Conversa
de Sábado à Noite (1ºAndar) – 9/3/1985 –
Sábado (Rolo VF27) (Jorge Doná) – p.
Conversa de Sábado à Noite (1ºAndar) — 9/3/1985 — Sábado (Rolo VF27) (Jorge Doná)
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(Sr. Guerreiro Dantas: Da última reunião nasceram várias perguntas.)
Isso é bom. A frutificação de uma reunião são as muitas perguntas…
(…)
…eu posso até repetir. A análise do fenômeno revolucionário levou-me a consideração, por toda uma série de raciocínios, de que na ordem espiritual e na ordem temporal, portanto, Igreja e Estado — mas, Estado tomado no sentido amplo da palavra; não é apenas o Estado-governo, mas é a sociedade temporal —, nessa dualidade admirável posta por Deus, há uma coisa que os tratadistas tem tratado, mas não tem presente uma coisa quando eles tratam da outra.
Eles tratam muito da reversibilidade das duas ordens. Por exemplo, Santo Agostinho quando fala que tem o rei perfeito, tatá, tatá, tem a sociedade perfeita, ele trata dessa reversibilidade porque, se nós examinarmos o contrário, nós temos o caos completo.
Depois tem os tratadistas do direito natural, que tratam da Igreja e do Estado como duas sociedades perfeitas, instituídas por Nosso Senhor, cada uma com seu próprio governo, de maneira que o assunto mais ou menos está tratado. Mas não foi visto até o fim. Não está presente habitualmente aos espíritos quando se ocupam dessas questões, o seguinte fato: é que quando o Estado está muito gravemente enfermo, estão criadas as condições de filtração dos males deles para dentro da Igreja que podem constituir para Igreja um grave perigo.
Eu digo intencionalmente “um grave perigo” porque, como ela é uma sociedade que é o princípio de vida sobrenatural, o perigo, por maior que seja, se ela quiser se defender, ela tem com o que se defender vitoriosamente. Ela é mais nobre do que os Estados e tem todos os meios de vencer a ação nefasta da sociedade temporal. Mas não deixa de ser verdade que é para ela um perigo muito grande.
Agora, pelo contrário, quando a Igreja está apenas mediocremente constituída, já a sociedade fica em condições em que, facilmente, ela engendra a podridão, por um processo de decadência, ela engendra podridão.
Não é, portanto, dizer que a podridão dentro da Igreja engendra a podridão do Estado. Isso não é normalmente a verdade. É verdade, mas, uma verdade mais tênue e mais precisa é está: a simples mediocridade dentro da Igreja já faz degenerar toda a ordem temporal. Não de imediato, mas dentro de um certo tempo faz.
Daí decorre uma coisa que é a seguinte: é verdade que cada ordem destas, por ser uma ordem autônoma, independente, soberana na esfera própria, cada ordem tem o direito de se governar a si própria. Mas como se fica vendo que há inter-relações vitais entre uma ordem e outra, e cada ordem têm o direto de velar pelas suas condições vitais, acontece que há circunstâncias em que a Igreja, para a sua própria sobrevivência, pode intervir no Estado.
E não é só quando o Estado faz leis contra o direito natural diretamente — isso é uma coisa óbvia: pela glória de Deus, a Igreja deve impedir o Estado de fazer isto —, mas, é quando as condições gerais do Estado criam uma situação que ameaça a Igreja. Já aí, a Igreja tem o direito, para sua sobrevida, de intervir.
Eu dou um exemplo: imaginem que a Igreja… Não… que o Estado faça, de repente, uma reforma de ensino e que essa reforma de ensino relaxe muito a aplicação, o esforço que é pedido dos alunos no estudo das matérias meramente não-religiosas. Daí pode decorrer facilmente para os costumes um relaxamento, por via remota, pode espalhar-se por todo o corpo social. Quando chegar a esse ponto, a Igreja se encontra às voltas com o pastoreio de um gado, de um rebanho, doente e gravemente doente.
Ela tem ou não tem o direito de intervir naquela legislação de ensino, enquanto temporal, portanto, enquanto ensinando Álgebra, Geografia e o que for, e dizer: “Isso não pode ser porque cria um relaxamento na alma, o qual, relaxamento de alma, vai me pôr em risco”?
Mas, também, quando um Estado se encontra na situação, por exemplo, em que se encontrou Luiz XIV. Imaginem que Luiz XIV tivesse aceitado o convite do Sagrado Coração de Jesus, [e] ele quisesse tomar a peito a salvação da Causa Católica, da Cristandade, etc., etc.. A grande maioria dos Bispos era galicana, meio jansenista — a grande maioria era galicana, uma parte era jansenista — e o Papa consideravam isso com certo relaxamento, certa indiferença, boa vida em Roma, etc, estavam percebendo que até a França romper com Roma levaria muito tempo, podiam deixar para os continuadores deles que descasassem o abacaxi… Eles levaram a vida cômoda.
Luiz XIV teria ou não teria o direito de exigir que esse galicanismo e esse jansenismo fossem reprimidos enquanto nocivos para a ordem temporal?
Bem, isto tratado assim, essa pergunta, eu não vi. Aqui está uma reversibilidade que ocupa um papel inteiramente central nas nossas cogitações, e pode ser que a gente encontre em São Gregório de Nissa, em não sei que doutor, São Carlos Borromeu, doutor de D. Mayer, etc., se encontra isso tratado. O comum das pessoas católicas cultas, não é dizer que não conhecem a solução, não conhecem o problema. Esse problema como [eu] aponto, não conhecem, não tem idéia. E para nós esse é o problema central de toda a nossa elucubração.
Outra, o Estado… quer dizer, o Rei, o Presidente da República, Ditador, o que for, mas, o que detém o poder temporal nas mãos, ele não deve intervir fora da esfera que é própria ao Estado, segundo o direito natural, cuidar, e deve deixar que a sociedade por si faça o resto. Nós estamos fartos de saber disso. É por isso que nós não somos socialistas.
Mas, a História provou que, por exemplo, em tese, o Estado não deve intervir na indumentária de seus súditos, a não ser quando ela choca a moral. Mas, que certos sistemas indumentários que se adotam, de repente introduzem no país um certo estado de espírito e que esse estado de espírito vai prejudicar gravemente a composição do espírito da nação. O Estado tem ou não tem o direito de intervir para salvar a si próprio de uma derrocada?
Então eu imagino isso: mais ou menos para o fim do Ancien Régime, começou a cair em abuso que os nobres usassem espada e também em desuso o chapéu de três bicos. Começou [a] ser substituído por uma espécie de cartolina, que é típica do chouan, com fivela na frente. Cartolina até elegante, não tem nada de comum com as cartolas de pêlo preto, funcionária funerária, do século XIX, mas muito bonitinha. Mas, que já não tem a graça, a distinção do chapéu de três bicos.
Isto, sobre toda a indumentária produz um efeito; com o não-uso da espada vai longe… O nobre que não usa mais a espada entra nas comodidades da vida civil a tal ponto que ele não ousa mais carregar um objeto que é a honra dele. É um pouco incômodo, não tem dúvida nenhuma, mas é a honra dele!
Bem, o Estado tem ou não tem direito de intervir nesses costumes e impedir que se faça isso, por uma razão de ordem psicológica?
E aqui nasce outra questão: se o Estado tem o direito de intervir na sociedade, a Igreja, a esse título, tem o direito de intervir também.
Dou outro exemplo: o príncipe de Krü — cujas memórias burras eu estou lendo — conta o seguinte: acabava de ser introduzido no exercito francês — talvez uns vinte anos antes da Revolução —, acabava de ser introduzido no exercito francês o sistema da disciplina militar alemã, prussiano, propriamente. E ele diz: “O exército ganha enormemente — é o advérbio que ele usou — infinitamente com isso do ponto de vista militar. Mas esta forma de disciplina tira aos franceses, digo, diminui os franceses no jato de sua vontade.” Eu acho que isso não saiu da cabeça dele. Isso é conversa que ele ouviu e que ele registrou. Mas, enfim, o que interessa é o seguinte: a Igreja poderia dizer: “A introdução dessa disciplina cria problemas remotos para mim e eu veto que você use no seu exército a disciplina alemã!”
Note que o rei poderia responder o seguinte: “Tudo isto está muito bem desde que você me garanta as fronteiras que vão ser atacadas dentro de pouco e que vão ser atacadas no sistema alemão; não é no sistema chinês. Agora, o que você quer? Que por causa do jato de vontade que eu ponha dentro deles uns chafarizes de vontade para fazer face a isso?”
Essa é a questão. E isso agora poderíamos dizer da parte da sociedade, porque eu estou fazendo uma espécie de tripé: Igreja, Estado, sociedade. Eu poderia ainda enriquecer muito a exemplificação. Mas não é o caso por que isto comportaria um simpósio, uma coisa dessas.
(Sr. Fernando Antúnez: Fenomenal.)
Fenomenal não. Não há tempo.
Bem, a sociedade poderia tomar a seguinte atitude: “Você introduziu a rigidez do exército prussiano no sistema militar. Isto vai repercutir no modo de ser da nobreza que é a classe militar, nos organismos representativos da nobreza. Enquanto classe da sociedade tem o direito de se defender contra seus desfiguramentos porque se “homine ens apetit sun esse”–– “cada ser apetece o seu ser” —, cada ser tem o direito de se defender. A nobreza existe, ela tem o direito de se defender como força social. Nós estamos aqui para dizer que nós queremos ser ouvidos em tudo quanto possa atentar para integridade da primeira classe da sociedade temporal do reino. Então, nada se resolverá sem ouvir o conselho da nobreza, os pares de França, por exemplo.”
Por outro lado, se se for atender a isso tudo, nada anda. Porque se para adotar um regulamento militar é preciso reunir um concílio e reunir uma representação da nobreza, e qualquer desses dois podem de tal maneira atravancar o negócio, que esse é um Estado derrotado.
Está bem. Mas se nós, então, dizemos: “Cada uma dessas três ordens anda como entende”, então nós dizemos que não há ordem.
Alguém dirá: “Mas como é que isto andou tão bem no passado?”
Precisamente não andou! E exatamente o contrário: as coisas se desatarraxaram porque eles não chegaram a ter uma idéia dessas reversibilidades que fazem parte profunda do nosso pensamento.
Então veja, por exemplo, o seguinte: na praça do Campidoglio de Roma tinha uma estátua de Constantino à cavalo — não tenho muito por certo que aquele tenha sido Constantino ou se não é algum imperador pagão… Mas, enfim, a legenda diz que é Constantino — uma estátua magnífica, do arco da velha, sem nenhum dos exageros da Renascença, é uma coisa fabulosa. Bom, tira-se de lá com o pretexto de que está sendo erodida por não sei que poluição; é mandada para dentro de uma caixa, que se chama sala de museu, e se põe uma cópia naquele local.
Mexer no Campidoglio é mexer, sem nós percebemos, na alma de todos nós. É preciso ter sufrágio universal para poder mexer na estátua do Campidoglio? Agora, nós não temos o direito de intervir?
Não sei se percebem que as inter-relações — no plano que a TFP considere as coisas —, as inter-relações das várias ordens têm uma complexidade; é preciso dizer também “uma nobreza”; é preciso acrescentar “uma beleza”…!
Vocês, sem dúvida, estão agradados com a beleza, problemática linda, que eu fico condenado a considerar sozinho por falta de interlocução, porque nós gostamos de conversar as besteiras que vocês todos conhecem, mas que é uma problemática que, o espírito que entra por essa problemática adentro, ele se eleva, ele voa. E depois, outra coisa: se quiser amanhã pode pôr isso para qualquer teólogo, pode pôr para qualquer jurista — senta o homem no chão!
Agora, acontece que quem me fez ver isso até o fundo foi a Revolução. Quer dizer, eu vi que a Revolução articulava por um governo invisível mas, que dirige todas as coisas, articulava todas essas coisas para as finalidades dela. E que — não me levem a mal o que há de carregado no que eu vou dizer — os que não sabiam o que eu estou dizendo eram cegos! Incapazes de tratar de qualquer questão! Quer dizer, vai você aconselhar um rei — ainda que seja rei absoluto, mas, a quem você não possa expor a situação —, vá aconselhar a ele lutar contra a Revolução. Ele é incapaz, ele é incapaz de ver qual é o adversário que está diante dele. O que você pode fazer? Mas, idem com o Papa.
(Sr. Gonzalo Larraín: Não tem jeito.)
Depois, não tem jeito mesmo! Agora, com isso há reversibilidades sem fim. Eu vou dar uns dois ou três exemplos assim numa palavra só. Por exemplo: a classe artística de uma sociedade, o mundo artístico. Vou me jogar no chão de tão baixo nível, mas, o Tancredo foi agora visitar os artistas do Rio. É um presidente que sentiu que tem sentido visitar os artistas de uma sociedade. Mas, é evidente que esses banqueiros de São Paulo não sentem isso. Eles sentem necessidade de conversar com os banqueiros. Não acho isto; eu acho que é a última conversa.
Bem, meus amigos, meus filhos contra-crismados pela Bagarre azul, pelo contrário, acha que o banqueiro é importante e que o intelectual é secundário, o artista é secundário. Ora, isso é uma coisa de uma importância fundamental.
Que um rei diga para a rainha: “Lidera a alta costura de meu país.” Se ela não liderar, ela não é rainha.
Bem, como é que isso se entretece? É uma tal, tal complicação e forma uma floresta tal, que eu sou levado a achar… mas, eu não tenho certeza. Veja bem o que significa “sou levado a achar”, não quer dizer que “acho”.
Essas reflexões, de si, me levariam às seguintes considerações: que a visão destes problemas –– e assim há muitos outros –– excede os espíritos humanos muito bem dotados, comuns. Se você tomar um homem muito bem dotado, comum, e você dizer a ele o que eu estou dizendo, na melhor das hipóteses, ele chegará a compreender; na melhor das hipóteses! Mas se ele compreender, ele cai no desânimo à vista da inutilidade de tudo quanto ele faz; ou fica meio gato-louco e começa [a] intervir em tudo. Mas, então é um búfalo que você solta dentro de uma problemática delicada: lá vai um búfalo para dentro. É um búfalo, aquele que tem chifre na ponta do focinho, não é?
(Sr. –: Rinoceronte.)
Rinoceronte, eu queria dizer rinoceronte. É um rinoceronte que você solta nesse negócio. Quer dizer, é uma coisa horrorosa!
Bom, o que fazer diante de uma coisa assim no Reino de Maria, in correto?
O que eu estou dizendo aqui, essa pergunta, equivaleria um pouco ao seguinte: a dizer que um país não pode viver sem música –– é verdade, um país não vive sem música –– e que, para tocar a música de um país é preciso ter senso musical e que deveria haver uma elite musical guiando a música do país, do contrário, toda a alma do país se desatarraxa, etc., etc..
De fato a Providência dá a alguns seres uma coisa chamada senso musical que Ela deu a esses seres de um modo muito mais acentuado que o comum, sem que necessariamente eles fossem muito maiores do que o comum. Isso é o senso musical. A esses, Ela pede uma tarefa especial que pode até ser robustecida pelo sobrenatural.
Por exemplo, no que diz respeito ao desenvolvimento da música sacra. Eu creio que a verdadeira música temporal católica teria nascido da música sacra como Eva nasceu de uma costela de Adão, se não tivesse havido a Revolução. Teria sido um desdobramento.
Então, o senso de ver isto é uma coisa à maneira do senso musical. Não porque pareça com a música em nada, não é isto, mas como senso faz atingir com mais finura toda uma ordem de realidades que o comum dos homens não atinge e faz cobrir uma faixa de necessidades que o comum dos homens não cobre, sem que necessariamente os homens dotados para isso sejam muito maiores, como os músicos não são necessariamente homens muito maiores. Podem haver uns músicos fabulosos — esses então serão homens muito maiores —, mas o desnível entre o senso musical do comum de um músico, esse desnível já é um desnível bem grande no plano musical.
Essa resposta parece responder com bom senso e com muita maturidade a uma pergunta inextricável.
Mas, agora entram duas coisas que embelezam mas, complicam o problema. Primeira é: se se vai perguntar até que ponto a música independe do sobrenatural.
Em princípio, música enquanto música pode independer do sobrenatural. Num país católico não pode ser assim. A música precisa tem um certo influxo sobrenatural, mas, um influxo ancilar, um influxo colateral; ajudando, uma coisa natural, a que no seu campo próprio se desdobre. Pode ser que, por bondade de Nossa Senhora, entrem graças muito maiores e dêem a música um socorro sobrenatural muito maior, mas não é indispensável. A ordem comum se realiza com um socorro assim da graça nos países católicos.
Mas para esta especialidade, para este senso musical, é preciso tem uma limpidez de doutrina, é preciso tem um senso católico para perceber bem as correlações, é preciso ter, com isso, uma ajuda da graça toda especial porque a matéria é uma matéria pinacular. E ela, sim, coloca quem está cuidando disso numa posição que é muito maior do que a do músico e do comum dos homens. Aí começa o problema.
Portanto, aqui está, a bem dizer: situei o problema e descartei aspectos colaterais, pus em ordem a base do monumento, mas não é o monumento, o monumento começa aqui.
Então, se nós imaginamos um veio de pessoas particularmente favorecidas pela graça, em ordem à Providência, para manter neste enredado a ordem necessária — e isto então comporta aspectos doutrinários, comporta um discernimento das circunstâncias práticas e até um discernimento dos espíritos nas massas da população —, uma obra que fosse chamada a fazer isto, essa obra seria uma obra que teria graças especialíssimas e que a colocaria numa posição que seria de liderança de tudo quanto no agir dos homens, na matéria espiritual e temporal, fossem de importância muito grande.
E se nós fossemos ver a finalidade dessa obra, ela teria –– ao menos me parece –– uma missão de guia, que é a missão especifica dos Profetas.
Agora, como é que uma obra assim se classificaria diante das duas sociedades? Essa é uma terceira consideração.
Para a gente compreender bem o alcance dessa terceira consideração, seria preciso que, por nossa vez, nós entrássemos num ponto mais profundo. O ponto mais profundo é o seguinte: eu tenho a impressão que o Reino de Maria vai ser solidíssimo, magnífico, glorioso, mas que ele vai ter, como punição para os homens, uma espada de Dâmocles suspensa sobre a cabeça. Nas mais brilhantes festas dele, nos triunfos mais esplendorosos, essa espada de Dâmocles está presente: se ele em alguns pontos do igualitarismo, do orgulho ou da sensualidade, ele entregar os pontos, ele cai imediatamente! Não leva quatrocentos anos, quinhentos anos caindo… Ele vai para o chão! É preciso notar isso para compreenderem então a tarefa particularmente delicada dessa ordem. Quer dizer, ela é ultranecessária. Não se pode deixar que as coisas corram [à la bouna?] como correram outrora, com os homens meio vendo, meio não vendo isso. Mas era ultra necessário.
Então, qual é o papel desta ordem? Quer dizer… digo… não a ordem espiritual e temporal; é da obra, da associação de homens incumbidos disso; qual é o papel dela?
Eu diria o seguinte: que, normalmente, se uma coisa pode, muito importante, tanto pode ser feita pela Igreja quanto pelo Estado; o normal é que seja feita pela Igreja. Porque, o que é mais nobre, fica com a preferência; e a Igreja é mais nobre que o Estado. Mas não é impossível que, por certas razões, isto seja feito por pessoas que estão na ordem temporal e não na ordem espiritual.
Por exemplo, uma manifestação de tristeza da Providência diante da conduta do Clero na preparação de tudo quanto está aqui. Se compreenderia. De maneira que se compreenderia não que isto fosse de uma terceira ordem –– não há uma ordem mista, espiritual, temporal –– mas que fosse uma ação da Providência, a partir do estado não-eclesiástico, sobre a ordem civil e sobre a ordem eclesiástica, por um desígnio da Providência meio excepcional, à vista das circunstâncias que conhecemos.
Agora, uma vez que esse desígnio se afirma para uma determinada obra, como fica essa obra em matéria de supremacia?
Esta é uma outra coisa muito delicada, porque essa obra tem, no fundo, uma supremacia. Mas, de outro lado, também é verdade que nós não podemos imaginar que o poder espiritual e o temporal funcione nas mãos dessa obra como isso funciona nas minhas, porque isso seria negar a doutrina e seria intoxicar esta ordem com todas as ambições, embrulhos, inerentes à ordem temporal, com todo o fardo da politicagem que é uma ganga que dificilmente se dissolidariza da ordem temporal; e seria prejudicar esta ordem também se ela fosse para o lado espiritual arrancando-a de dentro do lado temporal, que fica mais desprotegido, mais desguarnecida para nova ofensiva do adversário. Porque a nova ofensiva do adversário está clara: será sempre fazer uma desordem temporal que arranque à Igreja a possibilidade de intervir e onde ele monta um dispositivo de ataque à Igreja.
Então a gente deve admitir que esta obra é uma obra que está fora do jogo das duas supremacias, ela está fora dessa comparação e ela tem a missão de indicar –– é o que eu tenho dito sobre o Profetismo ––, é uma obra profética e que tem a missão de indicar a caminho a Reis, Pontífices… Aliás, na ordem exata: a Pontífices, Reis, povos.
Aí de quem não ouça! E assim, num terreno extra oficial, ela é suprema. No terreno oficial, ela não é suprema. Ela é como que portadora de uma revelação particular gravíssima e não de uma revelação oficial.
Em rigor, vocês sabem que, por exemplo, na Idade Média houve uma Ordem religiosa de trabalhadores leigos que se incumbia de refazer as pontes romanas que os bárbaros tinham deixado cair, para que pudessem circular os homens, etc., etc.; e por causa disso chamavam-se “pontífices”. Ora, fazer ponte é da ordem temporal; apareceu uma ordem religiosa de leigos para fazer algo da ordem temporal. Apareceu na Idade Média uma Ordem religiosa de frades para fazer algo meio temporal, meio espiritual, que são as Ordens de Cavalaria.
O que é uma tarefa de rechaçar, uma Cruzada, como tropa da Igreja, é uma tarefa espiritual ou temporal? Uma Ordem de Cavalaria é espiritual ou temporal? Ao menos para mim, como conheço muito pouco a matéria, é muito difícil de definir.
Nós podemos admitir, portanto, facilmente que uma Ordem gozando dos privilégios de uma Ordem religiosa — com uma independência interna que uma Ordem religiosa não tem — fique com as autonomias com relação à ordem temporal — que a ordem temporal também normalmente não comporta — para a execução de sua missão profética [e] tenha, como que, uma soberania que é muito pequena quanto a território — e só se exerça sobre si mesma —, e, para foros externos, aí de quem não ouvisse a palavra dela!
Agora, incumba a ela saber mover de tal maneira os espíritos que a palavra dela fosse decisiva: não há um decreto, não há um regulamento, nem nada. Se ela tiver a graça, ela governa os espíritos; se ela governar os espíritos, extra-oficialmente ela governa o curso da História.
[Vira a fita]
Parece que isso se compõe e se acerta muito…
(…)
…nós devemos invocá-la ainda mais como Mater et décor Carméli. E ultimamente tenho começado a rezar, por mim e por nós, a Ela com a invocação de Regina Profetarum, ora pro nobis!, exatamente porque ela é a Rainha de todos os Profetas e está… nem sei o que dizer. E porque eu acho que por causa desta não-definida relação pessoal entre nós, vocês são chamados a participar do Profetismo de um modo ainda talvez mais íntimo, e mais interno e mais pessoal — porque eu estou em jogo — do que vocês imaginam. E que, portanto, rezar por mim e por todos nós Regina Profetarum, é uma esplêndida invocação que eu recomendo a vocês.
Bem meus caros…
[Oração da Restauração, jaculatórias à Sagrada Imagem]
Ela não é, até certo ponto, enquanto Nossa Senhora de Fátima, Regina Profetarum nesse sentido? Ela não é a grande Profetisa da Bagarre e do Reino de Maria, dos acontecimentos do Novo Testamento para cá? É uma pergunta.
[Cumprimentos]
Notem uma coisa curiosa que é muito baixa de nível, mas é assim: é que o Fedeli me disse que ele teve várias vezes tentação de pular o muro do Êremo de Elias e com um machado na mão quebrar aquela coluna e cadeira de Elias.
Sabe por quê? Porque é gnóstico aquele desenho que tem atrás.
(Sr. João Clá: Ele sente que de lá vai sair uma increpação por cima dele.)
Ele me disse que era gnóstico e eu contei a ele que era do trono de São Leão Magno e disse a ele que tinha fotografia. Se não me engano até num dos encontros com ele mostrei. Aí ele ficou quieto. Mas convencido não sei.
(Sr. João Clá: Ele põe na carta isso.)
Pôs na carta? Não me lembrava mais.
(Sr. Poli: Podemos oscular o quadrinho?)
Pode.
(Sr. Poli: Na mão do senhor?)
Acho um pouco puxado. Osculem vocês mesmo.
Olha, como é obstinado meu Coronel, hein. Olha lá… olha que saída! E o pior é que a gente não tem outra coisa a fazer senão protestar sorrindo.
(Sr. Poli: É a única solução.)
Que jeitoso esse Coronel, hein!
* * * * *
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