Conversa da Noite – 28/2/87 – Sábado . 12 de 12

Conversa da Noite — 28/2/87 — Sábado

O “Verum”, o “Bonum” e o “Pulchrum” na alma da Senhora Dona Lucilia * O Senhor Doutor Plinio considera todas as coisas sempre pelo seu aspecto mais alto * O papel dos símbolos para nos levar até Deus. O Céu Empíreo é todo feito de símbolos * Duas características do Sr. Dr. Plinio: desejo insaciável do mais alto e estigmatização do mal até o último ponto * O entusiasmo do Senhor Doutor Plinio pelo mundo mourisco, ao imaginar o que seriam aqueles homens se tivessem Fé * Outro aspecto característico do Senhor Doutor Plinio: levar a Fortaleza até o inimaginável

Nelson Frageli não veio?

(Sr. –: Ele já está chegando.)

Então tenham a paciência, não vamos abrir.

Então está com intenções, hein!

(Sr. Guerreiro: Não, não foi por desconfiança.)

Também não foi por confiança!

(Sr. Guerreiro: Se no fundo da alma o senhor desejaria três meses num recolhimento mais rigoroso, ou se não seria assim, que viesse aqui as Conversas de Sábado à Noite.)

Sábado à noite acho que é necessário vir, quanto ao mais achava bom um recolhimento rigoroso.

(Sr. –: Camaldulense mesmo.)

Agora meu filho, você dispõe lá de gravador para ouvir fitas etc., à vontade?

(Sr. –: Sim, senhor.)

E não precisa nada lá para sua boa instalação?

(Sr. Guerreiro: Qualquer coisa eu converso lá com o senhor Trivellato.)

Agora, aqui de pai para filho, se precisar de alguma dispensinha, algo para instalar bem etc., é só mandar dizer ou telefonar que eu arranjo.

(Sr. –: Não se preocupe. Que o senhor rezasse com freqüência…)

Certamente, certamente. Não tem dúvida.

(Sr. –: Faça todas as preparações, para todos os planos.)

Nós temos muitas coisas para reparar todos.

(Sr. –: Tantos anos de dedicação do senhor, muito razoavelmente exige.)

Meu filho, é verdade não tem dúvida nenhuma.

Então, meu filho, soube que houve encrencas com o automóvel, com não sei o que…

(Sr. –: Perdoe o meu atraso.)

nosso tema da noite?

(Sr. Guerreiro: No jornal falado da reunião de Amparo, como deveríamos ver o senhor? O exemplo do mundo da arte, depois da diplomacia, da ação. O senhor deu assim alguns exemplos. Se não poderia continuar a tratar este assunto? Da arquitetura toda desses píncaros, citá-las mais. O senhor não enumerou todos, deu alguns exemplos. É um magnífico roteiro para se compreender o profetismo. Está um pouco de chofre a pergunta.)

* O “Verum”, o “Bonum” e o “Pulchrum” na alma da Senhora Dona Lucilia

É e depois precisaria pensar um pouquinho, porque para dizer uma coisa que corresponda bem a uma realidade que eu conheço sem ter propriamente analisado… Naquela noite eu fui improvisando. Quer dizer, nada daquilo é irrefletido, e de nada daquilo eu retraio nada, é aquilo mesmo. Mas há improvisação atordoada, tonta. E há uma improvisação como por exemplo, a nossa conversa agora à noite é improvisada, foi improvisada, mas foi toda ela razoável graças a Nossa Senhora. Então assim também…

(…)

eu diria o seguinte: …tomar o Verum, o Bonum, o Pulchrum. Ao pé-da-letra na seguinte palavra: O Verum só é verdadeiramente o que é não como uma meia dúzia de verdadezinhas, nem de convicções adquiridas assim de qualquer jeito, mas é uma convicção que vem até o fundo da alma, uma convicção aquilo é. Vem em grande parte porque a alma é feita de tal maneira que só se contenta em considerar uma coisa inteiramente quando ela foi vista na sua maior profundidade.

Não sei se a correlação das duas coisas está bem estabelecida.

E nunca, nunca, nunca notei nela em nada ─ mesmo para as coisas mais miúdas ─ um certo borboleteamento de espírito, muito freqüente nas senhoras do tempo dela, mas muito mais freqüente depois. Depois tornou-se um caudal, passou a ser até como um charme feminino, ter o espírito avançado, dito leve, dito engraçado etc., no fundo tolo. Bem, isto não havia nela nem um pouco.

O Bonum também, a virtude é uma coisa muito ─ eu exprimo nos termos domésticos em que ela via isto, na linguagem caseira que se punha ao espírito dela. Se ela tivesse que explicitar ela não explicitaria em linguagem tomista… Aliás eu conheço muito pouco da linguagem tomista.

Ela não explicitaria assim, explicitaria como uma dona de casa. Explicitaria mais ou menos como eu estou explicitando ─ mas o Bonum também é uma coisa muito importante. Ser bom é da maior importância, é transcendente ser bom. Mas para ser bom, é preciso ser uma pessoa que tome o bem de tal maneira a sério, que se não chegou ao píncaro da bondade, pelo menos deu píncaro de sua admiração ao píncaro da bondade.

Quer dizer, não se compara, não se identifica necessariamente com a santidade, mas tem um certo traço disto. Quer dizer ama a bondade, ama a virtude, até a última conseqüência da virtude, mas a partir do que a virtude tem de mais profundo, por onde ela é vista mais seriamente. Então daí também a deliberação.

Mesmo neste quadrinho com toda doçura ─ você conheceu ─ a deliberação era muito firme. Tomada, estava tomada. É por causa da seriedade. Não era turrice, não era amor à própria opinião por ser própria opinião, nem nada, é por causa dessa seriedade. Eu deliberei, porque vi, eu admirei e está acabado. Caminhei nesta vida, talvez tenha fraquezas, mas fraquezas, eu me culpo, continuo a amar aquilo que eu vi.

Estes imbecis chamariam isto de radicalismo. Chamariam! Isto aí é a definição do radicalismo. É por isto que eles são imbecis, pelo menos, é o que de menos mal se pode dizer deles.

A verdade é que daí vinha a adoração ao Sagrado Coração de Jesus, porque era a virtude, a santidade levada ao píncaro em que nenhum homem seria capaz de imaginá-la. Só Deus se revelando a Si próprio é que poderia nos fazer entender que a santidade poderia chegar até aquele termo.

A Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo não se inventa, ninguém compõe aquilo. Se alguém compusesse aquilo seria do tamanho d’Ele, seria da grandeza d’Ele. É assim. E depois enunciado como eu estou enunciando tapa a boca de qualquer um.

Bom, lá vem a minha eterna lamúria, mas é assim, não sei porque os outros não pregam isto na apologética. Porque é assim!

Um desses ímpios qualquer aí, Rousseau, um desses qualquer, que disse isto ─ mais ou menos isto ─ que se os evangelhos não foram escritos pelos evangelistas, os falsários que os escreveram foram tão grande quanto eles. É dito de francês naturalmente. Daí me veio ─ ato contínuo ─ esta reflexão: “Por que é que este animal já não disse isto uma vez de Nosso Senhor?” Porque não tinha evangelista que fosse capaz de imaginar. Nosso Senhor é absolutamente inimaginável. E se vem perguntar a prova de que Ele foi Deus, que Ele é Deus, que Ele existiu; basta dizer o seguinte: “Existe a figura d’Ele, e [a] figura demonstra por si mesma. Não precisa de mais nada.

Bom, eu respeito muito as outras provas. Adiro de toda alma, é outra questão. Mas que esta deveria ser bastante para encerrar o debate, deveria ser. Aliás, não é isto, à vista desta figura não deveria haver debate, logo de cara.

Enfim, no oposto, tinha a rejeição de tudo quanto é o mal. Mas então tudo quanto participa um pouquinho do mal que suja um pouco com gotas de lama, na simples fronteira do mal já faz parte do Reino das Trevas e não se pode aceitar, é ruim e a gente não pode aceitar absolutamente. Pode ter pena de uma pessoa que caiu no mal, pode querer ajudar a pessoa, mas justificar aquela atitude, ou justificar-se se a gente também se meteu na lama. Não pode, porque aquilo foi ruim, não tem solução possível, é assim que deve ser visto.

O Pulchrum também, a gente vê que o que ela procurava ─ não quero dizer que ela fosse uma grande artista ─ por exemplo eu não entendo de modas femininas ─ mas nunca ouvi elogiar os vestidos que ela compunha para si. Naquele tempo as senhoras compunham os vestidos para si. Ela compunha para si; nunca vi elogiar.

Aquele que eu me lembro que ela está naquelas fotos, eu acho bonito. Via-se que o que ela visava era, com os recursos limitados que ela tinha, tanto quanto possível estar na linha da mais alta beleza. Se conseguisse ou não conseguisse era uma questão operacional. A meta que estava em cena era esta. Naturalmente aí rejeição do contrário, etc. Não preciso dizer mais nada.

Eu acredito que tenha sido pelas orações dela ─ naturalmente também pela convivência e pelo fato dessa união de almas enorme minha com ela ─ eu acredito que por causa disto tudo alguma coisa disto tenha acabado passando em mim. E o fundo do fundo de alma disto é que, em linguagem de brincadeira no Grupo se chama ─ eu deixo chamar ─ às vezes por brincadeira emprego: “Truculência”. A truculência no fundo é seriedade. Porque quem se imposta assim não pode deixar de ser sério. E a seriedade é no fundo a autenticidade, a genuinidade do Verum, Bonum, Pulchrum.

Se quiserem é a Fé levada a suas últimas conseqüências. Porque Verum, Bonum, Pulchrum são conceitos filosóficos. Por cima disto vem a virtude da Fé ─ virtude sobrenatural ─ a Revelação etc., etc. que consideradas com essas disposições de alma naturais, consideradas pela graça, etc., etc… Aliás eu não acredito que uma pessoa possa ter essas qualidades de alma inteiramente sem a graça. Não acredito. Pode ter traços, de vez em quando um traço saliente, por muito favor, vá lá, mais do que isto, não.

* O Senhor Doutor Plinio considera todas as coisas sempre pelo seu aspecto mais alto

O fato concreto é que isto caracterizaria a psicologia daquele homem que eu conheci de forma a que em todo, inclusive pelo espírito contra-revolucionário, tomando em consideração que a Revolução faz isto no sentido oposto, e que ela portanto só pode ser combatida decentemente quando ela foi vista assim, e foi sondada até este ponto, não houve lero-leros nem compaixões chochas, nem nada pelo meio, é assim, é assim, é assim e está acabado.

Então, quando se dá isto, dá-se que um estado de espírito assim, seria lógico indo às últimas conseqüências de si em tudo, e portanto procurando na visão das coisas todas, do ver as coisas todos os aspectos absolutamente mais altos.

Chegando aos aspectos mais altos que não foram entrevistos, conhecer que ainda há aspectos mais altos que não foram entrevistos, e encontrar as suas delícias em pensar que ainda há aspectos mais altos, apenas entrevistos e que no Céu a gente conhecerá em parte, porque Deus a gente conhecerá totus, mas não totaliter.

Tudo isto eu estou falando assim aos borbotões, mas é evidente que tudo isto chega a Deus, que não é verdadeiro, bom e pulchrum, é a Verdade, é a Bondade, é a Beleza. Tudo.

Então uma tendência de alma, ver tudo pelos seus mais altos aspectos, achando que não conheceu a coisa a não ser nesses aspectos, a não ser conhecendo nestes aspectos, mas com uma circunstância que é a seguinte: …é que conhecer a coisa não é conhecer o que a coisa foi, é discernir o que ela poderia ter sido se a pessoa chegasse ao píncaro que ela não atingiu. Este ponto é muito importante.

Daqui a pouco, eu vou dar um exemplo baixa de nível, mas me parece que caracterizaria bem a mentalidade daquele homem.

(Sr. Guerreiro: Como compor um quadro de toda esta visão de Deus, das coisas criadas, por onde ele conheça também as etapas, para não vir a sensação de vertigem. Este problema se punha para o senhor?)

Eu de mim não estou falando quase, eu estou falando desse homem cujo nome eu não quero dar, porque é mais cômodo falar de um outro do que de mim.

Eu em parte conversei com ele, em parte o observei e com isto pude fazer uma idéia.

Nesta consideração, dessas vertigens das coisas…

(Sr. –: Para o alto.)

Para o alto, depois para o baixo, hein! Quer dizer é muito importante. Não se conhece inteiramente uma coisa, sem ter conhecido a outra. Nós homens, ao menos um certo tipo de homem, não sei bem, precisaria pensar.

Mas o fato concreto é que vem ao espírito a necessidade de conhecer essas coisas. Mas conhecer de um modo curioso, um é o modo de conhecer proporcionado a si próprio, a gente sente os seus próprios limites, e sente quando está satisfeito. Outro é o modo de conhecer proporcionado ao que seria se atingisse toda a virtude que foi chamado. Então que potencialmente ainda pode vir a ser o dele. Bem, e este é o modo, em síntese, o modo de conhecer que ele vai ter no Céu, se ele morrer no ápice de sua virtude.

Outro é o fato de ele conhecer de um modo apenas translúcido, direto, ele conhecer…

(Sr. –: Direto ou indireto?)

Indireto, assim à maneira de símbolos etc., etc., ele conhecer coisas de Deus e portanto do Verum, Bonum, Pulchrum etc., que ele sabe que jamais conhecerá.

Lembra-se aquelas incompreensibilitatis? Esta é a bem-aventurança dos incompreensíveis.

Bem, se a gente faz estas três distâncias óticas, se a gente as marca, a gente não tem vertigem nenhuma.

(Sr. –: Se perde nisto tudo.)

Não, não. Este ponto eu acho muito importante.

(Sr. Guerreiro: Ter o desejo, digamos, os andaimes.)

Muito bem expresso.

(Sr. Guerreiro: Porque a gente vê na atmosfera. Nós vamos para o Reino de Maria, mas há este vácuo. Como preencher este vácuo enorme que existe entre nós, Deus e Nossa Senhora? Tem que haver criaturas, que componham este espaço.)

* O papel dos símbolos para nos levar até Deus. O Céu Empíreo é todo feito de símbolos

Não tem dúvida, o que tem é o seguinte: É que ─ para encurtar um pouco o assunto, mas tratando inteiro ─ o mundo dos símbolos de alguma forma conduz a isto. O símbolo entrevendo uma porção de coisas que vão a uma espécie de transesfera, que não é capaz de explicitar tudo, mas que lhe encheu a alma com impressões e noções que ainda serão muito mais carregadas no Céu Empíreo, mas muito mais ainda no Céu, na Visão Beatífica. Infinitamente mais e que constituem para nós ─ como somos vários degraus ─ em que nosso ser amará a Deus e pode amá-Lo já na terra, amando ao mesmo tempo nos vários degraus.

(Sr. Nelson Frageli: O senhor poderia dar um exemplo?)

Vamos dizer o seguinte: Isto é uma impressão toda pessoal, portanto pode não ser real. Não, pode não ser real, não. Para mim é. Eu a vejo assim, mas pode não ser igualmente visível a todos. Outros terão coisas que não são visíveis a mim. Isto é próprio do mundo dos símbolos. Cada um toma o símbolo como vê etc.

Você toma por exemplo ─ por uma coincidência ─ na igreja de Santa Cecília havia, não sei se ainda há, um ostensório muito bonitinho, mais nada. Não era de ouro ─ era dourado, mas ─ tenho a impressão que não era de ouro. Como naquele tempo se observava bem o Direito Canônico, se o Direito Canônico mandava que fosse de ouro, com certeza era. Se não mandava provavelmente não era.

Uma igreja paroquial etc., não era uma catedral. Era circular e partes douradas, ou de ouro, mas fingindo um certo tremor, dando a idéia de que eram raios de sol. O Santíssimo Sacramento era então apresentado como sol. No centro a espécies eucarísticas, a hóstia que se via sob forma de um disco de farinha e água.

Mas havia uma qualquer proporção, eu não sei o que é que havia, daquele ostensório com o Santíssimo Sacramento que eu tenha conhecido ─ todos nós conhecemos ostensórios incontáveis… Naquele tempo que davam a bênção com o Santíssimo, cada igreja tinha ostensório e era sempre um objeto muito digno, muito. Mais caro ou menos caro, mais gosto ou menos gosto, mas eu nunca vi por exemplo um ostensório feio, um ostensório ridículo, nunca vi nada disto. Havia para mais ou para menos, dentro do bom.

Bom, não sei por que este ostensório me ajudava a adorar o Santíssimo Sacramento como nenhum outro ostensório. Mesmo e, igrejas romanas.

É porque aquilo tinha qualquer coisa de simbólico que fazia entre o Santíssimo Sacramento e eu uma espécie de um, pelo qual eu pegava uns imponderáveis, onde entrava também a graça. Mas era um símbolo onde eu via uma série de coisas que ficavam, naturalmente coisa modesta, proporcionada a nós, mas que ficava no caminho de considerações muito mais altas etc., etc. Isto é um exemplo.

Assim a gente poderia considerar muitas outras coisas.

Eu acho que todos que estiveram aqui, ou quase todos, estiveram na igreja de São João de Latrão. Quando a gente vai lá, perguntam se a gente quer visitar o chiostro, o claustro. Eu naturalmente quis e fui.

Há qualquer coisa naquele claustro… O claustro é medieval, mas há uma qualquer coisa naquele claustro que a mim me tocou, me encantou, e eu devo dizer que me encantou mais, assim de modo sensível, do que a pedra onde estava ajoelhado Carlos Magno quando ele foi aclamado Imperador do Ocidente, e que eles mostram também lá.

Bem, por quê? São símbolos. Mas por exemplo, as fotografias da Sala do [Rhφmmer?] que é a sala da aclamação, de banquetes de imperadores. O prediozinho do [Rhφmmer?], aquilo tudo, aquilo me toca profundamente, entram graças especiais, mas que fazem viver aos nossos olhos certos símbolos, estes símbolos têm um mundo das tais incompreensibilidades que faziam as bem-aventuranças de São Miguel Arcanjo, de um lado. Mas de outro lado, satanás não quis aceitar.

Não sei, meu filho, se me exprimi bem?

(Sr. Nelson Fragelli: σtimo. Só esta questão de São Miguel Arcanjo…)

Tem toda uma fita, você deve procurar e ouvir. O que há de fabuloso é um texto que o [Pancorvo??] exumou em qualquer lugar. Mas é uma coisa extraordinária. É uma coisa incorporada ao patrimônio espiritual do Grupo.

Mas enfim, esta é a idéia.

Vamos tocar para frente. Eu creio ─ você falou do Céu Empíreo ─ assim de passagem, então um homem que esteja salvo e portanto, está no Céu Empíreo. Este homem os Anjos vêm tocá-lo…

Primeiro o Céu Empíreo é todo feito de símbolos, é um lugar material e todo feito de símbolos. E ali os Anjos ainda vêm conversar com o homem. E como diz o “Cornélio A Lápide” eles não têm boca, não falam, mas eles fazem os ventos cantarem. Eles falam por meio das cores, das nuvens e o movimento todo da natureza do Céu Empíreo é uma interlocução dos Anjos com os homens. O que eu acho uma coisa de toute beauté. Uma feeria.

(Sr. –: É tese do senhor, que isso já existe na terra.)

É exatamente, tese nossa esta. Bom, muito pálido em comparação com o que será o Céu Empíreo, já muito bonito para a nossa natureza.

Então aqui essas gradações é que nos ajudam a não ter a vertigem. Porque então são várias escalas nossas que têm várias escalas de ver, de amar, simultaneamente, como bem-estar de nossas almas. Não sei se está claro?

* Duas características do Sr. Dr. Plinio: desejo insaciável do mais alto e estigmatização do mal até o último ponto

Então eu diria que na mentalidade daquela pessoa se podia ─ porque eu examinei muito, deitei muita atenção na mentalidade dessa pessoa ─ se poderia dizer o seguinte: Que o característico dele era portanto de procurar sempre ver em todas as coisa qual é o ponto mais alto onde ela chega, e admirar este ponto mais alto, ou onde poderiam chegar se fossem elas mesmas etc., etc., etc. E admirar este ponto mais alto. Portanto, uma espécie de desejo insaciável do mais alto, do mais alto, do mais alto. Mas o insaciável com critério, com equilíbrio, porque ele mediria na sua própria cabeça estas várias distâncias que estivemos conversando com o Guerreiro há pouco.

Quer dizer, isto aí é muitíssimo audacioso, mas é o próprio bom senso. É o próprio equilíbrio.

Mas a mesma coisa se dá então em outro sentido: O mundo seria como um pássaro com uma asa só, portanto uma espécie de monstro se do lado do mal as coisas não fossem tão péssimas, quanto elas são magníficas do lado do bem, entendamos.

No lado do bem, está Deus ─ é o Criador ─ do lado do mal está Lúcifer que é uma criatura. Então o lado do mal… não propriamente comparável a duas asas, entendam bem o que que é. Mas quer dizer: o lado bom vai até onde é possível e o lado do mal vai até onde é possível. Não é uma espécie de poquice na ordem do ser onde o lado mal não fosse até o fim do mal. Como não há uma poquice onde o lado bom não fosse até o fim do lado bom. Isto que eu quis dizer. Chegam aos respectivos termos ainda que estes termos não sejam de dimensões iguais.

Mas tem isto de igual dentro de nós, é que em nós se estabelece um certo equilíbrio quando nós vemos que ambos chegarem ao seu termo. A nós nos dá a impressão que ficamos como pássaros com as asas iguais. Esta é a posição.

E do lado mal com a preocupação… Está gravando não é meu filho?

(Sr. –: Sim.)

Pode gravar se quiser.

Com a preocupação maior de levar as considerações até seu termo final do que do lado bom. Isto parece um paradoxo, parece uma loucura, parece uma demência, mas é uma nota que existe na TFP. Esta nota existe: O empenho maior em denunciar o mal do que em descrever o bem para aclamá-lo.

Mas por uma razão que se compreende: é que há uma atração mais constante sobre o homem moderno para “emerizar” todos os homens modernos e fazer com que eles, na consideração do mal, nunca cheguem até onde o olhar dele deve chegar. E é o por onde eles armam uma cilada para o amor. Porque quem não leva a estigmatização do mal até onde deve levar, não é capaz de adoração.

Então para nós a estigmatização do mal até o último ponto é uma disposição preparatória para a integridade do conhecimento do amor do bem. Dizendo preparatória, não quer dizer que é uma prévia, historicamente prévia, concomitante. Mas com uma espécie de… por causa da batalha especial que em nossa época os demônios fazem contra os homens para desequilibrar neles isso. E como estamos na batalha, tem que insistir mais nisto.

É como tomar um homem muito tentado em matéria de pureza e esperar que fazendo uma descrição linda da pureza, o homem passa a tentação. Pode haver uma especial ação da graça, com isto um certo caso, mas não é o modo comum. Se ele está tentado de impureza ele tem que desviar os pensamentos, ele tem que se fustigar, ele tem que praticar sobretudo atos de humildade etc., etc., para depois conseguir a pureza, depois.

Em conseqüência, conseguir a pureza necessária. A consideração de que a pureza tem de magnífico, é um elemento indispensável, mas não é tão saliente, tão longe, quanto a prevenção contra a impureza. Na ordem prática das coisas, nossa atenção ─ porque é um fenômeno todo de atenção ─ nossa atenção deve estar mais voltada para isto. Nesta época de irenismo e toda espécie de horror, deve estar mais voltada para isto.

(Sr. J. Clá: Em 67 o [senhor?] dizia que o senhor tinha implícito e que no choque com a Revolução o senhor tornava este implícito em explícito.)

Exatamente. É tal qual. Aliás está na linha da Igreja que define os artigos do Credo à medida que as heresias vão aparecendo. Ela já tem implícita todas aquelas verdades, aparece a heresia, a Igreja explícita a doutrina verdadeira.

Isto aliás pode-se ver a propósito da Igreja. Nós odiamos a heresia, nós odiamos a heresia e depois fica o caminho limpo para amarmos a Igreja como amamos. Se nós não tivéssemos contra a heresia todo este ódio, não ficava.

(Sr. Nelson Frageli: O senhor colocou agora no final uma restrição a este modo de ser…) [Vira a fita]

Não, eu quis dizer especialmente em nossa época. Quer dizer que isto estava ordenado para qualquer tempo, qualquer lugar, mas é especialmente em nossa época. E eu não disse especialmente, mas, é um modo de exprimir.

* O entusiasmo do Senhor Doutor Plinio pelo mundo mourisco, ao imaginar o que seriam aqueles homens se tivessem Fé

Agora prosseguindo isso, estávamos descrevendo aquele homem: Uma coisa que não tem relação direta com o tema que nós íamos tratando, mas conduz a isto.

Houve tempo ─ contou-me ele quando ele era menino assim, ele viu de repente ─ ele nunca teve a atenção dele chamada, atraída para os aspectos da cultura moura, civilização moura, árabe, etc., etc. Nunca teve a atenção atraída para isto, mas caindo de repente algumas coisas aos seus olhos, sobretudo aspectos do Alhambra, de Granada, ele ficou encantadíssimo, mas encantadíssimo. E daí começou a prestar atenção em vários aspectos do mundo mourisco, árabe, etc., etc., achando muito pitoresco. Aquela espada meio torta, [haytagan?], as legiões de cavaleiros, guerreiros árabes lutando nas colônias contra as tropas ocidentais, vestidas e fardadas, dava quase uma torcida dos árabes contra os ocidentais.

Alguém poderia dizer: “Você está louco, você não vê que estes ocidentais são católicos e que os árabes são uns maometanos vis?” Eles são católicos, mas o que é que eles trazem de Revolução dentro de si? E estes árabes trazem Maomé dentro de si, um monstro, mas Maomé em relação à Revolução ele é uma pré-revolução, mas é pré.

Resultado: Eles engendraram coisas de uma beleza que a Revolução não engendrou mais. Qual é a coisa dessa beleza que o protestantismo tenha engendrado? É não falar, não entra em questionamento.

Ele me dizia que embora ele fosse menino ele tomou seu entusiasmo por aquilo. Mas o entusiasmo é, sem ele explicitar, daquilo considerado como poderia ter sido se fosse católico.

(Sr. –: O senhor poderia repetir, por favor?)

Entusiasmo por aquilo mas considerado como aquilo poderia ter sido se fosse católico. E não como aquilo de fato tendo sido maometano.

Até os turbantes, as formas e os tamanhos dos turbantes, os trajes. Certos turbantes que são enormes, outros são pequenos, outros se unem conjugadamente com o fez, outros não. Mas tudo isto depois no meu tempo de mocinho, este homem era mais ou menos de minha idade, no meu tempo de mocinho as revistas, o turismo era de fôlego muito menor do que é hoje, e a Europa começava a se encher de potentados árabes, potentados hindus, persas, aquilo tudo. Gandhi ainda não tinha metido o esqueleto imundo dele passeando pelo mundo com a cabra. Asqueroso! Aquilo precisava começar por levar um banho! Um tipo imundo!

(Sr. –: Banho de criolina.)

Ah, direto, direto! Vários tratamentos etc. Diretos, urgentes…

Mas eles iam à Europa, mas iam às vezes de trajes completos. Às vezes eles iam de smokin ou casaca, mas usando o turbante e figuravam nas fotografias das revistas etc., assim. Os meninotes ficavam um tempão olhando aquilo, examinando, pensando. Rajás da parte maometana com turbante e com uma aigrette aqui, de ave do paraíso, com uma pedra preciosa segurando estas coisas. Pode imaginar!

Mais ainda, era o tempo do cinema de Hollywood. Portanto tanto este rapaz quanto eu presenciamos muito no cinema o débordement da sensualidade contemporânea.

Depois as revistas! Revistecas! Aqui, tinha umas revistecas chamadas “Fon-Fon”, “Careta”, umas coisas assim. “A Cigarra”. Tudo isto publicado no Rio, mas vinha para cá às torrentes naturalmente. E davam aspectos desse mundo. As praias que já começavam a ser o que eram.

Chegava a ir, por exemplo, uma história da vida da Sisi: Então o Xá da Pérsia resolveu viajar para a Europa, e resolveu ir também à Áustria. E o ambiente da Hoffburg e talvez também uma recomendação do Francisco José.

Indicaram a Sisi que se pusesse a mais bonita possível para impressionar o Xá da Pérsia, porque tinham combinações políticas e comerciais enfim, “N” coisas. A Áustria. Ficava meio metida naquele mundo. Coisas dessas para acertar.

E a Sisi arranjou um arranjo de cabelo em que ela tinha umas tranças muito grandes, não sei o quê. Ela fez, equilibrou tudo aquilo na cabeça, pôs flores, toda uma história, pode imaginar naturalmente que flores com que isto foi feito. Jóias e vestidos de baile tal e tal. E estava lá quando chegou o Xá da Pérsia.

O Xá da Pérsia olhou e deveria fazer as mesuras que se deviam a uma Imperatriz. Ele ficou tão deslumbrado com ela que em vez de cumprimentar, deu uma volta assim em torno dela, inspecionou como objeto de museu. O Francisco José, ali! Inspecionou como objeto de museu e teve uma frase mais ou menos assim: “No Oriente não tem ninguém que se compare com ela”. Depois ele fez as mesuras dele, os salamaleques dele e tal. A coisa correu normal.

Você pode imaginar que a Sisi ficou mega no mais alto grau naturalmente.

(Sr. Guerreiro: A coisa tem o seu conteúdo.)

Tem, evidente que tem. Você pode imaginar o Xá da Pérsia… Os Xás da Pérsia usavam uma espécie de fez. Não usavam turbante, porque o turbante é indicativo de religião maoametana. Aqueles tamanhos de turbante simbolizavam várias correntes de maometanismo, mas ele não usava, não era maometano. Tinha lá aquela religião de fogo, umas ignomínias dessas.

Ele viu esta Imperatriz, e eu acho normalmente certo que ele cometeu pecado de adultério ali. Sim, porque é evidente porque ela era casada, ele também era casado, um duplo adultério. Uma coisa evidente, que se ele mediante dinheiro pudesse levar a Imperatriz para um harém dele, que ele levaria.

Pecado de pensamento e olhar de adultério, está evidente que ele cometeu. Portanto aquele ato é uma ofensa a Deus.

Mas há qualquer coisa do espírito de “Mil e uma noites…” Há qualquer coisa de maravilhoso apesar do pecado, à margem do pecado que é muito superior aos amores do Rodolfo Valentino com a Fedabara, com a Ameriquipe, etc., do cinema. E é verdade! Vocês parecem meio restritivos com o que eu digo.

(Sr. –: Não, não. A coisa é tão maravilhosa, que fiquei até aturdido que colocasse a questão de pecado no meio.)

Mas é.

(Sr. –: Porque ele ao olhá-la ele devia ver o “pulchrum” dela.)

Mais ainda, ele vendo o pulchrum dela e entrava uma certa tendência a um maravilhoso que não existe na terra. É alguma coisa de não sensualidade dentro disso e que entrava a sensualidade.

Bom, a sensualidade cinematográfica acho que vocês quase não alcançaram o cinema, mas todo mundo sabe o que é?

(Sr. Guerreiro: Alcançamos.)

Então têm idéia que a sensualidade cinematográfica fica, é demais baixo, de terra-a-terra, nem sei o que que é. Enfim, se medem as duas coisas completamente.

Então estão vendo que nesse entusiasmo pelo mundo mourisco que não se comparava com o entusiasmo pelo mundo gótico, colocado sempre no píncaro dos píncaros. Mas neste entusiasmo entrava uma reconstituição deste mundo, de como ele teria sido se aqueles homens tivessem fé. Quer dizer, alguma coisa era píncaro do Fujihama ali.

(Sr. Guerreiro: Minarete o senhor gostava?)

Muito, muito! Minarete perdeu muito para mim quando eu soube que eles mandavam os cegos lá para cima. Coisa horrorosa. Para cego a gente tem pena.

Mas imaginar um homem sentado lá, não está vendo nada, e que está: “Ba, ba, barabá, bará-babá…” Que ganha dinheiro para declamar aquilo e depois descer. Houve uma intenção muito pitoresca, muito bonita, mas a realidade choca um pouco. De qualquer maneira entretanto, o Minarete e um [moezin?] declamando qualquer coisa lá é de uma grande beleza. Não sei se vocês acham isto como eu?

(Sr. –: Evidente!)

* Outro aspecto característico do Senhor Doutor Plinio: levar a Fortaleza até o inimaginável

Então entra esta composição, e no compor um aspecto do Bonum que é a virtude enquanto heróica, enquanto batalhadora, enquanto aguerrida. No compor isto também entra na idéia uma virtude levada a um grau ainda não conhecido, mas que se poderia imaginar num homem, melhor ainda num Anjo.

Donde o entusiasmo todo particular pelo Proelium magnum factum est in Coelo, a grande batalha que se deu no Céu. Como deve ter sido aí? Imaginou? O ódio de satanás, o ódio de São Miguel Arcanjo. Fala-se de duelo. Não é impossível imaginar que nesta luta, em determinado momento, os dois tenham lutado. Ou no começo ou no fim um e outro que tenham lutado à maneira da luta medieval, que às vezes começava com um jogral de cada lado cantando as razões que tinham para lutar e depois começava a guerra. Começava a bataille rangée.

Como não é difícil imaginar que no começo ou no fim, satanás tenha vomitado a sua… Suas últimas blasfêmias e São Miguel tenha cantado o “Quis ut Deus?” Precipitou a ele, aquela corja que o acompanhava ficou desnorteada e desceu toda ela cacarejando. Uma ordem de Deus: “Pann! Afunde-se!” Está feito!

E daí também certas arqueologias que em conexão com este homem eu fiz.

Eu já contei, contei na Fazenda, no Êremo, que eu até perguntei a D. Mayer ─ D. Mayer concordou ─ a respeito de Deus enquanto criador do Inferno, vocês conhecem esta reflexão, não é?

(Sr. –: Não estava.)

Eu pus a D. Mayer esta questão: “Deus é criador de todas as coisas visíveis e invisíveis” ─ primeiro ponto. Segundo ponto: “Entre estas coisas, está o Inferno”. Terceiro ponto: “Logo, Deus criou o Inferno”. Não se pode negar.

Agora: “Deus é também ─ isto é o dois romano ─ Deus é também o motor imóvel do qual procede todos os movimentos e portanto tudo quanto no Inferno é calor e é movimentação para atormentar os maus. Tem o primeiro motor em Deus”.

Segundo ponto: “Então, é Deus o grande torcionário Divino que durante toda a eternidade está esquentando o Inferno para aquela gente sofrer. E esta… [ilegível] … o Inferno que Ele criou para aquela gente sofrer lá dentro, isto é inegável. Então isto mostra o ódio que nós devemos ter aos que estão lá embaixo. Para estarmos em uníssono com Deus”.

Pergunta: “Tem algo de heterodoxo nisto?” Vossa Excelência viu alguma coisa afirmando ou negando isto? Não, é ortodoxo, eu nunca vi nada, mas é ortodoxo. É ortodoxo porque é evidentemente ortodoxo.

Isto eu acho característico do espírito desse meu amigo. Escarafunchar este ponto que apresenta a réplica a favor da virtude da Fortaleza, num grau de exacerbação inimaginável.

Quer dizer, não se pode imaginar um argumento mais exacerbadamente contundente, para pegar um “Emery” pelo gasnate, e empurrar a taponas para fora do recinto da ortodoxia, do que o que eu estou dizendo aqui.

Quer dizer, então a pessoa que chegasse, ouvisse de longe com aquelas lamentações, aqueles olhos aquilo tudo, aquela movimentação, aqueles demônios jogando uns sobre os outros, etc., etc., tudo isto, tudo isto, tudo isto: “Isto é feito para atormentar, e Deus é que está fazendo aquele tormento. Então eu devo me regalar pensando nos tormentos que eles estão sofrendo. Isto deve ser para mim uma razão de glória, de alegria, quero dizer, de felicidade”.

O “A Lápide” confirma isto e acrescenta que de vez em quando ─ as blasfêmias, os demônios ─ o Céu dá atenção às blasfêmias e [aos] demônios e que vem uma resposta da parte de Deus. E que os bem-aventurados também, dizem etc., etc., e como que se reúnem todos em torno do poço do abismo e dizem coisas horrorosas para os que estão embaixo. Cada um atingindo especialmente as almas que o quiseram perder e que foram condenados ao inferno. Me parece muito bom.

Isto caracterizaria a mentalidade daquele meu amigo.

Não sei o que é que pensam dele?

(Sr. –: Está ótimo.)

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