Conversa de Sábado à Noite – 19/4/1986 – p. 9 de 9

Conversa de Sábado à Noite — 19/4/1986 — Sábado [VF37] (Augusto César)

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é porque no fundo já tinha simpatia. Quer dizer, é uma espécie de ver, de fundo, uma coisa interessante, prévio a qualquer ato. Do conhecer vem uma impostação.

(Nelson Fragelli: Isso é no Grupo ou sempre?)

No Grupo é, mas eu tenho a impressão de que no fundo é sempre, porque quando a gente tem, inclusive indiferença por uma pessoa, a gente olhou e não gostou e nem desgostou, mas há um olhar primeiro que capta, ou a gente imagina que capta fundo e que forma a atitude da pessoa diante da outra.

(Sr. Guerreiro Dantas: Ou um traço muito saliente.)

Um traço muito saliente, qualquer coisa, mas no qual se vê ou tem-se a impressão de ver a pessoa inteira. A gente pode se enganar, por isso eu digo que tem a impressão de ver, mas a impressão é como quem visse. E isso comanda a movimentação de nossa alma, enormemente.

Você vê o Evangelho quando fala de Nosso Senhor, aquele moço bom do Evangelho disse a ele: “Senhor, eu cumpri os Mandamentos a minha vida inteira, etc., etc”, a atitude de Nosso Senhor: “Olhou e amou-o”.

Quer dizer, tomou conhecimento e não é “ouviu o que ele disse e amou-o”. Olhou e amou-o. Quer dizer, ao vê-lo, viu que era verdade, que tinha cumprido sempre os Mandamentos, etc., etc., e amou.

É que as almas no fundo se vêem.

(Sr. Guerreiro Dantas: Ou melhor.)

(Sr. Gonzalo Larraín: Pode ser que alguém sem ter visto outro com os olhos do corpo, pode amá-lo, à distância.)

Pode acontecer. Neste sentido, um homem que a gente vê e ama numa distância enorme é Carlos Magno. A gente sente que a legenda dele exprime a alma dele, e ao ouvir a legenda dele tem a impressão de vê-lo.

(Sr. Guerreiro Dantas: Para São Gregório VII também, uma forma de amor que não se tem para outros.)

São Gregório VII é como você diz, é meio único. E um pouquinho uns ou outros santos têm assim uma presença especial para nós. Santo Inácio muito, São Luís Grignion enormemente, Elias enormemente, São João Batista. Quer dizer, são as tais presenças, os tais conheceres, contactos de alma que explicam muito a gente a própria vida da gente.

(…)

Se quiserem, lembrem-me de mandar ligar o aquecedor algum tempo antes de ir dormir e ir lá [no] quarto dela, e podíamos rezar lá para agradecer as graças que queiram agradecer.

(Nelson Fragelli: Na reunião passada o senhor falava da missão do senhor, da vocação, mostrar Deus nas coisas. E isso a gente vê que tem uma analogia com Nossa Senhora que deu Deus ao mundo. Então, perguntamos se esta visão mística contra-revolucionária não tem algo que vem com o Segredo de Maria e com a vocação de Nossa Senhora.)

É preciso ver bem a palavra “mística” como é. É místico no sentido que o Arnaldo Xavier dizia ter lido num livro de mística, que se trata da mística comum, quer dizer, uma certa dose, um certo grau de vida mística comum a todos os fiéis. E esta vida mística se distingue da mística dos grandes santos. E se trata de um fenômeno desta via mística minor, que fica meio difusa na consideração de todas as coisas. Não é, por exemplo, como Santa Tereza que sobe até a sétima morada, tudo o mais.

Isso posto,…

(…)

quer dizer, isso já estava, em grau menor, já difuso na Idade Média, porque a gente olhando as coisas que eles fizeram, eram todas impregnadas de alguma coisa assim, mas creio que eles não tinham disso uma consciência tão definida como nós, porque eles não tinham tido que combater a Revolução. E quando a Revolução foi entrando, eles deveriam ter percebido e resistido e, de um modo geral, resistiram muito pouco.

A gente fala da invasão da Revolução na Idade Média, Renascença, etc., etc., fala disso e considera muito a força da Renascença. Mas, nós consideramos pouco a debilidade de reação da Idade Média, porque a matéria-prima sobre a qual a Renascença exerceu sua ação foi o pessoal medieval. E esse pessoal medieval parece ter tido uma consciência confusa do que se passava e apresentado uma resistência apenas instintiva, apenas mole, e a impressão que a gente tem. O que quer dizer que eles não tinham esse mesmo senso num grau tão definido e tão agudo quanto nós temos non estimatur mea sed venia. O que leva a crer que, realmente no Reino de Maria isso será muito mais saliente.

Eu falei daquela ordem religiosa, de cavalaria, da Espanha, creio que de Calatrava, que pediu licença para o rei para morar em Madrid, e antes de mudar do convento, destruíram o convento, que era um lindo convento medieval, mas destruíram por ódio da Idade Média e daquelas coisas maravilhosas nas quais eles estavam.

Bem, é uma coisa, para nós, inconcebível, mas que se passou com eles. Como é que isso entrou?

(Nelson Fragelli: Qualquer capela de qualquer sede do Grupo tem qualquer coisa de futuro, de comunicações, de promessas, que catedrais européias não têm, vivo como no Grupo.)

Hoje em dia não tem.

Eu acho que tinha menos do que nós temos. Eu até acho que às vezes, nos meus elogios da Idade Média, eu desconcerto um pouco as pessoas, porque sou levado a atribuir à Idade Média coisa que nós prevemos que serão no Reino de Maria, que a Idade Média já tinha em alguma medida, mas que nós, olhando para a Idade Média vemos o Reino de Maria.

(Sr. João Clá: O senhor é epílogo do que ficou e Patriarca do que vem. Quando comenta algo do passado, o senhor comenta já projetado no futuro.)

Já projetado no futuro.

(Sr. João Clá: E a gente vai constatar, aquilo não é como o senhor comentou, é muito mais.)

E a alguns que estão em fase de antipatia, isto causa nó: não tem precisão, não pegou bem, não teve finura para perceber tal situação, mas não é, é essa visão uma. Eu acho que há disso.

Mas, por exemplo, Saint-Chapelle, quando eu entrei na Saint-Chapelle, eu tive o encantamento que todos tem, mas essa idéia me veio: “como essa gente deixou isto? Como foi possível deixar?”

Agora, no Grupo nós temos também uma decifração de algo, é: como no futuro será possível deixar?

(Sr. Gonzalo Larraín: E como no presente se deixa.)

Porque, quando o Reino de Maria estiver no seu auge, e com esse discernimento tão agudo, como poderá entrar mal? Está bem, mas a gente já vê por coisas que acontecem dentro do Grupo.

Você veja, por exemplo, o Filipe, filho de um casal bom, como foi Da. Julinha e o Ablas, foram Da. Julinha e o Ablas, educado num ambiente verdadeiramente muito bom; ele se desenvolveu naquele ambiente, mas eu me lembro que em pequeno — olhe que foi meu afilhado, eu fui padrinho dele na Basílica do Embaré de Santos, votada à Imaculada Conceição. E, pelo que me dizem, a idéia que eu tenho foi mesmo essa, não tenho idéia muito certa, quando ele estava sendo batizado pelo padre e que eu tinha a ele nos braços, o sino tocou o Angelus. E era normal, era hora do Angelus. Mas é uma muito boa coincidência.

Este haveria de tentar fazer com a “Sempre Viva” o que ele tentou fazer. Quer dizer, como é possível…

(…)

por um “não” muito radical e que nele tinha assim sístoles, no não e o sim, chegar até esse ponto? E ser outro dia, avisar — eu contei a vocês aqui — avisar a mãe dele que ele estava preparando o casamento civil só. Quer dizer, como foi possível?

A gente compreende também as últimas negações, essas já carregadas de ódio, capazes de nascer dentro do Grupo. As últimas perseguições, a gente prever, porque também tem disso do Grupo.

(Sr. Gonzalo Larraín: Em cada um, na medida em que a alma está fechada tem isso.)

Tem isso, aí que está. Então a gente compreender também esse problema no Reino de Maria. Fica-se meio estarrecido. Você não fica meio estarrecido?

(Sr. Gonzalo Larraín: E isso se joga tudo num momento primeiro.)

Num momento primeiro.

(Sr. Gonzalo Larraín: Em caça há disso. Dá-se o tiro, o pássaro voa, e parece que não aconteceu nada. Voa até um quilometro, pousa numa árvore. E antes que se prepare um segundo tiro, ele de repente cai morto. Quer dizer, foi pego num ponto certo, mas resistiu até um certo ponto onde não dá mais.)

Imaginem [que] terrível! Da vida espiritual. É terrível. E depois, é assim mesmo, a pessoa vai indo, vai indo. Se a pessoa diz para ele: “Você está decaindo”. Ele diz: “Não, olha como estou voando. Não é verdade. É mais uma que você está me fazendo; está me acusando de bandeado, quando eu não estou. Olha, vou passar além daquela árvore”. Passa mesmo; vai morrer na outra. É terrível!

Quer dizer, como a gente na vida de Grupo a toda hora está jogando a própria alma. É terrível.

(…)

está aberta a via. Tudo começou com o quê? Um deslocamento, porque ele já ia com um amor menor do que a prova que ele ia sofrer.

(Sr. João Clá: O senhor poderia dar outro exemplo, esse não ficou gravado.)

Querendo eu repito esse exemplo. Então, imaginem um menino piedoso que tem o hábito de, todos os dias, vamos dizer, às duas horas da tarde, acaba de almoçar em casa dele, etc., etc., brinca, etc., e a certa hora ele costuma ir à Igreja do Coração de Jesus para rezar. Reza três Ave-Marias e sai. Mas quando ele entra, ele sente aquela atmosfera toda da igreja que é uma atmosfera muito peculiar. Bem, ele reza, mas quando ele ia entrando para a igreja, ele notou que estava o sorveteiro ambulante e ficou com uma vontade enorme de tomar o sorvete. Nesta hora ele tinha diante de si, antes de ver o sorveteiro, ele tinha diante de si toda a perspectiva da igreja.

Passou o sorveteiro, e aquilo foi… A atenção dele e todo o jogo das inclinações dele foi violentamente desviada para o sorveteiro. Resultado: ele entra e não sente a atração que ele costuma sentir na igreja. Reza as três Ave-Marias, mas reza depressa e sem atenção, porque está na idéia de pegar o sorveteiro mais adiante e ainda tomar o sorvete. Sai correndo, toma o sorvete. Quando ele acabou de tomar sorvete, ele está de tal maneira com o sorvete, com aquilo tudo na cabeça, que ele percebe que, se ele volta para rezar direito, ele já não rezará direito, que não adianta voltar. Então não volta. E sai andando pelo largo, e passa em frente de uma padaria, uma coisa qualquer, tem ligada uma televisão. Tudo é possível naquela hora.

Agora, isso se dá depois conosco em outras circunstâncias, outras ocasiões. É tudo sorvete. O mecanismo é esse. E isso se dá, por exemplo, com a vocação.

Então, por exemplo…

(…)

uma parte detrás do navio, o recôncavo do barco, barco que me parece de bom tamanho, bem pintado, cuidado, não novíssimo, mas com cuidado, e com a parte do assento virada para baixo e a parte de trás virada para cima, que é o natural quando o barco anda de automóvel. E tudo preparado para o sujeito ir para Santos, ou Guarujá, de tal maneira que a vegetação impediria se estivesse colocado em outro lugar, mas colocado ali, era entrada de automóvel, tal, todo mundo que passava, via.

Eu tenho certeza de que, para um número não pequeno de pessoas, a vista desse barco fez o papel que o sorvete faria para o menino. Era… Nem precisa explicar, entra pelos olhos. Era um fim de semana e, portanto, muita gente pensando no fim de semana, olhava para aquilo, nem conhecia o homem, nem sabia se era de um rapaz ou de uma moça, nem sabia nada, ele só viu aquilo. E a partir disso as idéias podiam se desenvolver, desenvolver, desenvolver para um lado onde ninguém poderia saber onde a coisa iria parar. É o sorvete!

(Sr. João Clá: Aqui se aplica a definição de pecado mortal e venial, dada por São Tomás. Que o pecado venial é apenas uma conversão à criatura, mas não há aversão à criatura. No mortal há não só a conversão à criatura, mas também aversão a Deus.)

Que interessante, hein.

(Sr. João Clá: Ele diz que daí vem a pena que nós temos que pagar, ou aqui ou no Purgatório, porque pela confissão é apagada apenas a pena eterna. Digo, a conversão a criatura supõe uma pena temporal. E no mortal existem as duas coisas. Então, existe a pena temporal e eterna. E a absolvição vale apenas para a pena eterna, não a temporal. E é algo que se aplica à vocação. Nas graças de 67 houve um gozo das graças do que reportar-se a. E desse pecado do primeiro foi chegar, em alguns, até o pecado mortal, Felipe, por exemplo.)

É isso mesmo. Eu não conhecia essa distinção. Agora que você está dizendo, tenho uma vaga idéia de ter ouvido falar dela, mas é uma distinção inestimável.

Agora, aversão, o voltar-se para a criatura põe o indivíduo no caminho da aversão a Deus.

(Sr. Poli: O trágico é que não estamos tocados por um sorvete: é um bem que não foi dado a ninguém na História, que a gente troca por um sorvete.)

É, mas tem uma coisa terrível, sabe o que é? É que as almas muito chamadas têm uma atração especial, mas também nesse ponto uma fraqueza especial. O arquétipo disso é o…

(…)

Porque, a todo momento isso atua para impedir ao indivíduo de se entregar a alguma coisa revolucionária e convida para uma Contra-Revolução. A todo momento!

(…)

Quanto mais eles se deixarem levar por sorvetes, tanto mais vai crescendo neles uma zona de ódio, de ódio potencial, que pode explodir de qualquer jeito.

(…)

Eu acho o seguinte: quanto mais funda a ação da graça sobre uma alma, tanto mais — é a impressão que eu tenho, não tenho certeza — tanto mais a alma, a Providência destina a alma que recusa isso à pena do Inferno. E na pena do Inferno eu acho que entra inteiramente isso: o indivíduo que está lá não pode se esquecer de Deus um instante e odeia a Deus o tempo inteiro, donde sofrer tremendamente e culpar Deus do sofrimento dele, porque se ele conseguisse esquecer Deus, ele não sofreria. Ele não pode esquecer e não amar. Então ele fica meio chumbado em Deus.

Agora, todos os que estão no Inferno, quando virem o histórico da própria vida, vão ver que foi isso. E aí vão ter todas as coisas que você pode imaginar, os sobressaltos, horrores, etc., etc., porque em várias vezes, pelo modo como conversávamos no começo da reunião, ele viram a Deus, e viram e não amaram, mas ficaram chumbados. Não se davam conta, mas ficaram.

(Sr. Gonzalo Larraín: Mas aqui é o relacionamento de pessoa a pessoa, do discípulo com o fundador. Isso torna o carimbo da marca mais forte ainda, e com as peculiaridades próprias da pessoa. E isso que eu acho que não se dá sempre.)

(…)

Todos nós sabemos que o Inferno é um lugar de horrores, e temos toda noção de que é, etc., etc., etc. Mas, só outro dia é que me veio ao espírito, à consideração que, quando o sujeito vai para o Inferno sai da Igreja Católica.

Bem, há um chumbar meu n’Ela por onde eu não me explico, eu nem sei o que dizer da possibilidade disso, e que é um pouco parecido com uma situação que não é tão horrível como essa, mas que também é enregelante: é chegar na hora do Juízo Particular e esperar, ver Nossa Senhora tomando posição por mim. Não toma, chegou a hora de julgar. E eu que já vou me aproximando d’Ela… Você até mudou de lugar na cadeira, de tal maneira é terrível. Mas sentir que naquela hora de justiça e que [a] Mãe de Misericórdia não tem uma palavra, não tem um olhar para mim, Ela está me olhando com um réu, e o Justo Juiz vai se pronunciar sobre mim; estar diante de Nosso Senhor Jesus Cristo e Ele não tem bondade comigo, está me julgando; o Espírito Santo que me deu tantas graças também está tudo parado, estou sendo julgado, o Padre Eterno, está tudo… E eu estou só ali sendo julgado, a gente tem a impressão que o ser se aniquila. Mas não pode nem desintegrar!

Quer dizer, essas uniões são muito mais profundas do que a gente imagina. Não é sair da Igreja Católica porque discordei de tal ponto, porque papá, papá, papá. Mas é porque o sair da Igreja Católica uma coisa… Mas é um Inferno! Já é o Inferno, não é possível!

Quer dizer, é uma penetração da luz da graça, que é uma luz sobrenatural em nossa alma que é natural, é uma penetração tão profunda, tão profunda que ao sentir que aquilo se desune, é um estraçalhamento inenarrável! E que leva a gente a ter noção de alguns episódios da História Sagrada como, por exemplo, Adão e Eva saindo do Paraíso. Pecaram e entra aquela torrente do pecado original e se estabelece neles, e eles perdem o domínio das coisas, eles ficam “pocas”, ficam burros, ficam feios, a natureza se revolta, e revolta, e Deus manda para fora. E ainda tem um pingo de bondade, porque costura uma roupa para eles.

Bem, apesar disso, o tombo inteiro é quando Eva percebe Abel morto. Não sabiam o que era a morte. Sabiam que iam morrer, mas como era? E o primeiro morto [que] ela viu era morto por um outro filho dela.

Vocês já imaginaram no coração de um pai ou de uma mãe, ver um filho que outro matou?

(Sr. Fernando Antúnez: E matou por culpa deles, o pecado original.)

Matou por culpa deles, mas ela ver que ele é o culpado, é o pior! Então ela é mãe de um assassino? Nasceu essa víbora das entranhas dela? E, mais ainda, ela tem obrigação de querê-lo bem, de rezar por ele! Como é?

São coisas que… Nós estamos habituados a dimensões por assim dizer, muito burguesa das coisas. Nós estamos habituados a isso. As grandes dimensões das coisas, nós não estamos habituados a ver. As vemos do jeito com que esses entes que andam pela rua vêem.

[Vira a fita]

espiritual, tem uma realidade e tem uma força à maneira das coisas materiais, mas mais forte do que as coisas materiais. O que você sente perfeitamente quando você considera uma pessoa, por exemplo, como São Francisco de Assis que acaba ficando parecido fisicamente com Nosso Senhor. Como se explica uma coisa dessas? É um milagre, mas é um milagre que se insere numa coisa sapiencial, ordenativa, como é que é?

É uma união que a gente não tem idéia de como é. E assim são as uniões entre as almas, e tudo o mais, é uma coisa impressionantíssima.

(Sr. Gonzalo Larraín: Na TFP isso se dá de modo especial.)

Muito, muito especial.

(Sr. Gonzalo Larraín: Agora, o que se dá com o senhor em relação à Igreja, pode não se dar com outros, porque a graça para o senhor é grande…)

A pessoa não percebe, porque é menor nela, mas também se dá.

(Sr. Gonzalo Larraín: Mas se dá de modo menor.)

Muito menor, mas dá-se.

(Sr. Gonzalo Larraín: E nós com a TFP, a união é imensamente grande.)

Imensamente, imensamente grande, muito mais do que na família. O sujeito romper com toda família não é o drama que é o romper com a TFP. Isso não tem dúvida.

(Sr. Gonzalo Larraín: Esse laço o senhor poderia falar algo?)

Numa tentativa de responder o que você pergunta, eu diria o seguinte: há na união sacerdotal, há qualquer coisa por onde o padre, para ser pontífice e celebrar dignamente a transubstanciação e o sacrifício, para ele dar a absolvição, etc., para isto ele é ungido como um altar, e fica toda a pessoa dele com uma ligação com a graça, de algum modo, se torna ontológica, como é o papel da graça com um objeto da água, por exemplo, a água benta, dir-se-ia ou é mesmo — não sei bem — que a bênção de Deus fica difusa e imanente dentro da água. E se bem que a bênção de Deus seja algo de sobrenatural e a água algo de natural, não há quem separe a benção de dentro daquela água. Ficou uma coisa que é como a imagem, vamos dizer aqui, essa coisinha aqui: assim como está emparafusada, a gente pode pôr um tanque de um lado e outro tanque de outro lado para puxar em sentidos opostos, é possível que isto rompa por aqui, mas aqui, dentro dessa rosca continua unido, porque é uma entrosagem que não se rompe.

Bom, e algo disso existe quando Nosso Senhor fala da união matrimonial: serão dois numa só carne. Também é, de outra maneira, alguma coisa dessa existe. É o sacramento.

E a união para uma mesma vocação religiosa, sem ter esse caráter sacramental, pode ter analogias extraordinárias que se trataria de aprofundar, mas das quais experimentalmente nós conhecemos alguma coisa pelo que se passa em nós. Aqui ficam postas umas pontas de trilho para serem estudadas eventualmente. E seria um lindíssimo estudo.

E eu creio que se liga muito à questão da troca dos corações, tem muitíssima relação com isso. E mesmo o aspecto que seria preciso ter em vista para fazer bem o estudo da troca dos corações, para compreender bem.

(Nelson Fragelli: Esse sentido deve ser feito observando as relações no Grupo, creio.)

Eu acho que sim. É como o sujeito que fosse estudar a instituição da família sem [em] nenhum momento ter em vista a sua própria família. Como é possível? Não vai. A gente vai aplicando aquilo ao que conheceu na própria família, ou conhece na própria família, cahin-caha, com mais vantagens ou menos, conforme a família for mais excelente ou menos, mas vai.

(…)

(Sr. Guerreiro Dantas: A graça dada ao senhor e o senhor explicitando,isso é que exerce a atração nossa pelo senhor, é isto?)

Quando uma vez eu estava mostrando… Você sabe quem foi a Madre Letícia, não sabe?

(Sr. Guerreiro Dantas: Sim.)

A Madre Letícia estava visitando comigo a sede da Rua Pará, e eu estava mostrando uma coisa e outra para ela, etc., e chegamos à Sala do Reino de Maria.

Mostrei para ela aquilo tudo, dei explicações a ela, mas como quem explica. Ela estava ouvindo assim, mas eu não me tinha dado conta de que ela, que era uma pessoa inteligente, estava menos prestando atenção na Sala do Reino de Maria do que em mim, enquanto explicando a Sala do Reino de Maria para ela. E eu não me dava atenção, inclusive porque ela não estava voltada com a cara para mim usava aquela coisa de freira, que não dava, ela teria que voltar muito a cabeça para me olhar, e não estava fazendo isso. E eu tinha, com isso, a impressão de que ela estava muito concentrada no que eu dizia. Eu percebia que ela estava atenta.

Porque eu pensei: “ela deve estar achando muito bonita a ordem do universo, etc., os losangos, os círculos, tudo”. E ela disse assim, num tom de voz que era meio uma reflexão dela e meio uma coisa que ela queria que eu apanhasse, mas que ela não queria carregar muito. Ela disse: “No Céu, o senhor é feito para amar eternamente a ordem do universo”.

Quando ela disse, eu senti aquele: é mesmo! Que eu disse que senti há pouco quando você fez aquela pergunta. Quer dizer: é. E nunca mais isso me saiu do espírito, porque eu não tinha me atrevido a perguntar o que é que no Céu eu sou chamado a fazer. Contanto que eu chegue lá, já é uma felicidade. Agora, lá depois eu verei, Nossa Senhora me dirá que juros ela pôs nesse fraco capital, mas eu vou tocando.

E comecei a pensar sobre o caso, e acho que você tem toda razão, apenas com uma circunstância que é a seguinte: você descreve a ordem do Universo como um círculo, e de fato é um cone. E que o princípio monárquico, no seu sentido metafísico e não político, o princípio monárquico está no alto desse cone, e que eu tenho uma tendência insaciável para querer que as coisas sejam mais altas, sejam mais elevadas, sejam mais nobres, em todos os sentidos da palavra, em todas as matérias, uma tendência para o subir e para obrigar as coisas a subirem, eu tenho continuamente, junto com essa reversibilidade. E que, no fundo, é a tendência para Deus Nosso Senhor, aquela elevação suprema, incomparável, isso, aquilo, aquilo outro, para a qual todos devemos tender.

Então acontece com freqüência, comigo, pegar monumentos que eu elogio muito. E, olhando o monumento com atenção, eu percebo que é, mas que não foi feito daquele monumento aquilo inteiro que devia ter sido feito. Eu vou ver o que é, devia ser mais alto nesse ponto, naquele, naquele ponto. Tem sempre, eu tenho sempre qualquer coisa de mais alto a propor. Mas é com tudo.

Você me dirá: “Mas com Notre-Dame é?”

Não. Com Notre-Dame não é, mas me fica na idéia de uma catedral mais alta, na qual se poderia ser e deveria ser mais alta que Notre-Dame. Aquela só pode ser daquele jeito, mas não haveria uma arqui-Notre-Dame, feita assim, isto, aquilo, aquilo outro, que levaria mais alto aquele plus ultra? Aquele plus ultra, aquele mais alto é um movimento contínuo do meu espírito junto com esse inter-relacionamento.

E a atração que essa totalidade causa seria completa se ela fosse também para a sublimidade que está no centro e no alto dessa totalidade, que não é um movimento circular em plano, mas é um cone. Ali sim estaria eu. Quer dizer, não estaria no cone, sou uma poeira nesse cone, mas o que quero dizer: o élan de minha alma é para isso.

Então, eu estava vendo outro dia a Torre de Belém, eu elogio tanto a Torre de Belém, mas a Torre de Belém que eu elogio é uma Torre de Belém um pouco mítica, que seria mais alta, mais garbosa, e a que historicamente existe, eu vejo nela uma Torre de Belém que seria à maneira Reino de Maria, e, portanto, com aquela planta, com aquilo tudo, mas mais esguia, mais alta, janelas mais altas, o próprio edifício mais alto. Não é o mais o alto do arranha-céu. Não sai do chão. O arranha-céu levanta o chão até onde devia, mas ele não sai do chão, é uma porcaria. É a revolução do chão que não quer ser céu, e que quer, entretanto, mostrar ao céu que chega até lá, não vale nada, é uma revolução do chão.

Bem, mas é essa tendência a intervalar a reversibilidade, uma certa reversibilidade em todas as coisas, mas que sobe insaciavelmente para o mais alto, mais alto, mais alto. Ali vou eu.

E as pessoas implicam com ambas as coisas. Implicam com essa totalidade, porque a totalidade leva-as a se darem. E, pelo contrário, quando consideram fragmentariamente, elas transformam aquilo no sorvete do menino do Coração de Jesus. O “meu” palácio, o “meu” automóvel, a “minha” coisa, mas é a minha donde Deus não está, da qual eu sou o deus.

[Duas linhas ilegíveis]

a atração da totalidade, você falava de uma coisa que arranca o sujeito de si mesmo, de tal maneira isso é assim.

Bem, então muitos odeiam isso. E outros odeiam ainda com mais força a supremacia, a mais alta supremacia. E aí você tem a Revolução. A pessoa não tolera isso.

E isto causa ou um encantamento, porque a pessoa se sente junto levada para esse mais alto, ou uma reversão, um ódio. E também com essa reversibilidade, o sujeito ou se empolga ou tem ódio.

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