Conversa de Sábado à noite – 18/6/1988 – p. 11 de 11

Conversa de Sábado à noite — 18/6/1988 — sábado

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A matéria dá-se com gosto, porque é uma matéria muito bonita.

(Dr. EM: Sem isso não entende nada.)

Não se entende, nada. Fica-se rodando… Porque diz: caos, caos, caos. É caos, nõ tem dúvida. Mas por que é que é caos? As pessoas não vêem, em parte porque não entendem. Porque o próprio caos tem seu sentido dentro dessa coisa. Não entra assim como uma girafa pegando fogo. Vamos devagar.

(Dr. EM: O papel do senhor ficou também muito claro.)

Enfim… mas qual é a pergunta meu Guerreiro Dantas?

(Sr. Guerreiro Dantas: Agilidade – vocação do senhor – papel do gênio político, ação política – confluência das duas origens do senhor, materna e paterna.)

Com muito gosto, se eu não bater bem no ponto, porque, me avisem porque eu quero tratar do problema como vocês o vêem.

Mas eu gostaria de começar por um ponto, que é o seguinte. São dois pontos iniciais que contém quase todo o assunto. Um ponto primeiro é o seguinte: o que quer dizer propriamente a palavra “política” aqui? Eu sei que nós estamos inteiramente de acordo sobre isso, mas é uma questão de explicitação.

A palavra “político”, talento político, habilidade política, etc., é tomada pelos jornais e habitualmente pelas pessoas como o seguinte. A faculdade da pessoa arregimentar em torno de si um certo eleitorado. Depois, representando um certo grupo eleitoral, que então é uma facilidade de agir diretamente sobre a base e sobre um grande número de pessoas, com umas relações algumas muito íntimas, e outras menos, por meio de… o seguinte: o político deve conhecer – segundo o conceito corrente – o político deve conhecer quais são as pessoas que, adicionando interesses, atraem grupos grandes.

O cabo eleitoral é o ménager político, é o ménager eleitoral político. Esse cabo eleitoral deve ter certas qualidades por onde eles desperta simpatias em muitos, mas ele é o amigão desses em que ele desperta simpatia. E porque é amigão e influente obtém favores.

Esse político bem de base, ele precisa ter um certo dom para divertir, para atrair, para despertar confiança, para liderar propriamente. De maneira que a gente sente que ele tem força para junto a homens mais poderosos reunir aquela soma de influências pequenas que reunidas com ele formam algo. Ele tem a força suficiente para junto aos mais poderosos ser um poderoso também, em nome dos interesses daqueles menores.

Então ele precisa ser um homem, digamos assim, de botequim, de bar, precisa ser um homem um pouquinho de club, club esportivo, essas coisas assim, mas precisa ser também ser um homem de Paróquia às vezes, assim desses centros onde muintos se reúnem.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: É muito real essa descrição do senhor.)

É, eu observei isso com muita atenção. Bem, precisa dar a impressão de que ele é muito boa vontade, e que tem uma boa vontade aberta a um número indefinido de outros amigos que se aproximam. Ele é fácil de ser amigo. E ele deve ter bastante influência com os poderosos, para obter carguinhos e vantaginhas, quando não seja outra coisa o prestígio de um “adeus”, para os que são micro-micro. Que arranje um grupo de cinco pessoas, dez pessoas, etc., estes precisam favorzinhos. Obtém o cargo eleitoral. Ele conhece a política do cabo eleitoral, e ajuda o cabo eleitoral a manter o eleitorado em torno dele, por esta forma.

Mas enquanto o cabo eleitoral não trata com os poderosos, único poderoso com que o cabo trata é o político, o político não: trata com os cabos e um pouco com o pessoal inferior. E trata com o pessoal político propriamente, e superior. O político [e?] inteiro não é cabo eleitoral, porque o cabo eleitoral está meio imerso na vida cotidiana, e aglutinador das pequenas forças individuais da vida cotidiana, em torno de sí para a jogada eleitoral.

Já o político não. Ele vive no meio dos cabos eleitorais, vive no meio dos outros políticos, e quando ele trata da vidinha interna desses homens que são a base não política do cabo eleitoral político, ele trata como um político, ele não trata como um indivíduo comum. A vida dele se passa inteiramente na Política.

O que é a Política vista assim? É a pergunta. Que diferença tem do que nós chamamos de Política? Até que ponto eu sou ou não sou um político desse tipo que eu acabo de descrever?

Não sei se minha pergunta está clara? Também não sei se no Chile a política eleitoral é assim? (Sim, claro.) Mais ou menos no mundo inteiro, está inerente ao sistema representativo, é isso.

Então, a coisa pega por aí, que esse político é um puro corretor de influências, de favores, de vantagens, para efeito de obter cargos, e de galgar até o mais alto que ele possa. Ela quer obter cargos, etc., isso tudo também para ele ir ocupando os cargos e embolsar dinheiro, e formar para sí um patrimônio particular, em caso de doença, de insucesso político, de lhe encerrar a carreira, qualquer coisa, ele tem a possibilidade de tomar mais um outro emprego, porque ele soube fazer relações entre os economicamente poderosos ou os politicamente poderosos. Mas fez relação de político. Ele foi corretor de influência, obteve dinheiro e obteve influências. E ele soube adquirir influência junto aos meios de comunicação social, que já são outra coisa que não é o caso político, mas que pegam fatias enormes de eleitorado. Mas isso supõe relações dele com o macro-capitalismo publicitário, e toda uma outra coisa. Com isso se arma um político.

Mas então o trabalho político é de dar a todo mundo a todo mundo a ilusão da amizade, e uma certa quota de utilidade, com uma ilusão de utilidade muito maior. Ele vai subir muito mais, vai ser mais poderoso, vale a pena ser amigo dele não só pelo o que ele é, mas sobretudo pelo que ele será, etc., etc. Mas a idéia, a doutrina representa pouco nisso. O jogo dos interesses pessoais representa tudo.

De maneira que esse político, que eu acho que é o político por toda parte, por exemplo, no Brasil, do Prata ao Amazonas, do Mar às cordilheiras é isso. GL está dizendo que é no Chile, por toda a parte é isso. Bem, esse político eu não sou. Por excelência não sou. Quer dizer, estar andando atrás de cargos, de vantagens… nem se põe o problema. Eu digo apenas para diferenciar, para afastar uma coisa.

Se diplomata é fazer um papel mais ou menos possível e parecido, num nível entre nações, eu também não sou. Quer dizer, o que… O diplomata eu não sou, diplomata clássico eu não sou. Porque o diplomata clássico como se entende é assim: Ele deve promover tanto quanto possível evitar guerras, e fazer com que o respectivo governo obtenha determinadas metas sem guerra. O que supõe que ele pratique a arte da combinação acolchoada: “eu dou para que você me dê, eu faço para que você me faça”. Essas são es relações de nação entre nação, complicando um pouco o Direito romano no caso, eu também dou para que você dê, e faço para que você faça. Isso é a diplomacia.

Faz isso amável, gentilmente, etc., etc., as maneiras gentis servem para contornar os maus humores, as irritações. Servem para dizer coisas que é meio perigoso dizer, que a gente apalpa o terreno antes de dizer, e acaba dizendo o perigoso sem encrenca. Mas o diplomata é o que evita encrenca.

O Ministério da Guerra, no caso da Aeronáutica, da Marinha, do Exército, etc., esses departamentos preparam a guerra caso os diplomatas façam asneiras, ou caso queiram coisas que só se pode obter por meio da guerra. Então está outro lado da vida de uma nação. É isso. A vida é essa.

Diplomata nesse sentido, alguma tal ou qual diplomacia eu tenho. Eu sei tratar, sei ser amável, sei acolchoar as coisas tanto quanto possível, etc., sei algo. Mas também não é a diplomacia clássica. Porque o diplomata clássico é outra forma de corretor. O país dele diz a ele – vamos dizer que se trata das relações do Brasil com Venezuela, por exemplo. Vamos dizer que haja, eu não tenho conhecimento de nenhuma contestação de limites. Vamos deixar de lado os limites. Vamos supor que a Venezuela produza café. O Brasil produz café. Há portanto uma certa tensão comercial, e o comércio hoje faz parte da essência da diplomacia.

Então, dificuldades de relações. Mas então saberei ser muito – se for diplomata na Venezuela – saberei ser amigão, entro no Ministério do Exterior, distribuo charutos da Bahia, faço umas pequenas gentilezas… Quando um alto funcionário do Ministério do Exterior quiser conhecer o Rio de Janeiro, eu arranjo com o departamento do Itamaraty que resta no Rio para alojar bem o sujeito, para lhe arranjar vantagens, etc.,etc. No fim, se valer a pena, eu consigo que o Sarney arranje para ele uma condecoraçãozinha, para ele se sobressair entre os colegas, etc., etc.

Entra corretagem de favores pelo meio. Mas essa corretagem de favores é parecida com aquela outra corretagem. É uma corretagem entre outras. O diplomata de hoje é pau mandado. Ele não tem idéias próprias, ele não tem metas próprias. O Ministério diz: “obtenha tal”. Ele está garantido de que a meta é boa, porque tem o ofício do Ministério que mandou obter tal meta, obteve está acabado. Se a meta arranjada pelo ministro é ruim, isso o ministro deve arranjar com o Presidente da República, com a comissão do exterior da Câmara, do Senado, com a imprensa, com a [“media”?]. Eu, diplomata, não tenho nada que ver. Eu recebi ordem de executar tal coisa, executo tal coisa.

É muito diferente do diplomata de tempos antigos que tinha dificuldade de se comunicar com o próprio governo. E a quem o governo dava, portanto só os princípios gerais, e que devia aplicar os princípios gerais de acordo com o seu próprio critério. Isso era um homem de valor. O diplomata de hoje não é mais isso. Ainda mais que quando a questão encrenca, os ministros se falam por telefone, não se comunicam por meio do diplomata. O diplomata muito [venido?] a menos, e é meio homogêneo com o político que eu acabo de descrever.

Agora, o que é o Estadista? O Estadista já é mais alto. Porque o estadista é um homem que compreende os problemas do Estado. E como é que esses problemas se entrelaçam, se relacionam, se [resolvem,?] se agravam mutuamente, e como é que se pode traçar, obter o bem ou o mal do Estado, isto é próprio do homem de Estado. Isso aqui já é uma visão muito superior aos menores interesses individuais, ainda que o sujeito em causa esteja estudando os interesses do Estado por mero interesse individual.

Bem, ele em aí algo sobretudo do [sociólogo?], mas do economista, do homem que tem as informações gerais sobre outros países, problemas dos outros países, o próprio problema, o desequilíbrio das forças; a possibilidade da guerra, as possibilidades da paz, a possibilidade da prosperidade – isso tudo já é uma outra coisa.

E aí também cresce ainda mais de nível, porque entram os problemas ideológicos. E aparece uma questão muito importante, que o estadista tem que resolver segundo a escola a que ele pertença, que é a seguinte. É verdade que o maior bem do Estado é acertar na ideologia? Quer dizer, o Estado é antes de tudo um ente ideológico, um ente doutrinário, um ente religioso, mais do que um ente econômico, ou um ente cultural? O que é o estado?

Esta é uma grande questão, uma questão muito bonita. Sobretudo se presta com essa franqueza. E então, quais são as vantagens e desvantagens do Estado? E como manejar todos os recursos de que o Estado dispõe, inclusive as próprias influências para conseguir chegar até lá, isto é próprio do estadista. Isso é parte de um largo horizonte.

Então é um político esse? Sim, mas já em outro sentido da palavra. Aí é um estadista. Que a gente deveria evitar chamar de político, embora em rigor pudesse chamar, para evitar de misturar com essa súcia de aventureiros que eu acabo de descrever, e de corretor de baixo degrau.

Pergunta-se: em homem desses é um corretor?

A resposta é: se ele se vende, é. Não tem dúvida. Mas mesmo assim, tem que ser um corretor altamente intelectualizado. Porque se ele não for inteiramente intelectualizado, ele não entende do que ele está falando nem nada. É a mesma coisa do sujeito querer ser médico mas não tem nenhum senso clínico. Exclue, não é, não se forma, não passa. Está acabado…

Bem, então, de lado, [“raus”?] com ele! Então é um corretor de um tão alto nível, que ele é até corretor de idéias. E ele vende idéias, ele se vende pela idéia, ele é um corretor. Mas o principal é quando é um homem para o qual é condição de felicidade a existência, que a res publica transpareça uma certa ideologia, transpareça um certo modo de viver. E que para ele é mais indispensável do que ter dinheiro que o ambiente de seu país seja [afim com?] sua própria mentalidade. Este então é um grande espírito. E é um estadista, antes de tudo, por boa ou má dedicação; por dedicação ao bem ou dedicação ao mal. Mas aí faz parte da mais alta elite da humanidade.

Bom, agora, o país, um alto país, é um país onde estas questões do estadista estão muito generalizadas na população. E um grande número de pessoas de escol, até entre artistas, tem algo da mentalidade do estadista. E então o consenso ou as oposições desses fazem a vida política de alto nível.

E aí, propriamente, é a elite política de um país. E convém que até o último populino tenha uma elevação de alma bastante grande para eles saberem que rumo querem para o país, porque suas personalidades tem [??] rumo. E eles compreendem que tal ou tal outro golpe de leme na direção do Estado afeta sua vida privada debaixo desse ponto de vista. Debaixo desse ponto de vista eles são capazes de formar uma opinião.

E isto é um país altamente politizado e de grande categoria.

Vocês dirão: “Mas por que é que o senhor não escreve isso algum dia, ou não faz um dia uma exposição sobre isso para nós”?

É porque nós estamos de tal maneira hollywoodizados que quando não há um problema concreto, é só numa reunião assim, a essa hora da noite, que se tem a possibilidade de tratar um assunto desses, de maneira a despertar interesses.

(Sr. Poli: No livro da constituinte o senhor trata.)

Trato, mas com pouco interesse, não é?

(Como assim?)

Internamente, com pouco interesse.

(Sr. Poli: Ontem ainda no Estado de São Paulo saia um artigo sobre político sem idéia. Coisa que nunca se disse antes do senhor publicar o livro)

Mas isso são uns ladrões de idéias, corretores de baixo nível, e que… Mas de você conseguir numa roda comum tratar disso. De maneira que eu fico quieto, guardo isso para mim. Se vocês não me perguntassem, se a necessidade de responder alguma pergunta a meu respeito não me obrigasse a tratar disso, ninguém quer saber disso eu não trataria também. Como os temas de hoje à tarde também, eu ficaria quieto! Quantos anos nos conhecemos, nunca tratei dos temas de hoje à tarde. Não há interesse, ou interesse pequeno. Esse interesse surge em função de uma situação concreta, entre os melhores. E aí eu aproveito sofregamente a ocasião e trato do tema. Eu vivo disso.

Foi, uma avenida aberta pela graça. A reunião de hoje à tarde foi uma reunião feita pela graça, ela abriu nas almas uma compreensão, uma aptidão, uma apetência para aquilo, e deu uma consolação que se tratasse daquilo. Então tratou-se. Agora, ela está dando uma consolação, graças a Nossa Senhora. E eu estou aproveitando empenhadamente, sofregamente.

A questão é que eu não poderia responder a pergunta a meu respeito sem tratar disso.

Bom, agora, vocês me dirão: “Mas isso não conduz a uma espécie de república ideal dos gregos? Em que todo mundo nem opinião política, estão em partidos políticos, etc., etc? O senhor, logo o senhor que é tão favorável à hierarquia social, é favorável a isso? Não é uma contradição?”

De nenhum, modo. Você veja por exemplo, no Ancien Regime, as guerras da Revolução na França e na Europa inteira. Nessas guerras de Religião – porque a houve em toda a Europa; na Alemanha guerras de religião furiosas… Espanha, uma inquisição [da?] primeira eficácia, Portugal também, etc. Onde não houve guerra de Religião foi na Itália, ou ao menos não conheço. Inglaterra… Nossa Senhora! Aquelas coisas de Carlos I, Carlos II, aquilo tudo… O Pretendente, aquilo é guerra de Religião.

Bem, a gente vê o povo todo tomar parte naquela guerra de religião. A Liga Católica que obrigou o Henrique IV a fingir que convertia, aquela Liga era o populino. Mas era o populino altamente politizado do ponto de vista religioso. Então é um engano pensar que isso só se dá nas democracias modernas, nas democracias gregas. Onde exista [via?] de alma, exista categoria, existe isso.

Agora, o membro da TFP é por excelência, debaixo desse ponto de vista, um estadista. Ele poderá ser um homem mais inteligente ou menos. Nossa Senhora não fez da TFP o ninho das águias, aonde só os inteligentes entram. Nunca vocês me viram recusar alguém porque é pouco inteligente. Mas é preciso que ele tenha essa proporção como problema coletivo, por onde ele seja incapaz de viver contente numa ordem temporal qualquer que não espelhe a Igreja Católica, a Civilização Cristã, e que não esteja de acordo com sua Fé.

Ele é portanto um católico incapaz de viver só na ordem espiritual indiferente à disposição da temporal; é um católico incapaz de viver na ordem temporal, indiferente à boa ordenação da ordem espiritual. Ele tem no mais alto grau a noção da inter-relação entre ambas as coisas, e para ele o mais importante dos interesses pessoais é que a sociedade seja ajustada de acordo com a fé.

Esse é o mais importante dos interesses pessoais, porque é um interesse de alma. E ele prefere ser pobre no lugar em que haja ambiente para ele, do que ser rico num lugar sem ambiente para nada. Essa é a matéria prima da qual se constitue um membro da TFP. E [quando?] o membro da TFP fica sabugo é porque essa essência de estadista católico nele se arruinou. Dando lugar ao tipo que quer viver independe de doutrinas. Quer dizer, o revolucionário [laico?], para o qual o estado doutrinário incomoda, e que quer viver no estado adoutrinário, que é essa porcaria que está nos circundando. Esse mar imundo no qual nós somos obrigados a ser peixes.

A coisa deve ser de tal maneira que o indivíduo, por exemplo, estando para receber — já que eu tenho diante de mim um médico — receber uma notícia de sua saúde, ou receber uma notícia importante da causa católica, ele está mais interessado na causa católica do que na sua saúde. Então, falar de negócios nem se fala! Nem tem proporção. E, mais baixo, já perto do chiqueiro, amoricos porcos e coisas desse gênero, nem falemos, isso nem entra em consideração.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: Isso dá uma segurança muito grande na vocação. Por exemplo, o caso do M.L., ele não fez uma coisa de idéias, mas coisa baseada em homens. Resultado é essa besteira que ele está fazendo aí. E com o senhor, nem de longe passa a dúvida de que o senhor faria uma coisa assim.)

Agora, no caso de eu morrer, nasceria uma suspeita feroz contra o meu sucessor, de que ele ia fazer isso, está compreendendo? E essa suspeita minaria a TFP, de alto baixo.

Bem, não vamos perder tempo e vamos agora para frente. Então, eu digo que nesse sentido, eu não quero dizer que eu seja um grande estadista, não quero dizer isso. Quer dizer que no sentido em que a vocação do membro da TFP é um homem de fé estadista, mais do que um estadista homem de fé, ele mais do que tudo um homem de fé, mas que é ao mesmo tempo um estadista, em grau maior ou menor, em proporções maiores ou menores, mas é isso. Nessa vocação, eu que sou o Fundador, tenho que ser um estadista.

Nesse sentido, mas num sentido muito analógico e remoto com o sentido da palavra “político”, nesse sentido eu sou um político, nesse sentido eu sou um diplomata, nesse sentido eu tenho habilidades, mas tenho por isso só.

Mais alto ainda do que estadista – eu não estou querendo complicar as coisas, mas é preciso dar… – mais alto ainda, e participa disso o membro da TFP, é ser um homem de igreja. Eu não sei se no castelhano existe a expressão, no português não existe, é um pouco forçada. No francês existe: Homme d´Eglise. É o eclesiástico, mas que trata das coisas eclesiásticas com a visão com que o estadista trata das coisas do Estado.

(Sr. Gonzalo Larraín: O Cardeal Merry del Val não seria isso, ou seria?)

Seria mas não muito. Porque segundo eu imagino, o verdadeiro homem de igreja abarca a visão das coisas do Estado, [do ponto de?] vista religioso, no seu metier.

(Sr. Gonzalo Larraín: Seria uma espécie de bom Richelieu.)

Um Richelieu da Igreja… se fosse um santo Richelieu da Igreja, ele seria um homem da Igreja, mas por amor da Igreja interessado também em saber como é que as coisas do Estado são geridas, tocadas, e como vão os estados, secundário para ele. Para ele o grande problema é como vai a Igreja na sua interioridade eclesiástica, na sua finalidade sobrenatural, etc., etc.

Mas também em ponto secundário, mas secundário muito importante, como vai a ordem temporal, para cuja regência do ponto de vista espiritual ele tem uma palavra fecunda, uma orientação magnífica a dar. Esta é mais alto do que o homem de estado.

(Sr. Poli: E é um estado próprio a um eclesiástico só?)

Estado próprio a um grande eclesiástico. E todo eclesiástico deve ter algo disso. Não é preciso que seja capaz de gerir a Igreja debaixo desse ponto de vista, porque aí já é… como também ser um estadista, nós não temos obrigação, mas nós devemos ter uma mentalidade assim, e umas certas aptidões nesse sentido. Isso deveria ser todo vigário de aldeia, o mais modesto e humilde.

(Sr. Gonzalo Larraín: São Gregório VII foi um grandíssimo homem da Igreja.)

Um grandíssimo homem da Igreja. Santo Inácio um grande homem da Igreja, e daí para frente.

[Vira a fita]

em primeiro lugar, esse sentido, eu disse que em francês existe a expressão “homem de Igreja”. Eu não quis dizer que em francês se entende homem de Igreja só assim como eu estou dizendo. Cabe no conceito francês de um homem de Igreja, cabe o que eu disse. Mas não é dizer que a condição de homem de Igreja abranja necessariamente tudo isso. É preciso… Isso seria uma espécie dentro do gênero homem da Igreja.

Mas acontece…

(…)

Agora, tomando a palavra nesse sentido, eu pergunto. Um homem de Igreja nesse sentido, nós somos? Eu digo o seguinte. Assim como um homem de Igreja, tomando a expressão em toda a vastidão do termo, deve ter – eu acabo de dizer a pouco isso – um tanto de mentalidade de homem de estado, assim também entre os católicos homens de estado, o amor ardente e supremo à Igreja Católica deve ter um tanto da mentalidade…

(…)

quanto mais sobe sua própria linha, deve aumentar proporcionalmente a visão que ele tem da outra linha. Um grande homem de estado deve ser não necessariamente um grande homem de Igreja[,?] no sentido da palavra, mas um homem de Igreja de mão cheia. E um grande homem de Igreja deve ser um homem de Estado de mão cheia – nesse sentido da palavra.

(Garcia Moreno.)

É, eu não sei até que ponto o Garcia Moreno via todos esses problemas. Ele era enormemente respeitável como católico, como homem dedicado, admirável, grande chefe de Estado… Ele era um grande católico posto na chefatura de um Estado. Ele foi grande chefe de Estado? Eu não sei.

(Sr. Gonzalo Larraín: Pareceria que sim, não é?)

Mas meu filho, sem desdouro para com ele, afinal de contas o que ele deixou atrás de si? Não se sabe, pelo menos, eu falo do Garcia Moreno das biografias, o que as biografias não apresentam é uma outra coisa, mas nas biografias não há menor sinal de que ele procurou formar uma escola, estabelecer uma corrente, formar intelectuais, literatos… levar, por exemplo, grandes conferencistas europeus para fazerem conferências no Equador. Assim como acabou vindo aqui o Clemanceau, não poderia levar para o Equador uns mini-Clemanceaus? Espanhóis, alguns espanhóis… a Espanha tinha no tempo dele alguns intelectuais católicos de direita muito bons. Ele não poderia ter levado?

(…)

Não foi grande, não. Eu não estou negando. Não foi grande homem de Estado. Ele foi um homem que exerceu a chefatura do Estado, e o dirigiu do melhor modo, era o equatoriano mais capaz de dirigir o Estado do Equador. Mas que ele subiu a esta altura, não sei. Pode ter sido um grande santo, até um grande homem, mas nesse condicionamento, me parece.

(Sr. Gonzalo Larraín: O que o senhor considera como grande homem do Estado? Matternich, por exemplo?)

Não! Metternich é um homem que tinha algumas das qualidades de um grande homem de Estado, ele tinha eminentemente, mas tinha furos e defeitos colossais.

(Sr. Gonzalo Larraín: Que homem então o senhor considera que tinha sido grande homem de Estado?)

Eu me pergunto. Porque que houve grandes homens de Estado, houve. Porque é que não os houve a serviço da Causa Católica?

(Sr. Gonzalo Larraín: Felipe II, por exemplo, o que ele deixou?)

Ele deixou uma obra totalmente altamente significativa. Quanto à [modelagem?] da vida pública, altamente significativa do ponto de vista ideológico. Eu não vejo isso em Garcia Moreno das biografias.

São Luís Rei, sim. Eventualmente São Fernando, eu conheço pouco a vida dele. O que eu acho é que esse tipo de homem de Estado como eu estou dizendo, e tipo de homem da Igreja como eu estou dizendo, deve ter havido ao longo da história alguns. Mas acho que isto caracteriza uma vocação nova, especial, tanto para o Estado quanto para a Igreja, e que tem os olhos postos no [Reino de Maria?].

Mas que a gente vê que um das grandes perdas da Civilização Cristã foi de não ter tido homens de Estados e homens de Igreja em quantidade, nesse sentido.

(Sr. VXCP: São Luis Rei foi um homem de Estado na força do termo, não foi?)

Meu filho, vamos devagar. Na força do termo? Autenticamente um homem de Estado, acredito. Um grande homem de Estado? As biografias, os próprios historiadores não procuram esse tipo.

(Sr. Poli: Mas a política toda dele com a Inglaterra, resolveu uma guerra eu vinha a 100 anos…)

Sim, mas o problema maior do homem de Estado não é esse. É o lado ideológico.

(Sr. Poli: Ele fez boas políticas em prol da Igreja, etc.)

Sim, mas eu pergunto a você o seguinte. A França dele, a neta da França dele foi a de Felipe IV… Bom, vocês estão vendo o seguinte: que eu não estou dizendo que para ser santo é preciso ser homem de Estado ou homem de Igreja. De nenhum modo estou dizendo isso. Mas eu estou dizendo que as necessidades normais da Igreja, como as necessidades normais do Estado pedem homens assim. E que é um progresso da vista humana perceber isso e fazer a miseau-point desse conceito.

(…)

O Poli me perguntou, eu respondi afirmativamente: Carlos Magno foi o arquétipo do homem de Estado. Çá vá mon cher?

Bom, eu insisto, eu não quero dizer que o santo seja necessariamente um homem de Estado, ainda mesmo quando ele seja homem da Igreja. Eu quero dizer que estão postos todos os elementos para que o gênero humano se dê conta do que eu estou dizendo. Porque isso não se encontra, eu nunca li isso em livro nem nada. É um efeito da observação das coisas, da realidade. Eu acho que a Providência dá isso, tem graças para ver isso, etc.,etc.

Vocês conhecem a minha velha idéia de que, por exemplo, a devoção ao Santíssimo Sacramento como São Pedro Julião Eymard a fez, não se fez antes; não é o caso de o culpar os Santos anteriores, mas ele entrou na época histórica adequada com aquela forma de devoção. São Luis Grignion com a devoção a Nossa Senhora, etc.,etc. Aqui é nosso contributo. Nosso humilde contributo, modesto contributo, grande contributo. É a apresentação disso.

E de uma ordem de homens de Estado, assim, no sentido de que todo mundo deveria ser homem de Estado, nesse sentido, uma Família Religiosa de homens de Estado, nesse sentido, e feito para propagar esse fogo na sociedade civil e na eclesiástica.

O que eu entendo por homem de Estado é secundariamente também homem de Igreja. Como entendo o verdadeiro homem de Igreja secundariamente homem de Estado. Pode alguém me dizer: “Mas isso é um atrevimento, vir com uma idéia nova em matéria tão tratada”.

Está bom. Mas eu apresento humildemente minhas idéias, e me digam se isto é corrente, se todo mundo pensa isso ou não pensa. Acho que é uma contribuição que tem algo de novo. Mas utilíssima. Vocês mesmos, é impossível que não sintam que lhes põe a cabeça em ordem em mil coisas.

(Sr. Gonzalo Larraín: Do lado de lá, Leão XIII foi homem de Estado.)

Leão XIII foi. E Leão XIII entretanto dizia: “me manca um Bismarck” – me falta Bismarck. De tal maneira ele compreendia a problemática inteira dele.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: Seria o “pendant” dele do lado político[?])

O Bismarck teria tido [sido?] um homem que fizesse a política eclesiástica dele? Parece que não. E foi por isso que ele levou aquela surra do [Wintorsty?] (?), que é o chefe do setor alemão, aquela coisa toda.

(Sr. Guerreiro Dantas: Aí a vida política adquire seu lado fascinante.)

É fascinante. E nós estamos aqui na sala fomos feitos para nos deixar fascinar por isso. Quer dizer, eu sei que eu estou fazendo bem às almas de vocês. Agora, pergunto individualmente, sejam inteiramente francos, sentem esse bem?

(Sim, inteiramente.)

Tal enquanto tal… Thau é isso.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: E não tem nada do político que se entende por aí.)

Eu tratei de limpar o nosso tema da figura do político comum. Despoluiu. Então eu descrevi com cuidado etc., etc., para mostrar que o assunto foi analisado por mim. A questão é que está bom, não serve, para nós não é. Esses não somos nós. Nós somos o que eu acabo de dizer.

Eu queria mostrar uma coisa. No fundo o homem de Estado ama exclusivamente – eu digo exclusivamente a Igreja – porque ele ama o Estado, porque o Estado é uma criatura de Deus, e porque o Estado é um poderoso instrumento para fazer a obra de Deus. E para servir a Igreja. E nisso é que ele é sobretudo um ideólogo. Porque na cabeceira de toda ideologia está a fé. No sentido em que eu estou tomando a palavra ideologia, bem entendido.

(Sr. Poli: E aí se explica o senhor.)

É, também. Porque eu suponho que seja impossível ter uma mentalidade mais religiosa, quer dizer, mais católica do que eu tenho. Nesse sentido da palavra de pôr a Igreja como fundamento de tudo, ponto de partida de tudo, ponto terminal de tudo. Porque é a minha mentalidade. Mas nisso cabe o ser homem de Estado. E quando um homem de Estado não é assim, não serve. Simplesmente não serve.

. –

Eu encontro agora uma coisa que explica bem o que eu estou dizendo. É o seguinte. A palavra “sociologia” tem uma origem ultra discutida e parece que de origem… eu nem me lembro bem, já li isso e me esqueci, mas de origem positivista, etc. Mas nasceu no século passado. Nós, sem darmos a definição de sociologia, temos idéia do que é a sociologia.

Sabe que essa idéia, a Cristandade viveu 19 séculos sem saber o que era sociologia. E sem ter, portanto, todos os meios, sem ter pelo menos explicitamente todos os meios de ação, sobre si mesma a Igreja ter os meios de ação que lhe conferia um conhecimento exato de sociologia. Ela teve instintivamente, teve admiravelmente, não teve tão completamente como a partir do momento em que os homens de Estado dEla, e homens de Igreja dEla elaborassem a verdadeira sociologia dela.

Aí vocês compreendem bem como não há uma inculpação dos Santos não sociólogos. Seria um absurdo exigir que o indivíduo fosse sociólogo para ser canonizado. Mas, eu quero tratar aqui de um outro lado da coisa que é: uma vez que apareceu isso, teria que surgir uma obra que fosse capaz de incorporar isso ao tesouro do espírito católico, do conhecimento católico, da prudência católica, das quatro virtudes cardeais católicas. Essa obra, por amor de Deus, tanto quanto o mercedário ia se fazer escravo para se fazer libertar os reféns; ou jesuíta vinha pregar aqui no Paraguai ou onde quiserem , ou ia alimentar a Contra-Revolução em outro lugar – isso é para nós a nossa tarefa. Pelo mesmo amor de Deus, mesma rema relação, com a finalidade religiosa é inteiramente a mesma. A fé católica desempenha o mesmo papel, como animadora de uma coisa e de outra.

(Sr. Guerreiro Dantas: Conquistar esse novo mundo e fazê-lo católico.)

Fazê-lo católico. Bem, aí nascem problemas interessantíssimos, como por exemplo, para fazer o apostolado de massa, como esse apostolado deve ser para quem tem o jornal católico. Isso é um problema de amor de Deus, como questão de prudência, as quatro virtudes cardeais, etc., etc., mas um arcebispo dono de um grande jornal católico, como um grande diretor de jornal católico, Padre ou leigo, se põe os problemas que estão na linha do que nós falamos. Tem que pôr.

Agora, a questão é que não apareceu ainda a idéia de agrupar assim, e com essa finalidade, essa aspiração exclusivamente religiosa. Essa é que é a idéia.

. –

(Sr. Gonzalo Larraín: Poder-se-ia dizer que Hugo Capeto foi homem de Estado na força da palavra?)

Vamos dizer, vamos dizer que Luis XIV das “memórias” tinha cogitação de homem de Estado. Mas no que ele foi homem de Estado ele errou. Agora, aqui entra, meu filho, cogitações de uma tal amplitude, que nem caberia bem hoje. Por exemplo, o seguinte: Houve homens que foram homens perfeitos, enquanto membros da sociedade temporal, e movidos pela fé, foram homens perfeitos e que com isso modelaram os indivíduos e modelaram a sociedade temporal. Um desses foi São Luis. Outro foi D. Pelayo. E outros foram outros.

Bem, para a época dele, já muito inferior, Bayard foi. Agora, esses homens, sem serem homens de Estado , foram homens arquétipos dos quais nasceram o Estado. É muito interessante isso. E, portanto, um arquétipo pode ser um homem de Estado subconsciente. Ele nem tocou no Estado, mas ele modelou a sociedade civil. Isso aí dá transbordamentos os mais interessantes possíveis.

(…)

Agora, nesse sentido, as aptidões que você quis enumerar em mim, essas aptidões na medida em que existem, operativas inclusive, se explicam todas as funções do homem de Estado. Mesmo alguma coisa de diplomático, alguma coisa de político, alguma coisa daquilo, daquilo, daquilo outro, se você vai ver, é uma coisa que vale em conjunto para essa destinação de homem de Estado.

(Sr. Guerreiro Dantas: Seria interessante o senhor em outra reunião tratar um pouco do conjunto dessas qualidades postas a serviço do homem de Estado.)

Seria a continuação normal. Porque você levantou o tema a propósito dessa pergunta. Mas eu não poderia responder bem seu tema sem esse enorme parêntesis. Dei o parêntesis, vamos voltar ao leito do rio…