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Conversa de Sábado à Noite — 9/8//86 — sábado

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** O SDP trata pouco da Santíssima Trindade por não sentir bases para entrar no tema — ** O modo aristocrático da SDL ter pena — A SDL, quando jovem, cuida da Da. Benedita que depois agradece à irmã. Fazer o bem sem esperar retribuição — A SDL discute com Da. Iaiá por causa do Nazismo e do divórcio

Como é?

Diga meu …

(Sr. Gonzalo Larrain: Doutor Plínio! Estávamos aqui um pouco numa espécie de embarras de choix porque havia vários assuntos para apresentar para o Senhor, mas pareceu-nos que seria melhor talvez ver se o Senhor ia continuar com o assunto do sábado passado. Foi feita uma pergunta no sábado e não deu para terminar todo o assunto porque era um assunto muito extenso. Então não sei se o Senhor talvez pudesse terminar hoje e depois haveria outras perguntas que o Sr. Nelson tem também para não confundir todas as coisas eu poderia por a pergunta do sábado passado para ver se o Senhor poderia terminar.)

Então vamos lá.

(Sr. Gonzalo Larrain: A questão era o seguinte: o Senhor tinha falado em uma reunião daqui de sábado à noite, a propósito de Nossa Senhora, o Senhor disse uma coisa muito bonita que Ela, Nossa Senhora, tinha uma envergadura de mentalidade, modalidades de entendimento e formas de amor, o Senhor se referiu a estas qualidades de Nossa Senhora.)

É, se eu tivesse querido fazer um complemento eu diria pelo menos graus e formas de amor e não apenas forma.

(Sr. Gonzalo Larrain: Melhor ainda, graus e forma de amor. Então na reunião passada o Senhor…

— — —

Sr. Amadeu?Amadeu? O Doutor Plinio queria que ficasse aberto.)

(Sr. Amadeu: Está aberta a porta da…)

Então você fecha a porta da copa e as janelas, ouviu meu Amadeu! E a porta do hall também.

— — —

Mas então!

(Sr. Gonzalo Larrain: Então o Senhor na reunião passada, o Senhor tratou da envergadura da mentalidade e da modalidade de entendimento de Nossa Senhora. E respondendo a uma pergunta do Sr. Nelson, o Senhor também tratou, para exemplificar, o Senhor tratou como isto se encaixava…para exemplificar o Senhor usou da conduta que a Senhora Dona Lucilia tomava com o Senhor. Para exemplificar na linha do afeto, como ela tranqüilizava e o Senhor assim falou da envergadura de alma dela segundo esse exemplo. Então nós queríamos perguntar se o Senhor poderia tratar das formas de amor de Nossa Senhora e dos graus — o senhor disse dos graus e forma de amor de Nossa Senhora — o Senhor dizia que Ela tinha isto enquanto Filha do Pai, Esposa do Espírito Santo e Mãe do Filho…)

A ordem é Filha do Pai, Mãe do Filho e Esposa do Espírito Santo.

(Sr.Gonzalo Larrain:…e que Ela ama a cada uma das criaturas nestas três modalidades e o Senhor não pôde tratar no último sábado. Mas também como foi muito não só ilustrativo mas trouxe muitas graças para a reunião o Senhor ter tratado, falado da Senhora Dona Lucilia se o Senhor pudesse também tratar das modalidades de entendimento da Senhora Dona Lucilia e também da forma de amor que ela tinha. Porque completa muito o quadro tratar dela, ilustrando com exemplos dela, a vida dela facilita muitíssimo para entender também como era isso em Nossa Senhora. No último sábado o Senhor falou passando para a cama dela, abrindo os olhos etc. e de como isto para o Senhor era muito tranqüilizante. O sacrifício que ela tinha com total ausência de egoísmo que estava ligado a envergadura de mentalidade. Então a pergunta seria isto.)

Há uma coisa que vocês talvez notem que é o seguinte: É que quando se…Que a Santíssima Trindade é um tema de que eu trato muito raras vezes — embora seja um tema culminante — mas eu trato muito raras vezes porque é um tema delicadíssimo, altíssimo e que eu não me sentiria com base para tratar apenas abordando o tema segundo aspectos metafísicos ou aspectos filosóficos, de filosofia, de filosofia intuitiva, se, se pode dizer assim, de uma pessoa que não estudou filosofia como é o meu caso. Isso porque a Santíssima Trindade é uma verdade revelada, da qual o homem não teria nenhum conhecimento,— sedeatis — da qual o homem não teria nenhum conhecimento se não fosse a Revelação. A razão natural não conduz à Santíssima Trindade, não se opõe, mas não conduz.

Ela é um mistério tão alto que o gênero humano poderia viver desde o primeiro instante da criação de Adão, até o último hausto de vida do último homem, sem, sem conhecer a Santíssima Trindade, ainda que todos os homens tivessem tido uma perfeita correspondência à graça. Essa é a tese da doutrina católica. Aliás, vocês sabem disso, facilmente identificam com o que sabem, põe em ordem com o que sabem da doutrina católica sobre a Santíssima Trindade.

E nos meus anseios da gruta do Cornélio, certamente esse é um tema em que eu gostaria muito de…um dos temas que mais eu gostaria de aprofundar. Mesmo porque, segundo o processo que indiquei na última reunião de conhecer Nossa Senhora através de Nosso Senhor, porque a Revelação nos fala muito mais de Nosso Senhor do que de Nossa Senhora, também através da Santíssima Trindade poder-se-iam conhecer dados sobre Nossa Senhora que nem de longe a razão humana poderia excogitar se não conhecesse o que a Revelação ensina sobre a Santíssima Trindade.

Então, eu fico na impossibilidade de tratar desse tema como tratei os outros. E, é a razão pela qual, com toda a veneração que eu devo, a adoração que eu devo à Santíssima Trindade, eu falo pouco do assunto. Vocês me dirão naturalmente: “Mas é possível o Sr. ter chegado aos setenta e sete anos e não tenha lido nada sobre o assunto?”

Eu digo…não entra gabolice no que vou dizer, mas seria a mesma coisa do que censurar Godofredo do Bouillon por morrer sem ter estudado a Santíssima Trindade. Se ele tinha a missão do Santo Sepulcro, eu estou certo que Deus não o recriminou por isso.

Assim, também eu nasci não junto ao Santo Sepulcro, mas nesse fétil sepulcro do século XX e o estou percorrendo a bem dizer desde de 1908 até sei lá quando, talvez até a idade de mamãe. Se eu morrer na idade de mamãe, eu morrerei no ano da passagem do século. Bem, então é compreensível que eu não esteja em condições, não esteja aparelhado para tratar do assunto.

Eu gostei muito de ver outro dia, projetado no auditório São Miguel, se não me engano, uma imagem da Santíssima Trindade, Pai Filho e Espírito Santo com Nossa Senhora, numa igreja qualquer daí do interior do Brasil — creio que era uma imagem portuguesa que mandaram fazer em Portugal e mandaram vir para o Brasil.

(Sr.Gonzalo Larrain: Não, foi aqui Doutor Plínio. Foi na questão das Comunidades Eclesiais de Bases, se lembra, foi nas CEBs em Goiás em um santuário de Goiás.)

Em Goiás, é isso mesmo. Que é único, dizia ali, que é o único santuário que existe em honra do Padre Eterno; é uma coisa que me veio esta interrogação: “Por que não há santuários em louvor do Padre Eterno?” Por exemplo, existe em São Paulo uma igreja em louvor ao Divino Espírito Santo que é a igreja Bela Vista, uma igrejinha paroquial, pequena, modesta, mas enfim, é uma igreja em estilo vagamente banalmente tradicional, mas é uma igreja em louvor do Divino Espírito Santo; porque não existe uma igreja em louvor do Padre Eterno, também não sei, eu gostaria que houvesse. Uma igreja em louvor da Santíssima Trindade deve haver, eu não tenho notícia que haja…

(Dr. Edwaldo: Em Lisboa existe uma.)

Em Lisboa existe uma, é! Eu creio que aqui pelo Brasil há também.

(Sr. Paulo Henrique: Essa cidade em Goiás se chama Trindade onde se deu o encontro das CEBS e que fica próxima de Goiânia. Talvez seja, eu não sei)

Mas enfim ao Padre Eterno a não ser que haja. Até pergunto a vocês se por Minas haverá uma igreja ao Padre Eterno?

(Sr.Paulo Henrique: Não. Que eu saiba não.).

Não pergunto do Paraná porque é um Estado muito mais novo e portanto… não houve essas coisas. Agora, nessas condições infelizmente não tenho o que dizer, não é? Eu não tive tempo nem para ler o livro da Soror Elisabeth de la Trinité que parece ser muito alto e muito piedoso livro de divulgação sobre a Santíssima Trindade. Se algum de vocês tiver vontade de ler, se não houver na nossa biblioteca de Jasna Gora, que tem muitos livros assim; eu posso… vocês dois estão ali perto e podem pedir, do contrário eu mando pedir ao Luizinho ou qualquer coisa assim. Se não houver lá e tiverem tempo e vontade de ler, eu mando vir da França. Porque é uma coisa que vale a pena. Tenho muito gosto nisto. Mas na realidade eu acho que é por ponto final nisso, quer dizer, por enquanto ponto final, enquanto não vier essa leitura, não é?

(Sr.Guerreiro Dantas: Senhor Doutor Plínio eu pergunto se não seria interessante o coronel pedir este livro porque nas conversas com Dr. Marcos, troca de vontade etc. Agora também Senhor Doutor Plínio, por aquele assunto que o Senhor tratou no MNF quando o Senhor a propósito da ordem feudal, o Senhor fez uma explicitação muito interessante sobre a Santíssima Trindade, usando e explicando a ordem feudal como um exemplo, como figuração na vida temporal do amor trinitário e da presença da Santíssima Trindade na sociedade. Foi extraordinária aquele reunião.)

É sim. É uma coisa que se poderia…

(Sr. Guerreiro Dantas: Pegasse uns… fios para aprofundar essas noções todas, não é?)

Tanto mais, meu filho, que se a gente souber como é a Santíssima Trindade na medida em que Ela é desvendável, se souber como Ela é, é muito fácil descobrir essas relações, o símile d’Ela nas relações humanas, não é? De maneira que aí seria o caminho.

** A SDL mostrava-se excepcionalmente inteligente quando esta era ligada à compaixão. Um modo aristocrático de ter pena

Agora, eu poderia dizer alguma coisinha, mas seria pouca coisa, nem sei se não seria melhor então eu deixar para depois, a respeito de mamãe, mas sem relacionar com a Santíssima Trindade. Mas eu poderia dizer alguma coisa, mas rapidamente. Quer dizer, eu tenho dito várias vezes que ela, intelectualmente falando, como preparo intelectual, ela não era senão uma dona de casa, com a cultura afrancesada e ligeiramente inglesada também, das senhoras de boa família do tempo dela. E não se destacava nem por este tipo de cultura, ela tinha suficientemente, mas mais nada, nem se destacava pela inteligência; a inteligência comum de uma dona de casa comum.

Chamava-me atenção que em um certo sentido ela se mostrava excepcionalmente inteligente, e que era uma forma de inteligência ligada à compaixão e à ajuda. Quer dizer, ela tinha uma noção muito clara de tudo que pudesse contundir ou fazer sofrer qualquer pessoa em razão do que com ela tinha acontecido, ou da situação em que ela se encontrava, ela percebia logo.

Era uma pergunta primeira, ou era um olhar primeiro que ela deitava na pessoa, sobre a pessoa — era um olhar dedicado. Ela dava como ponto de partida que a pessoa sofria, dado que toda criatura humana sofre. E procurava ver qual era o ponto dolorido da pessoa, o lado por onde a pessoa sofria, etc., etc., e tomava um cuidado extraordinário em, nem de longe, ter uma distração, uma referência de conversa ou qualquer coisa que pudesse fazer sofrer essa pessoa de qualquer forma. Sendo de uma penetração e de uma delicadeza para isso, verdadeiramente notável.

Mas ela entendia também, bem, dada aquela pessoa e dadas àquelas circunstâncias naquela pessoa — quer dizer, aqui é uma obra de psicologia, na anterior na era de psicologia mas de estudo de situações, mas a outra não, era de psicologia — o que ela deveria fazer para ajudar aquela pessoa e qual era a forma de compaixão que ela deveria manifestar para atender aquela forma de sofrimento. Nisso ela era muito, muito fina de percepção e muito delicada no pôr a compaixão dela. Porque a compaixão se exprimia muito mais pelo olhar e pelas maneiras, do que pelo que ela dizia.

Era quase impossível ela procurar desvendar o santuário do sofrimento de cada um com palavras indiscretas, que a introduzissem numa intimidade que a pessoa, às vezes legitimamente, não queria dar, às vezes por amor próprio também, por mil razões. Mas no modo de tratar e de agradar, ela de tal maneira tão discretamente realçava o que ela via de bom na pessoa, o que ela via de honroso na pessoa, o que ela via que compensava a inferioridade da pessoa, etc, que a pessoa se sentia envolta pelo afeto dela, mas não se sentia nem um pouco solicitada ou penetrada, invadida, por uma comiseração importuna. Ela revelava nisso muito tato. O que era mais uma forma de ter pena.

(Sr.Guerreiro Dantas: Um modo arquiaristocrático de ter pena, não é?)

Ah, é um modo aristocrático de ter pena. Essa, essa coisa entretanto, deixava entender à pessoa e a todo mundo que ela tratava, que se quisessem usar da bondade dela, ela era uma porta que se abriria, mas nunca era uma porta que se abria e chamasse alguém para dentro. Isso não. Mas deixava entender, pelo modo de tratar todo mundo, que ela era uma porta que se abriria…

- Às vezes quando o SDP truculentizava contra alguém, a SDL procurava olhar o lado bom também

E às vezes, isso aparecia em termos explícitos quando se tratava de tomar a defesa de alguém que ela achava que era objeto de um ataque por demais carregado, ou um ataque que pelo menos não tomava em consideração alguma atenuante que a pessoa tinha.

Então, por exemplo, ela tinha um filho muito truculento, e esse filho não fazia cerimônia de sair de lança em riste. Ela às vezes dizia, ouvia e dizia:

Coitado!

Mas um coitado que me fazia sentir no que, que aquele homem era um sofredor. Coitado!… Também não tanto assim… Quase como quem pedia compaixão para ela pessoalmente. Também não tanto assim.

Filhão, você não notou que ele tem tal qualidade?

Mas, meu bem, ou mãezinha, conforme o momento, a senhora não nota que se a gente for ver isso, dá em liberalismo?

Ela dizia:

Não, você pense o que quiser, o que for verdade, mas ponha a verdade inteira, ponha as qualidades também.

Bem, naturalmente, isso me impressionava de um modo muito favorável, nem preciso dizer. É absolutamente óbvio. Bom.

E se acontecia de numa situação crítica ou outra, ela ter que se aproximar e falar com a pessoa, ela falava como quem entra nas pontas dos pés naquilo que chamei a pouco o santuário da desventura da pessoa. De maneira que ela tratava num crescendo gradual e sondando o terreno; De maneira que a pessoa, se quisesse, do modo mais fácil do mundo, faria entender que preferia que não entrasse. Ela também encerrava a coisa e estava acabado.

Agora não pense, não pensem com isto que ela via apenas o lado positivo das pessoas. Não é as amarguras da vida e as coisas duras que a vida tem, ela não só via bem, mas ela nos premunia para estarmos prontos para isso. Agora naturalmente, tudo isso era visto não com o tipo de experiência da vida de um homem, mas experiência da vida de uma senhora que vive no lar e que tem os fatos do lar.

Esse tipo de mulher, mais tarde no meu tempo de moço não sei porque chamavam mulher-paraíba, — não sei o que isto tem a ver com a Paraíba — mulher feminista que sai da casa, que toma atitudes, que conhece a vida dos homens, fecha negócios e essas coisas desse gênero, ela nunca teve. Negócio ela entendia quase tão pouco quanto eu. Bem, o que quer dizer, equivale a dizer nada. Bem.

E ela era assim, era de um jeito que era preciso ter visto. Eu dou um exemplo que ela contou mais de uma vez. Eu já contei isto aqui de uma Da. Benedita, não contei não?

(Sr. Gonzalo Larrain: Da. Benedita? Não me lembro não Senhor!)

* A SDL, quando jovem cuida da Da. Benedita com todo carinho e no final a Da. Benedita agradece à irmã que não ligava para ela

Meu avô tinha um escritório de advocacia, ele era advogado. E entre outros clientes tinha uma viúva rica e sem filhos, chamada Da. Benedita que morava… Benedita não sei do que. Escapou-me o nome, o sobrenome da dona Benedita; A Da. Benedita morava, ela era rica, tinha uma casa muito boa, mas muito grande, morava sozinha nessa casa, perto da nossa na rua Barão de Limeira. Eu até, do lado de fora, tenho quase certeza, de que uma casa da qual me lembro era a casa de Da. Benedita. Bem, jardins, etc., etc., criadas, estava aí a vida de Da. Benedita.

E a Da. Benedita era muito “pau”, muito cacete. E acontece que meu avô tinha pena de Da. Benedita, porque ela tinha uma saúde boa, tinha tudo para fazer uma vida feliz, mas ela vivia numa espécie de isolamento por causa do mau gênio dela, mau temperamento e pelo que vocês verão daqui a pouco Da. Benedita não era uma boa bisca. Bom, era uma senhora moralizada, sim, mas quanto ao mais de um trato muito recusável.

E acontece que a Da. Benedita, de repente,… o que, que há meu Nelson, pode dizer.

(Sr. Nelson Fragelli: A narração é deliciosa!)

Eu estou descrevendo a realidade da dona Benedita. Bom, de repente a dona Benedita adoeceu gravemente e escreveu uma carta a meu avô, dizendo isso e pedindo se não podia arranjar uma criada para ela, qualquer coisa assim, um favor desses entre meio-vizinhos. Meu avô procurou minha mãe e disse:

Olha, a Da. Benedita escreveu-me essa carta, assim etc, e você vê que sua avó, sua mãe quer dizer, minha avó, não tem condições psicológicas para dirigir aqui nossa casa com tanto movimento, etc, etc.,etc., e ainda cuidar da Da. Benedita. Meu avô disse a ela olhe você, é nossa obrigação de caridade, mandar vir Da. Benedita aqui em casa e tratar dela. E tem aqui tal quarto, — é um quarto que tinha para coisas dessas, é uma tradição antiga aqui do Brasil — eu vou mandar vir a Da. Benedita e você vai tomar sobre si de tratar Da. Benedita e eu quero que Da. Benedita saia de casa encantada com sua caridade.

Bem, ela de pena da Da. Benedita e para agradar meu avô que para ela era nem sei o que, ela logo topou a parada. Meu avô ficou tranqüilizado; chegou Da. Benedita, minha mãe a recebeu como eu estou contando a vocês: com mil afagos, acompanhou Da. Benedita ao quarto, etc, etc., e tratou a Da. Benedita, mas como mais não se podia tratar.

E a mãe de Adolphinho era seis anos mais moça que mamãe, mas já estava francamente em idade de ajudar a tratar de Da. Benedita, mas tratava a Da. Benedita com a ponta dos dedos, entrava no quarto de Da. Benedita uma ou duas vezes por dia, já pronta, ela minha tia, para sair à rua, já toda vestida, etc., etc.

Ohh, Da. Benedita, eu não quis sair à rua sem saber como a sra. está… a sra. já está melhor não é? Mantenha com otimismo que vai tudo bem. O que equivale a dizer para o doente “não amole”, “não se queixa”. Está muito bem. Bom, e saia logo. Isso uma vez ou duas por dia e acabou-se.

E mamãe dizia:

Iaiá, você não pode fazer isso, você não vê papai que quer isso e tal, depois coitada da Da. Benedita…

Minha tia dizia:

Olha, você vai ver, você está fazendo por Da. Benedita absurdos de dedicação, não tem o menor propósito e a Da. Benedita quando sair daqui, se ela não sair num caixão mas sair viva, ela sai e vai agradecer para mim…

(Sr.Nelson Fragelli: A irmã disse isso?)

A irmã, a mãe de Adolphinho, a irmã dela. Bom e ela punha em dúvida que a coisa chegasse a esse ponto, porque a diferença de trato era fabulosa. Dito e feito!

A Da. Benedita sarou e se preparou para voltar para a casa dela, e aí tinham várias pessoas juntas para se despedir dela, acompanhar até em baixo, etc, entre outras estava a mãe de Adolphinho, tia Iaiá. A Benedita disse:

Iaiá… Iaiazinha, vem cá! A você que foi meu anjo durante esse período…

A maldade humana é isto! A maldade humana é isto! Não adianta discutir, nem sondar. É repugnante até, hein!

(Sr. Gonzalo Larrain: Não, mas aqui é assim mesmo!)

É isso. Eu digo que é e nenhum de vocês dizem que não é tanto assim porque é tanto assim. É daí para fora.

Bem, vem cá, me dá um beijo, etc., deu um presente… Lucília, muito obrigada, tatatá! Falou obrigado está acabado.

Ela não dizia, mamãe não dizia, mas enquanto mamãe nunca foi bonita, a mãe de Adolphinho era muito bonita, na linha em que vovó era bonita e fascinava Da. Benedita e, portanto, qualquer agradinho de minha tia a Da. Benedita brilhava — as dedicações sem nome de mamãe ela tomava assim. Bem e neste ponto também, está a maldade humana. Isso vocês tomem como certo. Não há nenhum que não tome.

(Sr. Gonzalo Larrain: Ela contava tudo isto para o Senhor?)

- Fazer o bem sem esperar retribuição

Para mim dizia e uma vez contou na presença de tia Iaiá, e tia Iaiá acompanhava com atenção e dando risada em alguns trechos e no fim disse que foi exatamente o que ela contava.

(Sr. Gonzalo Larrain: Mas ela contava na linha de…)

De compreender o que era a criatura humana; e que se eu fosse bom com os outros, não esperasse recompensa.

(Sr.Guerreiro Dantas: Mas nunca desincentivando o Senhor a não ter a dedicação que ela tinha.)

Não, não, a ter, mas levar a ponto que nem pensasse em retribuição, porque esta retribuição não vinha. Bom, a moral do caso é que se eu não tivesse sido formado assim, pela falta de retribuição que vem, me tornaria um homem ruim, e isso ela não queria. Ela queria que eu fosse bom, como ela era e como ela achava que era o pai dela. Agora compreendem que isto…

(Sr.Guerreiro Dantas: Agora da parte do Dr. Gabriel também o gesto tem grandeza não é, Senhor Doutor Plínio?)

Como?

(Sr. Guerreiro Dantas: Da parte do Dr. Antonio o gesto tem uma magnanimidade fabulosa.)

Ele tinha gestos desses de magnanimidade de desconcertar. Ela contou vários, eu creio que já contei aqui, mas a gente vê que nesse ponto a formação do pai sobre ela foi muito, muito eficaz, não é? Daí esse afeto, que aliás é preciso dizer, que as três filhas tinham pelo pai delas, um afeto que eu não vi elas terem a ninguém — e não vi elas terem… vamos dizer eu não vi que nenhuma filha tivesse com um pai. Não vi. Uma coisa sem igual, elas veneravam o pai delas. Queriam bem a mãe, respeitavam, mas veneração era com o pai delas.

Sr.Guerreiro Dantas: Mas é muito bonito isto para se compreender os traços da natureza do Senhor, ele tem um papel assim muito relevante na vida do Senhor, não é Senhor Doutor Plínio também? Por repercussão, não é? Nela, na Senhora Dona Lucilia passando depois para o Senhor.)

Mamãe foi quem me formou nisso, não estou analisando se eu correspondi ou não a graça dessa formação, mas foi ela que me formou nisso. Mas por esse modo caseiro, não deu uma filosofia, ela não falava do pecado original, nem nada disso, mas ela contava esse caso e ficava entendido.

Bem, agora, vocês estão vendo que uma pessoa que de um fatinho como o da Da. Benedita, tira essa conclusão, vê muito mais do que o comum das senhoras vêm a respeito disso e manifesta aí para este efeito uma lucidez de vista, uma penetração, um discernimento, não ouso falar de discernimento dos espíritos, mas um discernimento das psicologias, das mentalidades muito grande. E que realmente é muito bonito.

(Dr.Edwaldo Marques: É que se fosse necessário ela faria tudo de novo, não é Doutor Plínio, mesmo sabendo que o resultado fosse esse.)

Faria tudo de novo. Aproveitando a experiência da última vez para arranjar jeitos de melhor servir a Da. Benedita.

(Cel. Poli: E não se arrependeria isso?)

Não se arrependeria! Porque ela não fazia para a Da. Benedita, não fazia para receber retribuição, fazia para ser boa com a Da. Benedita, mas no fundo está Nosso Senhor Jesus Cristo, o Sagrado Coração de Jesus.

(Dr. Edwaldo: Porque é muito, muito do Sagrado Coração de Jesus!)

Totalmente, totalmente. Aquela frase d’Ele a Santa Margarida Maria é isso: “Eis aqui esse coração que tanto amou os homens e por eles foi tão pouco amado”. É isso. Toda a atitude de Nosso Senhor durante a Paixão foi isso. Paixão e morte é isso. Aliás, é um dos traços pelos quais se dobra os joelhos diante d’Ele, não é? Porque levou esta perfeição moral a um grau inimaginável. Você ver no Longinus que furou com a lança o coração d’Ele e saiu uma água que curou o Longinus de uma espécie de semicegueira. Quer dizer, isso é Ele a conta inteira, não é?

Assim, haveria outros casos dela a contar.

(Cel. Poli: É tão impressionante a coisa toda que não consegui tomar nota do fato)

(Sr. Gonzalo Larrain: Pode deixar Coronel que a gente se lembra.)

Como é meu filho?

(Sr. Gonzalo Larrain: É que nós lembramos do fato. Não tem problema o não ter tomado nota que a gente se lembra disso.)

Pode tomar nota do que foi guardado para o João.

(Sr. Gonzalo Larrain: É isso.)

Mas ao João eu já contei isso, eu acho.

(Sr. Gonzalo Larrain: Não esse aqui tem muito imponderável.)

Assim havia muitas coisas desse gênero! Mas, muitas que ela sabia arranjar, mexer, acalmar, muitas, muitas, muitas, não é?

(Sr. Gonzalo Larrain: Entende-se muita coisa! Está magnífico!)

Bem, mas também o assunto… Era uma série de casos mas não sei se é o caso de tomar a noite inteira contando isso!

(Cel. Poli: Ah, não! Mas é claro que é!)

* Enquanto o SDP preparava a aula para a faculdade a SDL discute em tom de briga com Da. Iaiá por causa do nazismo e do divórcio. A intransigência da SDL

Por exemplo, ela com a irmã mais moça. Ela era muito mais ligada à irmã mais moça, — mais moça de todos, treze anos mais moça do que ela — do que com a mãe do Adolphinho. Ela se dava muito bem com a mãe do Adolphinho — a mãe do Adolphinho, sobretudo durante um certo período vinha muito aqui, etc, — se davam muito bem. Às vezes discutiam porque a mãe do Adolphinho, por causa da influência do marido, era meio nazista, mas ela não entendia o que era o nazismo, nem nada. Era a favor do Hitler porque o marido era alemão. Mas mamãe não perdoava e saia em cima do Hitler intransigentemente.

Uma vez eu estava trabalhando no meu escritório e percebi que a criada tinha levado bandeja com lanche para as duas, numa sala onde mamãe costumava ficar; e eu ouvia de longe a conversa das duas, mas não prestava atenção porque estava preparando aula para a Faculdade de Direito. Em certo momento eu vi que as duas elevaram o tom e que a coisa tinha tomado o tom de uma briga, e isso em mamãe raríssimo, mas raríssimo, acho que o fato único na vida. Parei até de trabalhar para ver um pouco o que se passava, porque conforme fosse eu interviria. Mas eu não ia perder tempo para intervir nessa briga, se fosse uma briguinha que se resolvesse de qualquer maneira. E percebi que eram dois assuntos que voltavam alternativamente na discussão e era que a mãe do Adolphinho era meio nazista e era divorcista e ela era antidivorcista e era antinazista e por causa disso acendeu-se uma discussão tal e as duas tão acharné que eu me levantei e fui para o quarto delas e brinquei mas o que é isto? Que propósito tem isto! Brincando. Elas duas entenderam e a coisa se desfez, não é?

Bom, aí eu vi que ela julgou os princípios dela contundidos e negados e não estava eu perto para vindicá-los. Aí ela entrou em cena e foi categórica e discutiu com argumentos. E a coisa foi a ponto de uma briga e de uma briga séria. Não entrava o amor próprio, mas entrava o senso da defesa dos princípios, que eu nunca tinha visto ela tomar e me explico, porque quando eu estava perto eu já ia de espada ou lança em riste por cima da pessoa, não é? E ela deixava. Mas eu não estando perto a coisa era assim.

(Sr. Gonzalo Larrain: Que coisa bonita, meu Deus do Céu!)

Mas aí também eu nunca mais… eu disse a elas que não tratasse mais disso que era melhor. Duas senhoras idosas já que propósito tinha brigarem por causa disto. Era melhor não brigar, não é? Nunca mais trataram do assunto entre si e acabou-se.

(Sr. Nelson Fragelli: Ela tinha, portanto inflexibilidades também!)

Inflexibilidades. Mas essa outra irmã era muito chegado a ela porque era treze anos mais moça e tinha nascido com um defeito nas costas e minha mãe todos curativos, exercícios etc., que os médicos daquele tempo queriam que as pessoas fizessem para se corrigir do defeito, exigia muito cuidado. Então minha mãe que tomou os mil cuidados: levantar cedo, acordar, mandar chamar uma massagista para fazer todo o dia flexão, ela assistia a flexão, se estava bem, não sei o que. Depois ela levava para o jardim, ainda era frio de manhã, os médicos queriam, não sei se com muita razão, que ela apanhasse o ar da manhã antes de esquentar. Então tinha que sair para o jardim e minha mãe era friorenta, mas ia para o jardim, passeava com a menina etc., etc. E tudo isto com tanta doçura que minha tia tinha verdadeiramente loucura por ela e conservava até o fim da vida. Bem. Mas acontece que com a vida muito tomada, minha tia morando muito longe etc., enfim uma série de circunstâncias, num período de alguns anos antes de minha tia morrer ela freqüentou muito menos a nossa casa. E de repente atacou o mal de Parkson que é um mal aflitivo. A pessoa começa tremer e acaba tremendo até no queixo, ouviu? E acaba em cadeira de roda e depois se deita paralítica, não conseguindo nem falar. E custa para matar! É terrível! Nem sei se mata ou se vai roendo a pessoa. Não mata é Edwaldo?

(Dr. Edwaldo: Acho que sim. Hoje tem uma série de remédios que não havia antes.)

Que ouviam isto, não é? É naquele tempo não tinha. Minha tia, aliás, morreu de uma operação que ela fez relacionado com esperança, ela morreu até no Paraná, onde em Curitiba havia um médico que tinha tornado famoso com umas operações parece que aqui dentro, não sei o que…

(Dr. Edwaldo: É no cérebro mesmo.)

No cérebro? Não sei bem que ponto do cérebro, era por aí, que operado aquilo passava durante uns dez anos. Depois podia voltar. Mas dez anos de normalidade já é uma coisa preciosa. E minha tia foi se operar e morreu de um colapso cardíaco porque os médicos, os maiores de São Paulo, não perceberam que ela era muito cardíaca. Uma coisa incrível.

Bom, mas nos últimos anos que minha tia quase não podia andar minha mãe começou sofrer também de umas dores nas plantas dos pés que o Brickman atribuía a velhice, não sei mais o que, enfim… foi por onde ele começou usar a cadeira de roda. Bem. Deitada na cama não sentia nada, andando doía.

E a minha tia vinha aqui porque não tinha aonde ir. Ela deixou todas…a presidência da liga das senhoras católica, ela deixou, deixou tudo, deixou as relações, deixou tudo porque pessoas assim hoje em dia não são bem vistas e nem procuradas. E começou então a procurar mamãe. Eu não preciso dizer a vocês como mamãe recebeu. Primeiro lugar, não fez nenhuma queixa pelo tempo que ela não vinha e quando veio é com se estivesse estado aqui na véspera. Numa tarde eu cheguei do escritório, ou da Pará, da Martim, sei lá donde vim para jantar. E habitualmente para alimentar a conversa eu fiz a pergunta a ela, — ela não estava ainda usando a cadeira de roda — eu disse: meu bem como foi à tarde hoje, etc.! Ela disse: teve a sua tia Zili aqui à tarde. O que é que fizeram? O que, que podiam fazer! Conversar. Ela disse: eu passei a tarde aqui ajudando a ela. Eu disse: Mas como é que a senhora ajudou a ela? Diz ela: ela se sente às vezes agoniada…

(Sr. Gonzalo Larrain: Meio o que Senhor?)

Agoniada. Meio… uma espécie de agonia por causa do mal estar que esta doença causa e ora ela quer andar e se cansa então ela quer parar, parando ela fica meio nervosa e quer andar de novo.

(Dr. Edwaldo: A pessoa fica extremamente indecisa.)

Indecisa é?

(Dr. Edwaldo: E também muito insegura.)

Então é isso que se refletia no ela não se estabilizar em nenhuma posição. Então ela dizia para mamãe, ela chamava mamãe de Qui. Qui vamos andar um pouco no corredor? Então as duas andavam no corredor até ela cansar. Mamãe nunca se cansava mas á até a doente se cansar. E mamãe com dor nos pés. Depois passavam para o escritório — fica mais ao alcance do corredor — passavam para o escritório e sentavam no sofá e começávamos a conversar. De repente eu notava que ela ficava aflita eu dizia: minha filha você não quer andar um pouco? Ela dizia: eu queria. Voltamos de novo e assim nós fomos conversando a tarde inteira, veio o lanche, tomamos juntas. Eu ajudei a ela tomar lanche, etc., etc., e depois o marido veio pegá-la, tatatá. E eu senti o pungente da situação. As duas estavam caminhando para a morte, minha tia morreu ainda antes dela, mas estavam caminhando para a invalidez. Estas duas velhotas caminhando para a invalidez e apoiando-se no corredor, no vai e vem de um corredor que não é longo, entravam pelo quarto de mamãe adentro e chegavam até o hall. Andavam, andavam e o apoio mútuo que se prestavam nisto, o afeto que tinham me dava mais um aspecto da vida de família vivido no lumem da caridade de mamãe.

(Sr. Guerreiro Dantas: É impressionante! Tem uma grandeza impressionante!)

Ah tem! E o mais curioso é o seguinte: O trágico, mas muito aconchegado dentro da tragédia. Elas estão em casa, estão à vontade, estão juntas, gostam muito da companhia uma da outra, tomam seu chazinho.

Assim a vida dela é cheia de pequenos episódios desse tipo. Mas cheia.

(Sr. Guerreiro Dantas: Mas com uma tônica de alma que precisa ter muita grandeza para ser assim.)

Muita. Ah muita!

(Vários falam ao mesmo tempo)

É! Enfim, aí é o que eu posso contar. Há outras coisas que eu não posso contar que tem muita gente viva.

(Sr. Gonzalo Larrain: Uma coisa que a todos impressiona muito a delicadeza com que ela tratava as pessoas neste sentido de sabendo que podia ajudar, não ajudar se a pessoa não quisesse. E isso é um modo de ser muitíssimo contra-revolucionário, não é? Porque digamos toda a idéia que a gente tem… primeiro não se tem à idéia de bondade, mas quando se tem uma idéia de bondade é raro, logo ir batendo a porta. Você está precisando de ajuda eu vou ajudar mas sem medir toda finura e toda delicadeza que comporta o trato com alma. Aí ela nunca mexia se a outra pessoa não estava disposta. A gente vê que o Senhor tem muito isso, não é? O Senhor muitas vezes quando vai dirigir um de nós o Senhor olha e pelo olhar muitas vezes pergunta se pode, como que pergunta se pode dizer algo. Muita e muitas vezes. E aí a pessoa se quer diz sim, se não quer diz não também.)

Não acontece nada. Não brigo, não fico sentido, nem nada. Nem me passa pela cabeça.

(Sr. Gonzalo Larrain: O Senhor me desculpe perguntar, mas é tão digamos, tão bonito isso que o Senhor mostrou ao Sr. Guerreiro, é uma coisa de muita nobreza, muito aristocrático de proceder, mas no fundo obedece a que? O fato que mesmo podendo ajudar, sabendo que pode ajudar, não ajudar se a pessoa não está em condições.)

Porque é aumentar o mal-estar da dor da pessoa, violar o santuário interior dela. É preciso muito cuidado neste ponto.

(Sr. Gonzalo Larrain: E o Senhor toma um cuidado tremendo nisso, não é?)

É preciso, não é?

(Sr. Gonzalo Larrain: Sim, mas mais ainda. O Senhor que vê muito mais o Senhor deve ver muito mais a possibilidade de ajudar as pessoas, não é? O “santuário” meio entre aspas, o interior é fechado, não é?)

E às vezes, às vezes a gente passando perto sai um desaforo de dentro do santuário, inopinado, bruto mas sai.

(Sr. Gonzalo Larrain: Isso é muito bonito. Achei muito bonito, mas magnífico isso Senhor, essa delicadeza, nobreza nisso…)

Agora isto ao pé da letra, ouviu Gonzalo, cristianiza a pessoa, cristianiza. A pessoa aí fica aberta para o Sagrado Coração de Jesus, para Nossa Senhora, para toda atmosfera da piedade católica. E fica com uma espécie de confiança em Deus que nasce disso. Porque é curioso disso nasce…

(Sr. Gonzalo Larrain:Nasce de que, perdão Senhor!)

Como?

(Sr. Gonzalo Larrain: Nasce de que perdão?)

Deste modo de tratar com os outros, brota na alma de quem trata assim, uma atitude em relação a Deus que é muito confiante. Quer dizer o seguinte: se uma pessoa de tal maneira penetra na situação psicológica de um outro e vê como tratar bem o outro, a pessoa, à fortiori, provada por Deus sabe bem entender que propósito tem o Sagrado Coração de Jesus ou o Imaculado Coração de Maria ter mandado aquela provação. E sabe receber a provação com carinho que está correspondendo às intenções benévolas d’Eles. Ainda que a gente esteja sofrendo muito e dá uma confiança em Deus que é de que nossa oração será atendida. Mas nas ocasiões de que não for, apesar disso, Deus é Pai, Ele está nos fazendo o bem. Nós é que não entendemos o que nos convém. Isso é confiança. Agora é claro que uma pessoa no estado de espírito dela tem muito mais propensão para confiar em Deus do que uma pessoa que trata os outros assim e que, portanto é levado a tratar o próprio Deus assim também.

(Sr. Gonzalo Larrain: Sentir-se e achar que Deus trata assim também)

Achar que Deus trata assim. Então a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, ao Imaculado Coração de Maria, a confiança na misericórdia dos Anjos, etc., etc., dos Santos e dos Anjos, etc., etc. muito mais facilmente se instala numa alma assim.

( Sr. Paulo Henrique: É toda axiologia que se reflete que o Senhor já comentou do Quadrinho, quer dizer, encarnado nesta maneira de viver que ela teve, não é?)

Ah! Inteiramente!

(Sr. Paulo Henrique: Conformidade com a vida, enfim com o que se passou, às vezes baixas, dificuldades…tudo, tudo com serenidade)

Tudo. Cem coisas, cem coisas!

E depois uma tendência também que faz parte da confiança, as coisas boas que Deus manda, sendo às vezes coisas modestas, alegrar-se intensamente. E assim também um benefício ou outro que algum fazia a ela. Eu me lembro que nos primeiros tempo de casado o Adolphinho ia muito freqüentemente a Fazenda Santa Genebra, da Da. Jandira. E voltando não sei de que jeito, indicaram a ele que havia em Campinas umas padarias, uma padaria que fazia umas roscas e umas coisas assim muito boas. E ela tinha um problema alimentar qualquer por onde este tipo de rosca convinha muito a nutrição dela. E o Adolphinho comprou um pacote grande destas roscas e trouxe para ela perguntando se ela queria. Ela provou e achou as roscas deliciosas, gostou muito e achou que eram do tipo dietético que convinha inteiramente a ela. E o Adolphinho então foi muito amável e tomou uma espécie de assinatura com o homem. De maneira que ele passava lá na tal padaria, buzinava e o homem já vinha trazendo o pacote e ele pagava. Chegava aqui ou ele vinha ou mandava uma pessoa trazer. Mas ela recebia regularmente estas roscas. E creio que até morrer isso foi assim. E ela gostava de contar este fato. Então elogiava as roscas, oferecia as roscas para a pessoa que estava visitando e perguntava se não fazia bem para a saúde da pessoa. Se o lanche dela era nesta hora trazia o lanche para a pessoa, um lanche não dietético. Para o dela a rosca, mas ela insistia com a pessoa para comer a rosca para ver como ia fazer bem, inclusive para a saúde. Depois dizia: é meu sobrinho Adolphinho filho de minha irmã Iaiá que faz isto assim que teteté…, ele é muito bonzinho ele faz tatatatá…Agora é toda uma cantilena em que ela instalava este fato, que era realmente um fato extremamente simpático, uma atitude extremamente simpática do Adolphinho, afetuosa, mas que era tratado como se fosse uma coisa magnífica, extraordinária etc., não é?

São cinco para as três, não é?

(Sr. –: Sim Senhor!)

Ainda temos um pouquinho de tempo.

Muito afetuosa, etc., não é? E o João me contou que quando ele a conheceu ela apresentou uma ocasião ela foi logo contando a história do Adolphinho. Mas ela não estava muito lúcida e não tinha a idéia de que o João conhecia muito bem o Adolphinho porque pertencia ao Grupo.

Então, sabe o meu sobrinho Adolphinho, Adolpho Lindenberg, casado, é filho de minha irmã tal, ele traz umas roscas muito boas e aquilo, aquilo… O João disse que ficava enternecido de vê-la — você deve ter ouvido o João contar isto — vê-la contar o caso das roscas. A mim — ela não estava muito lúcida — a mim ela contou o caso das roscas mais de uma vez, está entendo! E eu fingia… Oh! Mas, o Adolphinho fez isto, que coisa bem feita, magnífico da parte do Adolphinho!

E ela tinha mais gosto do carinho do Adolphinho e no gesto amável do que tinha gosto nas roscas. Enfim de fato resolvia um probleminha da vida dela, não é? Assim tantas coisas como eu não sei dizer.

(Cel. Poli: Como é que ela tendo sofrido tanto exatamente no convívio, ela manteve…)

(…)

Porque ela entendia que devia pagar o mal com o bem e que devia tratar a pessoa, as pessoas como se as pessoas não tivessem o defeito, embora ela visse o defeito. Quer dizer, ela não se iludia, não é? Você diz isto genericamente e não quanto ao caso do Adolphinho, não é? E é esta a minha resposta.

(Sr. Guerreiro Dantas: Não tinha egoísmo, não é?)

Nenhum, nenhum, nenhum.

É o essencial. Eu poderia contar outros casos ainda, mas eu precisaria me lembrar e de momento não me ocorre.

(Sr. Nelson Fragelli: Quando ela tomava a irmã para passear aqui no corredor, ela não fazia aquilo, creio eu, movido por uma idéia diretamente religiosa. É preciso fazer sacrifício…qual era exatamente o móvel dela a fazer aquilo.)

O móvel era esse. A criatura humana deve ser assim: uma prova suprema e um estímulo supremo é o exemplo do Sagrado Coração de Jesus que é assim e como eu adoro a Ele e eu só gosto das pessoas com todo interior de minha alma quando elas são assim, eu também serei assim com os outros. Não é?

Eu não sei se o preceito entrava tão claramente no espírito dela. Isso, não sei. Pode ser que sim, mas eu não sei. Está entendido?

(Sr. Nelson Fragelli: Está. Poderia fazer uma pergunta?)

Pode.

(Sr. Nelson Fragelli: O caso da Da. Benedita, uma coisa que eu tenho nó… uma coisa de chamar a atenção que o mesmo fato acontece com Senhor não acontece com ninguém. E eu vejo e o Senhor sendo varão, o Senhor se cerca de uma gravidade, de uma respeitabilidade, de uma truculência também e do alto da respeitabilidade, da majestade que o Sr. tem, as pessoas olham isto e faz toda sorte de abuso como eu não vejo — acho que os outros da sala aqui também — eu não vejo com ninguém. Qual é a característica dessas almas que sofrem isto e como é que os outros percebem que podem fazer isto com o Senhor é inexplicável. Se fosse com um republicano, um democratoso está bem, mas com um homem que reflete a majestade como é que eles podem abusar e calcar assim de maneira semelhante ao fato da Da. Benedita.)

É uma coisa que se explica pelo seguinte lado. Você…naturalmente supondo o que você disse a meu respeito é inteiramente verdadeiro, eu não vou entrar nesta análise. Mas você se pondo no trato com uma pessoa assim é muito fácil a gente pelo convívio se não tem um verdadeiro amor a virtude ou as qualidades que a pessoa tem em tese, a gente banaliza aquilo. E se torna muito mais insensível aquilo do que os não-íntimo. Eu dou a você um exemplo que pode servir muito. Houve aqui — estou inventando o que estou dizendo…não me consta que tenha sido assim, mas eu invento isto — houve uma pianista aqui em São Paulo, famosíssima, chamada Guiomar Novais — eu não sei se você chegou ouvir falar dela…

(Sr. Nelson Fragelli: Sim Senhor.)

(Sr. Guerreiro Dantas: Eu tenho um disco dela.)

Tem disco dela! Ela tocava sempre tudo para os Estados Unidos. Ela tocava largamente etc., etc., era muito apreciada tal e coisa e ganhava bem dinheiro, ficou rica. Bom, uma pessoa poderia no começo ser entusiasta da Guiomar Novais pela arte dela. Bem, depois com isto ficava atraída para intimidade de convívio com a Guiomar Novais. E depois no fim ser íntimo da Guiomar Novais. Se ela não tivesse pela arte um muito, muito alto enlevo, ela estava começando a ver na Guiomar Novais a condição artística embutida numa porção de outras coisas da personalidade que são comuns. E daí então banalizar a Guiomar Novais. E acabar tendo um trato bruto com a Guiomar Novais que ela começara por admirar tanto.

Todas as decadências com aquilo que é grande, começa por esta banalização.

(Sr. Gonzalo Larrain: Mas a pergunta do Sr. Nelson Guiomar senão Guiomar mais adentro. Isto se explicaria com qualquer pessoa. Mas o trato… por que tem que tratar pior a ela que as outras pessoas. Esse é o assunto.)

Aí não se dava com a Guiomar Novais era uma outra coisa. Se a pessoa atrai a admiração por um exemplo moral que dá, ela de algum modo estimula a outra pessoa imitar. E este estímulo a pessoa toma facilmente como repreensão ou como desprezo. De onde um estado de beligerância. A pessoa se vê envolvida para um convite para o bem e quase penetrada por aquela influência e não quer atender aquela influência, mas também não quer romper. Então queixas que servem de pretexto a recusa, raivas e até brutalidades.

(Sr. Gonzalo Larrain: Produz isto, não é? Digamos existe este chamado primeiro, mas este chamado primeiro não está explícito todo sacrifício que vem pela frente. Então o nó de conduzir-se retamente, portanto sem violência em relação à Igreja ou a quem seja, implica então que o movimento primeiro tem que ser muito íntegro, porque realmente no primeiro momento do flash não se mostra o sacrifício que vai fazer.)

Não. Não.

(Sr. Gonzalo Larrain: Digamos, um modo de proceder de Deus?)

É.

(Sr. Gonzalo Larrain: Não é uma fraude porque às vezes a gente se sente: Não! No começo eu não vi isto assim e parece que é um modo de proceder da Igreja e de Deus mostrar um certo esplendor pedir generosidade, mas aí o problema está logo no começo. Eu pergunto ao Senhor?)

É. É isto sim.

(Sr. Gonzalo Larrain: Porque depois vai se mostrando a cruz que não aparece no começo.)

Não aparece e aí começa o problema.

(Sr. Gonzalo Larrain: Com o Senhor foi assim também)

Ah, também!

(Sr. Gonzalo Larrain: Mas desde o primeiro momento de amor, de entrega, etc.?)

Se o primeiro momento é muito grande, muito bem vivido a pessoa tem condições de enfrentar depois as tristezas que vêem, as cruzes que vêem. Se no primeiro momento já entra qualquer coisa de egoísmo, de puro gozo do flash, etc., mas depressa sobrevém esta prova. Não é?

(Sr. Gonzalo Larrain: Está muito bom, Senhor.)

(Dr. Edwaldo: O que a graça pede, que é o que a Senhora Dona Lucilia fez com o Senhor, não é tanto um sacrifício ou outro, mas é esta constância no caminhar para o bem, não é? Isto que a presença do varão justo pede continuamente irrita o outro.)

É. E também é sacrifícios reais.

(Dr. Edwaldo: Não sim. Reais mas eu digo pede uma constância na coisa. Não é que a pessoa faça aquilo, depois relaxe… esta permanência)

Não, não. Permanência. Supõe uma permanência que é de si muito duro, não é?

(Sr. Gonzalo Larrain: Sabe que eu tenho certo medo…primeiro já está tarde, muito tarde Doutor Plínio, mas o Senhor pegou um caso, um caso muito característico eu acho que não é o caso em nossa reunião que também parece que a graça nos chama a normalmente a reprimenda da parte do Senhor. Eu não vejo bem, o Senhor fez a análise da Reunião de Recortes, a conduta nossa, digamos. Os mais jovens o Senhor disse que estão muito bem etc, depois os maiores… a gente vê que realmente isto é assim, mas uma pergunta se ontem na reunião extraordinária — não estou querendo justificar, mas estou querendo ver onde está o problema porque de fato o Senhor pode mostrar um pouco para nós onde está o problema…(…) não no sentido de modo [cínico?] mas o Senhor disse uma frase que nós estávamos na via… Como é? Na via da agressão e já muitos sendo agressores; evidentemente que nós temos sido, não digo eu, mas temos sido muitas vezes agressores infelizmente, não estou querendo dizer isto. Mas eu não vejo muito isto na reunião de hoje, por exemplo. Em mim não vejo mas o defeito do outro fulano, mengano você está em tal estado de espírito, mas havia uma graça na reunião, um lumem fabulosa que dá realmente empolgantíssima. Talvez seja bom que o Senhor pegue caso assim para contar, porque senão, não se engaja.)

(…)

encostou a cabeça sobre o peito e perguntou quem seria o traidor. E todos comentadores da devoção ao Sagrado Coração de Jesus comentam que ele ouviu a pulsação do Coração de Nosso Senhor e foi, portanto, o primeiro que adorou o Sagrado Coração de Jesus. Ele fala de si para não dar o próprio nome ele disse o discípulo a quem Nosso Senhor amava. Ele era o predileto de Nosso Senhor. Que profundidade tinha isto se na noite ele dormiu e fugiu. O que, que era isto? Uma cena encantadora, etc., etc., mas as pessoas que comentam a cena não pensam que horas depois o que estava acontecendo era isto. Está no Evangelho, não tem por onde escapar. Quer dizer, ele ouviu a pancada, o pulsar do Sagrado Coração, com isso deve ter tido graças dulcíssimas, isto ele recebeu de modo tão incompleto que horas depois fez o que fez.

(Dr. Edwaldo: Nenhum deles acreditaram na Ressurreição.)

Não acreditaram…

(Dr. Edwaldo: Nosso Senhor disse várias vezes que ia ressuscitar, mas eles estavam neste estado de espírito…eles perderam a fé, não é?)

É.

(Dr. Edwaldo: E São João mesmo só acreditou quando viu. Ele conta isto, não é? Quando ele entrou no Sepulcro…)

Aí ele acreditou.

(Dr. Edwaldo: Aí ele acreditou.)

Quer dizer, como é que eles chegaram aquele extremo que fizeram isto, tendo convivido com Nosso Senhor e Nossa Senhora.

(Dr. Edwaldo: Fizeram milagres…)

Eles fizeram milagres…

(Dr. Edwaldo: Nosso Senhor deu a eles o poder de fazer milagres.)

Há um ponto qualquer que a Revolução cegou nas pessoas em que as pessoas não querem deixar de ser cegas. E tem um apego fundamental, transcendental, do qual parte todo o resto. E é curioso que eu não consegui explicitar qual é este ponto. Mas é uma coisa que é…a pessoa dá tudo ou renunciar este ponto. Eu tenho a impressão que pela graça obtida por Nossa Senhora, as pessoas vão conhecer e renunciar e tornar exímias naquilo que elas são mais especialmente falhas. E que daí sai uma Contra-Revolução com grau e intensidade de Contra-Revolução, a Contra-Revolução vai ser mais contra-revolucionário do que a Revolução é revolucionária. Quando até aqui a Revolução foi mais revolucionária do que a Contra-Revolução é contra-revolucionária.

( Sr. Nelson Fragelli: É. Em tudo que não diz respeito ao Senhor, é. Isso é. Vê no concreto. Não estou fazendo um ato de fé, estou confirmando o que a retina vê. Estou exprimindo o que a retina vê. É isso.)

No sábado que vem me peçam. Eu agora tenho que dormir.

(Todos: Muito obrigado!)

Há momentos minha Mãe…

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