Conversa da Noite ─ 3/1/87 ─ sábado . 6 de 6

Conversa da Noite ─ 3/1/87 ─ sábado

O Senhor Doutor Plinio convidava os membros do Grupo a uma grandeza carolíngia, mas eles a recusavam por quererem ser como todo o mundo * Um estado de espírito que é a “inimica vis” do Profetismo e a causa das infidelidades às graças da “Sempre Viva”

Qual é a pergunta?

Mário, eu vou pedir para você fazer cessar uma coisa que está me incomodando. Aquela pedra lá está colocada completamente errada, tem de ficar a meio caminho entre o busto e a beirada da comodazinha. Agora está um pouco perto demais do busto, um centímetro ou dois, aí está perfeito. Sedeatis.

[Pergunta não gravada]

* O Senhor Doutor Plinio descreve a mentalidade dos freqüentadores de clubes sociais de primeira classe no tempo em que estes clubes estavam em voga

dinheirinho, dinheirões, dinheiro, o sujeito conseguir da vida o que a vida podia dar, e acabou-se está pronto. Muito característico disso ─ vocês ainda pegaram alguma coisa disso, eu peguei de cheio, e que eu vou dizer, o exemplo que eu vou dar agora ─ o clube social. Em geral toda cidade assim mais desenvolvida tinha um clube social, ou dois, ou três clubes sociais, quatro ou cinco. Se eram grandes capitais, Paris, Viena, Nova York, etc., etc. Tinha dez, vinte, cinqüenta clubes sociais, tipo Pulman, quer dizer, primeiríssima linha. Mas depois tinha, pouco abaixo um tipo de clube social tipo clube de primeira classe, depois tinha classes inferiores.

Bom, formando uma linha assim, e moçoilas e moçoilos se distribuíam mais ou menos espontaneamente por aquela variedade de clubes, já quando faziam quatorze, quinze, dezesseis anos já iam encaminhando para o clube, que numa sociedade que se dizia igual, mas ainda era desigual representavam restos de hierarquia social.

Mas a ótica era tal que quando o sujeito não era do clube de primeira classe, do pulman, ele era, vamos dizer da primeira classe, na festa da primeira classe, o que aconteceu na primeira classe etc. Ele formava um ponto de vista, uma visão como se aquela primeira classe fosse o píncaro da cidade. Bem, e que aí estava no alto da cidade, assim o da segunda classe. Muito delicado estes relacionamentos entre pulman e primeira classe, que eram as duas classes mais próximas, muitas vezes da mesma família, uns eram do pulman, outros eram da primeira classe, às vezes o mesmo indivíduo viajava no de pulman ou no de primeira classe, simbolicamente viajava.

No trem era constante, eu quantas vezes viajei em pulman, viajei em primeira classe. Bem, mas eu digo fora do trem, o trem aí é um símbolo.

Então era a fricção das duas categorias, era muito sensível, mas se arranjava um jeito de não olhar, não dizer etc., mas cada um julgava que o teto da sua classe, era o teto do gênero humano. E que quem alcançou uma espécie de realce ali, tinha realizado tudo que poderia desejar, eram muito poucos os que eram levados por um movimento verdadeiro não sonhado. Sonhos há gagás megas de todo tamanho, mas o sonhador, o mega é o deleitário do grande homem, então ele sonha coisas que ele não é capaz de fazer, então “ahahahaha”… aquela coisa sentado na cômoda e fresca poltrona da vagabundagem. Aliás, uma poltrona muito agradável! Mas esse não vamos falar dele porque está fora da realidade, ele sonha. É muito raro haver num determinado ambiente gente, uma pessoa, menos ainda uma família que se destacasse como um rojão e fosse além, e se alguém anunciasse esta idéia assim, eu vou me mudar de minha cidade e vou para tal cidade, porque quero ser mais, e ali eu vou me afirmar. Isto era o atestado certo de uma excomunhão geral.

Podiam ver o sujeito fazer, se ele não dissesse ficavam olhando, se ele acertasse procuravam pendurar nele, se ele não acertasse: “Ah, coitado do fulano, sabe como é, não é?” A coisa ficava entendida.

Eu não sei se vocês assistiram cenas, conheceram coisas desse gênero etc. Mas acho que não houve quem não conhecesse. Isto eu acho que é a regra da vida.

Agora, em face disso, ficava então um apego medonho do sujeito sempre que ele não quisesse fazer um esforço extraordinário, sempre que ele não quisesse pedir para sua alma um grande élan etc., etc. O apego do sujeito de ficar agarrado num lugar e de não querer que ninguém subisse também, e pronto a vaiar quem subia, exceto subir dentro daquele pequeno percurso interior dele de que eu já falei. Este percurso interior está baixando cada vez mais também, vai chegar à igualdade completa que nós sabemos bem.

* O Senhor Doutor Plinio convidava os membros do Grupo a uma grandeza carolíngia, mas eles a recusavam por quererem ser como todo o mundo

Em face disso, o apelo que eu fazia era para uma grandeza carolíngia que quebrava todo este molde. Eu naquele tempo não diria isto, porque se eu dissesse eu tornava a provação de vocês mais dura.

(Sr. G. Larraín: Ficava muito evidente.)

Era óbvio. Exatamente. Mas que contundia com uma porção de dogmas dessa falsa visão.

Escute, vocês querem abrir o vidro ali, à vontade.

Eram uma série de dogmas. Então o primeiro dogma é o seguinte: cada um dos nossos países da América do Sul tinha isto relativamente de si próprio, que vai subindo, vai progredindo e um dia que será um dia remoto, vai instalar-se vai ser um vagão de primeira classe do trem do mundo, que sabidamente não era naquele tempo. Mas mentia para si mesmo que podia ser um pulman. Mas que isto era lento, isso ia sem pressa, nenhum de nós queria corre-corre no progresso norte-americano, era sem pressa, deixa ir que a coisa acaba indo.

E que com a ascensão do conjunto, ascenderíamos nós que estávamos mais na ponta do conjunto, ascenderíamos mais. Mas tudo com muita proporção, nada de carolíngio, nada de grandioso, nada de arriscado, nada de sublime, nada que passasse da comum medida das coisas, de maneira que o próprio progresso era dentro da medida comum das coisas. E isto era a própria condição para o bem-estar, para o bom senso e para o bem-viver.

Eu: “não é verdade, tudo vai a baixo, e nós [vamos] ser precipitados num drama dos mais sombrios, meio parecido com o inferno de Dante, posto na terra”. Isto chocava eu não sei quantos pressupostos congênitos.

(Sr. G. Larraín: Mas não era também o que atraía?)

Sim, chocava e atraía ao mesmo tempo. Atraía indiscutivelmente, porque nós em relação a isto, a esse mundo que eu estou descrevendo tínhamos muito apego, mas ao mesmo tempo repulsa e muita coisa causava-nos horror, e ficávamos nesta divisão que é a contradição de nossas vidas. O primeiro élan era bom, era ótimo, mas…

Então o profetismo já considerado por aí, eu estou descrevendo as dificuldades ─ ele atraía você disse muito bem, atraía muito até, depois vinham as graças etc. Era uma coisa maravilhosa, mas vinha uma vis inimica. Eu me lembro que falávamos naquele tempo da inimica vis, uma força inimiga no interior de nós, em todo ambiente etc., etc., que retinha porque não podia ser, não ia dar nesta catástrofe.

Depois, nesse descer cabia a nós a tarefa de soerguer todos os estandartes caídos e levá-los à vitória. Também não podia ser, porque o que caiu, caiu; o passado já passado não volta mais, a gente não pega nele, isto é um sonho, etc., etc.

De outro lado, nós éramos tradicionalistas, nós tínhamos mil apetências tradicionalistas, mas tinha ─ eu estou descrevendo a inimica vis, portanto você diz bem, eu estou descrevendo um lado do jogo psicológico ─ a inimica vis nos dizia: “isto não é assim, deixemos isto de lado, é uma fantasia, entrando sem arrière pensée nesse mundo onde há restos de desigualdade, e uns restinhos de tradição, e que não vai cair tanto quanto diz o Dr. Plinio, nós fazemos o nosso jogo.

Então mais uma vez o nosso século é o século igual aos outros séculos, nossa vida vai ser uma vida igual a dos outros, nós não queremos ser homens carolíngios, não queremos a tarefa de salvar os grandes estandartes. Deixa os estandartes no chão, nós vamos junto com todo o mundo, ser todo mundo no meio de todo mundo. Olha como é gostoso, olha a festa” ─ e esta festa era a “Bagarre Azul”. “E realiza inteiramente o destino de um homem, não procuremos outra coisa”.

E era no fundo a American way of life, o fascínio dos Estados Unidos enchia tudo.

(…)

* Um estado de espírito que é a “inimica vis” do Profetismo e a causa das infidelidades às graças da “Sempre Viva”

perspectiva de colossais desapegos, porque todas essas grandezas assim são o contrário dos apegos individuais. Todo indivíduo egoísta percebe perfeitamente que se há uma jogada mal feita é querer fazer uma grande carreira, porque é claro que se dá certo é vantajoso para ele, mas claro que o que ele põe naquilo é uma coisa tal que não vai, que não dá resultado.

Não sei se querem que eu me exprima melhor? Ou se está claro.

(Sr. Guerreiro: Esforço que ele põe na carreira?)

Não compensa. Bom, ele pode, quando ele planeja megamente o começo da carreira, ele pode ter ilusões, mas quando chega a hora de ele deitar o esforço que a coisa pede mesmo, e que é quase uma espécie de martírio, aí o sujeito pára. É a pura verdade.

Vocês me dirão: “Mas um Churchill, um De Gaulle”.

Primeiro, tem este fator aqui… Antes de todo e qualquer. Depois tem o seguinte, sujeitos dotadíssimos, que fazem isto sem o esforço que nós poríamos para fazer.

Donde decorre que eles podem fazer, é uma coisa muito diferente, por exemplo: Camões não pôs nos “Lusíadas” o esforço que eu teria que pôr para não sair os “Lusíadas”, sair coisa muitíssimo abaixo, de maneira que a gente precisa medir bem estas coisas, não ir correndo como um doido, que sai cada coisa depois que a gente não sabe o que dizer.

(Sr. Guerreiro: Aquela bicicleta de exercício, pedala, pedala e não sai do lugar.)

É isto. Coisa aliás que toda a vida eu considerei sumamente odiosa, está compreendendo? Quando eu era menino tinha um médico qualquer que me recomendou isso para ficar mais desenvolvido. “Ooohh!” Uma vez ou duas, mamãe entendeu que não ia.

Bom, mas isto tudo fazia uma espécie de oposição ao Profetismo, era a inimica vis ao Profetismo. E isto fazia com que não se quisesse acreditar naquilo que de fato era previsto e que aconteceu.

Então, desse duplo jogo que [decorreu?] exatamente o drama da Sempre Viva. Porque veio a graça, iluminou e nós quisemos. Mas quando começou logo de cara a trombada com o martírio quotidiano e pequeno da obediência… Não se tratava de fazer grandes obras, era obedecer em coisas pequenas. De crer, de ter espírito de fé, de crer na Sempre Viva, de tomar a sério, nas condições comuns da vida, e compreender na menor coisa: o pedido de licença para comprar uma cinta, o pedido de licença para fazer uma viagem, o pedido de licença para… não sei, para ir dormir mais cedo, que é comum da vida do religioso. Aquilo o que é que tinha elevadíssimo? E de ver aquela elevação na perspectiva da nossa vocação. Um pulo para trás.

Agora notem bem, hein, isto era de tal maneira…

(…)

* Ainda hoje existem em nós hábitos mentais que fazem com que não acreditemos que este mundo está perdido

as freiras do convento dela não queriam admitir. Não sei, meu Caio, se justitifica esse juízo temerário em relação às freiras do convento dela? É porque tudo se encardia, ela era do tempo de mamãe, Santa Teresinha, eram coetaneas.

Bom, vejam… as projeções de hoje, que mostram até que ponto se realizou, a um ponto inimaginável naquele tempo. Se eu fosse prever coisas dessas naquele tempo, caía o mundo. Dizer: “Não positivamente é uma gagueira, porque não se pode admitir que o mundo fique louco, então ficam todos loucos, então louco é o senhor, etc., etc.”

Quando se vê aquilo é exatamente, o momento que a Providência nos abre os olhos para nós renunciarmos a esta espécie de microlisse adorante, que pertence ao ambiente igualitário e que procede dessa idéia da igualdade entre os sexos e das vidas depois da era da Revolução Francesa, da Era de Napoleão.

Veja, por exemplo, os heróis da I Guerra Mundial ─ houve vários ─ mas simbolicamente para simplificar o horizonte aqui [Hidemburg?] e [Lidendorf?] de um lado; Foch e se quiserem [Douglareich?], uma coisa assim, que era um general norte-americano, inglês. Está acabado não tem mais ninguém. Mas não tinham a proporção de um Napoleão, cercado daquele esplendor napoleônico. É isto que não quiseram.

Foi, por exemplo, que o Franco achatou o Alzamiento. Ele poderia ter levantado os heróis do Alcacer a não sei que culminâncias, ele os achatou todos. Assim, eu poderia ir até não sei onde.

Por exemplo, colocaram o Adenauer, mais ou menos à altura de Churchill e De Gaulle. O Adenauer era administrador burocrata, podia ser muito capaz, mas foi um homem que reconstruiu pontes, não foi o homem que derrubou pontes. Não expôs a vida, não era um herói, uma espécie de pantera da burocracia, mais nada do que isto. Assim por diante.

Então, eu digo isto por quê? Porque eu tenho a impressão de que eu, com isto, concorro para tirar todo proveito possível dos audiovisuais de hoje à noite.

Acho que se nós formos fazer uma análise de nossos hábitos mentais encontraremos disso até hoje. Por exemplo, divididos entre sórdidos ideais de carreira de um lado e de outro lado a vontade de levantar vôo nos nossos horizontes, etc., etc. E é ainda por isto que nós não tomamos inteiramente a sério, apesar do golpe tremendo dos audiovisuais de hoje à tarde, nós não tomamos inteiramente a sério a idéia de que os séculos se fecharam e que nós estamos…

para estar na proporção dos dias incertos que se aproximam, a gente precisa ser herói. Para usar a linguagem católica tradicional precisa ter virtudes heróicas. Bem, e supõe renúncia aos equívocos, aos meios implácidos, às coisas assim, não é? Nossas armaduras que são meio feitas de aço e meio feitas de pedaços presos com band-aid e lá vamos nós.

(Sr. Poli: Muito equívoco é que não queremos a clave heróica, daí não entende.)

É isso. Bom, então essa seria a resposta a sua pergunta.

(Sr. G. Larraín: Faltaria uma parte. Tudo o que o senhor diz é verdadeiro. Há uma coisa que se passa por onde em saber quem é o senhor e amar isso. Não é apenas uma renúncia. Esta força tem que vir do senhor.)

A questão é a seguinte…

(…)

batalha mêlée haja momentos que possa parecer nossa derrota, depois momento da derrota deles também, nós parecemos estar vencendo, mas também ainda não é a vitória porque a batalha mêlée, a meu ver, é dura e longa.

(Sr. Guerreiro: Seria um grande tema para Conversa de Sábado à Noite ou MNF.)

Pode ser, se quiserem. Tenho que me desvencilhar das ocupações extras, para retomar os MNFs.

(Sr. Guerreiro: Este vai ser como o signo dos dias futuros nossos.)

É isso. Você não encontra…

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