Conversa
de Sábado a Noite – 12/7/1986 – p.
Conversa de Sábado à Noite — 12/7/1986 — Sábado [JC 017] (Plinio M. Gomes)
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(Sr. Guerreiro Dantas: O senhor, desde jovem, quando olhava para uma ciosa, via o arquétipo daquela coisa.)
Ver pressentindo. Não é ver com toda nitidez.
(Sr. Guerreiro Dantas: E o senhor corre todos esses mundos de arquetipias mais ou menos como um corpo glorioso, que não se prende à gravidade, à força da gravidade. E o senhor correlaciona tudo com uma mobilidade, destreza e facilidade muito grande. Então, se o senhor poderia falar sobre isso, porque esse é um traço fundamental do profetismo. Não é só a inocência que dá isso. É algo na própria natureza que é muito assim.)
(Sr. João Clá: O próprio lance de hoje tem muito disso.)
Mas, no que é que o lance de hoje revela essa agilidade?
(Sr. João Clá: Uma agilidade tão ágil que, quando acontece, já foi previsto.)
Sim, toda a previsão é isso.
(Sr. Gonzalo Larraín: Muito imprevisível. Se se dissesse que o senhor escrevia um telex ao Papa, já se diria que era falando sobre o direito de propriedade, dados assim doutrinários. De repente são dados concretos, dados econômicos, etc., etc.. Uma coisa de mobilidade extrema.)
(Sr. Guerreiro Dantas: E caindo na última hora em cima deles.)
(Sr. Gonzalo Larraín: E é paralisante para eles.)
E sabe que eu tenho a impressão de que foi isso que atrapalhou, não é?
(Sr. Guerreiro Dantas: Daí o choro do homem.)
Atrapalhou. Eu acho que eles contavam com uma coisa. Chegaram lá, disseram para ele: “Olha, veio um telex assim. E o que o senhor esperava de nós, que nós bloqueássemos essa gente, etc., etc., etc., isso não vai ser possível porque colocou a questão assim.” Aí Sarney chorou para ver se movia alguma coisa, porque eu não sei se o Sarney entendeu todo o jogo. É preciso ter um conhecimento da doutrina católica, etc., que eu duvido que ele tenha. E daí ele chorou… foi chorar no ombro do outro e não conseguiu nada.
(Sr. João Clá: Precisaria guardar fotografias dele junto ao telex. Está com cara muito contrariada.)
É assim, é? Mas é porque ele não esperava.
(Sr. Gonzalo Larraín: Imprevisibilidade. Para nós e para eles.)
Ah! Muito para eles.
Eu estou procurando… para responder a sua pergunta, meu filho, porque para mim essas coisas, eu nunca me pus, nem me permitira de pôr essa pergunta, de maneira que eu fico muito novato no assunto, por assim dizer.
Mas me lembro que quando eu tinha assim oito, dez anos, qualquer coisa assim, alguma coisa dessa mobilidade, eu percebi, e ficava meio espantado com essa mobilidade. Depois pensei: “Mas ao que conduz eu chegar a uma conclusão sobre isso? Não conduz a nada. Se eu tenho essa mobilidade, vou me mover dentro dela. Se não tenho, não vou estar me alimentando de quimeras. Vou tratar de viver.” E depois não pensei mais na questão.
Uma vez ou outra, de passagem, alguma coisa ocorria, mas eu me proibia a mim mesmo de estar analisando. De maneira que fazendo agora para vocês a análise, eu tenho que recorrer exemplos de várias idades de minha vida para aqui improvisar como possa as recordações que possam conduzir a um certo resultado.
Eu me lembro que eu notava em mim duas mobilidades diferentes: uma era a mobilidade dos longos estados de inocência que, graças a Deus, eu tinha, em que, de fato, assim como numa opala um pequeno movimento da opala pode modificar a irisação, assim também a atenção minha voltando-se de uma coisa para outra modificava todo um colorido interior. Mas modificava com muita lucidez. De maneira que, com as limitações de vocabulário de uma criança — são enormes as limitações — eu, entretanto, talvez conseguisse dizer a diferença no que estava.
Mas eu me lembro que eu sonhava nesse tempo que eu sentia que eu um dia ia ser orador. Então sonhava, nesse tempo, na sala de conferência mais eficaz. E pensava numa sala de conferências em que toda ela fosse dotada de jogos de luzes, de maneira que à medida que eu fosse falando um tema ou outro tema, eu pudesse modificar as luzes todas da sala. Que eu imaginava uma sala numa certa penumbra, mas iluminada por uma certa luz. E a luz, quaisquer que fossem as cores, em todas as cores, teriam um certo colorido, um certo matiz, que era sempre do mesmo tom de beleza, e que era o matiz maravilhoso com o que eu sonhava.
Então me lembrava assim de uma placa, com uma série de coisinhas assim, que a gente vira mais ou menos parecido com esses pinos de telefone hoje, que eu, mudando de tema, pudesse mudar todo o colorido da sala. Indicando que é todo… com o tema mudado, a posição afetiva, as conaturalidades mudavam, e o raciocínio mudava também. E que havia uma gama de luz para aquilo que hoje eu sei que é a conaturalidade, uma gama de luzes, e outra gama de luzes, muito mais selecionada, para o raciocínio. Então são duas ou três modalidades de raciocínio só, que faziam todo o jogo.
Isso indica como na minha inocência eu sonhava a oratória superbem servida, de condições de impressionar, mas mostrava mais no fundo toda minha mobilidade de alma dentro disso, das correlações, etc., etc., como se punham naturalmente, com muita leveza, com muita facilidade, um pouquinho como um planador voa, tocado pelos ventos. Quer dizer, o vento vai de cá, de lá, ele se apóia de cá, de lá; assim também, dessa maneira, eu passaria pelos vários assuntos.
Sempre com essa nota: fantasia muito pouco, mas raciocínio muito. Muitas vezes o raciocínio embuçado dentro da fantasia, a fantasia servindo para disfarçar o raciocínio, por causa do horror a certos auditórios, que certos auditórios…
(…)
…ao raciocínio. Então era preciso dar um jeito.
Agora, eu sentia que de vez em quando, bruscamente, mas sem catástrofe interior, bruscamente, esse estado cessava independente de minha vontade. Cessava e dava para uma posição… Aliás, no jantar falou-se um pouco disso, uma posição em que minha alma tinha de repente, as minhas apetências tinham de repente como ponto de mira não mais esse maravilhoso que eu poderia exprimir pelo nacarado, por tudo quanto acabo de dizer, mas uma coisa muito menos alta. Não má, nem ignóbil, nem nada disso, mas direita. Seria todo o horizonte sem transesfera, das honestas suficiências da vida, mas da vida terra-a-terra, comum.
Então, vamos dizer, por exemplo, uma casa confortável, organizada, mas sem luxo. Porque o luxo já dá para essas coisas. Uma situação não brilhante, porque o brilho já dá para outra coisa, mas sólida, estável, tranqüila. Uma condição por onde eu me faria notar pelos outros, pela firmeza, pela estabilidade, pela solidez, pelo critério, muito mais do que pelos altos lances da alma, pelas altas digressões, etc., etc., em que esse lance contínuo para a transesfera como que cessasse e houvesse uma apetência enorme de tudo quanto era elevadamente mediano, elevadamente suficiente, elevadamente firme, elevadamente bom e, por causa disso, elevadamente natural, em que os horizontes desta vida teriam muita influência, mas os horizontes da transesfera e do sobrenatural muito menos.
E aparecia em mim assim, de repente, um outro homem… que não identifico com o homem mau. Era um outro homem.
Agora, esse outro homem caracterizado por que? Por uma grande estabilidade de raciocínio, linhas retas muito firmes, muita lógica e muito cuidado e securitarismo. Muito securitarismo.
Então, ser herói, não entra mais em questão. O que entra em questão é não me deixar devorar e ser um marechal da legítima defesa — e bem entendido — minha e não dos outros. Egoísmo vem à tona, não sob a forma de uma hiena ou chacal, mas sob a forma de uma vida muito menos elevada.
(Sr. Guerreiro Dantas: Dentro desse quadro como era o mundo da política.)
O mundo da política tinha um papel saliente e agradável dentro da transesfera. A política, direção da coisa pública, a serviço de altos ideais, mas tudo uma coisa que me elevasse, e me tirasse e me transpusesse para uma estatura que eu não acharia incomôda enquanto estivesse nela. Mas quando eu passava para a estatura menor, percebia que era muito mais cômoda a menor.
De maneira que o que eu daria aí era um bom burguezão respeitável, firme, mas eu! E não grandes feitos e nem grandes lances, a não ser a grande segurança, realmente na dignidade, na seriedade, na estabilidade.
Agora, uma correlação estabelecia-se nisso. Esse “burguesão”, assim, andaria no regime da graça suficiente. Portanto, a permanência, a perseverança no bem, feita por uma força dada por Deus à minha força, aumentando a minha força para a estatura não de um gigante, mas de um homem forte e alto da minha condição. E, supondo, portanto, na minha vontade um trabalho muito grande. Porque Deus estava trabalhando dentro de minha vontade, mas não me permitia que eu deixasse de trabalhar até o extremo de mim mesmo. Por assim dizer, Ele consentiria em ter comigo uma parte de sócio assim, [como], por exemplo, se dois aqui fossem sócios e dissessem: “Bom, só o aceito como sócio a parte inteira. Ou você dá toda sua capacidade de trabalho para isso, como eu vou dar, ou se você for mandrião nisso, ou eu for, a outra parte que se julga lesada, rescinde o contrato.”
Portanto, exigindo de mim, no terreno natural — é verdade que um terreno natural penetrado pela graça, mas tudo quanto o terreno natural pode dar, a força de vontade, etc., etc., o que o terreno natural pode dar.
(Sr. Guerreiro Dantas: Esse esforço era com que objetivo?)
Para garantir para mim um estilo de vida e realizar para meu interior o clima seguro, digno e tranqüilo de um homem respeitável.
Aqui, é uma coisa que é difícil compreender. Eu receio até que não consiga explicar bem.
Mas aqui a gente vê uma dualidade do papel da graça. [Em um], no comum, exigindo o dar inteiro do esforço e dar com a natureza inteira. Até mais, com algo que a graça põe, que é do tamanho da natureza, se ela chegasse até o fim de si mesma, mas não chega a ser o herói sublime, nem nada disso
E no outro não: a graça faz voar o sujeito. Exige dele o esforço, mas exige esforços que ele nunca foi feito para fazer, e lhe dá para isso facilidades que ele nunca foi feito para ter. (Por mais que fizesse esforço) não iria. E pela graça ele voa.
Se quiser, seriam duas coisas distintas, como o alpinista e o planador. O planador está em cima porque quer e é à força de destreza e agilidade que ele voa. Mas não é um alpinista que tem que ter musculatura.
Não me queiram mal se eu disser que a Alemanha representava para mim este sistema, o alpinista; e, pelo contrário, o planador era representado pela França. Não me queira mal. Um alpinista, se quiserem, pela Espanha.
E quando eu disse aqui, uma vez que as duas faces da Cristandade eram Alemanha e a França, eu tinha em vista que de fato elas representam isso. Eu insisto muito nesse ponto, porque há verdadeiramente virtude dentro disso. Mas não é, queiram ou não queiram… não é outra coisa.
E eu tinha horas em que eu era todo tomado pela apetência deste nível e deste estado de virtude; e outras horas em que, ainda que eu não quisesse, sem eu perceber, pluft! Aquilo começava a voar de um lado para outro, de um jeito para outro, etc., etc., e eu era outro. E um pouquinho condiziam com a fräulein e mais alguém um pouquinho, mas havia disso pelo meio.
Agora, a questão é que eu suspeito que isso não seja um fenômeno só meu, pessoal; que é mais ou menos com todo mundo, adaptado.
Aí acontece o seguinte — isso é preciso bem reconhecer: que este estado, você compreende, para um menino de minha idade, o grande problema da perseverança na Fé é o problema da pureza e do respeito humano que, posto neste estado, eu ficava mais vulnerado — se bem que esse estado não tinha intrinsecamente nada de ruim —, eu ficava mais vulnerável ao respeito humano e mais vulnerável as tentações de impureza. Não é entregue, não quero dizer que isso era um tobogã, mas ficava mais perto, enquanto no outro estado ficava muito mais alto, o que é fácil de compreender.
Isso posto, vocês compreendem, só aí, que jogo de mobilidades há. Tomem um feitio de raciocínio muito analista e propenso a nunca conceber uma coisa na ordem de pura teoria sem fazer a conversio phantasmata, ver na prática, no concreto, como é, como não é, exemplos, etc., etc., para eu sentir bem o suco real do raciocínio que eu fazia. E naturalmente, isso dando uma grande possibilidade de reversibilidades, porque era um raciocínio todo feito de uma necessidade de reversibilidade; que é a reversibilidade entre o conatural bem ordenado, bem pensado, etc., e aproveitável, sugável pelo teórico, mas também do teórico não se alimentando nas quimeras, não se alimentando no vácuo das “quintasubstâncias”… Isso não é comigo! “Diga a coisa como é, você deu doutrina? Está bom. Parece que está construída, vamos ver na realidade como é.”
Então é mais um jogo de reversibilidade. Mas, tudo isto pedido pelas profundidades criteriológicas mais internas do meu senso do ser e que, naturalmente, favorecem muito isso que vocês falavam.
(Sr. Gonzalo Larraín: O senhor optou pelo lado do vôo?)
Não inteiramente. Exatamente, como esse outro lado não é ruim e não é… digo, é um lado complementar do homem, você, talvez, analisando as coisas que eu faço, verá nelas que elas têm um certo embasamento muito sólido e até securitário. Quantas e quantas vezes eu ponho prudências leoninas para um ponto ou outro ficar direito, ficar bem organizado: não quero de outro jeito, aventuras não, etc,. etc.. E se posso pôr como fera em cima para que aquilo seja daquele jeito. Mas, de outro lado… Depois outra coisa, é muito difícil vocês me verem fazer uma aventura. Se for uma aventura, é porque em todo raciocínio eu vi que não tinha outra saída. E assim mesmo eu faço aventura todo coberto de ferros. Mas, no fundo sou muito prudente.
Por exemplo, esse telex é uma aventura. Porque os ódios que eu criei com isso são fenomenais. Depois, como eu quero fazer a propaganda, eu quero ver se Nossa Senhora faz cair na minha mão dinheiro para uma página inteira da “Folha”, e lançar o livro com explicações bem do que é, etc., etc., e embaixo ou em cima a carta inteira ao João Paulo II; então essa carta explica o lançamento do livro, tatá, pam!
Bem, esse lance tem mil riscos, mas é um risco calculado em que, tudo o que eu puder pêr de segurança, entra. Quer dizer, há uma certa harmonia dessas coisas, umas com as outras.
(Sr. Gonzalo Larraín: Na pilotagem é muito seguro, mas o senhor optou por ver.)
É isso, eu seria um piloto prudentíssimo.
(Sr. Gonzalo Larraín: Não é um piloto que resolveu ficar andando a pé, fora do avião.)
Ah! Não, não, isso não! Isso é bem assim. E com um desprezo monumental para com o indivíduo que não voa para ter segurança. Tem que vencer isso para seguir nossa vocação. Mas, de outro lado, é como você diz: “Piloto prudentíssimo.”
Se você fosse ver na carta, cuja leitura viu hoje, as medidas que há para não parecer impertinente, não parecer insolente, etc., etc., etc., mas são medidas enormes! Tem uma muralha chinesa ali dentro. E é natural, é assim que se ganha. Porque, do contrário, toma uma paulada na cabeça, não chega ao resultado que queria e fica estropiado. Assim não vai.
Mas, então não é dizer que um lado tenha desaparecido pelo outro. Isso não. Mas se entrosaram de uma certa forma.
(Sr. Gonzalo Larraín: E o problema das mobilidades e agilidade nessa clave?)
Está no mais profundo do ser e, portanto, do senso do ser. Uma coisa que está no meu ser e a partir do qual todas essas coisas se põem assim.
(Sr. Gonzalo Larraín: Todas as coisas? Corpo glorioso que atravessa tudo, sem lei da gravidade.)
Não tudo. Eu tenho o espírito muito ágil, realmente, para tirar conseqüências e construir cosias a partir de um certo conhecimento fundamental que eu tenha de certa matéria. Mas quando eu sou obrigado a me mover numa matéria a respeito da qual não tenho conhecimento fundamentais e não tenho meios de adquirir esses conhecimentos fundamentais e tenho que travar uma batalha aí, eu posso passar por período de dúvidas e perplexidades e, portanto, de mal estar fabulosos. Foi, por exemplo, o…
(…)
Ah! Está tudo muito estudado, muita garantia. Então, dentro dessa garantia, eu vôo.
O número de situações, de casos estudados, etc., ponderados, você tem razão de dizer, é colossal! Mas isto é tudo dentro de um campo que é o meu, com a correlação entre a conaturalidade e o raciocínio, isso tudo exige, para ser tão consciente e tão seguro, exige um travamento no fundo da personalidade, muito forte.
(…)
E foi isso que eu quis descrever no começo da conversa: esse travamento. Como é que coisas tão diversas, entretanto, se justapunham? É porque nascem… — em português se diz uma coisa meio… pelo som diz mais do que o sentido: “surdem.” Se diz da água de uma fonte que ela surde —, surdem de um fundo ignoto de personalidade que cada um de nós tem em si. E que é o último elemento do senso… o primeiro elemento do senso do ser. Último neste sentido: o mais profundo elemento do senso do ser que o olho humano nem divisa bem, dali, eu vejo surdir isto. E estou fazendo verdadeiro esforço para ordenar o que estou dizendo.
(Sr. Gonzalo Larraín: Agora, como se liga isso ao profetismo? Porque, nós conhecemos a igreja constantiana já meio bolorenta, meio hirta, sem movimento. E a Revolução era o movimento. Falso movimento, mas dava idéia de um movimento. Então o profetismo vem dar o movimento verdadeiro. Aí a missão profética.)
Isso é certo.
(Sr. Gonzalo Larraín: Como entraria o profetismo nisso?)
Eu acho o seguinte: para atacar…
Dizendo de outro modo: os demônios que articulam a Revolução, se articulam dessa maneira. A Revolução, no campo próprio dela, ela mesma é muito assim. E para fazer face a ela, no combate onde as coisas chegaram, se esse combate… o gládio maior desse combate tem que estar na mão de um varão: ou este varão tem todas essa mobilidades e tudo o que tem a Revolução, em sentido oposto da Revolução, ou a luta não existe, não tem condições. Pode haver uma temeridade, uma coisa assim, mas essa luta não existe.
Quer dizer, os demônios da Revolução — devem ser legião — têm isso. Eles se articularam de maneira a constituir isso, mas não é só. E que se a gente analisa a mentalidade de um revolucionário comum, ele tem em parte pequeno, ele tem tudo isto também. De tal maneira que, nos mais variados campos, ele acerta no que é Revolução e no que é Contra-Revolução. Mas isso é assim: é uma velha senhora que a gente conhece, é um meninote que passa aqui assobiando,de mãos no bolso numa manhã fria, é um vendedor de sorvetes ou pipocas, é um advogado influente, um desembargador, o que for, um coronel… um general, o que for lá, a gente vai ver, ele tem essa mobilidade de tal maneira que ele sente a Contra-Revolução na menor coisinha! De tal maneira a Revolução é assim.
E o mistério que nasce aí é: por que é que nós que somos da Contra-Revolução não estamos tão [à l’aise], não estamos tanto à vontade dentro dessa modalidade do que estão eles? Aqui vem a sub-agilidade do filho da luz, em comparação com os filhos das trevas, que Nosso Senhor lamentou. Vem aí toda uma outra gama de coisas. Mas essa agilidade só é tão surpreendente no campo dos filhos da luz. No campo dos filhos das trevas não é. Ou pelo menos isso: eles sentirem… no sentir, eles são assim. Em algum ponto muito fundamental da alma deles, eles são assim.
[Vira a fita]
Note o seguinte: eles podem, às vezes, ser menos inteligentes do que eu, ter menos personalidade, mas no ponto miúdo em que eles atuam, aquilo é assim. Isso é um ponto que há uma vantagem enorme em a gente ter a atenção voltada para isso.
(Sr. João Clá: “A serpente porá armadilha aos pés de Nossa Senhora, mas Ela a esmagará.”)
Serão esmagadas, as armadilhas.
(Sr. Gonzalo Larraín: Agora, filhos da luz não têm esse grau de mobilidade nem de elevação de mobilidade que se vê no caso do senhor.)
Não tem. No fundo, porque ele não ama muito a luz. E os filhos das trevas amam mais as trevas do que os filhos da luz amam a luz.
Habitualmente você vê os filhos da luz não terem o jogo élancer e desembaraçado dos filhos das trevas. É preciso — e exatamente aqui eu acho que está um dos traços do Reino de Maria: é que no Reino d’Ela, os filhos da luz vão ter mais força do que os filhos das trevas.
(Sr. Gonzalo Larraín: Uma virtude de Nossa Senhora que está na alma do senhor para ser assim.)
Eu acho que é uma graça muito especial. Quer dizer, é um favor de ordem natural insigne e uma graça de ordem sobrenatural muito mais insigne ainda, provavelmente. Isso eu acho. Quer dizer, isso eu tenho a impressão de que é verdade. E, realmente, para idear, e para desfechar a Contra-Revolução e dar corpo a ela, nessa situação em que ela está, eu sou obrigado a reconhecer que entram dons, favores de ordem natural muito grandes, e favores de ordem sobrenatural ainda maiores. Reconheço très volontiers.
(…)
(Sr. Guerreiro Dantas: Isso vem de ancestrais, ou coisa peculiar própria do senhor.)
Da minha pessoa? Eu já falei para vocês sobre aquele número da “Ilustration Catholique” que tem as recordações do Clemanceau sobre o Brasil, quando visitou, não? E o que ele disse de São Paulo, tudo quanto havia de afrancesado em São Paulo.
(…)
… das pluralidades, existe rangimento, as coisas rangem. Mas no meu caso pessoal não rangem.
(…)
Mas aí é uma coisa misteriosa, porque esse fundo de cada um é misterioso, não é visível. Graças a Nossa Senhora…
(Sr. Guerreiro Dantas: Se conserva a alma com certa leveza, certo aroma, uma boa vizinhança entre essas qualidades.)
E com possibilidades a se adaptar a muito mais coisas ainda. O Márcio, por exemplo, veio me trazendo um menu de um restaurante português. Eu penso — se eu pudesse, se esse resfriado não piorar, etc. —, eu penso jantar nesse restaurante amanhã. Ainda mostro o menu para vocês. É impagável o menu. Tachada de não sei o quê com não sei o quê… Está bom. Chega lá, eu gosto e tenho gosto. Mas vocês viram bem, por exemplo, a paella, o zuquilo do pescador, etc., que elogios debandados de minha parte. Melocotones… homem! Cem coisas, elogios debandados, entusiasmados. Porque, graças a Nossa Senhora, há muita facilidade, muita abertura. Mas que é necessária para o caráter universal da Contra-Revolução, é indispensável.
(Sr. Gonzalo Larraín: Mas tudo, sopa russa, comida francesa, massas italianas, tudo, tudo.)
Por exemplo, comida italiana, como eu gosto da comida italiana! Sem falar da comida brasileira que eu gosto muito, cuscuz, vatapá, feijoada, tudo o mais, gosto mesmo! Sarapatel! Sarapatel é feito de miúdos de porco, um prato pesadíssimo!
(Sr. Guerreiro Dantas: Sarapatel acompanhado com agrião fresco, rabanete!…)
Uma boa idéia! Truculento. Para vencer o sarapatel tem que ser truculento! Só uma coisa não vamos estar de acordo, é que eu gosto de comer sarapatel com arroz. Tem impressão de que você não gostaria.
(Sr. Guerreiro Dantas: Eu gostaria.)
O arroz, eu acho que tem um papel nessas coisas, extraordinário. E depois dá a você o tempo necessário, entre um bocado e outro, de degustar o que comeu e vai comer. Porque o arroz tem isso, que ele assimila os mil sabores da coisa com que ele se mistura. E dada [a] dentada num grão de arroz é uma síntese que você comeu e está comendo de novo. E aí, o arroz é uma coisa formidável. Sobretudo um arroz grande, chamado faísca, um gomoso, este é um arroz maître.
Agora, meus filhos, preciso ver um pouquinho a hora.
(Sr. Guerreiro Dantas: Como entrar dentro da ótica do senhor? Se o senhor pudesse explicitar mais o “Jour le Jour” do senhor, o que o senhor está vendo, como o senhor fez tal ou tal coisa, etc., etc., como era o fundo de quadro, etc., para se compreender melhor quem é o senhor. Parece difícil isso, mas…)
Não. Sobretudo com base na conversa dessa noite, eu creio que não. Se, por exemplo, o João selecionasse um fato ou dois que possa ter havido na semana e fossem fatos mais característicos, eu explicar aqui como foi o negócio e tratarmos do caso, de maneira a compreender bem isso, podia ser, perfeitamente.
Agora, eu estou num tal tropel de uma coisa e outra, que eu ir comentando o que estou fazendo, é impossível. Não há tempo. O corre-corre é tal…
Depois, às vezes, para fazer o comentário é preciso alguns dias de distância.
Não iria bem assim como eu falei? Talvez depois disso se encontraria um outro modus faciendi.
O mais interessante seria alguma coisa que houvesse durante a semana.
(Sr. Gonzalo Larraín: Na linha das reuniões de sábado.)
É. Eu creio que se chega até lá. De qualquer maneira, tenha a certeza de que, o que vocês estão desejando, a Providência dará. Isso de um jeito ou de outro dará. Creiam nisso.
Meus filhos, eu…
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