Conversa
de Sábado à Noite – 25/10/1986 – p.
Conversa de Sábado à Noite — 25/10/1986 — Sábado [VF 048] (Neimar Demétrio)
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(Sr. [AT?] [Aluísio Torres]: Se o senhor poderia dizer um pouco mais de como o senhor vê esse panorama todo que vislumbra no horizonte, como o senhor vê de dentro da alma do senhor?)
(Sr. Nelson Fragelli: A gente vê que a marca de ação do senhor no Brasil está presente. Ontem o senhor disse da pergunta que brota nos espíritos: a TFP, algo de providencial? Não devo prestar atenção?)
Não, isto está bem assinalado, inclusive no comentário que eu fiz daquele pessoal do Jardim América que estaria mais voltado para nós, etc., etc., está muito assinalado o que você disse há pouco. Quer dizer, existe uma esperança — a esta esperança eu… eu não renunciei — existe uma esperança de que venha, enfim, uma faixa qualquer, ponderável, pelo menos, da opinião pública se colocar de nosso lado e que nós pudéssemos liderar esta faixa.
Mas de fato, se bem que evidentemente a presença da TFP, a nossa presença seja mais marcante no Brasil do que em outros países, porque aqui a TFP nasceu, teve desenvolvimento, apesar de tudo isso é verdade o seguinte: que os acontecimentos atuais estão tomando caráter de um aperto geral, de halali supremo, ao mesmo tempo contra a TFP e contra a Igreja, e contra o resto da Civilização Cristã, tudo junto, de uma vez só.
E que esta qualificação “Brasil–não-Brasil; Europa–não-Europa; América do Norte–não- América do Norte”, nesta internacionalização que eles estão promovendo, de fato está perdendo alguma coisa de seu alcance. É coisa evidente. E que, por exemplo, estas facilidades de comunicação telefônica, por exemplo, para não ir mais longe, torna qualquer país ao alcance de qualquer outro. Nós, como temos pouco dinheiro, isto ainda não está inteiramente ao alcance, mas uma pessoa que — considerada a escala de fortuna que represente a média… fortunas médias da América do Sul — queira, telefona para qualquer lugar da Europa e dos Estado Unidos, como há algum tempo se telefonava no Brasil de São Paulo para Santos.
(Sr. João Clá: De um orelhão da rua.)
De um orelhão da rua, [a] coisa está ficando absolutamente banal. E a facilidade suprema dessa ligação: chama na casa do outro, encurta estas distâncias de modo inimaginável — ao menos nesse sentido —, que o entrelaçamento de jogadas, de interesses, de idéias, de sistemas, de esforços, se torna muito fácil. O que, aliás, também se dá com a TFP. Agora, o Juan Miguel teve um problema lá em Roma, telefonou para o João Clá com toda naturalidade. Depois eu chamei para dar palavrinha de… não é, ele falou comigo, começou a conversar pelo telefone, eu acho que… eu suponho que era o bureau de Roma que estava pagando. Ele falava [com o] Gonzalo, como eu poderia falar com o Luizinho em Jasna Gora. Mas, com tanta facilidade, tão barato relativamente, e tão ao alcance, a gente via que ele estava com vontade de falar comigo, e bagatelas, coisas à maneira de bagatelas, mas ele tinha vontade de conversar.
(Sr. Paulo Henrique Chaves: Sei por experiência, que todas as contas podem ficar sem pagar, mas o telefone tem que funcionar sempre!)
Hahahaha! Bem, que isso meio se une. E eu fico numa espécie de…
(…)
…a Montespan respondeu a ele de um certo jeito, que ele ficou desconfiado que a Montespan ia mentir para ele, ia dizer que ia pedir e não ia pedir. E ele sabia que o Rei ia visitar a Montespan no apartamento dele, numa hora “X”. E o Rei nunca deixou de pousar no quarto da Rainha. Donde o Lauzan deduziu que a “fasssurada” era de dia. E era visita nesta hora. Então ele pagou uma criada do rei, para entrar por debaixo da cama do rei — uma criada da Montespan — e ficar lá ouvindo a conversa de Montespan com o Rei — portanto, ouvindo muita outra coisa — na hora em que os dois se deitassem.
Chegou à certa hora, e a Montespan e o Rei chegaram no quarto, deitaram-se. Nesta hora saiu conversarada, e ela tratou com o rei do negócio. E ela disse: “ … [faltam palavras] …Sire, que M. de Lauzan me pediu tal coisa assim”.
— Aquele é um tipo impossível, não se pode conviver com ele, é um horror de homem, não dê o cargo a ele, etc., etc.
Bom, ele ficou no estado de espírito que podem imaginar. Bem, mas continuou deitado. A Montespan levantou-se, quando ela levantou para fazer toilette, ele saiu correndo, e arranjou-se em qualquer outro lugar, e quando chegou à hora da Montespan ir comparecer a um ato da corte, pouco depois, ele do modo mais amável do mundo, apresentou-se a ela e ofereceu a mão para irem juntos ao lugar, acompanhando-a nos corredores. Naquele tempo oferecia-se a mão assim — eu com a mão direita não sei — punha a mão alta assim, a senhora segurava assim, iam andando os dois pelos corredores. É uma categoria extraordinária, a atitude é lindíssima.
Bem, quando chegou, ele fez a reverência, ofereceu a mão a ela, ela de modo charmant pôs a mão em cima da mão dele, e saíram os dois pelos corredores com os séqüitos para trás. E ele:
— Madame, a senhora pôde se interessar por mim junto ao Rei?
— Ah, falei muito ao Rei, empenhei tudo quanto eu pude, etc., etc.
E eles já estavam adiantados, já num lugar onde todo mundo estava vendo. Ele disse para ela:
— Sua cachorra — e daí para baixo, palavrões — a sua conversa com o Rei passou-se assim, eu ouvi tudo. E eu vou começar agora a beliscá-la, para castigá-la. E não traia o que houve, nem determine perguntas, porque eu aí fico sem saída e sou obrigado a contar o que é. Sorria, portanto, enquanto eu vou lhe trabalhar aqui as mãos com as minhas unhas!.
(Sr. –: Puxa! Que homem! Magnífico!)
É preciso dizer o seguinte: o molde desses homens está quebrado! O molde está quebrado…
Bom, ela foi andando, e ele beliscando, cutucando… os homens e mulheres usavam unhas compridas naquele tempo. E ela sem redargüir nem sequer olhava ele. E ele… no estado que vocês podem imaginar. Quer dizer, ela no estado em que podem imaginar. Quando chegou diante da posição dela, que ela deveria ficar, a mais bela das reverências, ela também para ele, ela ocupou o lugar dela e ele foi para o lugar dele.
Bem, ela ficou cuidando do pulso dela e da mão o quanto pode, para evitar que percebessem que estava sangrando, ou rasgada, qualquer coisa, e com a raiva com que podem imaginar, uma raiva dessas de transbordar. Tanto mais que ela era uma pessoa de grande família, mas era “fassura”. E “fassura” tem raiva desencadeada, nem sei de que espécie, não tem um pingo de temperança. Aquilo é interesse em estado puro.
Bem, quando saiu, ela disse ao Rei que precisava falar com ele:
— Hã, hã, M. de Lauzan me contou toda a nossa conversa.
Os dois ficaram sem saber como é que Lauzan tinha sabido. Porque moveram um inquérito na criadagem, ninguém revelou. E chegaram a pensar em feitiçaria. Que segurança eles tinham do reino deles?
(Sr. João Clá: Impressionante.)
Mais engraçado, João, é que vocês talvez não calculem quanto as Memórias de Saint-Simon são lidas na França, uma coisa incalculável o que se lê. Portanto, há muitos comentários de Saint Simon. Nunca vi comentários disso.
(Sr. Guerreiro Dantas: Modo de organizar os Estados…)
Para não ter reis aparentes. Porque Monarquia, monarquia, está muito bom. Mas, o rei aparente?…
(…)
* * * * *