Bagarre perdem a razão de ser

(Sr. GL: Nenhuma combatividade maior, nada.)

Nada. Pode deplorar teoricamente, assim, por exemplo: “É uma pena que se chegue a essa disseminação da coca; é pena que se chegue a tais vícios, a tais deteriorações. É uma pena”. Mas é uma pena como poderia ser uma pena se todos os homens começassem a nascer com um dedo a menos na mão, depois com dois dedos. Mas, eu por exemplo, não faria disso uma tragédia para mim, individual. É uma pena, mas eles que se arranjem! Eu nasci com 5 dedos em cada mão, eles que se arranjem. Isso é com eles, é com Deus, será o que for. Para mim não é uma tragédia.

Assim aparece o pecado aos olhos desses homens. E aparecendo assim, toda a necessidade da Bagarre, a trans-necessidade de que o mal seja punido, de que o bem vença, que a glória do bem prevaleça, e eclipse, esmague as coisas, etc, não tem sentido. Não tem sentido.

Mas então, eu não tenho sentido, mas toda a Bagarre não tem sentido. De onde uma certa preguiça em considerar a Bagarre, achando que no fundo ela atrapalha, ela não tem tanta razão de ser; e, portanto, também as provas de que ela vem são provas que, no total, têm muito de razoável, mas não são indiscutíveis. E no total, portanto, não adianta estar prevendo, porque se vir, veio, se não vir, não veio!

VI. Revolução Francesa, a grande quebra do lumem da Idade Média Agora, daí vem um conjunto de coisas que é uma torrente. Mas note bem que o ponto de partida inicial é isso. É que todo um lumen que houve na Idade Média, vamos dizer, era um lumen que estava… Você toma, por exemplo, no tempo das catacumbas, esse lumen estava em relação ao mundo como estaria uma lamparina com uma linda chama, acesa numa Catedral tão grande, tão grande, que era uma maravilha olhar aquela lamparina, mas não se via que ela iluminasse toda a Catedral, não se percebia isso. Assim também era no tempo das catacumbas. Mas depois isso foi crescendo, crescendo, enfim deu na Idade Média. Depois foi diminuindo. Mas nos períodos em que ela foi diminuindo ela ainda era muito carregada desse lumen todo. E a grande quebra em que oficialmente o mundo fez o que o pinto faz quando sai da casca do ovo, quer dizer, sair de dentro desse lumen, foi a Revolução Francesa. Mas então há uma espécie de vacilação contínua em nós entre essa posição primitiva, e a fidelidade a esse lumen. Agora, acontece que nesta posição é muito difícil marcar qual é o primeiro que inaugurou um ciclo de pecados coletivos. É muito difícil marcar. (…) VII. A incapacidade de parar o engrossamento dos focos de má influência sem uma ação especial da graça

Em certo momento a gente vê instalada num determinado ambiente uma ação binominal: tam-tam, tam-tam, tam-tam, tam-tam, como se estivessem jogando uma bola de tênis ou uma bola de ping-pong. E a cada vez que uma bola parte de um foco de má influência, e se dirige a outro foco de má influência, lá é recebida e volta, cada vez que se dá isso, isso vai engrossando, engrossando, engrossando, com o seguinte de curioso: é que se não há uma ação especial da graça, não adianta derrubar o binômio, porque cai a casa. Não adianta.

E o que é preciso é apenas estar de pé, Jesus autem tacebat. (…)

VIII. Homens do presente que apresentam pulchruns do passado que os antigos não viram, e apontam para o futuro

Há uma questão assim. Vendo o modo pelo qual muita gente fassura de hoje, como fassura do século passado, reproduz, interpreta e põe em realce as coisas do passado, a gente vê que eles percebem nesse passado uma beleza que a gente se pergunta se os que construíram esse passado viam assim.

* Os castelos espanhóis fotografos por um judeu-alemão

Pega, por exemplo, esse judeu alemão que fez aquelas fotografias dos castelos da Espanha. Você está certo que os homens que fizeram aqueles castelos viam tão claramente aquele pulchrum como esse fotógrafo vê?

(Sr. JC: Prova disso é que os castelos fotografados desde um avião, são belíssimos. E não é possível que os medievais iriam vê-lo dessa altura.)

Não é possível. Uma catedral fotografada de um andar “x” de um arranha-céu ali perto, deixa ver uma beleza que os góticos embaixo não podiam ver. Não é verdade? E nesse sentido, a fotografia, às vezes a pintura, apresentam certas coisas do passado que eu tenho impressão que os do passado fizeram, sem ver inteiramente. Mas que há uma qualquer potência, uma qualquer procura, uma qualquer coisa das almas de certos homens do presente, que apresentam aquilo com uma beleza muito maior do que os do passado viram, e mais ainda: do que eles fizeram.

* Genazzano: o “lumem Christi” se faz ver mais do que os que fizeram notavam Então, de repente, toma por exemplo, o quê? Em Genazzano vimos isso. Foi uma coisa que me comoveu, eu até comentei, não sei se você se lembra, mas Genazzano toda me comoveu muito. E foi primacialmente pelo quadro, mas foi a cidade toda de Genazzano me comoveu enormemente, achei uma coisa extraordinária, aquelas vielas, aquilo tudo eu gostei muito. Você deve ter notado que eu estava gostando muitíssimo. Se eu não estivesse muito cansado, não fosse a hora, e vocês não estarem sendo obrigados a me levar, etc., o frio, tudo, eu por mim teria andado várias vezes aquela cidade naquela noite, se eu pudesse! Teria subido, teria descido, teria tirado fotografias interiores de Genazzano. Havia um prédio em certo lugar de Genazzano, que não me lembro qual é, que eu acho que esse prédio não era perto do Santuário, mas era um pouco mais recuado. Bifurcava uma rua, e aparecia uma janelinha, com um emquadramento romano. É um dedinho de Idade Média aquilo. Idade Média iniciante, porque eu tenho idéia que não era gótico, que era românico. Mas românico já tem o sabor do gótico. Eu não tenho as habilidades para tirar fotografia. Mas se eu soubesse tirar fotografia, eu sei que fotografia eu tiraria de lá. São menos bonitas que as que o João tira, o João arranja um jeito das pedras ficarem verdes no chão, e daí para fora… Isso eu não sei fazer. Mas apresentaria um aspecto. Quem abriu aquela janelinha, a gente vê que teve uma preocupação apenas de arejamento, apenas o lado prático de bisbilhotar na rua quem passava. E, portanto para comadreio, era para ver comadres que olhavam… E falavam de baixo: “Michelina, ecco…”, assim. Tudo isso não obstante, acaba sendo que dali ficou alguma coisa, tomando o Lumen Christi, em que o Lumen Christi se fez ver mais do que os que fizeram notavam. Primeiro dado. * Algo trabalha no fundo das almas para ver muito mais do que os passados viram E segundo dado, a que eu dou muita importância, é que o homem de hoje às vezes vê isso assim. Então, no tempo em que eu ia a cinema, eu via muitas vezes uns apanhados de cenas que se passavam em coisas antigas, em que realmente a coisa antiga aparecia sob uma luz que era de se perguntar se o medieval percebia. De algum modo aquela luz estava na cabeça do medieval, senão ele não teria feito aquilo. Mas tomou um grau de explicitação, que fassures, como o ateu, anarquista, Viollet Leduc, ou então esse judeu que fotografou esses castelos aí, apanhou de um modo enorme; e que é um sinal de que algo trabalha no fundo das almas, para ver muito mais do que os outros viram. * Um futuro nascido da Idade Média, que caminha para muito mais E daí uma espécie — que eu consigo explicitar só agora — uma espécie de mal-estar entre… O mal-estar vinha disso, eu não conseguia definir. É que eu vejo essas coisas todas na linha desse pessoal, e muito mais para frente. E outras pessoas podem vê-las, mais ou menos como os medievais viram. (Sr. GL: E o mal-estar está em que?) Em mim, por não saber dizer isso, e fazer compreender que quando eu falo da Idade Média, eu vejo essa Idade Média vista num futuro que é inclusive tirado de dentro dela, mas que realmente caminha para muito mais. Eu agora vejo. (Dr. EM: Vendo-se Notre Dame, compreende-se algo da grandeza do Sr. E vice-versa.) Agora, você imagine se Viollet Leduc tivesse correspondido à graça, e fosse um homem que tivesse em todas as coisas a visão que ele teve de Notre Dame. Que é evidente que ele não tinha. Tanto é que ele não tinha, que era um anarquista. Você imagine que esse judeu que fotografou esses castelos tivesse tirado todas as consequências que se tira desses castelos, projetando aquela ordem, aquele pensamento, aquele lumen para uma porção de terrenos: Ele veria o futuro. Isso me alivia. * Castelos do Rei Luis II da Baviera: símiles grandiosos de uma arqui Idade Média

(Dr. EM: Tem-se a impressão que o Viollet Leduc viu aquilo, mas que ele pensava que aquilo estava nele. Ele não via esse lumen de que o Sr. fala.)

Lumen Christi. Ah, não, de nenhum modo. Não via de nenhum modo.

Mas tratando da coisa no seu conjunto, a gente percebe o seguinte, portanto. Eu vou dar um outro exemplo, porque é bom dar para o gravador: os castelos sem jeito do rei Luiz II da Baviera. O século dele tinha a tendência a ver a Idade Média e o Ancien Régime com certo esplendor, maior do que teve efetivamente na Idade Média e no Ancien Régime. Ele quis construir os símiles de uma arqui-Idade Média, e de um arqui-Ancien Régime. Foi desajeitado. Mas a gente percebe que os símiles que ele quis construir eram grandiosos!

IX. Quando sabe-se explicitar o passado e o presente, compreende-se a verdadeira rota do futuro Aí é de um certo modo de ver a mais no que ficou. E a partir disso, ir para alguma coisa que ainda é mais. O que, aliás, traz um princípio com o qual eu simpatizo, eu precisaria pensar mais a fundo um pouco nesse princípio para poder elocubrar, mas enfim é o que me parece, em princípio o seguinte. Que em geral o futuro está implícito no presente, e está implícito no passado. E que é quando a gente sabe explicitar o passado e o presente, é que a gente compreende a verdadeira rota do futuro. Então, por exemplo, para a futurologia do meu querido Dufaur, sobre a qual ele vai falar amanhã, se eu tiver tempo, e seu eu me lembrar, eu trato dessa questão, quer dizer: Como é que nós construímos a nossa futurologia, nossa. E então, o homem do presente é, ao mesmo tempo, um homem do passado e do futuro. Quer dizer, se você quiser ver bem a coisa, é um homem da eternidade, em que o passado, o presente e o futuro se fundem, mas numa linha que se inova, porque deve inovar, inova fazendo escavações no passado. * Só na Civilização Cristã é que o passado gera futuro Você quer ver uma coisa muito bonita? A Civilização Cristã é a única que nesse sentido está continuamente irradiando futuro. Mas um futuro que é a explicitação do passado. Você pega a fixidez a que chegaram aquelas civilizações orientais, em certa medida era como naquele tempo em que havia disco, e o disco estava quebrado e começava: “fon-fon-fon, fon-fon-fon…” Sempre aqueles dois sons. (Sr. JC: Isso é a Pérsia, Egito…) China! Mas na Civilização Cristã não. O mais remoto passado irradia uma coisa que se desdobrará até o mais remoto futuro. E é o sentido da coisa perene. O perene é algo que tem para ser explicitado a perder de vista. Não é, portanto, o figé do chinês. É uma coisa diferente. O figé do bizantino… São coisas muito bonitas, mas em que nós, filhos do Lumen Christi, e portanto do Lumen aeternitatis, sabemos ver o que é que se tiraria daí para frente que o chinês não tirou, ou que o bizantino não tirou. * Há pessoas cuja presença na História é cheia de futuro (Sr. GL: Mas isso pressupõe uma vocação do outro mundo. Porque há outros que dos quais não sai nada.) Nada. Você quer ver um característico? A Regina Pernoud. Escreveu coisas excelentes. (Sr. GL: É um modo de ver o passado que traz o futuro. Que modo é esse?) É um passado que evapora futuro continuamente. (Sr. GL: Mas que modo, esse vapor sai de que olhar? Porque há muita gente que olhou santamente para o passado, mas não evaporou o futuro.) Não. Mas são pessoas cuja presença na História, vista por olhos assim, é entretanto cheias de futuro. (Sr. GL: O futuro está na pessoa então.) Está na pessoa. Você toma, por exemplo, uma coisa inteiramente característica nesse sentido, é o Mosteiro da Batalha em Portugal. Eu confesso a você que quando cheguei, e vi aquela planície chata, rasa, mal cuidada, mal arranjada, e no meio uma catedral que parecia construída em função de uma cidade que não existe — foi essa impressão que eu tive — eu fiquei desapontado! Não sei se vocês ficaram… Meu MN, como é que é? Você que nas coisas lusas vê tanto futuro! (Sr. JC: O Sr. dizendo, agora eu me dou conta.) Alguém dirá: “Mas o Sr. não compreendeu que naquele campo se deu uma batalha?” Eu digo: “Compreendo, e é muito bonito. Mas ou há um jeito de simbolizar isso ali, ou naquela calvície de símbolos disso você não tem…” (Dr. EM: Nem sequer foi ali a batalha.) Não foi. Por que é que é lá? Por exemplo, uma coisa que para mim fala enormemente de futuro, um passado evolando o futuro, é a Torre de Belém! A gente não pode negar! Precisa ser um sandeu! Quer dizer, aquilo… (…) * Veneza: o mar a serviço da Fé, e a terra engrandecida por ter adquirido o domínio dos mares Porque do contrário se perde toda a explicitação do resto. Você vê, por exemplo, aquele turismo que vai a Veneza, me massacra, porque vê Veneza como eu vejo esse dente de elefante que o bom Ureta me mandou. O elefante que morreu, que eu não sei qual é, nem nada, eu tenho um dente bonito na mão. Bem, que relação tenho eu com aquele elefante? Nada. Assim os turistas de Veneza com Veneza. Veneza é bonita, vamos ver, vamos apreciar, para chupar o bonito como quem chupa um picolé. Veneza não é isso. Veneza é o quê? É um modo de ver o mar enquadrado numa perspectiva dominada pelo homem, e dominada pelo espírito humano. O mar a serviço da Fé, a serviço da Civilização Cristã, a serviço da terra, e a terra engrandecida por ter adquirido o domínio dos mares. Ali está Veneza! Então, todo o futuro que haveria, se homens com essa mentalidade viesse a dominar os mares. * O futuro ou é uma continuação ou é um delírio (Sr. GL: Vocação e isso. Futuro da vocação; carreira, nesse sentido de ter vento nas velas da vocação, que caminha para frente.) Depois, meu filho, carreira é só isso. Carreira é seguir o rumo do vento que sopra na minha própria vela. (Sr. Poli: Que é um vento santo.) Que é um vento santo. Tudo isso era preciso saber ver bem. Porque também se esse futuro a gente considerar como uma coisa que se separa do passado, já não é mais nada. Ele é uma continuação ou ele é um delírio. (Sr. GL: É um passado que gera um futuro.) Bom, e portanto é um futuro que se gloria de vir do passado, mas que está constantemente nascendo do passado. [Vira a fita] * Pintura do castelo de Sant’Angelo, não é uma simples nostalgia, é um convite para a Contra-Revolução

Falando então do Castelo de Sant’Angelo, pintado no quadro que o LN me deu, que está aqui na minha parede. Então, uma coisa morta, etc., etc., que a gente olha, e dá a impressão de que ela não faz outra coisa senão comunicar uma saudade pungente, bela e inútil, de um passado que não voltará. Ninguém percebe que na medida em que ela mostra que ela comunica uma coisa bela, ela comunica que esse belo que ela manifesta, está em estado de irradiação, e que cria uma nostalgia.

Não é uma simples nostalgia, mas é uma convicção de que não deveria ter sido que isso ficasse assim. E que há um pranto triste nisso, e que esse pranto é um convite para a Contra-Revolução. E que a alma contra-revolucionária que se veja motivada em parte pela consideração desse castelo, essa alma está inalando o futuro que o castelo emite. Isso é assim.

* A bela distinção da liturgia entre tempo e século: Deus, Rei dos tempos e dos séculos (Dr. EM: Nosso Senhor disse que Ele não vinha destruir o passado, mas vinha tomar o passado e transformá-lo em futuro.) Hoje na Liturgia, Edwaldo, há um trecho, eu creio que seria capaz de encontrar, se eu tivesse aquele livrinho aí, em que aclama Nosso Senhor Jesus Cristo — veja a coisa curiosa — como Rei dos tempos e dos séculos. A distinção entre tempos e séculos é muito bonita. Porque na Liturgia não tem palavras inúteis, e que se repetem pro-tro-lo-ló, você pode pegar o que você quiser, que não tem uma palavra inútil que esteja repetindo o que já foi dito. Ela é muito precisa, ela não é espremida, isso ela não é. Ela tem assim o nobre modo de ser de uma matrona. Mas a Igreja não repete palavras. E, portanto, os tempos e os séculos são coisas diferentes. Eu interpreto, não sei se eu tenho razão, os tempos são as eras da História. E os séculos são as centúrias que compõem essas eras. Então, Deus é o Rei de todos os séculos, do século I como do século XV, como do século XX. Mas também Ele é o Rei dos tempos, ou seja, Ele é o Rei da Idade Média, o Rei da antiguidade, o Rei dos tempos modernos, o Rei dos tempos contemporâneos, enquanto, então, Rei perseguido. * Afastando-se de Deus, tudo está liquidado Mas na medida em que é rejeitado, pelo fato de ser rejeitado, reduz à ruína aquilo que o rejeitou. E no momento em que é rejeitado, ele vence arruinando. (Sr. Poli: E uma ruína que não tem futuro.) Não, essa que cai porque rejeitou a Ele não tem futuro. Porque propriamente esse futuro de que eu estou falando, é um futuro que vem d’Ele. É muito bonito esse conceito. Eu me alegro de ter podido dizer isso. (Sr. GL: ele é o autor da vida. Eles podem negar tudo, mas isso não podem negar.) E na medida em que eles negam, eles são punidos porque morrem. (Sr. GL: A pessoa que crê, tem as velas do navio insufladas, enquanto que o que não crê, Deus se retira dali.) Seria como uma caravela portuguesa ou espanhola, atravessando o estreito de Magalhães, ou o estreito do cabo da Boa Esperança. Está bom, vai, etc. Imagine que Deus se retirasse daquilo, a madeira começava a dar bicho. E no dia seguinte o menor ventozinho derrubava o mastro. Afastou-se de Deus! Não adianta nada, está liquidado! Afastou-se de Deus, quer dizer, afastou-se de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Homem-Deus. Pronto. Não venha com conversa, porque é isso. * Atacam-nos porque nós somos uma porta estreita, um desfiladeiro pequeno, mas por onde o vento de todas as coisas que o passado evapora passa e vai para o futuro, sem passar por eles

(Sr. GL: E não é uma visão teórica, é uma visão com luz.)

É tangível. Mas quer ver uma coisa engraçada? Agora eu me dou conta do seguinte. Que as pessoas que têm medo de nós, e que nos difamam com tanta aflição, é porque sentem que nós estamos unidos, e estamos na dependência do Rei dos tempos e dos séculos! Eu acho que é isso. Nós estamos na dependência do Rei dos tempos e dos séculos, e por causa disso eles sentem que, eles queiram ou não queiram, o futuro está se gerando em nós.

Então, eles sentem que nós somos uma porta estreita, um desfiladeiro pequeno, mas por onde o vento de todas as coisas que o passado evapora, passa e vai para o futuro, sem passar por eles. Eles estão à margem daquilo que nós fazemos!

Mas não parece a vocês que…?

(Inteiramente assim.)

E o desespero de nos atacar, vem daí. Por exemplo, você analisando um jornal como o “OESP”, você deve ter notado que é um jornal, exceto quando trata de nós, é um jornal sério. Bem, o caso do Peukert indica o delírio. Porque eles sentem que por nós passa uma coisa que os subverte completamente. Naturalmente, então, eles querem acabar com aquilo.

Então recorrem ao delírio, para fazer o que fazem. Porque fazem! Mas, o que é tudo isso?

É muito bonito, e até grandioso, a meu ver. (…)



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