Conversa de Sábado à Noite – 8/11/1986 – p. 11 de 11

Conversa de Sábado à Noite — 8/11/1986 — Sábado [VF 048] (Neimar Demétrio)

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[A] primeira questão é a seguinte: que nós, ao tratarmos desse tema, nós somos levados à idéia de que se vê esses predicados sobrenaturais numa pessoa, ou os predicados naturais na medida em que neles transparece algo de sobrenatural; que isso se vê de um modo, assim como, por exemplo, estou vendo aquele abajur no fundo da sala. Estou olhando aquilo, aquilo é um abajur, está acabado. Quer dizer, é uma faculdade natural de vista que identifica um objeto, está acabado.

Bem, então se julga que esse lumen… o raciocínio seria este: que está ao alcance do conhecimento do homem, estão ao alcance do conhecimento do homem as qualidades de outro ser humano, como estão ao alcance da vista os objetos que rodeiam o homem. Quer dizer, por uma evidência imediata, fácil, sem esforço.

Isto se reforça no seguinte: é que todos nós temos um certo conhecimento uns dos outros. E quando se trata de pessoas que não estão engajadas no problema do sobrenatural, pelo menos na maior parte dos casos estas pessoas, quando elas sobressaem, todo mundo reconhece. Tanto é que se faz em torno delas um consenso, às vezes entusiástico até. Quer dizer, isto é uma prova experimental de que as qualidades salientes de uma pessoa são notórias a todo mundo. Eu já dei uma primeira razão, agora vem uma confirmação.

Bem, agora, como as qualidades nas quais filtra algo de sobrenatural são mais excelentes ainda, é natural que elas sejam mais dignas de nota. E que, portanto, elas se imponham ao conhecimento geral, e junto com conhecimento, admiração geral. Então, está liquidado o caso, não há problema quando se trata do conhecimento disso. E se se trata do desconhecimento, ou é porque essas qualidades não existem, ou é porque essas qualidades são recebidas com má vontade e, portanto, por culpa das pessoas que não querem ver. Está acabado.

Mesmo assim, quando essas qualidades são recebidas com má vontade, elas só podem ser negadas em alguma medida. Quando elas são muito, muito grandes, elas são evidentes. E mesmo a pessoa inimiga não pode negar, uma pessoa antipática não pode negar. Até se mostra ininteligente se quiser fazer um ataque com base na negação ou no olvido destas qualidades porque se manifestam suspeitas, etc., etc. Até em geral o detrator, em certos casos, tem que começar por dizer: “Eu reconheço que ele tem mais qualidades, mas…” Se ele não pagar esse imposto inicial, ele nem é tido pelo homem comum como um pensador idôneo, que analisa suas opiniões.

Agora, acontece que já no plano natural, sem mexer no sobrenatural, isso é contestável. A gente vê várias vezes pessoas que figuram numa situação apagada e que de fato têm qualidades salientes, enquanto elas figuram numa situação apagada, não chamam atenção. E quando elas são de repente postas no candelabro, se aclamam as qualidades dessa pessoa até o delírio. Quer dizer, como era isso? Antigamente não viam?

O fenômeno A, que parece desmentir no puro plano desmentir, parece desmentir esta regra geral que parece de bom senso.

Eu dou um exemplo característico: a Diana.

A Diana é uma pessoa, de um modo ou de outro — eu tenho uma antipatia medonha por ela — mas de um modo ou de outro ela é uma pessoa saliente, não tem dúvida nenhuma. É uma bonita pessoa, com os olhos escandalosamente grandes. Eu acho que aquilo desfigura um pouco demais, mas é a única pessoa do mundo a quem se possa fazer a crítica de ter os olhos escandalosamente grandes, porque não vi ninguém. E ninguém faz essa crítica, é uma opinião pessoal minha, porque “olhos grandes” é tido em geral como algo que embeleza a face de uma moça. Bem…

De outro lado, a gente prestando atenção, ela tem muita personalidade, é uma coisa inegável. E que ela sabe movimentar o seu rang, movimentar a sua categoria, ela sabe mesmo, simpática ou não, de um jeito ou de outro, é. Tanto é que, colocada como Princesa de Gales, em poucos instantes a figura estava celebre no mundo. Ora, antes ela vivia como uma moça da entourage da Rainha Elizabeth, Rainha-Mãe, mas por isso também numa certa sombra. Porque tudo o que cerca as rainhas-mãe fica numa certa sombra, é uma corte de penumbra. E era uma moça que tinha uma vida comum em Londres: ela pegava táxi na rua, ela guiava automóveis, ela ia a reuniões sociais, etc., não tinha celebridade em nada, embora fosse [de] muito boa família. Muito boa família. Tanto é que ninguém considerou uma mésalliance o casamento. Normal, casamento normal.

Agora, o que é que havia com ela no colégio dela, na faculdade onde ela tenha estudado — não sei se estudou ou não —, na roda social que ela freqüentava — ela devia freqüentar várias rodas sociais por causa da família a que pertencia, porque tem personalidade — ela era uma pessoa que, durante todo o noticiário que o “Point de Vue” deu a respeito dela, não deu uma referência à menor saliência que ela tivesse antes. De repente ela é projetada, o mundo inteiro: “Ahhhhh…!”

O que aconteceu? Há um defeito na ótica que cercava a pessoa dela e criava esta situação.[?]

Bem, coisas como estas podem se apresentar com uma certa freqüência. Não é uma coisa necessária, mas podem se apresentar com uma certa freqüência. Nesse terreno, por exemplo, [é] mais fácil exemplificar com reis, rainhas, imperadores, imperatrizes, porque a evidência da pessoa deles é maior. Então, eu me perguntei — eu tenho essa atração muito grande por Francisco José — mais de uma vez eu me perguntei: se ele fosse um prefeito, de uma província, Istiria, por exemplo, na Áustria, ele teria tido saliência? Especial inteligência ele não tinha. Nunca vocês ouviram eu elogiar a inteligência de Francisco José. Não era burro, mas dali a ter projeção há chão.

Bom, nunca constou que ele tivesse uma especial prosa. No convívio diário, aquelas qualidades dele reais, reais! Teriam sobressaído? Posto como Imperador, a gente vê que são qualidades enormes, e no rés-do-chão não se vê. Colocado no alto da torre, todo mundo aplaude.

Bem, não é bem o caso da Diana, porque ele tinha o esplendor do contraste entre a descrição dele e uma certa majestade que ele irradiava, e que formava um contraste muito agradável, com a intimidade, com a suavidade e a distinção que, inegavelmente, ele tinha também. Era muito agradável o contraste. E como governador da Istiria faltava a distância necessária para ele ser visto.

(Sr. Nelson Fragelli: Está muito bom.)

É, é isto, me parece que é inteiramente isto. Bom, mas estas são certas qualidades discretas que realmente se compreende que um grande rang põe em evidência. Mas há certas qualidades que não são discretas. A Diana não é de uma forma de beleza discreta. É uma beleza frappant, ela chama atenção. A personalidade dela a seu modo chama atenção. Chama muito mais atenção do que a personalidade da Rainha-Mãe a quem ela servia, aquela bolachona.

Bem, por que é que não aparece? E assim quantas pessoas há que são do gênero, pessoas muito evidentes que não aparecem? “É um fenômeno natural”. Está bem, mas o que se prende ao fenômeno natural? As condições da entourage: inveja, pouco caso, coisas dessas? Ou se prende a que… o hábito de conhecerem a pessoa desde menino, e verem a pessoa desenvolver-se; se uma pessoa conheceu uma semente de jequitibá quando tinha esse tamanho, pode ser [que] a vida inteira, à medida em que o jequitibá cresça, ainda fique na retina com a idéia da coisinha assim. E, às vezes, a intimidade faz decrescer a noção da importância, da grandeza, etc., etc., de uma pessoa.

É isto? Ou há determinados ambientes que enfurnam qualquer coisa de superior que eles têm? Que aparece entre eles. E por uma espécie de convenção de todos, de enfurnar.

(Sr. João Clá: Tácita e profunda.)

Tácita e profunda. E que é, sobretudo, o caso de ambientes exatamente onde existe um nível de mediocridade muito civilizado. Quer dizer, a mediocridade civilizada faz do medíocre o par de todo mundo. E ele tem um jeito de tratar com toda naturalidade que alguém seja do tipo dele, porque ele tem o mesmo nível de civilização.

Eu me lembro uma vez lendo as memórias do Príncipe de Bullow, era o Primeiro Ministro do Kaiser, homem muito inteligente, e sabendo… era um causeur…

(Sr. Gonzalo Larraín: Deixa o Kaiser… coitado.)

Aliás, ele é meio mal-humorado com o Kaiser. Bem, mas ele conta o seguinte, uma coisa mais ou menos assim. Que ele estava no barbeiro — mas a gente vê que aqueles barbeiros de antes da guerra, os salões de barbeiro, de que eu peguei um vago vestígio e, vocês não têm nem idéia do que foram os salões de barbeiro da Belle Epoque — ele naturalmente foi fazer uma… lavar a cabeça, todas aquelas coisas que se fazia naquele tempo. Hoje a gente lava a cabeça na pia de água de casa. Naquele tempo não, tinham chuveiros, vinha perfume junto, e não sei mais o quê… depois envolvia o homem em toalhas, era morno o barbeiro fazia uma aplicações de pano… meio, enfim… Mas que super lavavam, super lavavam.

Ele disse que foi ao barbeiro, a gente imagina o barbeiro de Príncipe — era conde nesse tempo — conde de Büllow. E que na saída ele encontrou com um amigo dele, que era o Príncipe de Hohenlohe-Schillingsfürst — um nome claironnant! — e várias vezes na vida ele teve encontros com o Príncipe Hohenlohe-Schillingsfürst e comentam fatos políticos. Mas a gente percebe que o Hohenlohe era muito civilizado, o nome diz, antes da 1ª Guerra, todos eles ainda eram senhores de castelicoques, aos quais estavam pendurados trapos de antigos poder temporal, tinham direito à continência das tropas, etc., etc. E de outro lado, a conversa com o Büllow.

Todo o mecanismo do Hohenlohe-Schillingsfürst e do Büllow com ele, era de sentir-se igual ao Büllow, como igual a todo mundo no mundo! Porque ele tinha um tônus, um nível de civilização, que fazia com que todas as coisas fossem iguais a ele.

Não sei se isto…

(Sr. –: Magnífico!)

Isto resulta de longas análises, ouviu? Lentas, tranqüilas, calmas… Sabe que na torcida não se destila isto.

Agora, o jogo [a] que o Hohenlohe-Schillingsfürst fica reduzido é o seguinte. É verdade, até certo ponto, que o padrão dele lhe dá esse direito. Até certo ponto é verdade. Até outro ponto não é verdade, tout court. Bem, mas se ele vai reconhecer a supremacia que tem o outro, o Hohenlohe-Schillingsfürst reconhece a supremacia do Büllow; o Büllow fica tão acima, que dá uma quebra de padrão que ele não pode aceitar. Bem, é inevitável. E ele não tem, para não ficar colocado numa posição que ele não pode aceitar, ele é obrigado a reduzir o outro a uma posição que o outro pode aceitar.

Bem, e o Büllow pode consentir a que se feche os olhos ao talento dele. O Hohenlohe não pode porque se fechar os olhos àquilo que ele tem, ele não é nada. Bem, e se ele é ainda um homem de categoria do Hohenlohe, amigão do Hohenlohe, ainda que negue o talento, ele é amigo do Hohenlohe. Mas é um homem da mesma igualha.

Então, as relações — salvo o novo tônus que se encontre—, as relações têm que ser baseadas numa transigência de um compreendendo a situação em que fica o outro.

Bem, agora, daí nasce muito facilmente o pânico de que o outro brilhe mais porque ele cai no chão. Então, uma tendência [a] fingir que não vê as qualidades do outro. Sobretudo se não são qualidades tão evidentes, que ele pode fingir que não viu.

Bem, então, isto pode fazer num determinado ambiente social uma espécie de conspirata muda, de tratarem aquele absolutamente como um qualquer — um qualquer dos deles. Bem, mas nisso pode entrar muito facilmente a inveja. E nem preciso explicar por quê; é tão evidente que nem preciso explicar por quê. Pode entrar até uma certa ponta de ódio. E com isso uma tensão que vai para querer subestimar, para querer negar as qualidades do outro quando o outro não está presente; apontar defeitos maiores do que os que ele tem, etc., etc., no fundo com intenção de manter um equilíbrio que ele tem, pânico de perder, mas não só isto, entra uma coisa ruim pelo meio…

(…)

Então, aqui está um processo de enfurnação porque as igualdades se estabeleceram de tal maneira, mesmo supondo sociedades desiguais e uns rangs tão iguais — supondo rangs desiguais e em cada rang tal igualitarismo dentro — que o único jeito de tocar a vida é esse, não tem outro jeito…

(…)

Faculdade de Direito, eu às vezes saía do meu ambiente e ia conversar com uns rapazes bem mais modestos, que se reuniam lá no Café, mas que eram inteligentes e como não tinham senão inteligência, eles ali conversavam e tinham conversas intelectuais para estudantes, mas bem feitas, interessantes. Eu, às vezes, passava uma hora, duas, conversando com eles no Café. Mas no Café o mesmo jogava contra mim em outro sentido. Eles não tinham dúvidas ali em reconhecer a minha inteligência. Mas não reconheciam a diferença social. Eles não podiam reconhecer. É o mesmo jogo no sentido contrário.

(Sr. Nelson Fragelli: Não podiam em que termos?)

Dentro dos termos do igualitarismo.

(Sr. Gonzalo Larraín: Porque senão eles ficariam achatados.)

Achatados. Porque ninguém vai dizer: “Você que é dos quatrocentos anos que eu não sou…” Não vai dizer. No pressuposto igualitário de hoje não se diz, já naquele tempo não se dizia nem de longe. De maneira que eu percebia que eles ficavam flattés de eu estar sentado entre eles, mas era uma regra: não dizer, esmagar a mim. E eu esmagado na alta e na baixa. E é a vida, porque isso acontece com todo mundo.

Agora, isso, entretanto, traz uma conseqüência que é difícil de descrever, que é…

(…)

Quando num grupo humano alguém se salienta muito, mesmo no plano natural, convém a este grupo humano destacá-lo, se eles sabem jogar. Com a seguinte coisa, dizer: “Tem entre nós um que é intimamente soldado conosco e que não é só superior a nós, é superior a todo mundo daqueles que nós vemos, do nosso ambiente, portanto, superior a vocês também. E eu não me diminuo reconhecendo a superioridade dele, porque eu ao mesmo tempo que proclamo a superioridade dele em relação a mim, proclamo a superioridade em relação a você.”

E isto é um modo de dar a entender sem dizer. Bem, foi o que eles não souberam fazer, não quiseram fazer.

Bem, isto produziu uma cegueira. E essa cegueira por sua vez, até certo ponto contagiou-se a todo Grupo. Contagiou muito o Grupo do Rio. Mas é porque eles não souberam, já falamos muito, já falamos várias vezes muitos erros deles com o Grupo do Rio.

(Sr. João Clá: Está gravando…)

Não tem nada, já está dito para eles, já conversei com eles. Eles sabem quanto os quero bem, quanto os aprecio e tudo.

Bom, isto é de um lado. Agora, de outro lado tem o seguinte, nós falávamos disso no jantar. Antes de falar do sobrenatural, nós temos que falar do preternatural. Falei do natural, então dei umas certas causas de não ver — causas naturais — quais são. Agora, as causas preternaturais.

Acontece que mais ou menos todo mundo, eu creio que em todas as épocas funcionou assim, o ambiente onde eles estão, para ambiente do país deles, qualquer coisa destas, funciona como se fosse uma espécie de esfinge. Uma esfinge deslumbrante que o sujeito se habitua a admirar — é a conversa do Édipo com a Esfinge — quer dizer, a esfinge enigmática, mas enorme, expressiva, superior ao que não a decifra, e que o deslumbra, ele se fixa nela. De tal maneira que para ele o valor, critério, o absoluto de todas as coisas é ser bem visto pela esfinge. Senão a esfinge o devora, quer dizer, ele é um homem liquidado.

Não [sei] se querem que eu explique melhor?

(Sr. Gonzalo Larraín: Onde está o preternatural aí?)

Bem, daqui a pouco eu falo disso. Isto está bem explicado, ou não?

A gente vê muito isto nos racionalismos europeus. Cada país europeu se coloca como um mundo. Mas que é um mundo que é um universo…

(Sr. João Clá: A Itália, por exemplo…)

Pois é, nem sei o que dizer… Mas não é, é a Suíça, por exemplo, não tem nenhum direito a isto! É a portaria, a sala do expediente da Europa é a Suíça! Está bom, não tem conversa, aquilo forma um universo, e aquele universo forma um todo, é um universo, um todo e, ou você está bem diante daquele todo, ou não há absoluto. Eles usurpam a função do absoluto no seu cérebro, e te capitulam.

Bem, e acontece que…

(Sr. Gonzalo Larraín: Mas isto foi sempre assim?)

Eu desconfio que foi sempre assim.

(Sr. Gonzalo Larraín: Um fenômeno natural então.)

Um fenômeno natural. Desconfio, não tenho certeza, não tenho documentação histórica para provar isto. Eu estou analisando no plano natural.

Qual é a razão desse fenômeno natural? Nós iríamos muito longe e, depois é mais ou menos intuitivo. Não vale a pena perder tempo com isso. É até uma coisa linda para estudar, mas é intuitivo.

(Sr. João Clá: O senhor vai deixando coisas pelo caminho, magníficas!)

É que é muito bonito observar a vida, ouviu?! Mas muito! A vida é muito interessante. Depois é o prenúncio do Céu, porque é muito bonito fazer ligação disso com o Céu depois. É muito bonito. Mas temos que deixar tudo isso para tratar do nosso ponto senão nós nos dispersamos.

Agora, acontece o seguinte: é que a isto que já atua na ordem puramente natural mais ou menos como a hipnose, porque chega a este ponto, a isto se soma uma outra coisa, que é a seguinte. Isto é mais real ainda nas familias numerosas com muitos filhos, do que nas familias com poucos filhos. Porque os muitos filhos de uma família formam um universinho, um pequeno país. E aquele país tem seus pequenos patriotismos, e tem também o seguinte: que aqueles irmãos dando-se uns com os outros, formam um mundo fechado por eles, não precisam de ninguém. Não é para a carreira, eu digo para a sociabilidade, a sociabilidade deles não precisa de ninguém. Resultado, eles tendo aquele consenso, aquilo está perfeito, não tem mais nada.

Bem, então você pega, por exemplo, um velho, um senhor idoso, que tem um filho único. Aquele vai deixar uma situação equivalente a cem. E depois esse tem uns primos, que são dez primos, e que vivem numa… mas tem uma situação equivalente a setenta, sessenta, cinqüenta. Aquele primo isolado é muito mais dependente dos dez, do que os dez do primo, porque ele sozinho não forma um mundo, e os outros formam um mundo turbulento, que dá risada, que brigam com os outros, depois se reconciliam, e que forma um ambiente. O isolado não tem um ambiente. Esses pais que fazem a limitação de natalidade, eles não sabem o mal que eles fazem aos filhos com isso. Nem isso os 02preocupa muito também, precisa acrescentar. Mas é uma coisa tremenda.

Bom, a segurança de personalidade de quem nasceu no meio de dez irmãos, é outra do que a segurança de personalidade do que nasceu com um irmão só, qualquer coisa assim, se ele se deixa dominar pela situação dele.

E isso conduz…Então isto descreve sumariamente o fenômeno natural. Acrescenta-se a isto uma outra coisa, que eu acho que vem desde Jezabel, mas a Jezabel moderna, que começou a Revolução. E a meu ver o Príncipe perfeito, etc., etc., a meu ver é uma espécie de incubação do demônio por onde vocês deveriam imaginar a esfinge como se ela fosse não de pedra, mas viva, muda, imóvel, mas quente. De maneira que se pudesse sentir o bafo dela, se pudesse [sentir] as variações de calor dela, maléficas, conforme o trato dela com o Édipo… — Como chama o grego lá da Esfinge? O famoso grego… da Grécia antiga, que foi decifrar a Esfinge? Toda uma história… Tinha que ser um grego para decifrar a Esfinge, e a Esfinge tinha que dar uma tapona no grego…

O fato é que, imaginem essa esfinge quente, deitasse uns eflúvios vivos, além do [que] tem a esfinge fria, deitasse uns eflúvios vivos sobre quem a visse. Estão compreendendo que a coisa tomava um aspecto muito diferente porque aquela atração provinda de um grau de vida maior. E só um suspiro da esfinge já produziria sobre o pobre coitado que a visse, um efeito muito diferente do carão de pedra chata da esfinge. Era uma outra coisa.

Então, as nações são esfinges de pedra, mas habitadas pelo espírito revolucionário, elas são habitadas por demônios e tem qualquer coisa de vida do demônio ali, que atrai, eletriza, e fecha — que é muito pior — e obnubila para outros valores quem está voltado para a esfinge de pedra. Então, poderia passar ao alcance do olhar do homem que está enfeitiçado pela esfinge, poderia passar, por exemplo, o Faraó com toda a sua corte. Por si o homem não olharia para o Faraó, podia ter medo de ser degolado e fazia um “salamaleque” para o Faraó antes. Mas do contrário, não. Porque é a esfinge… o que ela pensa? E se ela afetasse com um certo desdém mudo para o Faraó, o sujeito também ficava com pouco caso para o Faraó. Interno, hein!

E isto é a forma de fascínio existente hoje em dia pela sociedade contemporânea sobre aqueles que se deixam vincular por ela. Bem, mas de tal maneira que cria neles, por inalação, por uma espécie de inalação, uma convicção. Que eles pecam em aceitar, eles poderiam recusar, mas tem suas vantagens, seus gostos, tátátá, eles aceitam.

E a partir desse momento, é dado à esfinge fazer — porque ela representa o absoluto, falsamente, impostoramente, mas representa o absoluto — é dado a ela fazer o seguinte jogo: “Como eu sou o absoluto — diz a esfinge — aquilo a que eu não dou importância, ou que não acerta comigo, não confere comigo, não tem importância. E porque eu não ligo, você deve achar também que não se deve ligar.” E assim pronunciar uma espécie de excomunhão maior para todos os valores que ela queira decapitar.

Eu estou vendo que está um pouco longe isso… Bem, daqui a pouco eu vou te mostrar o jogo disso. Você está dizendo que é uma coisa superior, daqui a pouco…

(Sr. Poli: Isto que o senhor está dizendo é super-superior.)

Bem, então acontece, já há pouco eu disse do Büllow, do Hohenlohe-Schillingsfürst. Eu desci um degrau não é? Desçamos um degrau …

(…)

A esfinge com seus calores deu a entender a eles que aquela não é a problemática na qual ela está interessada. E que, portanto, absolutamente falando aquilo é um estudo teórico, impecavelmente raciocinado, mas que não pesa nos acontecimentos. E por causa disso, ainda que queiram, não conseguem conversar sobre o assunto.

(Sr. Gonzalo Larraín: Hoje foi assim na Reunião de Recortes, quando o Sr. Nelson Fragelli perguntou do artigo do senhor, uma coisa que não dava…)

(Sr. João Clá: Estava até um pouco nervoso…)

Nelson? É porque ele sentiu a inadequação do que ele dizia no ambiente. Em certo momento o Milton Mourão disse uma coisa qualquer que normalmente determinaria aplauso, pelo menos de cortesia. Caiu no chão! Por quê? Porque eles estavam sob o bafo da esfinge, numa atmosfera que tudo aquilo que nós estávamos dizendo naquela reunião era uma construção dentro de um tubo, que pega apenas um aspecto da realidade, mas a realidade “esfingética” é enormemente maior. De maneira que vale a pena olhar para o tubo, mas não é o principal. A realidade é muito maior do que aquele tubo. Donde a soneira na reunião, a modorra e tudo quanto queiram saber. Por exemplo, a indiferença com o negócio de Assis.

(Sr. Gonzalo Larraín: Estava um peso medonho.)

Depois, se sacode, isto é preternatural.

[Vira a fita]

(Sr. Gonzalo Larraín: Estava asfixiante.)

Era tal que os próprios “enjolras” no fim, estavam meio emudecidos porque sentiam o vácuo entre o que eles diriam e o resto.

(Sr. João Clá: A coisa é a tal ponto, do senhor esquecer que o senhor tinha feito um telex ao Sarney em que o senhor pedia que o assunto “Reforma agrária” passasse para a Constituinte.)

O Dante de Oliveira faz isto e já outro faz com a reforma urbana.

(Sr. João Clá: É o atendimento de uma manobra do senhor, eles dão o braço a torcer.)

Mas é assim, é assim.

Agora, por quê? Porque por razões que eu ignoro, houve um período em que o bafo da esfinge diminuiu muito e acompanhou isto o irradiar da campanha. Bom, hoje, não sei por que razão, não sei qual é, o bafo da esfinge se fez sentir de novo. E não há remédio.

(Sr. João Clá: É um pessoal que está ali, que há quinze dias não tem uma ligação direta com as coisas que o senhor tem feito, não tem um comentário das coisas do senhor e caem ali depois de um trabalho em banco, etc.)

Concorreu para isto o fato de que eu não fiz reuniões durante a semana. Eu vejo bem a falta que isto faz. Não é que eles sintam falta, eles podem achar até agradável, mas a questão é que abre um vácuo na cabeça deles, por onde o bafo da esfinge entra.

Bem, agora, isto faz a sociedade civil em geral, faz isto comigo e largamente. Então, vocês têm a explicação do fenômeno. Faz por razões que sabemos, mas faz, e é uma coisa inteiramente notória que faz. Então, vocês têm o conjunto da explicação do por quê.

Mas isto aí tem mil outras situações históricas assim. Como, por exemplo, uma situação histórica enorme é: como foi possível que em nome da Renascença e da Idade Média, do Humanismo, rejeitassem o gótico. E foi exatamente assim: uns certos valores romanos e gregos foram deitados pela respiração imunda da esfinge quente. E aquilo “fuuuu”. A partir do “fuuuu” uma hipnose voluntária, mas atuantíssima, a partir da qual acabou. Foi possível chamar aquilo de arte de godos, portanto, de bárbaros, isto que quer dizer a palavra “gótico”, arte do tempo dos bárbaros, dos godos, aquelas maravilhas que o mundo todo hoje vai admirar, etc., eles consideravam godos.

Eu já contei a vocês o Conselho de Estado no tempo de Luis XVI decretou a destruição de Notre Dame, para a construção em Paris de um templo, uma Catedral em Paris de estilo grego. Foi a Revolução Francesa que salvou a Catedral!

Bem, agora, nessa Campanha houve uma coisa que é muito curiosa, se vocês observaram será interessante, se não observaram fica para outra ocasião, mas é muito curiosa, que é a seguinte: a Campanha no centro da cidade, ela foi brilhante, mas desenvolveu-se sob um peso assim. Quer dizer, o único lance da Campanha que teve verdadeiro brilho, que o João estava lembrando hoje, foi no primeiro dia, o afluxo de todas as bancas para o antigo Matarazzo, que eu também atravessei, etc., aquilo teve uma certa expressão. Fora disso não houve o que tivesse expressão.

(Sr. João Clá: O senhor mesmo no dia comentou que a Campanha valeu por aquilo, porque…)

Valeu por aquilo, porque o resto não foi nada… não foi nada? Teve seu efeito, mas nós vamos ver em que sentido pode-se dizer que não foi nada.

Vocês puderam assistir o encerramento da Campanha em São Paulo, na Praça da República. Estava bonita, mas não vibrou. Aliás, eu não ocultei isto nos comentários que eu fiz no Auditório São Miguel. Eu disse que em parte era por causa da hora, que os prédios em volta estavam vazios, em parte era, mas o todo não era esse. É “fuuuu”: demônio. Mas demônio, não é qualquer demônio que se vê no livro de piedade: “Satanam, aliosque spiritus malignos quid ad perditionem animarum”, etc. Não é isto, não. É o demônio do influxo desse pseudo-absoluto que é o consenso geral, pesando sobre os outros de maneira que dizia e bradava durante aquela nossa manifestação lá na Praça da República: “Está bonito, está bem arranjado, mas está completamente desligado dessa realidade.” De maneira que vocês podiam fazer isto perfeitamente no Jardim da Cantareira, numa hora em que não tem ninguém, que seria igualmente bonito. Como fenômeno coletivo isto não é nada.

E até certo ponto, porque a reação da população era esta. Como quem dissesse o seguinte: “Ó beleza dos tempos que se foram, ninguém pode perder um minuto contigo!” Passam sem olhar! O pior não é isto: “Não nego que és bela; és antiga! Para ti não há mais lugar nem nos olhares nem nas admirações. Deixamos que tu te exibas inocuamente pela rua. Nós sorrimos. A coisa é outra.”

Não foi bem o que vocês sentiram?

(Sr. Gonzalo Larraín: Inteiramente.)

É assim. Bem, agora, foi uma coisa curiosa, que esta situação chegou ao auge com o episódio de Belo Horizonte. Os detonadores… há os especiais detonadores nessas ocasiões…

(…) [A baixa de alguns]

me disse àquela coisa que eu contei, eu penso que vocês se lembram, o Nelson acompanhou também, não é meu filho?

(Sr. Nelson Fragelli: Sim.)

Bem, que veio ao espírito: o remover a coisa de outro lado, quando ele me contou daquele homem que falou, aquele discurso e tal, que eu disse: “Aqui está o negócio”, me veio uma espécie de clareza no espírito, que fez com que aquele documento longo, cacete, eu ditasse assim pápápápápápá-pápá sem interrupção, de ponta a ponta. No dia seguinte mandei ao Boreli para rever; pela primeira vez na vida o Boreli mandou me dizer que não tinha nada para rever no documento. Bem, é um torneio isto, hein!?

Bem, e ao mesmo tempo naquela noite ditei um documento sobre o Chile, para D. Bertrand, uma espécie de manifesto, que eu vi que D. Bertrand gostou muito… Você também estava nisso, você viu, mas também ditei assim: pápápápápá… Bem, mas que era uma espécie de serenidade, de distância, de ótica limpa, que me veio ao espírito e que eu considero que foi uma graça. Simultaneamente — eu não quero dizer que é por causa disso, eu não quero dizer que daí veio a graça, eu digo outra coisa —, simultaneamente, fazendo parte da mesma onda, a publicação do comunicado produziu em Belo Horizonte um efeito que foi a visita dos deputados, etc., não esperavam.

Bem, e a partir daquilo, de modo enigmático, em todo Brasil a Campanha começou a brilhar!

(Sr. João Clá: Além de uma palavra de ordem que deve ter corrido pelo Brasil inteiro rapidamente.)

Para não nos atacarem!

(Sr. Gonzalo Larraín: Mas por causa do caráter exorcístico do manifesto, porque é exorcístico.)

Exorcístico. E a partir daí o público começou a ver a campanha de outro jeito, etc., etc. Houve um prenúncio disso na boa acolhida disso nos jardins. Houve alguma coisa, levantou um pouco os ânimos. E aquilo foi um pouco exorcístico também. Mas não foi nada em comparação com essa revirada que Nossa Senhora mandou. “Bafo de esfinge: para longe! Agora ponho um Anjo aqui!” E aí fica descrita a coisa, não tem conversa.

De tal maneira a verdade arranja tudo. A gente dizendo a coisa como ela é…

Agora, aqui vem, afinal, o começo da resposta de sua pergunta…

[Risos]

(Sr. Nelson Fragelli: Ah, quer dizer, que o senhor não tinha esquecido não!…)

Não, não, não… Estou preparando. Em linguagem pedante são os prolegômenos…

(Sr. Nelson Fragelli: Agora, em São Paulo a Campanha, além do que o senhor disse, a gente sentia que era um rasgar de véu negro deles, dessa carapaça do demônio. Era como um navio que singrava em mar de [malaço?]. Foi uma luta…)

Foi uma luta bárbara! Não, a luta bárbara foi antes de começar essa irradiação. Mas é uma coisa curiosa, eu estava comentado com o João e com o Fernando, depois que houve esta irradiação e houve este exorcismo, percebe-se que a campanha começou a brilhar retroativamente sobre os que a viram. É assim. E hoje uma atmosfera de brilho, discreto brilho, mas brilho numa treva medonha, circunda a TFP.

(Sr. Gonzalo Larraín: Aquela campanha do primeiro dia, debaixo de chuva e, todo mundo contente, tinha uma…)

Um titã está abalando a esfinge. E o titã era exatamente esta TFP que se opõe à coisa.

(Sr. Gonzalo Larraín: Foi uma coisa que saiu para frente.)

Foi, foi. É uma coisa que não podia sair e que saiu. Quer dizer, nos foi dado por Nossa Senhora a graça de resistir ao demônio até o momento em que Ela mandou ele embora.

Agora…

(…)

No Tabor. Em última análise, a linguagem a da Igreja é sempre lindíssima; “transfiguração” é uma figura que aparece através de outro. “Transfigura”, não é só mudar de figura, mas dá impressão de uma figura que transparece, que vara através da outra e substitui a outra. E era a visão “esfingética”, quer dizer, a visão d’Ele com os olhares deformados pela esfinge, de repente Ele acaba com aquilo e aparece como Ele era.

Bem, e o Grand Retour será uma como que transfiguração de mil coisas que as pessoas não vêem.

(Sr. Nelson Fragelli: Se Deus quiser.)

Se Deus quiser. Bem, de tal maneira que para nós vai ser incompreensível que muita coisa nós não tivéssemos visto, como os Apóstolos. Se os discípulos perguntassem a eles: “Mas vós não víeis os milagres, vós não víeis tudo? Como vos foi possível abandoná-Lo no Horto?” Eles dirão: “Com efeito…”

Ou dirão aos outros judeus: “Como foi possível a vós preferir Barrabás a Ele? Logo Barrabás que depois cometeu tais, tais outros crimes, como é que vós preferistes?” Com efeito…

[A] Culpa está em se ter deixado enlear pela esfinge. E creio eu que quando o profeta Simeão profetizou que Nosso Senhor seria pedra de escândalo no meio das águas, para dividir as águas, que quando se deu isto, o Profeta Simeão previu que Ele haveria de dividir no mundo as coisas que até aquele tempo era só a, como que, esfinge que mandava e que levantava uma coisa que até o fim do mundo dividiria os homens. É exatamente expulsar o demônio de lado, com épocas de grande brilho para ele, épocas de grande brilho para o demônio, conforme Ele quisesse consentir, segundo planos superiores de Sua Sabedoria. Mas que haveria épocas em que meio irremediavelmente, exceto para almas muito privilegiadas: “fuuuu”…

E até coisas bonita, o seguinte. Eu julgo ver na vida dos santos, alguns santos que tiveram a missão de reter ainda junto à Igreja muitas almas pelo lado por onde a esfinge não falava contra a Igreja. E outros santos que tiveram a missão de contundir com essas almas.

Então, por exemplo, santos como São João Bosco, tiveram inimigos individuais, mas não houve grandes movimentos de opinião contra ele. Contra São Pio X, Pio IX — cuja heroicidade de virtudes está provada — houve grandes movimentos de opinião. Contra São Gregório VII nem se fala. Quer dizer, em alguns retém as multidões e outros a serram ao meio.

Eu acho muito bonito tudo isso. Então, aspectos lindíssimos da Igreja, mas que formam para nós um brouhaha assim brilhante, dentro do qual nós não vemos claro, se parece esclarecer. São Francisco de Sales, por exemplo, Santo Inácio de Loyola. Santo Inácio de Loyola dividiu, São Francisco de Sales uniu. Ele não uniu aquilo que Santo Inácio separou, não é isto. Ele colou na Igreja pessoas que por causa do bafo da esfinge não eram levadas a vê-la. Mas que vendo a Igreja brilhar naquela doçura, ainda se deixaram pegar. Estas, os jesuítas depois dividiriam. E me agrada muito isto.

Bem, voilá!

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