Conversa
da Noite – 13/8/88, Sábado .
Conversa da Noite — 13/8/88, Sábado
Amor à seriedade — A mentalidade do SDP não foi aceita em 67, por isso as graças demoraram tão pouco tempo
(Dr. MRD: O nome da poesia é “Monges combatentes”… A pedido do Sr.! Comecei em Amparo.)
σtimo!
(Dr. MRD: Ainda falta um polimentozinho.)
Diga lá, meu filho.
* Poesia: “Monges combatentes”
“Monges combatentes”
Houve um tempo em que no Ocidente
Jesus reinava sobre as nações;
Sua Igreja era reluzente,
Brilhavam leis e instituições.
Com luta, oração e santo amor,
Desde Carlos Magno a Cristandade
Sob o manto da Virgem protetor,
Aos povos dava felicidade.
Surge um inimigo: é a Revolução!
Entre a Santa Igreja e os Estados
Provoca funda separação!
Duvidar dos dogmas mais sagrados,
Perseguir sem tréguas a Religião
São seus maléficos predicados.
Hoje está no auge esse plano
Com a Santa Igreja dessacralizada;
Mas poderá haver pior dano
Do que ver a Virgem destronada?
Da Missa foi banido o Sacrifício
Que outrora foi santo e redentor;
E, pasmem!, procura-se no vício
De outras religiões algum valor.
Sacerdotes que a Deus ofendem,
Negando sua missão redentora
De libertar do demônio o homem.
Como se expirar na Cruz não fora
Uma vez o bastante,
pois a querem deturpar sua morte salvadora.
Mas eis que aparece um Varão sacral,
O manto de Elias envergando;
Debaixo da proteção Marial
Este inimigo vai enfrentando!
Sua espada destroça todo o mal,
E a Mãe de Deus vai reentronizando;
Seu exemplo suscita uma caudal
De monges que o combate vai engrossando!
Nós somos os Monges combatentes,
Bem unidos ao nosso Fundador
Plinio que formou as nossas mentes.
Proclamamos com profundo fervor
Para todos os povos e gentes:
Plinio será o grande Vencedor!
(Todos: Muito, muito bom! Fenomenal.)
Hahah! Poeta é poeta, hem meu Marcos?! Até chega a ver a realidade meio exagerada, não é? Hahahah!
(Dr. MRD: Tem uma última estrofe sobre o Reino de Maria, que ainda está pelo meio, mas metade ainda vai:
Anunciamos nossa inconformidade,
Sob a proteção da Virgem combatemos;
Restaurar tudo em Cristo é a nossa vontade,
Com a ajuda de Maria venceremos!
O Reino de Maria será a verdade,
Os resquícios do mal extirparemos,
Será fundada uma nova idade;
Guerreiros da Virgem, comemoremos!
(Dr. MRD: Esta ficou pela metade, falta o finzinho. Mas se tem alguma idéia.)
Está muito, muito bom! Você até vai me dar o original! É claro! Para eu me lembrar… quem sabe se dá para transformar isso em canção, e a gente…
(Dr. MRD: Músico eu não sou…)
Não, mas a questão é a seguinte. É que tem muito músico dentro do Grupo, que pode adaptar isso, fazer uma canção. Eu acho que seria excelente. Está bom! Eu não esperava por esta! Estou com a luva na mão! Hahah! Estou com a luva na mão!
(GD: É fruto das graças de Amparo.)
É verdade hem? Eu tive impressão que vocês lucraram muito em Amparo!
(GD:Ele não contou a história toda. Mas ele na 5ª Feira me disse que não tinha dormido, etc.. Mas como? É que eu me senti desafiado pelo SDP e fiquei pensando… Mas relamente vai na linha das graças de 67, em que a gente ficava noites inteiras conversando sobre esses assuntos, etc., e havia muita alegria de alma.)
Pois aqui está um recomeço! Está um recomeço!
(Dr. MRD: Houve muita intimidade com o Sr. em Amparo.)
É, uma intimidade completa. Completa.
* A dilaceração que produz o fim das estadias em Amparo
(GD: Dava uma certa tristeza quando o Sr. terminava a estadia na 6ª Feira, com o jantar, etc.)
Sabe que sempre que eu encerro uma jornada dessas lá, dá uma certa dilaceração, não é? Porque… não sei, a gente tem impressão que se despede de Nossa Senhora, uma coisa incrível!
(GD: Mas aqui também, no 1º Andar, se não fosse o Sábado à noite aqui, não valeria a pena vir.)
Faça idéia, por ex., porque também certas coisas são assim: fazer lá a reunião de sábado à noite não dá jeito. É uma coisa, não sei por que é que é, nem como é. Olhe que se podia pensar por ex. em fazer no Hotel, qualquer coisa. (Não, de jeito nenhum.)
(Dr.EM: É a história da moldura que o Sr. dizia.)
É, é a história da moldura.
E qual é a pergunta que você ia fazer, meu Marcos?
(Dr. MRD:O Sr. GL é que tinha a pergunta…) (…)
… Mas é o único jeito didático de a gente poder apanhar a coisa é por aí. De maneira que não estranhem da coisa entrar por aí.
* Como era a alegria de viver na “Belle Époque”
É que se se toma as pessoas de uma geração que, sobretudo para os que estão aqui, já muito recuada, mas uma geração que corresponde mais ou menos a uns 20 anos mais velhos que eu, a gente nota que começou nesse período — que seria, portanto, o fim da “Belle Époque”, se quiserem, a parte terminal da “Belle Époque”; seria portanto o fim do século passado e começo desse século — a gente nota que os que eram jovens então, e até então bem jovens, se caracterizavam por uma espécie de obrigação social de mostrar-se sempre alegres, sempre satisfeitos com a vida. E com um certo tom de satisfação, que se poderia caracterizar assim:
A vida é gostosa, realmente na atmosfera da “Belle Époque” a vida era gostosa, sobretudo para as pessoas que tinham dinheiro, que tinham posição, a vida era muito gostosa; a vida vai se tornando cada vez mais gostosa com o progresso, que vai tornando tudo muito mais fácil, mas vai se tornando mais gostosa também com uma espécie de democratização da vida, que acaba com as barreiras, acaba com as fórmulas, acaba com qualquer coisa de ascético que existe na vida social, e que vai tornando tudo cada vez mais entregue à imaginação, à fantasia e ao “laisser faire”.
De tal maneira que todos estavam na expectativa de um mar de felicidade que o progresso — entendido nesses vários aspectos conjuntos — trazia para os homens. Isso era o bom tom, e era preciso ter isso.
* Essa alegria “blindava” contra os “azares” dos tempos anteriores
Isso era acompanhado de uma posição seguinte. Que quem participa do banquete dessa alegria universal, este fica meio blindado contra certas coisas que o homem tinha no passado. Então, doenças graves, infortúnios inesperados, perdas de patrimônio, essas infelicidades que a vida traz, não aconteceriam para quem fosse assim otimista e participasse da grande dança universal, do grande saracoteio universal. E, pelo contrário, quem tivesse o estado de espírito anterior, ficava na melancolia, na tristeza e no azar que os antigos tinham
* E era incompativel com a mentalidade dos antigos tempos
De maneira que o que ia dentro disso era a idéia de que também certas qualidades dos antigos, que se reconheciam que eram qualidades, eram incompatíveis com essa visualização, da “new fasions”, do novo modelo de homem e de senhora que se apresentava. E, portanto, vamos dizer, muita cultura, muita educação, muitas maneiras, fortuna fabulosa, objetos de uma casa riquíssimos e apalaciados, tudo quanto fosse pompa ou requinte, que a geração anterior ainda apreciava, tudo isso começa a ser evitado como sendo porta-azar, porta-tristezas.
* O novo estilo das casas: bangalôs
E a baldeação passava a ser a seguinte. Eu não sei se estiveram em Buenos Aires e se viram, mas eu ví lá uma casa de um casal chileno, que era…
(GL: Palácio Razolez. E Anchorena.)
Exatamente. Era um verdadeira Palácio, magnífico. Está transformado em museu. Que os pais dessa geração tivessem esse Palácio, estava muito bom. Mas os filhos, ainda que herdassem com dinheiro para manter o palácio, preferiam não ter. E preferiam ter o que se fazia naquele tempo: ou casa em estilo normando, ou bangalô, mas bangalôs enormes, confortáveis, com todas as comodidades, onde o luxo ia se destacando, migrando. O luxo das salas de visitas ia acabando, ia deixando de haver sala de visita. O conforto do hall ia se requintando. Molas cada vez mais magníficas. A sala de Jantar ia perdendo o aparato, mas, pelo contrário, os banheiros iam ficando fabulosos!
Não sei se notam toda a transição que vai nisso. Então, o que era o ambiente que cercava uma casa dessas era, — aliás, o nosso prédio nos EUA tem algo disso, é algo meio apalaciado da “Belle Époque”, algo essa transição —, por exemplo,ter quadra de tênis, ter piscina, ter toda espécie de jogos. Ter um salão para danças, em que um número pequeno de casais pudesse dançar de um momento para outro numa festoca; vitrola, rádio… começou a haver um pouco mais tarde, mas também super rádio. E as maneiras todas cada vez menos europeizadas e cada vez mais americanizadas.
* Tradição, bom gosto e nivel, no banco dos réus; em holocausto à alegría, à gargalhada,à pagodeira
Isso trazia, era o corolário de uma certa alegria de viver. E que mantivesse essa forma de alegria, que era rir sempre, estar sempre otimista, contar piadas engraçadas… Nunca piadas muito inteligentes, nunca piadas que dessem um grande sopro de qualquer coisa, mas piadas populares, piadas ao alcance dos espíritos medíocres daquela roda, e que nunca elevassem o padrão humano em nenhum sentido para cima.
De maneira que as tradições que ainda houvesse, o bom gosto que ainda houvesse, sobretudo a moral que ainda houvesse — tradição, bom gosto e moral aliadas e sentadas no banco dos réus — isto ia decaindo, decaindo, decaindo. Sempre em holocausto à alegria, à gargalhada e à pagodeira.
Eu não sei se chegaram a alcançar isso, se isso corresponde a uma coisa que viram ou que não viram,como é que é?
(GD: Eu peguei a época que as famílias deixavam de morar em casas para irem habitar apartamentos, onde tudo cai realmente de nível.)
É, exatamente. Mas veja bem hem? Um cair de nível compensado por uma participação maior na superficialidade alegre, otimista e evolucionista universal. E meio exorcizante, que evitava da pessoa ter azares, ter tristezas, ter qualquer coisa assim.
* A evolução última disso era a Sorbonne
A evolução última disso, tinha que acabar na Sorbonne, e a Sorbonne era a aurora da 4ª Rev.. Mas se prestarem atenção, a Sorbonne o que é que foi? Foi uma inconformidade desse estado de espírito com restos de tradição que ainda havia. Foi uma explosão, o estado de espíritos de certos novos caminhou muito mais do que de outros novos. E esses novos incendiaram o mundo com outro estado de espírito.
Mas então, se quiserem, por ex., para dar um exemplo americano, todos os filmes dos anos 20, em que o cinema norte-americano esteve num apogeu indiscutido e único, um monopólio verdadeiro, todos esses filmes participavam desse estado de espírito. E nos anos 30 a coisa sofre uma certa evolução, da qual eu posso falar daqui a pouco. Mas nos anos 20 a coisa é esta.
* O avanço dessa mentalidade analizado nas músicas e nas danças
Então, o jazz-band substituindo a orquestra; o hack-time (?), uma série de danças daquele tempo substituindo até o próprio Tango hem? Dança imoral, mas com um resto de cerimonial, um resto de que eu quase diria pompa, em todo caso de seriedade. O tango é uma dança triste. O tango não é uma dança alegre, é uma dança triste. É uma dança sensual e triste. E não é esta a forma de sensualidade que ia entrar. Ia entrar uma sensualidade que ia caminhar para o “sex appeal”. E o tango não é propriamente, é sensual mas não é o mero “sex appeal”.
No tango há uma situação de alma, que está ligada a uma tristeza e a uma sensualidade. Isto é contrário… Há uma dança que chamava-se “walck” não sei o que… (cameron walck ?) Exatamente. “Cameron walck” (?) é dos anos 20, faz parte daquela alegria dos anos 20. Eu precisaria rememorar…
(MN: Charleston, que é o mais característico.)
Charleston, que dançava assim. Bem, uma série… Por ex., aqueles negros que tocavam o jazz-band, eram os antecessores remotos dos “spirituals”, dos negros que tocam essas danças de hoje, etc., etc.. E essas coisas, como sempre acontece, se cruzavam em sentidos diversos, mas penetrando cada vez mais essa alegria de viver, e essa satisfação.
* Uma “alegria” que crescia a cada geração
E o que ficava meio combinado é que os moços eram assim, e que deviam ser assim. E o moço não assim era um monstro. A moça também. E depois não casava. Porque ninguém queria casar com a família espiritual dos tristes. A menos que tivesse muito dinheiro, então era diferente. Mas do contrário ninguém queria casar com a família espiritual dos tristes. E não queria conservar nada de comum com eles. Esses eram os marginalizados da sociedade.
E quando o indivíduo ia ficando mais velho, ele ia perdendo essa alegria, não porque ele ficasse menos alegre, mas é que a geração que veio depois dele pôs em ação a mesma forma da alegria anterior, mas ainda mais tumultuosa, mais acentuada, mais marcada, por onde os velhos continuavam a se tratar assim, nessa alegria, mas perdia muito porque era sem sabor em relação à mercadoria mais ardida que tinha entrado depois.
* A entrada escancarada da imoralidade, nesse processo
Lá pelos anos 40 — mas não tenho boa memória, não posso garantir se é 40 — mas pelos anos 40 começa a entrar a imoralidade declarada. Então o hábito do adultério, o hábito do divórcio, o hábito da canção imoral. Por ex., antes seria incompreensível num salão de festas de família, cantarem canções imorais. E sobretudo seria incompreensível que as moças cantassem essas canções imorais.
Que eu me lembre, a primeira canção de dança de carnaval, que tinha uma insinuação assim flagrantemente imoral, é uma partitura brasileira, que eu creio que os brasileiros aqui pegaram, não sei se Gonçalo… eu não creio que isso tenha chegado até o Chile, mas para vocês a coisa émuito significativa, eu tenho impressão que todos se lembram aqui, ainda que sejam muito moços para esse tempo, e não sejam do tempo dessa dança, uma dança chamada “O jardineira por que estas tão triste? O que foi que te aconteceu!!…
(Mas é famosa essa música, até hoje se canta isso com entusiasmo.)
Bem, mas qual é o sentido daquela Jardineira? Você prestou atenção naquilo? A jardineira chora porque perdeu a virgindade.
(GD: Eu só me dei conta quando o Sr.comentou isso.)
Refaça a canção, e você vai ver o que é. Porque ou o sentido da música é esse, a jardineira está triste porque perdeu a virgindade, ou a música não tem sentido nenhum.
Vejam como essas coisas entram em passo gradual, que eu ví, eu não estava mais presente porque não frequentava mais sociedade nesse tempo, mas eu ouvia, por ex., numa ocasião em que eu estive no Rio de Janeira, estava hospedado num Hotel, e ouvia cantar num clube próximo, a dança da Jardineira. Não era o carnaval mas era período de carnaval. E eu ouvia então cantar, o salão inteiro, rapazes e moças cantar, mas em altos brados! — aqui se cantava também, exatamente assim, em altos brados — a canção da jardineira.
Mas eram moças, eu percebia pelo tom,etc., que era uma festa de família, não sei de que nível, mas era uma festa de família, um clube de famíli. Mas eu ouvia as vozes dos moços, cantar em altos brados uma coisa que era meio nebulosa. É certo que é esse o sentido quando alguém diz, mas não é certo que alguém perceba. Portanto, não é certo também que as moças percebessem, sobretudo elas, mas também os rapazes.
* Com a imoralidade a alegria se tornava soturna
Mas já era a imoralidade que ia entrando. E aí uma forma de alegria que muda. Que é mais soturna, que é mais tempestuosa, que continua alegre, mas que impulsionada pelos tufões de paixões violentas. O que naquele outro tempo — nos anos 20 — não: era tudo muito leve, muito sem consequência, muito fácil, muito bangalô!
O apartamento que vocês falam tem menos alegria do que o bangalô. O apartamento é isso aqui, por exemplo… (Não, isso aqui não.) Aqui tem outras conotações, mas sala por sala, você toma, por ex., o 2º Andar, não é alegre. Nem o 4º, o pobre 5º andar não é alegre. Não foi quando aquele que dava alegria habitava lá, nem ele era alegre. Quer dizer, tudo mudou para uma outra forma.
* Exemplificando com o bangalô
Mas eu queria me concentrar nesta forma dos anos 30, do bangalô, porque ela ficou vivendo nas formas sucessivas de algum modo, ela não morreu inteiramente. Ela conviveu com essa outra forma que eu falo, assim meio alternativamente, viveu ligada. E aqui é o mais fácil de pegar o ponto que eu ia falar.
Eu vou pedir para o Dér trazer uma fotografia da Igreja do Coração de Jesus grande que tem no escritório, e um santinho de um Padre Kolbe, que está na minha mesinha de cabeceira. Eu vou lhes mostrar uma coisa frisante nesse sentido.
* O contrário dessa mentalidade, na Igreja do Coração de Jesus: sempre voltada para o mais nobre
Mas tomem a fotografia do Coração de Jesus, uma fotografia magnífica, da Igreja — não é do Sagrado Coração de Jesus, é da Igreja — vv. vão encontrar que lá dentro a mentalidade do bangalô não aceita, não tolera, não gosta. Por que? Porque a mentalidade da Igreja do Coração de Jesus é muito voltada para o alto, quer as coisas mais nobres, mais elevadas. É muito séria, muito afetiva. Mas afetuosa, com um afeto que tem certa compaixão. E que é concebido em torno de uma idéia grave da vida, que toca até o céu, que procura preparar o homem para uma vida que é difícil, que tem compaixão do homem, e que é pronta para recolher as lágrimas do homem!
Não sei se vv. vêem o seguinte: a Igreja não é destituida de uma certa consolação de alma. Ela tem certa alegria, entra uma certa luz, mas é uma luz coada, uma luz doce, uma luz harmoniosa, uma luz feita para consolar o homem de alma partida, o homem triste.
Então, é uma luz que traz alegria para o homem sofredor. Na qual o homem sofredor pode se recolher, e tudo quanto ele tem de dolorido na alma, é compensado por uma promessa, por um afago, por uma bondade, por um repouso, por uma distensão, mas que eleva a alma, que leva a alma para um padrão mais alto. Isso é o contrário do bangalô. E o contrário dos anos 20.
* Feita para homens como São Maximiliano Kolbe: um homem sério
Mas é feito para que homens como esse — hoje, São Maximiliano Kolbe — por ex., vão sofrer aí dentro. Esse, entrou numa câmara de gás, para substituir um judeu. E morreu mártir, está canonizado. Mas não sei se percebem a cara séria, a cara pensativa, a cara sofredora, a cara sólida. É um homem, aliás, homem na força do termo.
(Dr. MRD: Mas como se explica que ele substituiu um judeu?)
(MN: SDP, não era judeu não. Era católico, que ainda estávivo. Um católico polonês.)
Ah, estava certo que era judeu. Por um ato de caridade, etc., entende? Eu tinha impressão de que ele aceitou isso para dar um impacto muito grande em todo o campo de concentração, mostrando até onde um Padre Católico vai, e com isso produzir um choque geral favorável sobre aquela gente toda. Porque um impacto desses… até hoje nos impressiona.
(Dr.EM: A coisa foi que fugiu um do campo do de concentração, e os nazistas pegaram 10 e colocaram num câmara de tortura dessas. Se o homem voltasse eles seriam soltos, do contrário morreriam de fome e sede lá dentro. E ele entrou, além de ser pelo que o Sr. está dizendo, entrou para dar assistência aos 10. E os carcereiros disseram que se impressionaram com o fato de que ele foi o único que se conservou inteiramente limpo no meio daquela miséria toda. Ele foi o último a morrer.)
Está vendo? Bem, mas não sei se chegaram a ver todos a cara dele? Um homem desses poderia entrar aqui para rezar e para se preparar para um grande sacrifício assim. Ou, se por ex., ele não fosse aceito, portanto o sacrifício dele fosse recusado, ele poderia entrar aqui para rezar e ser consolado dos fatos dos outros sofrerem isso. Porque tudo quanto é de elevado, quanto é de nobre, quanto é de digno, quanto é de alto, caminha para isto, e a Igreja leva para isto. Mas é uma concepção da vida que não tem nada de comum com a concepção da vida dos anos 20.
Isso está claro ou não? Não sei bem o que pensam a esse respeito ou não? (Muito claro.)
* Como se refletem essas duas mentalidades na Missa Católica e no Progressismo
Nesse contexto, existe muito definido também tudo quanto o progressismo odeia. Então, por ex., a idéia de que na Missa Nosso Senhor renova de modo incruento o seu sacrifício, mas que a Missa é um sacrifício, e que tem uma ligação com o sacrifício da cruz de Nosso Senhor, e que há, portanto, na Missa qualquer coisa de triste e de misterioso, tudo isso encontra sua plena ambientação dentro dessa Igreja.
Mas o saracoteio dessas missas progressistas: “vamos todos cantar, que Jesus vai teretétété, pirimpim, pimpimpimpim”, com um órgão elétrico tocando, está expatriado aqui dentro. Está expatriado, não cabe aqui dentro. É uma profanação aqui dentro.
Mas, de outro lado também, se essa gente pudesse, derrubava essa Igreja, e fazia uma Igreja dessas… eletrônicas, modernas, onde isto cabe.
Bom, outra coisa aqui é a seguinte… (…)
Bem, mas afinal, acaba sendo que por influência de Mamãe, mas por influência da Igreja Católica vista assim na sua integridade, pelo que eu ví de coisas da Idade Média. Tudo isso é um último resto, se quiser, da Idade Média. Um esplendor muito maior, sem comparação, existiu na Sainte Chapelle, existiu em Notre-Dame, sem nenhuma comparação! Aqui existe um último lampejo, quando já é noite, e que a gente ainda consegue ler um pouquinho sem luz elétrica, é um último lampejo de uma longa coisa, de um estado de espírito sério, por ex., como esse!
* Em torno de almas assim sérias, como São Kolbe, como a SDL, os homes fazem o vazio
Bem, mas esse homem, esse São Kolbe aqui, se ele estivesse vivo hoje, e não tivesse feito a proeza que ele fez, quase ninguém quereria saber dele. Um ou outro acharia simpático, para confessor, talvez; para o convívio comum não. Ninguém iria, por ex., um fim de semana convidá-lo para jantar. Estragava tudo completamente. O fim de semana é realmente o que mais prolonga a alegria dos anos 20, hoje em dia, é o fim de semana. A mentalidade dos anos 20 é prolongada a seu modo nos fins de semana.
E isto é um vício que entranhou na humanidade, uma coisa tremenda. E é a razão pela qual havia em torno de Mamãe, como haveria em torno do Pe. Kolbe. Quer dizer, porque é essa seriedade como há em torno disso. Vai um povinho aí que nem compreende nem entende nada disso, e vai porque está essa Igreja aí, é mais perto, eles vão. Mas de si não exprime estado de espírito, não os forma, não tem consonância nenhuma com eles, nem os padres tem consonância nenhuma com eles. Isso tudo é um museu dentro do qual eles fazem uma ação extinta, que é a missa progressista.
* Essa seriedade é o que há na mentalidade do SDP
Agora, há por sua vez parcelas disso, pelo menos, na minha própria mentalidade, no meu próprio modo de ser. E isto convida a uma vida recolhida, uma vida onde a tristeza consolada, luminosa, segura, é o modo de ser próprio, e que tem como consequência uma seriedade, uma estabilidade, e uma espécie de desmentido dessa idéia de que a vida é um prazer, e que é um azar cair fora do prazer; e que, portanto, só nas coisas superficiais, no “week-end” é que o homem encontra seu gosto. (…) (Vira a fita)
… mostrar a vocês, porque não há como as figuras para “saisir” bem a coisa, como foi isso na “Belle Époque”. Mas vamos pegar por enquanto.
* Essa seriedade é o contrário da mentalidade “week-end”: no fundo são duas religiões
Então, como dizia o Marcos, quem se põe nesse estado de espírito, é um demente. E tomando em consideração que hoje a vida vive para o “week-end”, que é o momento em que a pessoa aproveita a vida — o momento do “week-end” — então nós compreendemos que há uma incompatibilidade de ponta a ponta, de mentalildade, entre isso, portanto, isso, e, portanto, isso, com o “week-end”, e com tudo o que o “week-end” nos traz das eras anteriores.
Em última análise, são duas religiões diferentes: uma é a religião do prazer, mas é uma religião meio totêmica, em que certas formas de prazer garantem que os bons acontecimentos vão acontecer, e que a coisa se toca para frente. E que as pessoas que têm a mentalidade “week-end” não são atingidas por certas desgraças. Isto é assim.
(GL: E não são atingidas mesmo.)
De fato o seguinte hem? São menos atingidas do que as outras. De vez em quando estoura um assim… mas esquecem.
(Dr. MRD: Mantém as aparências.)
Mantém as aparências até o fim hem? Eu vou contar o caso aqui, um fato que é característico. Mas houve uma grã-fina aqui de SP, bem do meu tempo, de minha era, que depois de ter brilhado, e sendo ainda rica, apanhou um cancêr, e o cancêr levou com ela alguns anos. E ela durante esse tempo de converteu à Religião Católica. Ficou séria — ao menos pelo que me consta, eu nunca tive muito ligação com ela, nunca me passou pela cabeça de visitá-la nem nada, nem teria propósito, eu não sei portanto — pelo que me consta, ficou uma pessoa séria, direita, inteiramente isolada da família. Apesar de ela viver doente, a família rifou!
Quando ela sentiu que a morte ia se aproximando, ela quis — ela tinha brigado com a família dela antes, e por razões que nem ela nem a família tinham razão, nem nada —, ela quis se reconciliar com todos. Então pediu para a família, pra ir um por um conversar com ela. E eu desconfio que ela queria, de fato, dar uns bons conselhos, na linha da Religião Católica. Dizer: “Eu vou morrer, eu queria dizer a você isso, aquilo, aquilo outro”… (…)
* É por pânico de ser sério que existe tanta resistencia ao Tal enquanto Tal
…o pânico de tomar a posição Padre Kolbe! Não é o pânico de entrar na câmara de gás. É o pânico de ter essa fisionomia refletida, ponderada e séria perante a vida. E se em última análise existe tanta resistência contra o Tal enquanto Tal, é porque o Tal enquanto Tal nos envolve nisso. Quer dizer, esse é o caso.
* As graças de 67 convidavam para essa seriedade
Não se pode negar que as graças de 67, muito jubilosas, poderiam ser vividas aí perfeitamente. Mas elas convidavam a essa atmosfera. Não tem dúvida nenhuma. Com todo o júbilo que se pode conceber aqui, elas convidavam para essa atmosfera. Com toda a quietude, com toda a segurança de personalidade, com toda firmeza, com toda a esperança do futuro, tudo o mais, mas na atmosfera de 67 a mentalidade dos anos 20 — como eu disse que chegou até agora, essa mentalidade “week-end” — não cabia aqui dentro!
De maneira que o indivíduo vir aqui, por ex., de roupa de “week-end”, para assistir uma Missa, degustando o que a Igreja apresenta,e depois tomar um automóvel desses assim para ir para a praia, ou ir para a montanha, não colam bem as coisas.
* E as graças foram embora porque as pessoas não queriam mudar
E foi, a meu ver, o por que a graça de 67 não demorou. Porque ao cabo de algum tempo se deram conta, confusamente, de que era preciso mudar isso. Então não quiseram.
(Dr. MRD: Puxado.)
* Assim, em 67, era um alívio quando o SDP ia embora dos ambientes
Mas meu filho, a tal ponto é verdade isso, que esse A. fazia serviço de mesa, na Fazenda. Era membro do Grupo, e foi convidado para isso, e aceitou. E ele me conhecia muito pouco. Ele veio me conhecer bastante depois que entrou aqui, e está aqui comigo em casa. Depois, conversando comigo, ele me disse que ele notava aquele pessoal todo muito alegre na Fazenda, aquela coisa toda, e uma vez — ele não me conhecia — ele me viu chegar de automóvel, num “week-end” da Fazenda. E que ele notou que aquilo estragou a festa da Fazenda simplesmente! Eu acho que não há um aqui que ponha em dúvida esse depoimento. De tal maneira que receberam muito bem, etc., etc., mas que quando eu fui embora, era visível o alívio! Eu sentia! Eu sentia! A todo propósito eu sentia isso. (…)
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