Conversa
sabado da noite – 23/1/1988 – p.
Conversa sábado da noite — 23/1/1988 — sábado
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Recordação dos “flashes”.
…A partir da recordação de um “flash” a gente pode em tese recompor todo o edifício dos “flashes”, etc., etc. E eu acho isso muito necessário — necessário propriamente, e muito necessário porque em grande parte as idéias em favor dos quais nós nos movemos vivem em nossa alma em estado de “flash”. Eu daqui a pouco explico porque. São princípios doutrinários que nós aprendemos da Igreja Católica, aos quais damos adesão de nossa fé. Como São Paulo diz, o rationabile obsequium, a adesão razoável de nossa fé, que se firma em nossa alma. Mas esses princípios não assim princípios como as verdades da Matemática, por exemplo, da geometria.
Eu não sei por que estou me lembrando de uma coisa que eu já soube o que é mas me esqueci, cujo nome me ficou como uma coisa misteriosa no meu ouvido: “hipotenusa”!
[Risos]
(Sr. Gonzalo Larraín:Dr. Marcos pode explicar para o senhor…)
Eu não estou tão empenhado, Ah! ah! ah! Eu estou certo de que a explicação seria boa, mas não estou tão certo que eu entendesse… Meu pai contava do tempo dele, de vida escolar do Pernambuco… sabe que o pessoal lá do nordeste é todo poético, não é? Então que até geometria ensinavam com poesia. Então havia um professor secundário, de um lugarzinho do interior como era a fazenda do pai dele, o professor ia lecionar coisa de geometria, e quando chegava nesse ponto da hipotenusa dizia: “Sinto um perfume de violetas, cada vez mais impregnada o ar. O que será isto? É a hipotenusa que entra no nosso programa, e que se aproxima de nós, para eu agora explicar!”
Então o pessoal, quando saia o negócio do perfume de violeta, todos se cutucavam e começavam a dar risadas, porque o caipira repetia a cada vez a mesma história. E eu não sinto perfume de violeta da hipotenusa em nada! Apenas o nome me é muito marcado e muito misterioso.
Mas enfim, a hipotenusa. Esse nosso “flash” nos véu na alma, são princípios que tomam vida. Agora, esta vida repousa sobre um mundo de impressões eternas mais umas impressões internas que a graça dá a propósito do que nós vimos.
Então vamos dizer, um indivíduo vê uma estampa muito bonita, e ele é tocado por aquela estampa. Impressiona-o aquilo que ele viu mais alguma coisa que ele não viu, quer dizer, mas a propósito do que a graça fê-lo ver algo. E há portanto alguma coisa que ele não viu e que de melhor tocou sua alma, a propósito do que ele viu.
Por exemplo, São Pedro com Nosso Senhor. Para mim aquilo é o exemplo arquetípico do “flash”. Nosso Senhor passou diante dele, depois dele ter negado três vezes, o galo cantou, e ele se lembrou do que é que houve, Nosso Senhor que disse, etc.. E ele chorou amargamente. Mas ele tinha visto muitas vezes Nosso senhor. E apesar disso ele traiu. Por que é que depois daquele olhar ele não traiu mais?
É que aquele olhar veio carregado cm uns imponderáveis ainda mais — se se pudesse dizer assim — infinitamente ricos do que os olhares anteriores e que tomaram a alma dele de um modo definitivo.
Bom, assim também são os “flashes” de nossa vida, a respeito de um ponto de doutrina, a respeito de um encontro que se teve, de alguma coisa que foi dita, aquilo rilha de repente com um aspecto que a graça fez ver, e que tem um fundamento no que a gente está vendo. Mas é uma coisa mais alta do que a gente está vendo, e que a graça fez ver de modo mais rutilante, de um modo melhor, etc., etc..
Mas ainda como há “flashes” dados pela graça, existem contra-“flashes” dados pelo demônio. E que fazem-nos ver as coisas mais pobres do que as coisas são, desfalcadas de uns tantos imponderáveis até naturais que elas tem e que nos fazem ver as coisas mais secas, como eles não são.
Eu nunca vi esse lugar de que eu vou falar agora, é possível que vários de vocês tenham visto, eu nunca vi. Toda vida tive vontade de ver: as cataratas de Niagara. Mas eu tenho certeza que apesar do trágico da catarata — deve ser trágica, deve ser uma coisa muito bonita — os americanos devem ter colocado ali uns quiosques tocando umas musiquinhas e umas dançotas, e vendendo colares que eu sei que vendem. Feitos com umas pedras tiradas do fundo do rio, muito batidas pela água, ficam com uma cor mais interessante, eles fazem souvenirs com isso, vendem junto fotografias, e naturalmente mulheres vestida de homem, com uns cabelos… que vendem isso lá. tudo isso o demônio pode servir-se dessa atmosfera para criar o seguinte estado de espírito: “Está vendo essa queda de água?” Um indivíduo imagine-se, poético, viria nessa queda de água isso, aquilo, aquilo outro. Mas isso não é verdade. A verdade é que aqui tem tanto cavalos-vapor (ou cavalos não sei o que, tem aquela medição de eletricidade) que cai com essa queda de água. E o modo de ver é ver como um fenômeno natural interessante, sem analogias históricas, sem analogias teológicas ou filosóficas, sem analogias de nenhuma espécie. É aquilo e está acabado.
E portanto agora vou entrar num desses Quiosques aí, ou comprar alguma coisa, mais adiante vou comer, vou dançar, vou “fassurar” junto à tragédia ou a magnificência da queda de água, porque isto é o que esta queda de água é!
Não sei se percebem que para ver a queda de água assim o demônio rodeia a coisa de uma porção de notas depreciativas, e ademais deforma o nosso espírito não vendo o sublime que há ali.
E eu alcancei um tempo — eu podia ser pai de todos os que estão aqui, mas folgadamente — eu alcancei o tempo em que a vida era impregnada de uma porção de aspectos assim, uns naturais e até tendentes a um certo romantismo, e outros sobrenaturais que eram certos “flashes” que a Providência concedia, a graça concedia. E que faziam ver a coisa de um modo.
Mas os senhores já entraram no pilão da modernidade e foram quebrados por esse pilão. E se habituaram a ver uma porção de coisas fora dessa perspectiva. Se não vem um “flash” a respeito daquilo é muito difícil que os senhores reconstituam aquilo que a visão do demônio quebrou.
Bem, de maneira que fica uma espécie de cegueira diante disso, e essa cegueira tem qualquer coisa de irremediável. A pessoa não vê realidades naturais, por causa dessa banalidade que o demônio mete na coisa.
Bem, e todo espírito moderno é feito de espezinhar, liquidar com esses aspectos e esses “flashes”, esse aspecto naturais e esses “flashes” sobrenaturais que agente tem e que leva como a melhor riqueza do espírito. Eu creio até, muitas vezes, que o choque principal vem da…às vezes até a dificuldade de compreensão entre os que são meus filhos e eu vem disso: é que eu estou vendo a coisas por um lado e os outros estão vendo de outro lado, não entendem bem.
Dentro dessa perspectiva, o que dizia o Marcos: guardar as brasas das recordações dos “flashes” que se tem, ajuda a manter uma espécie de parêntesis dourado que a Providência põe na nossa alma, para lembrar de tal coisa, de tal outra, de tal outra, e lembrando restaurar — eu vou usar uma expressão muito inadequada — como que um sexto sentido por onde se pega o “flash”. É inadequadíssima a expressão, é até incorreta, mas vamos usá-la aqui para comodidade didática, com as devidas ressalvas.
Bem, de tal maneira que nós possamos com isso refrescar a nossa alma com os orvalhos do tempo da infância, orvalho sem poluição, orvalho com frescor da inocência primeva. Isso então é uma grade coisa. Mas eu digo mais. Fazer disso uma preocupação continua da vida espiritual pode ser um dever. Sobretudo quando a pessoa atua muito no apostolado ou na profissão.
Por que, por exemplo, o ambiente profissional, isso já era assim no tempo que eu estudei Direito, é completamente socado, esmigalhado pelas preocupações de ganhar dinheiro. Em última análise e ganhar dinheiro. Então pode ter uma causa interessante, um processo levantando um ponto bonito de direito para defender, não interessa se a causa dá pouco dinheiro. Pode haver uma causa mais prosaica possível a respeito de mourão de cerca, e um adversário empurrou outro ou não, e a galinha que passou, etc., etc, e tátá — se dar dinheiro essa causa é trata assim!
Em nenhum momento o profissional pára, para dizer a si próprio: “Que lindo principio de Direito, como é que eu vou utilizar isso…” Nada. Ele pára para pensar no lucro que vai ter, só. Ou então não pára, para fazer o lucro. Bom, estas são e todas as outras profissões, metem-se nessa obsessão.
Mas às vezes o apostolado traz isso consigo também. O indivíduo resolve brilhar aos olhos do pátio, o pátio é o lugar onde ele está fazendo apostolado ou é São Paulo, resolve brilhar aos olhos do pátio, e começar a produzir, produzir, produzir. Ele perde o “flash” com que ele trabalhou. Se ele pára e restaura aquele “flash”, aquilo para ele é uma coisa… o bem para a alma dele é esse. E isso eu acho que o que o Marcos vê é inteiramente verdadeiro.
(Coronel Poli: Devoção a Sra. Dona Lucília tem um papel muito grande nesse restaurar dos “ flashes”.)
Quer dizer, as repercussões que eu tenho ouvido são muitas vezes no sentido que você está dizendo. E aquela longa permanência de gente ao pé da sepultura dela, gente que não tem hábito da menor concentração psicológica — “enjolrinhas” vindos aqui para essa semana de estudos — que ficam ali em pé, longamente, longamente… Às vezes a gente até se pergunta se eles estão rezando, tal é a forma de imobilidade do rosto eles… de fato está, porque estão inalando certas graças. Bem, isto só se pode explicar por um “flash” assim.
(Coronel Poli: Corresponde a um prolongamento, uma rememoração da vida dela, que foi toda povoada dessas considerações e desses flashes.)
Ah, sim, a vida dela toda foi isso, não tem dúvida.
(Coronel Poli: O senhor deve ter recordações enormes dela.)
É… Quase que e uma recordação contínua não é? Quase contínua. Mas eu vejo todos muito quietos… não sei se querem me perguntar alguma coisa a esse respeito?
(Sr. Gerreiro Dantas: É que o tema convida naturalmente a uma posição contemplativa do espírito, desejoso de que tenha continuidade…)
Não sei se todos viram aqui a caixinha de música que o João Clá mandou fazer para mim por ocasião de meu aniversario, não?…
[Trazem a caixinha.]
(Sr. Gerreiro Dantas: O senhor que a conheceu, que impressão o senhor acha que ela teria ouvindo isso?)
Se ela não soubesse que tinha a fotografia dela aí, ela ficaria encantadíssima. Eu seria capaz de comprar isso para ela, para satisfazê-la: tanto mais que ela no fim da vida era muito surda, e tinha possibilidade de por isso junto ao ouvido. Portanto se regalaria. Com a fotografia dela ela ficaria estranhadíssima! E ela diria: “Mas meu filhão, você está delirando a meu respeito!”
Eu acho que tem uma inocência de Ancien Régime, uma coisa extraordinária!
(Sr. Gerreiro Dantas: Esse salão é muito adequado para ouvir isso.)
É, faz inteiramente sentido.
(Sr. Paulo Henrique: E da música em si, Sr. Dr. Plínio?)
Eu acho a música, não é um modelo de música. Aí tem uma conotaçãozinha assim de música de atmosfera pastoril, a gente imagina isso nos Alpes da Suíça. Para mim ao panorama próprio para isso é o castelo de Chyon, no lago Genebra, na Suíça.
Mas acho que é perfeitamente adequado a lembrá-la, mas perfeitamente…
Mas olhe, se nós formos esperar tocar até o fim, isso vão longe hein?
[Fecham a caixinha.]
Eu acho que seria interessante era, por exemplo, se cada um procurasse fazer, em privado, uma recordação dos “flashes” mais intensos que teve, ou dos flashes que o moveram mais, e se chega a marcar qual foi o mais intenso. E depois reviver em câmara lenta: “Aqui assim foi, etc., etc., eu senti, eu vi aquilo…” Mas não procurar reduzir a idéias abstratas. Isso é o quadrado da hipotenusa, é o tal negócio de papai. É além de alguma idéia abstrata que se deduz daí, ficar com toda a atmosfera, todo o aroma do imponderável que se sentiu no momento, e toda a capacidade de ter a alma povoada desses imponderáveis.
A tentação da idade madura em que todos estão aqui é o que Napoleão chamava a “venalidade da idade madura”. Uma vez disseram para ele que ele deveria escrever um romance. Não, ele que disse que queria escrever um romance. Porque ele tinha medo de que quando chegasse a venalidade da idade madura — ele era moço — a romance que ele tinha na cabeça ele não escrevesse.
Eu achei a expressão “a venalidade da idade madura” muito bem apanhada. Porque a pessoa em certo momento é levada pelo demônio a uma espécie de atitude de alma que eu não hesito em chamar de uma espécie de ateísmo. A expressão é muito forte mas ela é perfeitamente verdadeira. Quer dizer, o ateu se for lógico quebra com todas essas coisas. Porque essas coisas só têm sentido em função de Deus, em última análise. Mas se ele crer em Deus, ele pelo contrário conserva essas coisas avidamente no espírito. Mas avidamente.
Bem, então, se os senhores procurarem se lembrar, por exemplo, do maior “flash” que tiveram ou do mais antigo “flash” que tiveram, e como é, e procurarem reviver… depois os outros flashes. Depois os flashes bem menores. E terem por assim dizer uma espécie de repertorio de “flashes” no seu espírito, de maneira que na hora que quiserem têm aberto essa caixa de música dos “flashes”. Não é? E abrirem e ouvirem essa caixa de música , eu tenho impressão de que é a verdadeira restauração para vida espiritual.
(Sr. Gonzalo Larraín: Muito importante para as horas que vêm.)
As horas que vêm, para a “Bagarre” e tudo o mais.
(Sr. Gonzalo Larraín: A Reunião de Recortes de hoje por exemplo.)
A Reunião de Recortes de hoje apresenta um futuro sombrio. Aliás, eu vi que o pessoal ficou muito impressionado. Não ficou temeroso mas ficaram impressionados, ficaram entendendo que a coisa não é para brincadeira. Mas é claro que, por exemplo, durante a “Bagarre” pode acontecer que nos vejamos separados uns dos outros, durante algum tempo. Não é possível que a gente seja levado a tratar nessa ocasião os respectivos “flashes” como recordação de um mundo que se foi? E que sob pretexto de dedicação e de eficácia, a gente afunde no mundo em que está entrando e que não é o Reino de Maria? A “Bagarre” é o período expiatório antes do Reino de Maria.
Então, não era muito bom, durante a “Bagarre” os senhores terem do que recordar? Quer dizer, eu dou a maior importância a isso. Os senhores dirão: “Mas por que é que o senhor diz: “os senhores”, não dia “todos nós”?”
Eu digo: graças a Deus, eu tenho má memória , mas para “flashes” eu tenho uma memória magnífica! E tenho a cabeça cheia de todos os meus “flashes” do passado! Repleta! De maneira que eu vivo em grande parte, posso dizer de boca cheia, do meu passado, do passado que eu vi, das coisas que eu assisti, das várias… dos vários fatos de minha vida que eu contemplei, que eu considerei, vivo disso.
Agora, eu creio que para todo mundo que atingiu a já longa perseverança dos senhores, e os vais-e-vens e choques dos senhores, por que passaram forçosamente — eu não recuo diante da palavra — das decepções (não recuo diante da palavra!), eu acredito bem que quem passou por isso fique com seu tesouro de “flash” muito prejudicado, muito diminuído, conspurcado, sujo pela dúvida, pelo esquecimento,etc.. E que vale muito a pena, portanto, recolher com afeto esses “flashes” e reconstituí-los, pedir a Nossa Senhora que lhes dê nova vida, etc., porque disso é que a pessoa vive.
Há até, ouviu, em geral nas pessoas, e habitualmente nas pessoas de muito “thau”, uma espécie de “dupla personalidade”, porque não é a dupla personalidade de que falam os psiquiatras, mas é o que os autores espirituais chamam o “homem novo” e o “homem velho”.
O homem novo é o homem bom, renovado pela graça. o homem velho é o homem do pecado original. Quer dizer, o sujeito que tem muito “thau”, ele é levado a ter fulgurações de “thau”. E por causa disso ele é tentado pelo demônio no extremo oposto. E às vezes ter quase uma espécie de vergonha diante dos seus contemporâneos, não tanto contemporâneos de grupo quanto contemporâneos da vida aí fora, de ser um homem de tal, de ser uma homem que vive de “thaus”. E tem uma vaga noção de que os outros sentem isso.
Então procura substituir isso por uma eficácia quase frenética. E essa eficácia quase frenética supõe que o individuo diga internamente: “Não, eu não [vou] mais perder tempo com “thau” nem nada disso, porque eu deixarei de perceber a ocasião oportuna ou o momento azado, o truque jeitoso para tocar para frente, esse eu tiver a minha alma cheia de “flash”. Portanto eu vou por isso de lado e vou meter no concreto, prático-prático, encher-me de trabalho e ficar cansado como uma besta de carga! E com isso eu me realizarei!”
E isso é a ruína da alma! Aponto de que, na medida do possível, se houver algum entre nós que está nessas condições, na medida do que pode eu aconselharia; fique pelo menos um mês ou dois numa camaldula. Pelo menos! Para se evolarem as coisas e tomarem jeito, e os “flashes” reviverem antes de vir a “Bagarre!”
(Sr. Gerreiro Dantas: Nessa linha eu perguntei outro ao Sr. Patrício Amunategui o que ele pretendia fazer ao terminar o trabalho dele. Ele me disse que pensava passar um ou dois meses de vida de camaldula, sem nenhum serviço, só ouvindo as fitas e pensando. Eu achei a resposta de primeira. E o trabalho dele é um assunto de primeira ordem.)
De primeira ordem! Muito subtil, muito elevado. Sem embargo, é assim que tem que ser. Por exemplo, dizem aqui no grupo que um ou outro quer aprender comigo o “pulo do gato”. Se eu pudesse ensinar o pulo do gato a alguém eu diria: fique camaldulense!
O Talleyrand — gato muito mais do que, sem ter comparação — o Talleyrand tinha um dito muito interessante. Ele era bispo apostata, e para ser bispo tinha que estudar teologia. É de presumir que muito inteligente como ele era, ele tenha estudado a teologia e tenha percebido a teologia. Um ou outro comentário sobre a religião que eu vi fazer, é muito passageira mas fulgurantemente bem feito.
Então ele dizia o seguinte: quem não aprendeu teologia não aprendeu subtileza diplomática! Olha que é um Rei na matéria hein? E que evocava na ocasião uma vergonha na vida dele. Mas é isso.
Eu tenho visto pontos de teologia de uma complexidade espantosa, que são dados, assim entre os teólogos se trata normalmente, habitualmente. Por exemplo, em Nosso Senhor Jesus Cristo, nós sabemos pela fé, que nEle havia duas naturezas, a humana e divina. Mas numa só Pessoa. Assim como em nós existe e espiritual e o animal, mas numa só pessoa, nEle havia o humano e o divino numa só Pessoa. Isso é fácil der compreender.
Agora vem o problema: Nosso Senhor Jesus Cristo para ser verdadeiramente humano tinha que ter a alma humana. Não podia ser a divindade ligada a um corpo animal, não seria homem. Ele tinha que ter, portanto, alma humana. Qual era a relação dessa alma humana com a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, hipostaticamente unida a Ele? E até que ponto esse alma unida à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade era capaz de atos de intelecção, de vontade e sensibilidade próprios.
(Sr. Gonzalo Larraín: Uma coisa de alta categoria.)
Alta categoria! E supõe capacidade de distinguir as coisas magnificamente. Bem, é uma tese de aluno da Gregoriana. Assim há mil outros problemas. Um pouco de subtileza que eu tenha procedeu do “thau”, do senso da Contra Revolução, etc., das mil subtilezas do assunto Revolução e Contra Revolução. Mas não existiria se eu não tivesse guardado os meus “flashes” com muito cuidado.
(Sr. Gonzalo Larraín: Relacionamento “flash”-subtileza muito grande.)
Enorme! O “flash” é sutilíssimo !
(Sr. –:Torna a pessoa subtil.)
Torna subtil. Porque a pessoa pra aproveitar o “flash” tem que tender a explicitá-lo. E o explicitar uma luz que a gente viu, traduzir em palavras para seu próprio uso, supõe uma subtileza de observação e uma subtileza de pensamento depois, e uma própria subtileza de palavra,que é exemplar. É uma beleza.
(Sr. Gonzalo Larraín:E prepara inclusive para a ação.)
Não, é isso que prepara. Eu considero que eu seria a raiz quadrada de mim mesmo se não fizesse isso. Permitam-me dar um exemplo. Eu tenho impressão de que consegui algum resultado com meu esforço de tornar a minha linguagem tanto quanto possível matizada. Porque quando eu falo eu digo uma porção de coisas que não estão ditas expressamente. Mas que pelos matizes das palavras que eu uso, e usando essa singularidade da língua portuguesa — que me parece que o castelhano não tem em igual grau — que é de por uma palavra… quer dizer, em geral, ao menos muitas vezes, uma mesma coisa tem uma palavra corriqueira e uma palavra nobre para exprimi-la. De maneira que quando a gente exprime pela palavra corriqueira, exprime certo aspecto das coisas. E quando exprime pela palavra nobre exprime por outro lado da coisa.
Todo idioma tem isso, mas o português tem as torrentes.
Bem, daí resulta uma certa subtileza de espírito para mim, que depois se transfunde na linguagem. Eu querendo dizer uma determinada coisa, em tom nobre,consegue sair. Se eu quiser dizê-la em tom corriqueiro, comum, sai também. Por exemplo…
(…)
…(Sr. Guerreiro Dantas: são sinônimos.)
são. Porque saber em tudo ter a visão nobre e a visão comum é uma coisa muito importante. Você veja por exemplo, leite. Uma coisa é o leite quando a Escritura fala dele… é a palavra leite! Mas é um modo de dizer o leite! Então, por exemplo: “Farei correr na Terra dele o leite e o mel…”. Coisas lindas. Outra coisa é o leite: “o leiteiro já trouxe o leite?”… É comum! Todo mundo sabe pronunciar um leite e outro, de maneira a dar sentido do leite como é que é.
Eu tenho impressão de que no tempo em que os senhores eram meninos, isto estava desleixando completamente, e talvez nem mesmo os pais ensinassem mais isso aos filhos.
(Sr. Aloísio Torres: Não tivéssemos nem noção disso.)
É, eu não queria dizer, mas os homens de minha idade dificilmente tinham noção disso.
(Sr. Guerreiro Dantas: Na Revolução essas coisas comuns revoam com uma facilidade e “despliegue” fabulosos.)
Não. Expulsam como irreais os outros sentidos. De maneira que a Republica de fato é sans-culotte… é de bermudas. Nem mais é culotte, é republica de bermuda. Anstole Prance que era republicano e ateu tinha essa frase: “Cada república que se proclama no mundo é um progresso da feiúra”. É a pura verdade.
(Sr. Paulo Henrique: Ele tinha noção das coisas, Prance.)
Odiava as coisas que ele sabia que eram como deviam ser, mas tinha noção.
(Sr. –:… [faltam palavras] …)
Os Jesuítas tinham uma casa muito grande em Itú e fizeram isso: um bambuzal enorme, que se quebrava em cruz. Na intersecção uma espécie de ponto onde os bambus eram muito mais altos. Nesse ponto uma imagem da Imaculada concepção, de mármore branco. Andando pelo bambuzal, de longe se via aquele imagem. Podia-se rezar o terço andando de um lado para outro, no bambuzal, ao abrigo do sol e vendo aquela imagem.
Essas coisas alfabetizam mais o povo do que um grupo escolar. E se uma fazenda se organizasse, desse um pouco de terreno para isso, mas muito pouco… nada…
(Sr. Gonzalo Larraín: Mas é nada em comparação com as fazendas aqui do Brasil…)
Mas meu filho, sobretudo para o Brasil daquele tempo, século XIX, eram fazendas que eram províncias. Uma fazenda de tamanho comum era uma província. Bem, eles remodelariam a alma do povo. Mas não querem porque põe essa clave, esse tecla mais elevado no espírito do povo. A revolução não quer isso.
***
(Sr. Gonzalo Larraín: Traduzindo o capitulo sobre função social da propriedade, do último livro do senhor. Tem que ser palavra por palavra, porque é o que trás a vida do negócio. Por exemplo, “melopéia”, “sócio-sentimental”…
A palavra “melopéia” atinge como um estigma. É uma espécie de musica meio dramática…
[Vira a fita]
… Você pode dizer em homenagem ao “flash”: “Tempo houve em que tinha tais ‘flashes’ assim”. Mas você não pode dizer assim: “Houve um tempo em que eu tinha tais ‘flashes’” …O “flash” pede para ser tratada de outra maneira.
O que é que diz a isso meu LDM, que me olha com tanta atenção?
(Sr. LDM: É uma riqueza muito grande.)
Fabuloso. No alemão tem uma riqueza a ordem indireta… francês não tem ordem indireta. Tanto pior para eles. A língua deles é uma maravilha, mas isso eles não tem. Está acabado.
Isso tudo em torno do “flash”.
(Sr. Guerreiro Dantas: Saint Simon passa por cima da gramática francesa.)
Ele torce o pescoço da gramática a qualquer propósito, ele passa por cima… ele [perfura?] várias regras com a espada dele para dizer uma coisa que ele quer. Mas as aquilo com uma vida, que é o triunfo do literato. Ele é considerado hoje em dia um dos clássicos da língua francesa. Escreve num péssimo, e que eu reputo magnífico! Isso é o que eu penso.
(Sr. Gonzalo Larraín: Esse assunto toda é muito necessário.)
O ideal seria o seguinte. Como todos nós somos muito sociáveis, se houvesse um meio de porem em comum seus “flashes”, conversando sobre eles, de maneira que isso pudesse ter um auxilio para renascer — mas muitas vezes tocam coisas tão pessoais, tão intimas que a pessoa teria talvez constrangimento em dizer. Seria preciso vencer um falso constrangimento para que, em rodas restritas e não nos grandes espaços abertos da TFP…
(Sr. Gonzalo Larraín: “Pátio” que mata o “flash”… )
O pátio é o anti “flash”. O “pátio” tem o contra-”flash” permanente do homem, do êxito terreno do homem eficaz. Para o pátio a vida é a eficácia. E eu sou um bardo envelhecido, que do alto de uma montanha canto canções dos outros tempos. O verdadeiro é estar ao par das coisas que eles sabem fazer. Esses é o Pátio.
(Sr. Gonzalo Larraín: o bom é realmente recordar os “flashes” como o senhor diz.)
Á força de recordar, depois organicamente, sem estrepito pode ser por alguma coisa em comum. Mas o problema é recordar.
Não sei se foi a esse resultado que chegou a colenda comissão de Belo Horizonte?
(Dr. Marcos Ribeiro Dantas: Nós não ousamos trilhar esse caminho ainda. Agora uma observação que eu teria que fazer Sr. Dr. Plínio, é que o senhor disse que na “Bagarre” viria a tentação de acharmos que os “flashes” foram uma quimera. Eu acho que já antes da “Bagarre”, para uma mais velho se põe essa tentação, e ela é terrível. E uma alegria que eu tive nesse simpósio, foi ver eu esses “flashes” são leis vigentes!)
São o melhor da realidade e não são sonhos. São o melhor da realidade.
(Sr. Paulo Henrique: E rejuvenesce a pessoa espiritualmente.)
Exatamente. Eu sei, eu estou falando da “Bagarre”, do futuro, mas eu sei bem que a conservação da memória dos “flashes” supõe muito cuidado, e que se a pessoa não conservou isso pode ficar colocada na posição mais difícil. Isso é bem verdade. A mais difícil.
Meus caros, uma coisa que é cheia de “flash” é a educação. E a educação impede ao dono da casa de olhar para ao relógio, mas eu estou sujeito à legislação do trabalho. Tem uma espécie de enfermeiro que me ajuda a deitar, e ás três soa o meu… Eu não acho a legislação do trabalho “flashosa” em nada… mas que remédio nós temos?!…