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CSN — 30/07/88 — Sábado
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A influência da Europa
católica no mundoCSN 30/07/88 — Sábado
A influência da Europa
católica no mundo
Í N D I C E
* Convívio com o Sr. Dr. Plinio no céu empíreo
(JC: Poesia de Santa Teresa: “Mira que te mira Dios; mira que te esta mirando; mira que te vás a morir; mira que no lo sabes quando!”)
Hahah! Tem um fogo não é? Labareda teresiana! Este “mira que te está mirando”, hahah! É uma espécie de redundância, porque “mira que te mira Dios”, sim. Mas “mira que te está mirando”…haha!
Mas então?
(GD: Nós não sabemos se devido às nossas infidelidades, de repente no Céu — que a misericórdia de Nossa Senhora nos leve para lá — ficamos separados do Sr.. Nós queríamos pedir que lá também o Sr. nos concedesse aos sábados à noite uma reunião…)
Hahahah! O pedido é encantador!
Naturalmente uma pessoa que ouvisse com má vontade essa pergunta, esse pedido, objetaria uma série de coisas, objetaria que no céu não há sábado… E que, por outro lado, quem tem a visão beatífica, tem alguma coisa de tão pleno, de tão estupendo, que as graças de Sábado à noite são completamente secundárias a esse respeito, etc, etc.
Isso tudo é verdade, mas a gente compreende bem o que é que seu pedido significa. É que nós tenhamos regularmente um certo contato especial no céu, suposto que a diferença entre nós no céu seja tão grande quanto você imagina. Mas enfim, suposto que, não tem dúvida de que se pode… Vamos dizer, há graças que Deus no céu dá diretamente pela visão beatífica, mas há outras graças que Ele dá através dos anjos, através dos homens, como acontece com os próprios anjos. Os anjos têm a visão beatífica, mas os anjos superiores iluminam os anjos de uma categoria menos alta.
De maneira que se compreende uma coisa análoga. Depois, nós vamos estar no céu empíreo. E no céu empíreo os nossos corpos e, portanto, nós inteiros. Vamos estar num lugar como estamos aqui. Quer dizer, a coisa deve ser imaginada como se nós estivéssemos — porque o Céu empíreo é um lugar como aqui — e que portanto nós estivéssemos sentados num lugar, e nesse lugar todos com graus diferentes da visão beatífica.
Agora, pode-se compreender que à vista de uma vinculação muito ponderável, muito sagrada, muito misericordiosa para todos nós nesta vida, haja também uma vinculação no Céu empíreo. De maneira que eu acho que a coisa vai perfeitamente. Porque uma coisa que equilibra muito a noção de Céu é que as pessoas vão estar sentadas, ou em pé, ou passeando, ou conversando, ou fazendo quaisquer outras coisas, enquanto estão tendo a visão beatífica de Deus no céu.
Então imagina que nós estivéssemos aqui, por exemplo, todos num transe místico altíssimo. E que estivéssemos em contato com Deus, mas ao mesmo tempo em que estivéssemos em contato com Deus, estaríamos conversando entre nós. E que uns contassem aos outros o que estamos vendo de Deus. Isso é o contato comum do céu empíreo. Quer dizer, não se deve pensar que no Céu empíreo nós estamos com os corpos meio mal postos dentro das almas, a coisa meio torta. Não. É assim. Nossas almas vão estar nos nossos corpos como estão aqui. E depois estão em lugares. Nós vamos passar a eternidade em lugares físicos. Mas com a nossa alma vendo a Deus face a face continuamente. Isso vai ser o céu empíreo.
E compreende-se que no céu empíreo possamos ter um contato especial, uma ligação especial, etc, etc, como com outras almas que nos fizeram bem. Por exemplo, aquela Madre Dolores que morreu, sacrificando-se por nós recentemente. Outras almas que nos quiseram especialmente… Madre Letícia… Também a Dona desta casa, não é?
No céu empíreo é assim, não sei se haverá casa, mas é admissível que haja. Mas imagino que fosse…
(GD: O ambiente dessa casa por exemplo, fazê-lo no céu.)
E com matéria do céu empíreo. De maneira que não haverá tecidos nem produções industriais, mas haverá, não sei, com folhas de árvores, passando a mão em folhas de árvores compor uma coisa maravilhosa, mais do que qualquer tecido. Fazer um mobiliário forrado de lírios do campo!
Alguém dirá: não há vegetais no céu empíreo. Devagar! Aquele livro do Abbé Debroye (?) com “imprimatur”, etc, etc, põe tudo isso em discussão. Nós nos sujeitamos evidentemente ao que diz a Igreja…
Não está assente que haverá, mas que também não haverá… O que parece é isso, ao menos até o livro do Abbé Debroye. De lá para cá não sei como é que o assunto caminhou entre os teólogos.
(JC: O Pe. Royo Marin defende a tese de que haverá comida, etc.)
Ah, o Pe. RM defende é? Você teve que tratar isso com ele? (Claro.) É, e para mim isso me enche a alma, porque é como eu concebo o céu empíreo.
(GD: Poderemos estar com a SDL também.)
Você imagine que ela pudesse, por exemplo, entrar aqui agora na sala. E que saudasse todos, eu apresentasse, ela dissesse: “Não, eu já conheço muito lá na minha sepultura… Vamos sentar e conversar todos juntos, etc, etc..” Como seria uma coisa boa! No céu empíreo pode haver tudo isso. De maneira que o pedido me é muitíssimo grato, e eu devo acrescentar que, não sei por quê, especialmente as graças da última reunião me impressionaram muito. Muito, muito.
Bem, mas qual é a pergunta?
(GD: Bom, mas nós fizemos o pedido, o Sr. disse que achava interessante mas…)
Não, não. No que depende de mim eu estou de acordo, me alegra o pedido, me alegra a perspectiva, e estou de acordo. Eu aceito, enquanto depende de mim; tudo isso depende de Deus.
(GD: Mas o Sr. pode pedir também.)
Sim, também, fazer força. Me dará muito, muito gosto.
I. A influência da Europa católica no mundo
(GD: A pergunta sobre a última reunião…)
(…)
…Na antítese entre Hollywood e a influência européia no Brasil, eu via o seguinte. Que Hollywood difamava a influência européia no Brasil. A influência européia como influência européia no mundo, o Brasil é um pedaço do mundo. Não é especialmente o Brasil. Eu que estava no Brasil notava isso assim.
Agora, eu tinha sobre essa influência européia uma certa noção formada, muito favorável, que decorria em parte de um ambiente de família, em parte de alguma coisa que eu tinha lido, alguma coisa que me estava na cabeça, mas em grandíssima parte do meu espírito católico. Porque eu notava que essa influência européia no que ela era contrária a Hollywood, era a Religião Católica. E que se eu tomasse a mentalidade Hollywood eu implicitamente renegava a Religão Católica.
* A furiosa luta contra a negação desta influência
Ora, aqui, eu já tive ocasião de descrever, era o divisor das águas, porque se vai por aí não conte comigo, faça o que quiser. Mais ainda. Eu vou te demolir! Porque eu não posso tolerar nada que seja contra a influência católica. A qual influência tem que ser completa e ir crescendo até o fim do mundo. De maneira que não feito isso assim, dará nó comigo e rolo, por fraco que eu seja! Se eu tiver um canivete, eu vou com esse canivete por cima! E se esse canivete estiver quebrado, eu vou com um toco de canivete, mas eu vou em cima! Não tenha nenhuma dúvida!
De onde então uma propensão enorme minha para a influência européia, mas não a influência européia como certos afeminados a tomavam, como certas pessoas mais débeis — sem serem afeminadas no sentido pior da palavra — a tomavam. Certos cultores artísticos do maravilhoso, enquanto produzindo sensações ternas, delicadas, etc, etc, e dando no endeusamento disso.
Não! Tudo quanto é delicado, quanto é terno, quanto é maravilhoso, tem seu papel. Mas a influência européia não pode ser reduzida a isso. Ela não foi só isso, e se fosse só isso era trincada. Havia disso nela, e magnificamente, era indispensável que tivesse, mas por isso não era hollywodiana, mas era preciso que essa influência continuasse a marcar a civilização. Essa era a idéia.
* Luta inteiramente abnegada
(GL: O fato do Sr. pertencer à Família que o Sr. pertencia, isso não facilitava ao Sr. compreender todo o papel das desigualdades, do Tal enquanto Tal? O Sr. tratando com outras pessoas, no Colégio, etc, isso não se dava?)
Um pouco diferente. Eu creio poder afirmar que o fato de eu estar pessoalmente ligado a uma determinada situação dentro disso, teve um efeito grande e ao mesmo tempo nulo. O efeito grande, no sentido de que me fez conhecer de perto essa influência européia, e portanto fazer justiça a ela como não estaria em condições de fazer se não conhecesse tão de perto.
Bem, mas quanto a eu ter a isso qualquer forma de amor, por uma vantagem que me dava, não.
(GL: Não por vantagem, mas porque o Sr. estava colocado nessa situação.)
Em algum sentido sim. Em algum sentido sim. Mas eu creio que com o espírito que eu tinha, ainda que não se desse isso, eu tomaria inteiramente a posição que tomei. Isso é uma coisa que me deu a oportunidade de um conhecimento mais direto de como as coisas eram. E isso realmente pesando bem na balança, mas não mais do que isso.
Eu várias vezes imaginei, naquele tempo, se eu fosse menino e estivesse numa situação em que o peso da hierarquia social se despejasse em cima de mim, e eu não fosse um elemento da hierarquia social, como eu tomaria. Eu tomaria com a mesma veneração e intrasigência com que eu, como simples leigo na Igreja, e sem vocação sacerdotal, tomei com paixão a defesa da Hierarquia na luta contra o progressismo. Quer dizer, estava de fora, mas tomei com paixão!
(GD: O “Em Defesa da Ação Católica” é um brado apaixonado!.)
Apaixonado! Surpreso, indignado, intransigente! E é uma proclamação da Hierarquia levado aos mais altos brados.
(GD: Na RCR não aparece com tanta agudeza.)
Não. Quanto à paixão, na RCR está muito mais contido. E era preciso.
(CP: O “Em Defesa” é um brado em defesa da Hierarquia, fabuloso!)
É. Agora, é preciso notar o seguinte. Ali tocava na minha alma muito mais a fundo, porque era a Hierarquia da Igreja que estava em cena.
II. Hierarquia e lógica, termos correlatos
(CP: Sim, mas aparece o Sr. a serviço da Hierarquia.)
Sim, mas também não foi do que quis falar o GL. O GL quis falar da possibilidade de conhecer melhor, de degustar melhor. E, portanto, de estar mais em condições de fazer justiça do que se estivesse de fora. Então eu quero dizer: é. Certamente ele tem razão. Mas a minha atitude não seria muito diversa — portanto eu admito a possibilidade que fosse um tanto diversa, menos informada , etc, etc. — não seria muito diversa se eu estivesse de fora, pela razão que eu estou dando. Pelo feitio do meu espírito qualquer forma de hierarquia me apaixona.
Vamos dizer o seguinte. O espírito hierárquico para mim é uma espécie de correlato da lógica. É a lógica introduzida na classificação das pessoas e das coisas. E vocês vêem bem pelo meu feitio que é muito propenso à lógica. E qualquer coisa que perturbe a lógica me contunde, me fere. Você viu a reunião hoje à tarde, por exemplo, como estava presente a idéia da lógica, etc, como pilar!
E uma sociedade sem hierarquia, para mim é uma ordem sem lógica. Hierarquia e lógica são correlatos. Eu acho que basta dizer isso para compreender em qualquer ocasião, em qualquer circunstância, como eu seria hierárquico. Não sei se exprimi bem? (Muito claro.)
III. O “sol” da Hierarquia eclesiástica iluminando
toda a sociedade temporal
Agora, isto posto, o conceito hierárquico da civilização européia apresentava uma idéia da vida temporal e da sociedade temporal, banhada pelo maravilhoso, de maneira tal que era como se ouve falar de certas auroras na Suiça: uma montanha iluminada primeiro no píncaro (não sei bem como é que o sol procede para chegar a esse efeito), mas depois vai descendo pelos vales, à medida que o sol sobe. É uma coisa qualquer assim.
Bem, e então também, o ápice da hierarquia social, como também a hierarquia eclesiástica, brilhando cada uma na sua esfera de um modo especial, de um modo magnífico. E despejando luz gradual, e luz ordenada, luz lógica, sobre todo o resto da organização social. De tal maneira que apagado o sol nos píncaros faz-se trevas em tudo. E a presença do maravilhoso, sem o qual nada tem o direito de ser, a presença do maravilhoso era assegurada pela Civilização européia, que tinha implantado o maravilhoso em tudo.
E que, portanto, adornos, atitudes, etc, etc, reputados meio delicados demais, meio femininos, etc, etc, em parte não o eram. E na parte que o eram, eram também já uma deformação de um ideal que na Idade Média tinha sido como devia. De maneira que tomar a nobreza de Versailles como paradigma não era verdade. O paradigma verdadeiro era o Cruzado. Em última análise era o meu Carlos Magno! Esta era a coisa.
De onde uma visão que nós podemos qualificar assim de diversa, por exemplo, de um monarquista, ou de um europeísta, para me exprimir melhor, de um feitio como não sou eu; e de outro com feitio como sou eu.
(…)
IV. Deformação da mitologia européia
e da noção de hierarquia
O Teobaldo. Eu me lembro bem do Teobaldo. A principal preocupação do Teobaldo era de parecer delicado, flexível, adocicado, gentil, e ornado. De inteligência média, cultura um pouco abaixo da média, mas imaginação possante. Então, conversando com ele, vamos dizer, ele na presença de DB ou de DL, ele teria na cabeça toda a lenda de D. Sebastião e dos maiores de DB e DL, não enquanto reis navegadores, ou reis de navegadores, não enquanto reis de cruzadas, mas enquanto reis que moravam no castelo dos cruzados, que tinham as festas dos cruzados, que tinham o luxo dos reis do tempo na navegação. E que eram uns tantos ele mesmo colocados em vários graus da hierarquia.
Então, seria, por exemplo, o “Sereníssimo Rei, Senhor D. José I”. Era o Rei do Pombal, se não me engano dera D. José I. Na sua sege, sendo levado do palácio de tal para o palácio de tal, com anel assim no dedo… O Teobaldo tinha vários anéis, conforme o dia ele aparecia com um anel!.. Bem, e então assim, vendo em todo mundo europeizado uma figura mítica, mas de uma mitologia assim, que absolutamente não era completa, era deformada, era caricata, que em parte exprimia os defeitos dele e em parte os defeitos da mitologia que desfiguravam a ele.
Bem, isto estaria numa oposição quase contrária a mim. Então, quando o Teobaldo imaginava, por exemplo, uma Imperatriz, seria uma Imperatriz de conto de fada, quase uma Gata Borralheira, que usava sapatos de cristal, que fazia não sei o quê, que era não sei o quê, tátátá, toda essa mitologia. Ele não compreendia outra coisa. E tinha uma espécie de fetichismo, por onde tomando contato com uma pessoa europeizada, o que vinha na cabeça era uma pessoa assim, olhava o tempo inteiro assim.
Então, uma Imperatriz ou uma Rainha seria como eu estou dizendo; uma Princesa seria uma dinamização homeopática um pouco menos rica. A duquesa seria uma miniatura de Princesa, e a Princesa uma miniatura de Rainha. A marquesa não. Já era uma senhora que tinha perdido qualquer coisa de majestoso, e era toda feita de frufrús, toda feita de sedas, toda feita de fragilidades, de almíscares. A condessa era uma marquesa um pouco camponesona. A viscondessa era uma edição pupular da condessa. E a baronesa era uma senhora que estava a caminho da burguesia. Isso na cabeça do Teobaldo.
V. A verdadeira Europa é a de Carlos Magno
Bem, na minha cabeça era completamente o contrário! O Imperador era Carlos Magno. E quem não participar de Carlos Magno não é verdadeiramente Imperador. Tem algo de Clóvis no dia da sagração de Rei; tem algo de Imperador Santo Henrique, São Luis, São Fernando! São reis batalhadores, reis guerreiros, reis cheios de fé, reis cheios de ideal, dispostos a dar a vida a qualquer momento! Católicos de virar e romper de qualquer lado, em todo sentido! Santos canonizados pela Igreja! Portanto, mais anjos do que qualquer outra coisa, e nunca figurinos da moda.
Na hora da moda, exímios, porque tinham a obrigação de externar a sua condição, como por exemplo, também um Cardeal ou um Bispo tinha na sua respectiva categoria. Mas, sempre com o corolário das virtudes fortes, e as virtudes ornamentais representando um símbolo das virtudes fortes, e não como uma coisa oposta, entrando em choque com as virtudes fortes.
E, portanto, desde o rei até o barão, nada estava a caminho da burguesia. Tudo era dinamizações diferentes da majestade real. É uma coisa fundamentalmente diferente. Mas vocês percebem a analogia entre essa concepção e a concepção clero, etc, etc, hierarquia e plebe na Igreja, que vocês vêem exposta no “Em Defesa”, e que está ultra provado que é do Direito Canônico.
Porque a Hierarquia enquanto hierarquia tem que ser assim, e não pode ser de outra maneira — puríssima e simplicissimamente. Bem, se deformações houve, não importam, porque se é deformação não interessa. Também houve maus padres e Judas foi um mau Bispo. E dai não se argumenta…
(JC: Há mau povo também!)
Mau povo, maus pais, mau tudo! Más mães, mau tudo! Não vem por ai, que isso é besteira. Não vou me deter na análise de uma estupidez dessas.
Agora, essa minha posição no que é que é diferente das vivências de vocês?
É bem diferente… Tem alguns traços comuns, mas tem alguns traços diversos. E isto é que eu quisera realçar agora. Está muito tarde, infelizmente, não podemos continuar. Para o próximo sábado.
Agora, então, vamos dizer, por exemplo, o quê?
(…)
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