Conversa de Sábado à Noite ─ 20/12/86 ─ Sábado . 12 de 12

Conversa de Sábado à Noite ─ 20/12/86 ─ Sábado

Em seus menores gestos, Nosso Senhor manifesta uma insondável elevação e incomensurável bondade * Ainda que nós tenhamos sido muito infiéis a Nosso Senhor, Ele continua fiel a nós * Nosso Senhor é a Divina Gaivota que nos eleva e, conosco, tudo quanto nos é natural * Em todos os episódios da vida de Nosso Senhor, mesmo nos mais jubilosos, acompanhava-O uma tristeza profunda inundada de paz * Em certos momentos, Nosso Senhor deixava transparecer a imensa dor d’Ele, toda envolta em doçura e suavidade * Tudo em Nosso Senhor tem como ponto central a divina elevação e a comunicação que Ele, Homem Deus, tem com a Santíssima Trindade * Desde menino, o Sr. Dr. Plinio compreendeu que todas as coisas só encontram sua explicação e seu sentido no Sagrado Coração de Jesus * O entusiasmo do Senhor Doutor Plinio ao entrar pela primeira vez em um convento

(Sr. G. Larraín: O que os revolucionários vêem no senhor? O senhor disse que éramos chamados a contemplar, por força do “Segredo de Maria”, os 30 anos de convívio de Nosso Senhor com Nossa Senhora. O que Ela viu em Nosso Senhor durante esses 30 anos? Como é a união de alma entre o senhor e Nosso Senhor Jesus Cristo? Seriam as 3 perguntas.)

(Sr. Paulo Henrique: E tem a do Sr. João Clá também…)

Bom, a do João dava mais ou menos nisso, porque ela, com muito menos elevação de formulação, mas era isso. Era o seguinte: dada a Servitudo ex caritate, no que consiste a união de alma com o Fundador numa congregação. O Servitudo ex caritate trata de tudo isso. No que é que consiste então a união de alma com o Fundador? Em que ponto, como é que se faz, etc., etc.

Então, eu iria tratar isso num nível mais baixo, porque a pergunta que ele me fez foi muito direta nesse sentido. Depois daria para eu subir algo o nível no que diz o Gonzalo, embora na exposição que fez o Gonzalo alguma coisinha eu retocaria, mas eu acho que é melhor deixar registrado que eu retocaria, e tocarmos para frente, para nós entrarmos na coisa a fundo.

Só que eu não sei se eu começo por baixo, ou começo por cima. Eu fico na dúvida.

Vamos começar por cima e responder a questão por onde você apresentou.

* Em seus menores gestos, Nosso Senhor manifesta uma insondável elevação e incomensurável bondade

Quer dizer, desde pequeno o que me… tornou para mim assim evidente que Nosso Senhor Jesus Cristo era Deus, e que Ele era o manancial de toda virtude, de toda santidade, de todo equilíbrio, enfim, era o que é: o Homem Deus?

Era alguma coisa que eu definiria assim: no trato com Ele eu tenho impressão que se compunham certos aspectos, mas que naturalmente se realizavam nEle de um modo como só nEle se podem realizar, de modo excelso, etc., etc. Mas que fazem com que ─ você toma por exemplo, nota de piano ─ você tocando uma nota de piano, sem uma nota que venha logo depois, ou que seja tocada ao mesmo tempo, aquela nota de si não tem significação. Dó!… o que é dó? Mas você inserindo no conjunto de outras notas, aquilo pode tomar uma grande beleza, conforme seja o músico que esteja compondo a partitura.

Bem, assim também em Nosso Senhor as virtudes d’Ele são de tal maneira que se a gente procurar examiná-las isoladamente, a gente não as compreende bem. A meu ver eu não compreenderia bem nenhuma delas. Elas só são bem ─ a meu ver ─ eu só consigo ponderá-las bem quando vistas no conjunto das virtudes que Ele tinha.

E é o conjunto das virtudes que forma Ele. As virtudes tiradas desse conjunto não nos dão bem impressão d’Ele.

Bem, e a primeira coisa que chama a atenção para quem lê o Evangelho, para quem vê a iconografia da Igreja, a Liturgia da Igreja e tudo o mais, é algo d’Ele, de uma elevação ─ nem podia ser outra, porque é o Homem Deus ─ de uma elevação tal que qualquer tema que Ele trate, qualquer palavra que Ele pronuncie, qualquer coisa, a menor das coisas, por exemplo, eu estou aqui passando o dedo instintivamente sobre uma saliência aqui do móvel, porque me distrai. Isto que é um gesto banal de uma simples criatura, se nós víssemos os dedos d’Ele passarem, preocupado e pensativo, passarem sobre a nervura de um móvel qualquer, a gente se punha de joelhos e começava a adorar. Porque nEle o movimento era feito de tal maneira que tinha nexo, uma tal cogitação de alma tão alta, um trato com Deus, um comércio com Deus ─ Ele era Deus, segunda Pessoa da Santíssima Trindade feito Homem ─ tal que desde logo, esta coisinha insignificante e que Ele pode ter feito, tomava nEle uma perfeição, um significado, uma comunicação com Deus que nós não saberíamos o que dizer.

A gente se poria de joelhos e pediria a Ele a licença seguinte: “Senhor, dai-me licença de passar o resto de minha vida olhando apenas para isso: os vossos dedos divinos percorrendo distraídos uma superfície mais ou menos trabalhada de uma madeira”. Só por isso, porque desde logo a coisa vai para uma altura!…

As parábolas que Ele conta, os conselhos que Ele dá, os fatos que se dão com Ele, tudo o mais, uma altura que vai… Bem. Por exemplo isso: Ele dormindo na barca enquanto a tempestade sopra. O sono d’Ele ─ o sono de qualquer um é o nosso sono ─ o sono d’Ele, mas o que seria o sono d’Ele?

A gente teria vontade de ficar ajoelhado vendo-O dormir. Só isso. Mas por quê? Porque aquele sono tomava desde logo um nexo, uma relação com perfeições de Deus de que aquilo era o símbolo, era a manifestação, etc., mas perfeições tais de Deus, e mostradas tão próximas do homem, que a gente não sabe nem o que dizer.

Vamos dizer que Ele estivesse, de duas situações em uma: cansado, e ameno, e descansando. Já pensou toda a suavidade que podia caber numa coisa dessas? Bem, mas uma suavidade divina.

Agora, você pense, de outro lado, que Ele tivesse ─ há formas de sono assim ─ profundamente tomado pelo sono. De maneira que desse uma pré-idéia da morte d’Ele. Quem é que ia ousar acordar? Não era eu! Interromper o sono d’Ele, não. Está dormindo, dorme o quanto quiser, eu fico olhando. Não tem outra coisa para fazer: fico olhando, olhando, olhando… enquanto Ele consentir não tem… Nem eu quero mais nada. Estou olhando a Ele dormir.

Ao mesmo tempo ─ você veja, hein ─ nos contenta enormemente, enche nossa alma, nos eleva enormemente; e de outro lado penetra no fundo de nós com uma doçura, com uma bondade, que a gente também não tem o que responder.

Por exemplo, Ele dormindo. Imagine, por exemplo, que com as mãos assim. E a gente sabendo que essas mãos vão ser transpassadas por pregos por nossa causa. E Ele nessa posição, vamos dizer, prenunciando de algum modo que a gente pudesse ver, como o corpo d’Ele estaria na sepultura. E a gente vendo! Aquilo, quer dizer para mim que Ele me ama tanto, que Ele vai fazer isto por mim; vai se sujeitar a esta morte por mim. De tal maneira que ainda que fosse apenas por mim Ele faria.

Olha que dar-se completo! Ele é meu. Agora, até que ponto eu sou d’Ele? Quer dizer, como eu me sinto tomado por Ele, envolto por Ele, quase que eu diria confiscado por Ele, simplesmente por Ele estar ali.

Assim a gente poderia tomar qualquer outra coisa. Coisas minúsculas. Isto: Os discípulos de Emaús. In fraccione panis congnoverunt Eum. No partir o pão ─ naturalmente Ele celebrou Missa ali, Ele consagrou ─ nisso conheceram a Ele.

Partir o pão é uma coisa… Vocês podem imaginar o pão em que Ele tocou; o pão que Ele partiu. O jeito de Ele partir o pão, o que aparecia d’Ele ali… tudo isso é inenarrável, a gente não tem palavras para exprimir bem o que é isso. Mas nós podemos tentar uma descrição.

Tem essa altura, essa elevação, e ao mesmo tempo então esta bondade que faz com que Ele nos penetre completamente, mas também nós penetremos inteiramente nEle, nós vejamos inteiramente como Ele é. Entendamos completamente. Porque é curioso… ninguém se abre tanto a nós como Ele, quando a gente se põe a meditá-Lo assim. A gente o conhece como não conhece ninguém.

Bom, forma um comércio de alma, de uma intimidade, em que se estabelece uma espécie de contradição. Porque um rei é menos do que um lacaio em comparação com Ele. Tanto Ele é. Mas é numa ordem tal, que a gente se aproxima d’Ele e pede o que quer, o que deseja, está a vontade, não perde a respiração, não perde o fôlego, não se cansa, não está intimidado. Como é que é isso?

Bom, é que o ponto mais alto que Ele mesmo vê ─ ou por outra, em que Ele vê não; em que Ele quer ser visto por nós, é esta elevação indizível, mas junto com a elevação, porque tudo quanto é elevado é infinitamente sério.

Mas uma acessibilidade e uma meiguice, que é o outro lado das coisas. E é esta elevação enquanto eleva; não enquanto Ele cresce aos nossos olhos, mas enquanto nos eleva com Ele nesse crescimento.

Então, nesta seriedade nós nos sentimos ao mesmo tempo com a alma muito posta para só querer ver e só ponderar inteiramente até o fim as coisas nos seus aspectos mais elevados. Mas, de outro lado, por causa dessa bondade, desse elevar-nos, nós compreendemos que as coisas elevadas nos elevam com afeto, nos elevam com bondade, a gente se sente distendido, se sente em casa, se sente afagado, amparado. Eliminando a impressão de desamparo que todo homem tem da vida. E é uma das impressões mais cruéis que o homem tem da vida, é a impressão de que está desamparado. E no contato com Ele essa impressão desaparece. É uma doçura que envolve tudo, que arranja tudo, enfim…

* Ainda que nós tenhamos sido muito infiéis a Nosso Senhor, Ele continua fiel a nós

Então, é ao mesmo tempo uma grande elevação, mas esta elevação vem acompanhada de uma serenidade e de uma coisa que eu ousaria chamar assim, fidelidade, fidelidade d’Ele a nós, que é um dos lados mais bonitos e mais tocantes desse contato.

Como é essa fidelidade? Fidelidade de nós a Ele nós entendemos como é. Mas d’Ele a nós? É uma coisa muito bonita, mas é uma fidelidade que não nos abandona nas piores situações nossas. E ainda que nós tenhamos sido muito infiéis para com Ele, Ele continua fiel a nós.

É o Bom Pastor que vai ao encalço da ovelha tresmalhada, e que vai pegar a ovelha e coloca sobre o ombro, cuida, etc. Leva depois para o aprisco, etc. Tudo isso faz parte do zelo fiel do Bom Pastor. E uma fidelidade que toca, porque a fidelidade cabe do inferior para o superior. Mas nEle não; cabe do superior para o inferior. Ele é Fidelíssimo! A Mãe d’Ele na Ladainha é chamada Virgo Fidelissima!

Bem, mas Ela não é só fiel a Deus. É principalmente fiel a Deus. Mas porque é fiel a Deus, Ela, como Mãe, é fidelíssima a nós. E vai ao nosso encalço, e pega e procura, e isso, aquilo, aquilo outro.

E com o que há de sério e elevado na pessoa d’Ele, comunica ─ parece um paradoxo ─ uma calma, uma estabilidade, um senso de estar sendo protegido, de estar inesperadamente forte, inesperadamente digno, que nos faria passar mil anos tranqüilos olhando para Ele. Só olhando para Ele, nessa tranqüilidade.

* Nosso Senhor é a Divina Gaivota que nos eleva e, conosco, tudo quanto nos é natural

Bem, e também é uma coisa ─ eu vou usar uma metáfora que nós estávamos usando no jantar ─ imaginem uma gaivota voando sobre o mar. Ela vê um peixe que está no fundo do mar. Ela “psit”: pega o peixe, sem matar, e voa com o peixe lá para o alto. Qual é a sensação do peixe quando ele sai do fundo mar e é levado para o alto? O peixe se sente fora de sua natureza. E se ele pudesse, ele voava do bico da gaivota e se jogava no fundo do mar de novo. Imediatamente. E teria, para alguém que objetasse: “Miserável, você pula daquela altura lá para o fundo! Você não compreende que você ser elevado aos céus, um elemento muito mais límpido, muito mais diáfano, muito mais claro do que essas águas glaucas em que você se refocila… Você foi levado para tomar vento, seu miserável; você nunca tomou vento em sua vida, e você se joga de lá para baixo?”

O peixe diria! ─ “Mas é o meu elemento”.

Nosso Senhor faz isso conosco. Como uma espécie de Gaivota Divina Ele nos eleva alto. Mas é uma coisa curiosa, que tudo quanto é legitimamente natural a nós, Ele eleva conosco. E Ele adapta de maneira a estar a alcance d’Ele. E aqui cabe bem o conceito de Civilização Cristã.

Quer dizer, a nós, a nós dentro da TFP, Ele não deu sempre a cada um de nós a vocação de viver ─ é uma vocação invejável, é a primeira vocação dentro da TFP ─ viver dentro de uma camáldula. Não nos deu isso. Mas quis que vivêssemos, por exemplo, aqui. Mas como Ele numa coisa arranjada com a Tradição Cristã, Ele elevando-nos, põe em torno de nós tudo aquilo que nos é natural. E nos faz ficar à vontade junto à altura d’Ele, mas levando um pouco do mar conosco, abençoado por Ele, e involucrado, enfim, preparado. Quer dizer, Ele eleva-nos de tal maneira, que nós não nos sentimos estranhos nas alturas d’Ele, mas nós sentimos o nosso cotidiano embebido profundamente por Ele, na palma da mão d’Ele. E me agrada enormemente ver isso.

Eu estou sendo claro?

(Todos: Claríssimo!)

* Em todos os episódios da vida de Nosso Senhor, mesmo nos mais jubilosos, acompanhava-O uma tristeza profunda inundada de paz

Bem, depois, ao lado disso, uma tristeza profunda, porque Nosso Senhor, ao par dessa seriedade d’Ele, é profundamente triste.

Mesmo nos trechos, episódios jubilosos da vida d’Ele, antes da Ressurreição ─ porque depois da Ressurreição muda tudo ─ uma tristeza acompanha aquele jubilo.

Por exemplo, na Noite de Natal, em geral os Presepes da iconografia católica apresentam o Menino Jesus sorrindo, alegre, no jubilo, mas com os bracinhos abertos em cruz. É para dar a entender que Ele sabe que Ele veio para o sofrimento da Cruz.

Em geral na bondade d’Ele, há uma certa melancolia porque Ele sabe que não vão lhe corresponder. E se é verdade que essa melancolia é imediatamente seguida de perdão, quer dizer, da parte d’Ele há uma intenção imediata de perdoar, desde que a pessoa se arrependa; se isto é verdade assim, é verdade entretanto que isto não elimina uma certa tristeza que Ele sabe que foi recusado, que nasceu para ser recusado, nasceu para ser incompreendido, nasceu para ser posto de lado, embora Ele represente tanto, tantíssimo! E a tristeza d’Ele de ver a glória de Deus recusada dessa maneira. E por aqueles a quem Ele amou, a quem Ele quis fazer bem.

Eu continuo claro? Ou não está claro?

(Todos: Claríssimo!)

Bom, agora, esta tristeza entretanto vem misturada com uma brisa continua de leveza de alma, de… mais do que resignação, a certeza de que no fundo Ele vencerá. Não é ainda certeza do triunfo; é antevisão do triunfo, não é o sabor do triunfo. E que no fundo tudo dará certo, apesar do preço tremendo que ele tem que pagar.

Donde uma calma, uma tranqüilidade, de maneira que pode tomar, por exemplo ─ eu vou tomar um exemplo excessivo, mas enfim, para usar um exemplo ─ um homem vazio e que parece feito para gozar a vida: o duque de Edinburgh.

Nos maiores momentos de deleite da vida dele, ele não tinha a felicidade que ele teria se ele conhecesse Nosso Senhor triste. Pela comunicação daquela afabilidade, daquela bondade, a gente compreendia aquela ordem no fundo que existe; apesar do sacrifício tremendo, existe esta ordem.

(Sr. Guerreiro: Impressionante, que todas as pessoas que vão a Jasna Gora ao Eremo de Elias comentam exatamente isto que o senhor diz, de que elas vêem no ambiente criado pelas camáldulas uma paz, uma suavidade, um convívio para a perfeição, coisa impressionante.)

* Para se compreender melhor o convívio com Nosso Senhor é interessante ver como é o convívio entre os que procuram segui-Lo

Eu vi outro dia um episódio encantador a esse respeito.

(…)

me contou que numa dessas cerimônias em que os camaldulenses são autorizados a aparecer, ele caiu sentado no meio dos camaldulenses, não se deu conta, e caiu sentado no meio dos camaldulenses.

Os camaldulenses não podem falar, mesmo no auditório não falam. Mas como ele era de fora, caiu sentado no meio deles, o pessoal começou a fazer sinaizinhos para ele ─ eles hein?! ─ que era agora a hora da vida dura, ele tinha que ficar camaldulense também.

Agora, que frescor de alma há para um sujeito na vida dura brincar com outro: agora chega a sua vez também! E os outros brincarem também. Não sei se percebem esta coexistência da doçura, da alegria, com a dor.

(Sr. Guerreiro: É um pouco uma “divina” cortesia.)

Isso, exatamente. Ele não fez esta reflexão. Não se pode exigir que o fizesse. E mesmo não saber até que ponto é bom o que ele fez. Mas não importa como, ou talvez precisamente por causa disso, o fato é verdadeiro, porque ele não percebeu, não viu a beleza do fato. E se os outros não perceberam a beleza do que eles estavam fazendo, dá mais autenticidade ao que eles fizeram. É inegável. É um fatinho. Mas o que é que tem nesse fatinho? Lumen Christi. É um pouco da luz de Nosso Senhor. Quer dizer, Ele é o sol, a gente olha para a areia e vê um pouco de mica brilhar. Assim é a vida com Ele. A gente olha para o chão e aparecem sóis, pequenos sóis, mas são assim.

Eu fiquei…

(…)

vocês podem observar melhor como é que dentro do sacrifício pode habitar uma certa alegria, e até uma certa louçania, que a gente dizendo em tese não é nada. É preciso ter visto para compreender como é que é. Porque esse ambiente de que nós falávamos há pouco é um ambiente muito alegre. Onde existe alegria é ali.

(Sr. Guerreiro: Nunca houve uma alegria no Grupo assim! Uma alegria esfuziante.)

E ainda meu filho, com mais essa coisa, hein: gente que se conhece pouco. Porque se ainda se conhecessem muito… Não. A gente via correndo assim lado a lado um venezuelano com um uruguaio na outra ponta do continente, com um norte americano, com um teuto tirado de qualquer lugar do mundo… Tudo isso junto. Aquela sarabamba, aquele vai e vem de gente. É um pouquinho aquele quadro que você me deu, que me veio de um lado para outro está compreendendo?

É pena não ter encontrado, eu mostraria para eles aqui, mas sábado que vem eu mostro para eles, se Deus quiser. É um pouco aquilo está compreendendo? Com [borburios??], formando panoramas, formando belezas…

É a tal alegria que coincide com seriedade, coincide até com a dor. Porque compreende, uma porção que estava ali estava fazendo privações, estava… era evidente. Evidente. E os incômodos. Mas, aquilo, aquilo… Dava o seguinte, por exemplo.

Eu fui a Cajamar. O João não disse a eles onde é que nós fomos. Mas deu ordem de só sair um certo tempo “X”, foi um arranjo qualquer que o João fez, para não nos encontrar. Mas um certo grupo deles foi nos esperar no lugar do desastre. Quando nossos automóveis se encontraram, nós nos saudamos como se há tempo não nos tivéssemos visto. E uma alegria de retrouvaille.

Agora, de onde isso, se tínhamos jantados juntos? Entretanto eu, com os meus 78 anos, tive essa alegria de encontrá-los!

E para compreender melhor o convívio com Nosso Senhor, é interessante ver o convívio como é entre aqueles que procuram segui-Lo. Porque aí a gente pega ao vivo. Do contrário fica meio no ar, não entende bem como é.

(…)

* Em certos momentos, Nosso Senhor deixava transparecer a imensa dor d’Ele, toda envolta em doçura e suavidade

Quer compaixão, Ele quer que se tenha pena d’Ele. É evidente. o que a Liturgia da Igreja faz para nos inspirar compaixão para com Ele, ela faz tudo, de todos os modos, do modo mais nobre, mais belo, mais tocante, de todos os modos o que ela faz para despertar a compaixão, é uma coisa extraordinária. Ele faz ver também. E a gente pode imaginar o que seriam as horas em que Ele deixava transparecer a dor d’Ele. Mas também nessa dor, quanta doçura. Quanta doçura aveludada, uma doçura bondosa, uma doçura cheia de afeto nessa dor. De tal maneira que não é uma dor recriminatória. É uma dor que…

Por exemplo, contemplar o Senhor morto; por exemplo quando eles tiraram Nosso Senhor da Cruz e depositaram sobre os joelhos de Nossa Senhora e começou o embalsamamento, ali de fato eles fizeram uma meditação sobre a Paixão que tinha acabado de [se] fazer.

Porque eles mediram, eles desnudaram Nosso Senhor, Nosso Senhor estava nu, Ele estava apenas cingido. E eles viram, tiveram que passar aqueles aromas, tudo no Corpo de acordo com o que exigia a tradição, e creio que a Lei também judaica. Mas eles ao porem naquelas feridas todas bálsamos, eles mediram a profundidade de cada ferida. E compreenderam o golpe de cada dor.

Já imaginaram meterem aromas nas chagas dos pés e das mãos, e medirem por aí a profundidade? Medirem no flanco aberto pela lança do centurião Longinus, mediram ali o que ainda saiu de lá… a dor.

Aquilo tudo era acompanhado de graças deles por onde tinha uma ternura sem nome para com as dores dele. Mas nessa ternura eles ficavam mais doces, mais suaves. A doçura que eles davam Ele retribuía com tanta abundância, que eles voltavam para casa com certeza partidos de dor, mas dulcificados.

Por exemplo, não é possível imaginar que eles tivessem uma querela entre si, ao voltar para casa depois de terem participado do embalsamamento. Nesse momento pelo menos eles não foram complicados.

(…)

é conhecer, depende do que Ele quer através de um apóstolo, de um discípulo… na sua própria pessoa depende do que é… [Vira a fita]

* Tudo em Nosso Senhor tem como ponto central a divina elevação e a comunicação que Ele, Homem Deus, tem com a Santíssima Trindade

agora, notem o seguinte: que tudo isso tem como uma espécie assim de ponto central ─ ao menos para minha ótica ─ em que tudo isso se estrutura, é a comunicação d’Ele com Deus, e a elevação enorme, total, divina que Ele, Homem Deus, tem com a Santíssima Trindade. E eu comecei por aí minha exposição: é a grande elevação em que Ele está continuamente. Se deixasse de supor esta elevação, tudo isso que nós dissemos se empalidecia, se deformava, e deixava de ser Ele mesmo, não é?

* Desde menino, o Sr. Dr. Plinio compreendeu que todas as coisas só encontram sua explicação e seu sentido no Sagrado Coração de Jesus

Bom… Agora, eu falava de minha posição em menino diante de Nosso Senhor Jesus Cristo. A rogos de Nossa Senhora eu tinha muito “Thau”, e… mas esse “Thau” tinha como efeito alguma coisa de modestamente mas genuinamente análogo ─ Christianus alter Christus ─ com esta elevação d’Ele. Quer dizer, como uma mera criatura ─ nós todos somos ─ não se podia comparar com a elevação d’Ele. Ou por outra, não se podia identificar com a elevação d’Ele. Uma remota analogia tem porque Ele quis esta analogia, está na ordem da graça, está na ordem da Providência, etc. que isto seja assim.

E havia uma porção de coisas que me enlevavam enormemente. E que preparavam minha alma para a compreensão da Providência embebendo a vida temporal e elevando-a… É o peixe que vai no bico da gaivota, mas acompanhado com toda sua ambientação, de que eu falava há pouco.

Mas eu percebia bem que tudo isso que eu percebia na sociedade temporal ─ então gostava enormemente de cada coisa impregnada de tradição, da ordem temporal, eu apreciava os objetos, as coisas; via os mais altos aspectos disso aonde é que conduzia, etc., etc., tudo isso eu percebia perfeitamente bem.

A Frαulein Mathilde, por exemplo, com a mania que têm os alemães por negócio de cultura clássica ─ eles não descendem nem dos gregos nem dos latinos, mas ninguém é mais enragé pela cultura clássica do que eles, e é ali!

Bem, ela nos leu todo um resumo, mas um resumo quilométrico de coisas da guerra de Tróia, de Aquilóis ─ é Aquiles, não é? ─ Tzóis ─ é Zeus …aqueles nomes todos alemoados, eles eram meio alemães na narração dela. Eram meio gregos, meio troianos, meio alemães. O alemão estava presente no grego e no troiano na mente dela.

Ela alemoava aquele negócio todo, eu não percebia. Depois gostando muito de tudo quanto é alemão, eu ia na onda, aquilo era assim mesmo. Mas eu me lembro de ela falar ─ tem trechos bonitos daquilo ─ o Hector… como o Hector combatia… o inimigo do Hector era Aquilóis, não é? E saía briga do Hector com o Aquilóis. E depois tinha uma Helena ─ o Hector parece que tinha paixão pela Helena, se não me engano. Helena era uma… lá do exército grego ou era uma rainha grega que estava lá, aqueles reinos “cajamarescos” que havia na Grécia.

Bem, eram coisas desse gênero, eu não me lembro bem. Mas eu me lembro que eu fazia reflexões assim: “Como é lindo o heroísmo; como é lindo esse ambiente da Guerra de Tróia; como é vil toda essa gente que não compreende o espírito militar e não ama o espírito militar, mas de outro lado, como não vale nada porque não tem Nosso Senhor Jesus Cristo dentro”.

Estes dois pontos eu não dizia para a Frαulein. Porque ela não me quereria ver partir de lança em riste contra os menos pacifistas daquele tempo. E sobretudo ela não entenderia que eu achasse aquilo vazio porque não tinha Nosso Senhor. Mas eu pensava: “o píncaro é Ele, e toda essa gente que está por aqui correndo de um lado para outro, pulando no cavalo, se matando e pulando do muro e depois caindo do muro, e com decepções e com esperanças, etc., etc., não é nada em comparação com o Sagrado Coração de Jesus”. Pusesse a Ele com o Coração d’Ele no centro das coisas e tudo se explicava.

E eu mesmo só gosto dessas coisas do Hector e Aquilóis, e dos Tzóis na medida em que eu posso conceber em função d’Ele, porque assim é só Ele. E eu só gosto d’Ele e o resto não…

Bem, mas eu entendi perfeitamente que a Ordem Temporal recebia isso da Igreja Católica. E que se eu quisesse conhecer bem qual era a Ordem Temporal, eu deveria conhecer a Igreja Católica a fundo, e saboreá-La, porque Ela é o néctar do que tem a Ordem Temporal.

A Ordem Temporal tem uma irradiação do que tem a Igreja Católica. Então: igrejas, sinos, torres, clero, todo o ambiente…

* O entusiasmo do Senhor Doutor Plinio ao entrar pela primeira vez em um convento

Lembro-me do primeiro convento que eu fui ver em minha vida, foi o convento dos Redemptoristas em Aparecida. Eu estava a caminho do Rio, nesse tempo eu já era católico praticante [havia] uns dois ou três anos ─ mas isso parece muito, quando a gente vem de longe ─ e entrei tarde da noite. Eles resolveram me receber no convento. E eu entrei tarde tarde da noite. E quando eu me senti dentro de um convento, ahhhh! Que céu! Eu andei devargarinho para não acordar os padres que dormiam. E haviam umas gravuras, não me lembro bem, representando de quando em quando Santos, Gerais e grandes personagens da ordem Redemptorista.

É preciso dizer que assim como a olho nu me pareceu, quase tudo austríaco ou alemão, entende?

Bem, mas eu vigorosamente pró. Parava, olhava… maravilha! Um convento, que coisa estupenda! Na manhã seguinte comungamos na Capela do convento, e depois fomos tomar o café. E veio o irmão leigo nos oferecer pão, manteiga e cerveja, dizendo-nos com alegria que o pão ─ a manteiga não me lembro ─ a cerveja em todo caso era fabricada no convento. Aí eu tomei aquilo como se eu comesse coisa sagrada, fabricada no convento. Quer dizer, eu tinha um amor a isso, era porque no fundo estava Ele. E Ele assim, como eu descrevi. E eu sentia a presença d’Ele em tudo.

Bom, agora, esta seriedade, esta elevação contendo tudo isso, eu consigo assim exprimir muito melhor o que eu disse no jantar de modo tão fraco, para você, para o Mário e para o João, isso assim conduz a uma coisa curiosa…

(…)

* A divina seriedade e a doçura celestial da casa de Nazaré. Há certas coisas que só o Fundador pode explicar

Vocês imaginem esses trinta anos de convívio. A sós, eu não imagino a casa deles muito freqüentada, nem por parentela nem nada. Seria uma profanação. Naturalmente enquanto viveram ─ quanto tempo viveram, não se sabe ─ São Joaquim, Santa Ana iam lá, Santa Isabel, Zacarias… pode se admitir. Alguns relacionamentos assim. Bem, mas pouca gente. Em certo momento São José morreu. Eram três e ficaram dois. E o tempo inteiro desses trinta anos foi tomado de conviverem nessa perspectiva. Foi isto: ver, amar isto, estarem juntos… trinta anos nisso!

Mas se a gente imagina assim, imaginar a divina seriedade e a doçura celestial da casa de Nazaré, daí para fora, daí para fora, daí para fora… não tem o que dizer. Não sei se…

Bem, então, há uma referência a isso na carta dos franceses que nós vamos ver daqui a pouquinho, São Pedro Julião Eymard dizia aos discípulos dele: “Vocês não me perguntam nada, e eu sou o fundador. O que o fundador lhes explica, ninguém mais explicará. Aproveitem enquanto o Fundador está vivo”, etc.

Porque na pessoa do fundador estas coisas se realizam de um modo que não é repetível. Bem, e isto que eu tenho impressão que nos dá, que enfim, trabalhando melhor, dentro disso se encontra o “Segredo de Maria”. E que esse é o lumen do Reino de Maria. E que o Reino… o momento do desplomamiento e do Reino de Maria não vai ser uma revoada de anjinhos, à maneira daqueles anjinhos do altar da Rua Maranhão. Mas são Anjos magníficos, sérios, grandiosos, jubilosíssimos, alegríssimos, e que passam em cortejos angélicos, majestosos e magníficos, e dulcíssimos. E quem sabe pousam no meio dos homens e conversam. A gente não pode imaginar como será.

Eu não ouso imaginar que em certo momento apareça Ele. Mas se simplesmente aparecesse Ela! Já estava tudo dito! Não é? Aí temos uma certa idéia, uma certa resposta, que eu penso que corresponde também à pergunta que vocês fizeram. Voilà mes chers!

(Sr. Guerreiro: E assim, aí se insere a perspectiva do “Servitudo ex caritate”.)

Sim, porque tem o seguinte…

(…)

* Comentarios de uma carta enviada ao Senhor Doutor Plinio pela TFP francesa

Aqui, vejam que coisa francesa bonita, inesperada. Querendo podem chegar mais perto… Uma chave que espanta, não é? Estão vendo que… pelo menos, eu não perguntei ao Caio, mas se não é de ouro é pelo menos folhada a ouro.

(Dr. Caio: É banhada a ouro.)

Isto aqui, o Guillaume explica, na carta escrita em nome de todos lá, o Guillaume explica que é a chave do cofre onde estão guardados todos os nomes do Mass mailing, entende? Que é o maior tesouro nosso. E com uma carta bonita, que valeria a pena o Caio ler.

[Discutem quem vai ler a carta.]

Está bom, meu filho, você leia.

[Sr. Fernando Antunez lê a carta.]

Você veja a construção da frase como é perfeita, e depois cada palavra tem o seu matiz, é adequada, são eles.

Espera de seu reino triunfal, espera da conversão definitiva de vossos filhos que vos dão tanto trabalho.

Está muito bonito. Muito bonito. Eles têm a coisa! Lá vai, lá vai, lá vai. Está entendendo? Fico encantado.

Eu tenho um atrativo especial por isso aqui. Imaginem a chave sem isso, não está a França. Mas aqui é uma chave de banco, de cofre forte, funcional, etc., etc. Mas o francês põe isso aqui…

(Sr. M. Navarro: Chave européia e não americana, a própria chave.)

Não, não. Aliás, é preciso dizer, hein: Quando nós passamos da ambientação francesa para a ambientação norte-americana hoje à tarde, o tema caiu, você não achou?

(Sr: Sim.)

O que é francês é de seda, o resto é estopa.

(Sr. G. Larraín: Veludo muito bonito).

Bonito, bem arranjado… Tudo é marca francesa, que George e eu nos encantamos, não é meu George?

(Sr. George: Muito obrigado pela reunião Senhor Doutor Plinio.)

Não é verdade que nós aqui tivemos muita seriedade? A conversa foi muito séria. Não tivemos muita elevação, mas muita… não havia entre nós uma efusão de afeto? Nós não estávamos muito nós mesmos aqui? E como essa reunião termina mesmo, esse pessoal aí fora diria: “Está vendo? Ele fanatiza de tal maneira que as pessoas terminam ajoelhadas diante dele”. Vocês não estão fanatizados. Estão serenos, tranqüilos. Vem falar de fanatismo, uma bofetada é a resposta!

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