Conversa de Sábado à Noite – 2/1/1988 – p. 10 de 10

[Nota: Esta reunião encontra-se também no rolo [JC 018]. (Neimar Demétrio)]

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Conversa de Sábado à Noite — 2/1/1988 — Sábado [VF 056] (Neimar Demétrio)

É um outro assunto que a nós nem ocorre tratar. Porque a pessoa olha para os temas tratados e diz o seguinte: Os temas tratados são muito elevados, e eles estão no mais alto do meu horizonte, mas é o raciocínio que o sujeito faz, mas não é um raciocínio objetivo. Porque o mais alto do meu horizonte é o horizonte dos horizontes? [!]

Agora, curioso é o seguinte: é que o tema tal enquanto tal é de uma tal natureza que por mais que a gente aprofunde ele é meio inesgotável, e nós encontramos nele sempre horizontes novos.

(Sr. João Clá: Ele é tão profundo quanto o próprio Deus.)

É, a gente pode ir indo, pode ir indo, que é inesgotável.

Mas qual é o tema de hoje meus caros?

(Sr. Guerreiro Dantas: Eu não sei se o senhor acha que caberia uma distinção entre como se desenvolveria naturalmente uma corte, e depois como é que ela deveria ser no Reino de Maria?)

Não, a distinção é perfeita, não tem a menor dúvida.

Isso envolve, quer dizer, para a gente tratar disso seria preciso a gente situá-lo dentro de um assunto muito mais amplo, esse assunto é ótimo, mas ele é um elemento, será um conjunto de pétalas de uma flor ainda muito mais ampla.

Que é o seguinte: Se nós considerar-mos a missão do convívio dos homens na terra como meio para a salvação, nós temos que a Igreja tem um papel próprio para a salvação. E Deus deu ao Estado, não é só ao Estado, a sociedade civil também [tem] um papel próprio, a cristandade. Que é a família nas nações católicas, Deus deu a elas um papel próprio.

Agora, esse papel, propriamente, qual é esse papel? Uma parte já está vista, quer dizer, é servir de braço secular a Igreja para proporcionar a Igreja, o que já está mil vezes visto, é lindíssimo, mas já está visto, não se trata disso, trata-se de, além disso, perguntar se tem outro papel. Assim como o rei tem por exemplo, uma missão regnatiava que não é punição administrativa, não é? Assim também a sociedade civil e portanto, também o próprio rei tem uma missão regnativa que não é apenas a missão religiosa, que não é apenas a missão de adornar a vida, de arranjar bem, etc., etc., mas uma coisa mais alta do que isso.

A gente deveria dizer que o próprio de uma sociedade temporal bem constituída seria o seguinte: exprimir, essa sociedade temporal nós a devemos imaginar virtuosa, e própria a refletir, irradiar, marcar com sua virtude tudo quanto ela faça, toda a marcha da vida espiritual dessa sociedade.

Agora, a vida espiritual de uma sociedade se faz de tal maneira que ela enquanto tal, enquanto sociedade, ela é uma síntese de miríades de vidas espirituais individuais. Porque cada homem tem a sua vida espiritual, e a vida espiritual de cada homem é que o leva para o céu.

Mas, quando eles estão postos em sociedade, essas vidas espirituais internos, deixam permear algo, entra aqui a questão das permeações, deixam permear algo e o conjunto dessas permeações faz algo a maneira de uma vida espiritual coletiva, quer dizer, de toda a sociedade. E nesse sentido pode-se imaginar a sociedade subindo e caindo de vida espiritual, passando, tudo isso tem que se acusar com bom senso, mas passando a via purgativa para a via iluminativa, da via iluminativa para a via unitiva, como passam os indivíduos.

Apenas o que tem é que parece, mas pode ser que eu, é, eu tenho uma ressalva a fazer ao que eu vou dizer daqui a pouco, mas que grosso modo falando, uma sociedade não deve ser tal, não consegue ser tal, as circunstâncias nesse vale de lágrimas não são tais que uma sociedade possa toda ela, assim mesmo toda ela não quer dizer cada um, quer dizer, “plupart” de seus membros viver a via unitiva.

Que isso produziria uma excelência de vida temporal quase inimaginável, e, portanto, em certo sentido quase utópico, uma sociedade toda ela vivendo a via unitiva, ainda com a ressalva que a “plupart” não é cada um, essa sociedade seria baseada numa utopia de vida espiritual e voltada para uma utopia de perfeição, e isso eu acho que por razões que eu precisaria pensar, talvez aliás, feitas certas ressalvas, eu acho que isso nós termos até o fim dos tempos, não teremos até o fim dos tempos. Não teremos por que? Em primeiro lugar porque há um princípio de perfeição que está posto na ordem hierárquica do universo que se opõe a que tudo seja esplendido, mas a própria gradação pede que algumas coisas sejam magníficas, outras coisas sejam muito boas, outras coisas boas, o que não permite é que nenhuma seja má, o que é uma coisa diferente.

E já uma sociedade onde todos sejam bons é tão magnífica, quer dizer, ela dá qualquer coisa de tão superior ao que nós podemos imaginar que já ela para nossas vistas turvas de homens do século XX já toma um caráter de utopia, uma coisa que teremos dificuldade em conceber, mas não é utopia.

Bem, mas donde se segue que o que nós poderíamos talvez admitir é que certas pequenas sociedades temporais que passageiramente a “plupart” entrasse na via unitiva. Então certos estados eclesiásticos da Idade Média, por exemplo, governados por abadessas, em que a sociedade temporal, era uma espécie de prolongamento do convento, então o convento num altíssimo estado de santidade, então uma sociedade muito primitiva, com camponeses muito inocentes, muito toscos, mas muito bons. Então algumas condensações assim locais da via unitiva se poderia conceber e aí realizar-se em amostra pequena o que seria excelente de mais para existir de modo grande, não é? É essa a razão de ser de certas ordens religiosas, por exemplo, como havia na Boemia antiga, mas até a guerra mundial, até a queda da monarquia na Áustria, conventos em que a abadessa era tradicionalmente uma arquiduquesa da Áustria. Em que as damas eram damas nobres. Elas realizavam ali um aspecto da nobreza que a nobreza na terra, na sociedade temporal não realizava. Tomava uma categoria temporal e ia viver num convento a condição perfeita dessa categoria temporal.

(Sr. Gonzalo Laraín: E as preparava para casar-se.)

Exatamente, e depois para servir a outras que não iam ser monjas, para compreender como é que é naquele meio social uma espécie de via unitiva para ser [prática?] [praticada] pelas mais perfeitas.

(Sr. Poli: E isso existiu?)

Existiu. E ainda tinha uma fotografia da arquiduquesa com um báculo, é uma coisa realmente muito bonita.

(Sr. Mário Navarro: A mãe de Afonso XIII foi abadessa.)

Foi a Rainha Cristina?

(Sr. Mário Navarro: Foi.)

E eram carmelitas hein! Bem, e ela foi uma regente de valor.

Bem, mas aí os exemplos da história, mais do que a nossa imaginação, nos ensinam embricamentos que foram feitos no passado entre a ordem espiritual e a ordem temporal. De maneira que, vamos dizer, o bispo-conde nos ensinaria uma grandeza do que é ser bispo muito grande, mas também uma excelência do que é ser conde também muito grande. E essas misturas assim são altamente fecundantes e inspiradoras, sugestivas, etc., tanto que se teria quase à vontade de se ficar conversando sobre isso, e seria quase uma arapuca numa conversa que deve tomar uma extensão muito maior, seria quase uma arapuca tratar do que nós estamos falando.

(Sr. Poli: Está muito bonito.)

É muito bonito. Havia um convento na França que era assim, e foi, era uma daquelas antigas ordens religiosas que a Madame de Maintenon, uma pobre decaída, mas o pai dela era um protestante de uma certa notoriedade, aquele padre [Aubigné?] mas protestante duro, dos piores possíveis, e ela mesma se casou com um poeta aleijado, chamado Scarron, mas da plebe, ela era conhecida como “la veuve Scarron”, mas ela tinha muito senso católico, era uma pessoa muito apreciável, etc., etc., Luis XIV a conheceu e se casou com ela morganaticamente. Ela foi educadora dos netos de Luis XIV e tal. Dos netos não, dos filhos adulterinos de Luis XIV, etc.

Mas, ela fundou essa casa para moças nas condições dela, de familias nobres decaídas. Formava essas moças e casava com nobres riquinhos da província, mas caipirões, que estavam encaipirados e que queriam subir também. Então, da riqueza de uns, da riqueza caipira de uns e da pobreza cidadã de outros, ela fazia uma mistura. E re-elevou não seu quantas pessoas de casas decaídas, etc., etc.

As senhoras que viviam nesse convento tinham todos esses estatutos, etc., educavam-se as nobres, e às vezes pessoas da nobreza, ricas queriam pagar dinheiro para ter as filhas educadas lá, porque saíam com uma educação excelentíssima.

Mas a Maintenon era irredutível, ali só entra quem for pobre, quem for nobre e quem for pobre.

(Sr. Guerreiro Dantas: É uma coisa muito interessante.)

É, são coisas do passado, mas precisaria, tem uma porção de coisas assim.

(Sr. Poli: Aí é uma legítima preferência pelos pobres.)

É, aí por exemplo, uma opção preferencial pelos pobres muito verdadeira. Mas, eu imaginaria perfeitamente uma Santa Maria Taíge fundando um convento para gente do nível cozinheiras, ela era cozinheira e fundando. O sentido da obra de São João Bosco era esse, era esse o sentido. Atualmente, hoje, nem falemos, não vamos perder tempo.

Bom, agora, voltando ao nosso caso, mas uma sociedade pode passar por [decadente?], por decadências maiores ou menores, tomados no seu todo, eu digo uma sociedade de tamanho normal. E não uma sociedade pequena onde haja um embricamento das duas coisas, espiritual e temporal, em condições excepcionais. Essa sociedade marcando a vida temporal com a sua própria vida espiritual conferiria um caráter simbólico a toda a vida espiritual. E teria esse efeito de que através desse caráter simbólico, tornava Deus como que visível, tangível, palpável, e posto nas proporções desta vida para todo o mundo que vivesse dentro dessa sociedade.

Bem, e portanto, com o curso dos tempos, e com o sobe e desce da vida espiritual, com o desabrochar, etc., etc., a sociedade também ia se modificando, não seria estática como a sociedade chinesa, mas ela ia se modificando. A Igreja é um organismo vivo e as coisas dela não conhecem o estático absoluto, hirto do que é morto. Conhece estabilidades prodigiosas. Até vamos dizer, que podem varar a história da Igreja de ponta a ponta, isso conhece. Mas, de alguns traços, outros traços são modificados de acordo com os tempos, e um museu que desse todas as fases de ambiente e costumes de um povo, conforme as épocas, esse museu devia dar a história da vida espiritual de um povo. E um homem com discernimento dos espíritos deveria saber ser o cicerone desse museu e deveria distinguir isso daquilo, daquilo e daquilo outro, de maneira a se compreenderem os ambientes e costumes. Isso me parece que seria ideal.

Mas então tudo teria a sua marcação.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: Uma marcação proveniente exatamente de um reflexo de vida espiritual.)

Da obra de Deus dentro daquelas almas, não é?…

(…) [Sol e 1º A?]

Tudo quanto queiram, deve ter um nexo com a vida espiritual, um de vocês dois [peçam?] [peça] ao Dhér para trazer o “Point de Vue” que eu recebi hoje, eu vou lhes mostrar uma coisa, já o exemplo já é muito modernizado, mas o que é que são as coisas. É um anúncio.

(Sr. Gonzalo Laraín: Aqui ficou alguma coisa anterior ao tempo da Sra. Da. Lucília?)

Alguma coisa foi dela aqui, por exemplo, toda essa sala de jantar aqui foi dela.

(Sr. Gonzalo Laraín: Enquanto ambiente.)

Essas coisas todas viveram a síntese final da vida [dele?] [dela].

(Sr. Gonzalo Laraín: Porque não se separa tão quadradamente.)

Não, não, é a síntese final, não é? Os anos finais de um homem são sobretudo a síntese, esse salão exprime muito uma síntese, não é?

Quer me dar aqui o “Point de Vue”. Obrigado.

Eu vi um anuncio aqui hoje que eu quero mostrar a vocês, mas eu quero que vocês tenham a primeira vista deles. Onde é que está a capa disso? Bom, aqui está.

Mário, você queria me ascender um pouco essa luz?

Olhem primeiro esse salão aqui, olhe que há é um salão muito moderno, não daria a vocês gosto de trabalhar nesta sala?

(Sim.)

A mim daria.

(Sr. Guerreiro Dantas: É só tirar esses lustres que fica bastante bom.)

Meu filho, os próprios lustres se você perceber são de um material chamado opalina, de um verde muito delicado, a tal ponto que se percebem as coisas de metal através disso, não é um verde comum, é muito bonito. E o resto já é burocracia hein! Mas é uma burocracia ainda penetrada de uma coisa que a mim me agrada, eu não vou dizer que seja o salão ideal para mim, nem de longe, mas me agrada.

(Sr. João Clá: Aí já é EEUU.)

Sim, mas o que eu quero mostrar é como a vida espiritual se vai simbolizando, mas é…

(Sr. Mário Navarro: É uma firma que vende estantes.)

É, exatamente. Ela, em última análise apresenta, foi à impressão que eu tive do anuncio, até vende planos para organizar uma biblioteca a partir de móveis existentes.

(Sr. João Clá: Essas bolsas o senhor gostaria muito.)

Que bonito, que bonito, agora essa aqui eu vejo mais ou menos como porcelana chinesa.

(Sr. João Clá: Não, são bolsas grandes de pêra turquesa.)

Em todo o caso fica muito bonito, e depois vejam uma coisa engraçada, através dessa vitrine filtra um pouco da janela, a vitrine não está atochada de livros, se é cheia de livros perdia esse reflexo. Sabe o que é? Deve ser uma vitrine com curiosidades, documentos, lembranças de família preciosas, condecorações…

(…)

Jade, etc., podem caber aqui muito bem, mas veja como ficou agradável essa transparência, mesmo para mim, e outra coisa, eu nunca tiraria esse globo daí. Quer dizer, não é de nenhum modo uma coisa que me satisfaça, mas em comparação com esse há uma plenitude que exprime uma seriedade, um peso, uma capacidade de refletir. Como nós não temos escritório assim, ficaríamos contentes de ter.

Por exemplo, eu não gostaria de fazer a reunião do MNF aqui, acho a sala do Reino de Maria muito superior, nem se compara. Mas eu acho que uma coisa ficaria bem aqui, em algum lugar destes a estatueta de Carlo Magno, não acham não? Até seria, se não fosse perda de tempo seria um jogo interessante nós estudarmos onde poríamos a estatueta aqui. Gosto muito dos objetos postos na profundidade desta janela, o grau de luz é muito agradável.

(Sr. Mário Navarro: A biblioteca de [NY?] [Nova York] é muito assim.)

É assim? Mas, tem essas coisas e tal?

(Sr. João Clá: Não tem essa opalina de jeito nenhum, mas a biblioteca enquanto tal é mais bonita.)

(Sr. Paulo Henrique Chaves: Mas o papel do globo, o senhor gosta do globo?)

Meu filho, o globo, o globo mais essas duas coisas dão o centro da sala.

Meu Dhér você quer me levar isso lá para o escritório, mas vale a pena você analisar essa pagina aqui, veja um pouco. Quando você acabar de analisar você leva.

(Sr. Dhér: Pois não.)

Bem, isso aqui é para mostrar como uma sala, feita sem a menor preocupação religiosa, a pessoa que fez isso não tinha a menor preocupação religiosa, entretanto reflete um estado de vida espiritual, reflete um estado de alma e o estado de alma reflete um estado de vida espiritual, não é?

Então nós deveríamos imaginar a sociedade temporal intensamente marcada por expressões simbólicas, mas analisados por pessoas muito habituadas, e esse deveria ser o ideal nosso, a ver, a perceber o lado simbólico de todas as coisas. A viver, a nadar nos simbolismos.

De maneira tal que escapássemos do cárcere da pergunta é bonito ou feio? Vem muito a propósito mas não é só.

(Sr. Gonzalo Laraín: Devoto ou não devoto no sentido "heresia branca" também não.)

Não, é outra coisa, é se simboliza ou não uma virtude, qual é essa virtude católica simbolizada aqui. Ou seja, simboliza o próprio Deus no que? Uma sociedade intensamente expressiva disso e ao mesmo tempo intensamente capaz de sentir isso, teria um apoio para praticar a religião que evitaria perecesse como de fato ela perece em virtude de 100 Emerys e 100 qualquer coisa, uma coisa meio impalpável, meio intangível, e quase desumana por alguns aspectos.

Se você me permite meu filho, só mais um passo depois você me põe a sua pergunta: então, deveria haver, eu não sei como, pessoas com especial dom de compor isso e um modo de que a virtude desse a moda. Porque moda tem que haver.

(Sr. Guerreiro Dantas: A virtude aí ditando a modo é mais enquanto símbolos.)

Símbolos, símbolos de estado de alma, etc., etc., a virtude dá moda, e essa moda precisamente, essa moda é um chamado continuo de Deus para ser de uma determinada forma. Ele trabalha as almas para que as almas produzam uma sociedade espiritual e uma sociedade temporal que vai vivendo a sua vida conjunta de um certo modo e que dá nisso. Alguém dirá: O senhor está excluindo dessa missão muitíssimo religiosa o clero, qual é o papel do clero dentro disso? É colossal, é dar a vida espiritual que, a cada um, por meio dos sacramentos, por meio da pregação, por meio de tudo quanto a Igreja põe na mão do sacerdote para que cada um viva a sua vida espiritual, e por esta forma também, com as magníficas simbologias da Igreja, sem as quais a sociedade temporal não teria capacidade de expressão religiosa simbólica, concorrer para isso. E isso faria da sociedade temporal um meio de santificação incomparável.

Vocês imaginem, vocês se ponham, cada um, no tempo de rapazinho, 11, 12, 13 anos, e vendo que os homens mais postos em foco pelos jornais eram homens profundamente católicos e que exprimiam todo, no modo de estar e pegar numa cadeira, exprimiam já uma atitude religiosa. E que estes eram os homens objeto da admiração de toda a sociedade e que marcavam o modo de ser varão. Vocês imaginem que as modas fossem lançadas para exprimir o tom religioso de um gênero de sexo feminino posto na sociedade, etc., etc. Imaginem que os escritórios fossem feitos para a expressão de que nós acabamos da falar, vendo aquele escritório, etc., os senhores não teriam tido outro “élan” para a vida espiritual que não tiveram? É evidente.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: Tínhamos o contrário.)

Tiveram o contrário, tudo foi contra. Mas, o terrível não foi que tudo foi contra, é que a omissão do clero a esse respeito dava a entender que o que não era obsceno estava em ordem.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: Agora, aí não entra o profetismo?)

Bom, essa é uma pergunta. Eu acho que entra de cheio, uma função rectriz, mais ou menos intuitiva, instintiva, das pessoas que por toda a parte tem uma missão rectriz e que não é necessariamente um título, nem é necessariamente um cargo, há homens que são chefes, há homens que tem o chamado, e senhoras também, de ser o modelo de um determinado, de uma determinada situação.

Eu vou dar um exemplo, mas só entendera bem esse exemplo quem tiver conhecido velhas farmácias brasileiras, eu não sei até que ponto vocês conheceram, na medida em que essas farmácias se pareçam eventualmente com velhas farmácias chilenas ou não, eu também não sei. Mas, eu conheci farmácias da São Paulinho em que o mobiliário todo, era modesto, não era um mobiliário luxuoso, não se compreenderia luxo para uma coisa destas.

Mas, antes de tudo é preciso tomar em consideração que era uma época em que havia poucas drogas e muitos remédios, quer dizer, a fabrica de remédios se usava pouco, mas os médicos receitavam, davam muitas receitas pessoais para o farmacêutico executar. E o farmacêutico tinha com isso uma grande responsabilidade, e era um indivíduo portanto, de muito peso e tomado em consideração quase como médico. Muitas vezes ele era muito experiente, e ele mesmo sabia, para gente pobre, gratuitamente dar cura, fazer alguma coisa e tal.

Bem, então a farmácia em geral se compunha de uma série de estantes…

(Risos.)

Por que riem?

(Sr. Guerreiro Dantas: Isso tudo tem um certo sabor das coisas do passado. Nós pegamos um pouquinho disso.)

Eu tinha esperança que vocês tivessem pego um pouquinho, não sei se no Chile você pegou alguma coisa?

(Sr. Gonzalo Laraín: Não.)

Bem, eu peguei o resto de uma coisa que foi muito, eu não me lembro do aspecto interno, tive dentro, mas não me lembro. A farmácia Veado de Ouro, e do lado de fora tinha um veado dourado em massa, pintado, deitadão sobre, um veado gordão, mas com os chifres, etc., eu penso que o tamanho dele era mais ou menos isso como extensão de pata a pata, deitado assim… e a galharia teria talvez isso de altura.

Mas, o “pose” natural, sem arte, uma coisas puramente descritiva do veado, era o símbolo do peso, da conta, da medida, da preparação da droga. Bem, na sala que dá para o público, a da frente, havia uns quatro ou cinco bancos encostados na parede para as pessoas que esperavam a receita ser feita, e ficarem ali a espera, porque às vezes a farmácia era um pouco longe e o sujeito preferia esperar meia hora do que ir e voltar, o remédio era urgente e ele ficava esperando.

Bem, e depois tinha um balcão onde eram expostos. O balcão é daqui para baixo, então nesse balcão tinha vitrine e nessa vitrine eram expostos objetos mais ligeiros, caixas de pó de arroz e coisas assim de adornos de senhoras, marcas de pasta de dente novas, coisas de “toilletes” que as senhoras podiam olhar e podiam fazer uma escolha.

Mas isso é num balcão grande, quase um tribunal. E em cima, de um lado e de outro umas peças de cristal enormes, e com líquido corante dentro. Então, por exemplo, numa o líquido corante é vermelho, noutra é de um amarelo dourado, era vermelho, era verde, enfim, o que desse na fantasia, e por detrás acesso um foco de luz elétrica de maneira que quando fazia noite aquilo brilhava e fazia um pequeno universo, eu ficava encantado com aquilo. As estampas eram assim em vários andares, eram monumentos de cristal. Bem, depois tinha uma porta mas que formava um arco, e atrás tinha propriamente a farmácia, onde ninguém podia entrar, a não ser um ou dois que trabalhavam para o farmacêutico e o próprio farmacêutico, para fazer as drogas, pesar, balancinhas, sobretudo crianças, porque poderiam por em polvorosa.

Eu me lembro da farmácia do [Herr?] [Her]…

(Sr. Gonzalo Laraín: A que ficava no Coração de Jesus?)

Não, essa ficava na esquina da rua Santa Efigênia se não me engano com a rua Duque de Caxias, dando para alcançar, onde está o monumento do Caxias hoje. E o farmacêutico era um alemão judeu [Godkinders?] que quer dizer assim ao pé da letra boa criança.

E her Goodkinders era muito alemoado e a fraulen ia ter conversas enormes com ele para os dois “deversé” a sua bílis anti-brasileira, porque o Brasil tinha entrado para uma guerra contra a Alemanha. Então dizia o her Goodkinders, eu me lembro bem, todos os desertos da Arábia estão sendo plantados agora com café, iniciativa do governo alemão para que o Brasil fique vendo que não se mexe com os alemães impunemente. Era mentira, não se podia plantar no deserto, mas era… e a fraulen Mathilde ficava muito interessada. Eu não sei bem como era a ligação da fraulen Mathilde com o her Goodkinders, de vez em quando aparecia a fraulen [Poteika?] e tratava muito bem a fraulen Mathilde, eu não sei bem como era essa relação. Mas, de qualquer forma as farmácias tinha um peso, uma seriedade. O her Poteikam quando era chamado lá para dentro, deixava qualquer conversa, ele entrava para ver se estava bem à dose, se estava não sei o que, porque ele, porque podia ser responsabilizado de cadeia por um remédio mal dado. De maneira que…

Bem, tudo isso tinha um peso de seriedade, que refletia no temporal toda uma profissão gravemente relacionada com a guarda da saúde de todo mundo, e induzida da respeitabilidade dessa função e de outro lado da respeitabilidade que o comerciante deve ter com eles. De maneira que era uma coisa assim que tinha, sem exagerar nada quase uma certa pompa.

Bem, era um modo de fazer sentir…

[Vira a fita]

Bom, agora, é isso que todos deveriam saber sentir, deveriam saber exprimir e é propriamente a comunicação alma da sociedade temporal. Esse seria o meu modo de ver a coisa, eu não sei se ela responde a sua pergunta.

(Sim)

(Sr. Guerreiro Dantas: A gente tem a impressão de que eles nunca vão desenvolver isso com a inteira força que é necessária para conter a Revolução.)

Meu filho, tudo isso é verdade, mas ao ter isso em vista e portanto, encaminhando para uma resposta afirmativa a gente precisa tomar em consideração o seguinte: Que uma coisa dessas, ou se criam condições psicológicas por onde isso se faça largamente com movimentos espontâneos resultantes de condições gerais profundamente sadias e uma organização como a TFP deveria ter a sua obra prima de sabedoria e conhecer quais são essas condições. E preparar as condições para que o espontâneo saísse sadio, que é o que fez a boa jardinagem com a planta, a planta deve se desenvolver espontaneamente, o cedro lá no São Bento, no Praesto Sum se desenvolve espontaneamente. Agora a jardinagem deve criar condições para que esse espontâneo seja protegido contra circunstâncias negativas, e para que lhes sejam dadas num grau máximo às circunstâncias positivas para que espontaneamente um cedro seja um cedro.

Bem, então seria preciso ter um conhecimento muito bom dessas condições, e depois uma observação muito boa sobre como elas estão se desenvolvendo ou não, e como elas devem ser para tanto quanto possível agir sobre as espontaneidades, e agir dirigisticamente só quando houvesse remédios.

Porque do contrário nós cairíamos numa artificialidade que jogaria tudo por terra.

(Sr. Guerreiro Dantas: Deviam ser elaboradas o depois [serem] colocadas no meio social. Elas florescem para exatamente desempenharem esta função simbólica, corretiva das almas.)

Isso é certo. Mas, agindo de preferência sobre as espontaneidades. De maneira tal que de preferência, eu compreendo que um rei devendo nomear para uma determinada condição pública nobre ou plebéia um determinado súbdito, ele preferisse às vezes a um mito simbólico a um mito eficiente.

Por exemplo, um professor muito simbólico é preferível a um professor muito eficiente, naturalmente tomando em consideração condições mínimas de eficiência que não se pode prescindir, não é isso?

E aí me parece, nessa situação me parece que a TFP cria um papel especial sobretudo no seguinte lado. É que todas essas espontaneidades devem resultar de uma concepção profundamente verdadeira, piedosa, sadia, santa, etc., etc., da própria vida espiritual dos personagens do Evangelho, do Antigo Testamento, etc., etc., e da vidas dos santos. De maneira que é da comunhão, é do rosário, é da meditação da via Sacra, coisa que eu dou no meu fórum interno uma importância enorme, eu até tentei escrever duas vias Sacras, nesse sentido.

Bem, mas se esse fosse o meu apostolado, se o meu apostolado não me tirasse o tempo eu conceberia escrever um manual de vias Sacras diferentes. Bem, depois de outras coisas, propriamente objetos religiosos, para decorar os vários ambientes, para pôr no palácio de um duque, um outro objeto para pôr na farmácia do her Poteikam, Goodkinders, mas a vista de todos, etc., de maneira que fosse do céu ou do húmus de uma vida de piedade profunda e muito voltada para esses pontos que nascessem o borbulhar e a respiração de tudo quanto eu estou falando. Isso para mim é o próprio alfa e o ômega de tudo. E suporia portanto, um clero que nos desse a meteria prima que seria de almas magnificamente bem pendentes para isto, e simbolizantes, etc., etc. E que iam perfumar a vida, o ambiente temporal com todas as sacralidades imagináveis. Não sei se estou me exprimindo bem?

(Sim)

Sem isso eu não compreendo nada, e aqui nasce à questão: Imagine um rei, um imperador, que está vendo que por falta de visão do clero, do Papa, etc., etc., dentro da Igreja isso não está se fazendo. E que tudo vem água a baixo no aspecto temporal, porque na hora de nomear um bispo foi designado um bispo que é do agrado de Monsignori Pimpineli, essas coisas, misérias que podem entrar.

Então o que fazer? Quer dizer, não tem dúvida nenhuma, isso foi sempre assim, que o Papa deve ser muito aberto a todas as representações que o monarca lhe faça a esse respeito. Mas, tem havido muito pouco monarcas capazes de dizer uma coisa dessas, de agir nesse sentido, etc., etc., tem havido muitos Papas capazes de compreender isso?

(Sr. –: Do lado da Revolução sim.)

Do lado da Revolução sim. Por exemplo, Paulo VI mandando fazer aquela sala medonha no Vaticano, ele compreendeu tudo isso…

(…)

É claro, é claro, é um esforço meritório, mas a gente tem que ter uma confiança seria.

(orações)

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