Conversa de Sábado a Noite (1ºAndar) – 23/2/1985 –Sábado [VF 21] (Jorge Doná) – p. 10 de 10

Conversa de Sábado à Noite (1ºAndar) — 23/2/1985 —Sábado [VF 21] (Jorge Doná)

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Então vamos aproveitar um pouquinho o tempo porque o despachinho entrou pelo tempo da reunião adentro. Feito, aliás, por maldade. Arranjou pretexto e executou um plano. É claro.

Querem perguntar alguma coisa?

(Sr. Nelson Fragelli: Porque a presença do senhor a existência do senhor como Contra-Revolução ocasiona uma fricção do lado de lá e um retardo no processo revolucionário? Notamos que isso se dá com gente de todos os níveis do lado de lá. O senhor disse que é por causa da mentalidade e do modo de ser pessoal do senhor.)

Pessoal, pessoal.

(Sr. Nelson Fragelli: Isso se manifesta de muitas maneiras, pelas preferências, pelos gestos, pelas afirmações, pelos temas…)

Pelo vocabulário.

(Sr. Nelson Fragelli: Pela origem social: paulista de quatrocentos anos.)

Eles se irritam muito menos com outros, os paulistas quatrocentões. O que nos outros se tolera, em mim não se tolera. É uma agravante, uma pedra de escândalo. Não tem dúvida, isso é uma coisa indiscutível.

(Sr. Nelson Fragelli: E parece que o senhor porta com o senhor uma aereologia que toca não só as pessoas, mas uma aereologia que impregna os temas, a doutrina, os objetos que o senhor aprecia, que o senhor vê, ambientes vistos pelos olhos do senhor, eles adquirem muito a grandeza dos olhos que o vira. Quadros que o senhor descreve –– por exemplo, aqueles da Sede do Reino de Maria –– até hoje eles portam essa aereologia dos olhos do senhor e eles são para nós de um outro significado. Outro exemplo, desde o Giordano, quando o senhor citava certos salmos, “ainda que eu andasse nas sombras da morte…”)

Eu gosto muito.

(Sr. Nelson Fragelli: Nesse, por exemplo, a própria imagem do justo perseguido, portando suas dores e como que esquecido de Deus, vinha para nós e era um comentário que vinha assim do extremo da perspectiva de todos os tempos bíblicos, com um timbre de eternidade, que nos trazia não só a beleza do salmo, mas toda a beleza da Sagrada Escritura contida ali, pelo fato do senhor pronunciar, pelo fato do senhor mostrar aquele salmo, que não estava na exegese que o senhor pudesse fazer, mas na pronúncia, no timbre do voz. E, com isso, o senhor dá as almas uma capacidade de entender isso, que já estava morta pelo triunfo da Revolução. Reporta mais longe, reporta… Há uma presença de Deus que o salmista quis transmitir. Ao senhor dizer, por exemplo, “cisne” numa Reunião de Recortes, comunica algo dessa restauração que vem para que a gente entenda o que é aquele animal criado por Deus, a beleza que ele tem. Quando o senhor pronuncia, simplesmente Maria Antonieta, vem na inflexão de voz, que o senhor diz naturalmente, normalmente, a cita mil vezes, há uma comunicação e uma compreensão da própria dignidade graciosa e inocente, voltada a tragédia e quebrada por um furor hediondo, isto já vem na coisa.

Então neste “fim” da Santa Igreja, com o apagar do Lumen Christi na sociedade civil e com o perecer todas as formas de bem, de todas as manifestações de virtude, com a morte dos temas, a terra deveria ficar devastada de tudo quanto há de belo e bom, e o homem entregue à animalidade dele. Não será que tudo desapareceria definitivamente, viria o fim do mundo e se o senhor amorosamente não tomasse esses restos do Lumen Christi, restaurando-os e dando a eles nova força e assim tornando capazes de serem novamente entendido pelo mundo? Assim como aos olhos dos membros do Grupo o senhor restaura o cisne “Maria Antonieta” faz com que a gente possa entendê-los, simplesmente pelo fato do senhor mencioná-los? Seria aí um patriarcado do senhor não só nas ordens eclesiásticas e civil, mas em todas as ordens da criação, que estariam extintas em seu pulchrum, sua beleza, pela vitória da Revolução, desde os salmos até as cisnes.)

Como pergunta, está magistral. Vamos ver a resposta.

(Todos: Risos.)

O lado encrencado é a resposta. Exatamente, a resposta precisa da colaboração de vocês para ver se sai porque tem o seguinte: há no que você diz aqui… Eu vou correr o risco de desnortear, de confundir, mas, enfim, eu falo as coisas como são.

Há duas coisas distintas: há alguma coisa que eu sou levado a atribuir a certos predicados humanos. Esses predicados humanos, eu vejo que foram ordenados pela Providência a missão que eu tenho, mas isso é uma coisa que se pode compreender, que uma pessoa tenha um predicado humano ordenado para uma certa… Vamos dizer, por exemplo, Godofredo de Bouillon era um homem ordenado pela Providência para a primeira Cruzada. Agora, compreende-se que tenha sido dado a ele certos predicados humanos, como, por exemplo, braço forte, boa vista, senso estratégico, outras coisas assim, para ele exercer bem a sua missão. Aí são alguns predicados humanos.

Outras coisas são graças que vão na linha desses predicados humanos, mas dando aos predicados humanos um alcance, uma eficácia, uma importância, que de si o predicado humano não teria, mas, por uma razão qualquer da Providência, ela em vez de escolher, por exemplo, uma pessoa sem esses predicados humanos para exercer este papel, Ela quis exercer por meio de uma pessoa cujos predicados humanos fossem acentuados, acrescidos, especificamente pela graça, porque a graça muda de espécie aquilo. Aquilo é uma coisa sobrenatural e secundariamente natural.

Eu dou um exemplo: D. João d’Áustria em Lepanto. Ele tinha qualidades de guerreiro, tinha qualidades de chefe. Essas qualidades foram acionadas em Lepanto, mas houve uma ação sobrenatural que se exerceu durante a batalha e que se somou à ação natural dele. No momento em que a ação natural dele não estava sendo suficiente, somou-se essa ação. Mas ele atuou como chefe. Quer dizer, quando Nossa Senhora apareceu aos turcos e meteu medo, ele correu atrás, ele acentuou o que a graça, o milagre tinha feito. É uma coisa que pode facilmente dar-se, esta soma de uma coisa a outra.

Se a gente recorresse, por exemplo, teorias de Santo Agostinho. Ele… A gente lê as “Confissões”, tantas outras coisas dele, nota-se nele predicados naturais muitos insignes, de um povo misto que habitava no norte da África, romano de língua, de cultura, com alguma ascendência latina, certamente, mas o resto era muito discutível. Em todo caso, povinho. Deu-me toda a impressão de pequena burguesia. Mas, melhor das hipóteses, a classe baixa da burguesia média, na melhor das hipóteses.

Bem, a Providência quis que ele tivesse um gênio natural. Mas, quando a gente vê as “Confissões”, percebe que há alguma coisa que está em movimento nas asas do gênio, que é muito mais do que gênio e que produz esse efeito desconcertante que as “Confissões” produzem.

Então, em ponto muito menor pode acontecer isso também com outras pessoas.

Eu falo do lado natural pelo seguinte: na família de minha mãe, as capacidades eram muito desiguais. Havia algumas pessoas comuns, como capacidade. Mas havia outras pessoas que sem serem talvez de uma capacidade intelectual muito notável, tinham uma capacidade intelectual boa, mas tinham muito, no plano natural, muito do que você descreve. De maneira que, por exemplo, ela tinha um irmão que era o irmão primogênito — meu tio, portanto — que é pai daquele grande números de primos que eu vivia continuamente. Era um homem que eu encontrava a todo momento, ou na casa dele, ou na casa de minha avó onde eu morava, há todo momento encontrava. Ele tinha muitas das coisas que você disse, mas que ele nunca usou para a Religião. Ele não era de nenhum modo homem que desse o menor sinal de thau e o menor sinal de religiosidade mais insigne. Ele, de vez em quando, ia à Missa do Coração de Jesus, mas eu tenho a impressão de que era numa tática “Milton Campos”, porque ele, sem ser do Estado de São Paulo, tinha em todas as coisas uma atitude de Milton Campos.

Ele, entretanto, tinha isto que você está descrevendo. Eu… muita coisa da civilização européia, eu comecei a pegar através das interpretações dele. Ele contava as viagens dele pela Europa e eu via que ele tinha um certo… que ele degustava a coisa como a coisa devia ser degustada e que ele ao descrever a degustação tinha um certo contágio por onde a gente, nele, sentia a coisa como era, e aprendia assim a ter um prisma, uma coisa assim, por onde se viam as coisas como deviam ser e por onde, de algum modo, ele fez escola em mim.

Ele, por exemplo…

(…)

ordenado para isto. Ele até pode ter posto numa família hereditariamente para que de repente um fulano herdasse e um fulano que não usava já o nome da família, mas que pertencia a família, herdasse e tocasse aquilo para frente, fizesse um uso para fim sobrenatural.

Agora, ao lado disso, há uma outra coisa que soma a isso e que é muito mais misteriosa. E sobre isso eu não sei bem o que dizer a vocês. Mas, em tudo quanto eu digo a respeito de “tal enquanto tal”, eu tenho a sensação de que eu não cheguei a descrever o fundo do assunto e que aquilo faz ver a fórmula do “tal enquanto tal” é uma formula correta, mas tem o seguinte: é A enquanto B e não enquanto A. B enquanto A e não enquanto B. É, portanto, uma certa coisa que não está em A, a não ser na medida em que exista em B; e, não está em B, a não ser na medida que exista em A. E que não se esgota pela descrição de A e B.

(Sr. Nelson Fragelli: Mas a gente vê muito no senhor, B enquanto A e A enquanto B.)

Agora, o que é esse B enquanto A e A enquanto B? Aqui que está a questão. Resulta de A e de B, mas é uma coisa que transcende e que eu não consigo explicitar o que é.

Ora, esta coisa produz propriamente o efeito sobre o revolucionário… Vamos dizer o seguinte: isto é algo de que o demônio quer tornar cego ao homem, é esse ponto. E é o ponto onde as órbitas vazias do homem, sendo atingidas por esta luz, como que, reconstitui um começo de olhar. Mas é algo que dói a órbita vazia e que contém em si — isso eu noto também — contém uma degustação enlevada, maravilhada de minha parte, de tudo quanto é superioridade, mas vendo na superioridade isto e não simplesmente os degraus de uma escada.

Agora, o que é isso? Aqui está a questão.

Porque se a gente conseguisse explicitar o que é isto, a gente explicitaria bem…, eu acho que a Contra-Revolução daria um passo de gigante.

O que eu sei é o seguinte: a pessoa consente em ver isto, ela é convidada a renunciar uma forma de delícia da vida que é o direito de ser prosaicamente ela mesma. Em cada um existe uma gostosura de ser prosaicamente si próprio. E isso fulmina essa gostosura e obriga a uma posição de alma diferente. É aqui que entra a encrenca comigo.

Quer dizer, eu percebo que no contato comigo, isto que eu não sei explicitar o que é, que é o A enquanto B e o B enquanto A, aparece; e aparece impregnando então tudo, modo de ser, etc., e que isto é que produz nas órbitas vazias, ou semi-vazias, este estremecimento. É uma renuncia que é proibida, não pode ter: a renúncia a ser a si próprio nos seus prosaísmos, nos seus lados prosaicos.

(Sr. Poli: Por outro lado, o aceitamento deve trazer tudo.)

Deve trazer tudo. Quer dizer, agora, o que é isso, dentro do quadro do amor de Deus? O que é isso dentro da religião Católica?

Aqui você vê uma coisa mínima: o meu Coronel teve um lado de linguagem e disse “aceitamento”. Eu julguei que não tivesse ouvido bem porque tenho mau ouvido. Então perguntei o que era porque fiquei hesitando entre “enfrentamento” e “aceitamento”. Como “aceitamento” não é corrente, o Coronel normalmente diria “aceitação” [e] eu fiquei achando que havia uma coisa que era necessário perguntar. Mas, de fato, eu esgueirei pelo meio o seguinte –– não foi intencional, mas não foi involuntário; quer dizer, não tive intenção de fazer, mas se eu tivesse refletido, eu teria feito: que é freqüente hoje certos lapsos de linguagem assim e que se deve reagir, porque as regras da gramáticas devem ser defendidas como todas as outras regras, uma vez que todas as outras regras estão sofrendo erosão. Bem, e que, portanto, a regra de gramática deve ser defendida contra-revolucionariamente.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: Isso faz parte da integridade do senhor.)

Faz parte.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: É uma das características que causa a fricção.)

A fricção vem, no fundo, que entra algo no meu modo de fazer em que está presente o tal enquanto tal. Olha que é uma coisa minúscula.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: É cortante.)

Você diz bem: “é cortante.” Olha que eu fui muito amável no modo de perguntar ao Coronel. Agora, no modo de me referir ao caso, eu usei toda espécie de adaptações de linguagem para ser amável para com meu Coronel, mas, no próprio esforço que eu fiz de usar uma adaptação de linguagem para ser amável a ele entrava mais uma vez o mesmo princípio: “Deve-se ser amável com as pessoas a ponto de ser cortês.” Quer dizer, usar maneiras de corte, ainda que dê trabalho porque os outros tem o direito de ser bem tratados. Esta é mais uma regra que precisa ser observada.

Mas não sei se você nota que, por detrás está algo de que eu falava do B presente no A e A presente em B. E aqui é o ponto. Agora, no que consiste esse ponto? Eu não sei, não sei dizer. Eu vejo o que é, mas não sei dizer.

(Sr. Nelson Fragelli: Eu vejo com uma forma delicadíssima, muito elevada de ser, muito refinada de ser, ao mesmo tempo bondosíssima, muito acolhedora, mas é cortante, exclui aquilo que não é ela.)

Exclui. Ela é exclusiva.

(Sr. Nelson Fragelli: Mas exclui sem fazer esforço. Pelo fato de ser tão pura, tão ela mesma, tão elevada, embora tendo toda bondade, todo acolhimento, toda atenção, o que não é aquela elevação, o que não é aquela superioridade, imediatamente fica excluída.)

Fica. Depois, você diz bem: é impossível ter a elevação que tem, sem ser cortante. Ficaria espúrio; a elevação ficaria espúria.

(Sr. Nelson Fragelli: Se vê em todos os campos aos quais o senhor se aplica, e isso tem manifestações própria a cada campo. Por exemplo, quando o senhor toca as flores. Ali há uma atenção profunda naquele gesto e, ao mesmo tempo, uma doação de si mesmo, mas ao mesmo tempo um toque tão rápido, tão bonito, tão nobre, como que, algo pode ser tão rápido, tão profundo, deitar tanta atenção, ao mesmo tempo tão “degagé”, sem fazer daquilo como um ato de um sacerdote benzendo a água.

Não, não é.

(Sr. Nelson Fragelli: Propriamente o que é, como por isto, não…)

É, como por isso, em que palavras dizer? Eu tenho a sensação, não me lembro se foi aqui ou se foi em outra reunião, eu disse alguma coisa que se aproxima um pouco mais do ponto, mas não é o ponto. É o seguinte: dois tipos de relacionamento interno — no mesmo homem, de um aspecto dele com outro —, dois tipos de relacionamento assim podem facilmente dar um pouco a idéia disso. É quando a gente nota uma capacidade de reversibilidade muito grande entre as coisas, de maneira que você nota num certo feitio mental a possibilidade de perceber que tal coisa reverte em outra, reverte em outra e o jogo das analogias se estender quase a perder de vista.

O elemento fundamental com o qual tudo é comparado brilha aí com um brilho especial, pela grande quantidade de aspectos que ele tem dormientes em si e que revertem nisso, naquilo, naquilo outro. Não quero dizer que isso seja uma coisa da pessoa. A pessoa vê em tal, tal e tal outra coisa aquelas reversibilidades e essas coisas tem um analogado primário, um ponto em que tudo é reversível, não nele, é na ordem objetiva dos fatos. O apontar isto faz ver uma grande beleza das coisas.

Agora, outra beleza é quando vem coisas opostas, quase até à estridência, mas, no fundo, muito harmônicas. Também a beleza das coisas aparece. Não sei se estou sendo claro.

(Sr. Guerreiro Dantas: Aquela descrição que o senhor faz no Santo do Dia de hoje, um categórico que faz a gente ver que, diante de Deus a pessoa não tem solução, por justiça de Deus, não tem solução. Mas depois o senhor mostra o outro lado, a misericórdia de Nossa Senhora, etc., etc.)

Quando eu estava falando, eu estava pensando: eu não sei se meu auditório, eles verão como faz bem para a alma o ponto em que essas duas coisas tão diversas se encontram numa harmonia que tem um pulchrum especial, que não está no que eu dizia, está na obra de Deus. Criando Nossa Senhora, Ele, Justo, Terrível, Severo, Magnífico… mas, criou Nossa Senhora para distender daquilo que n’Ele é tensão tão fabulosa que, eu O adoro na severidade d’Ele! Ainda imaginando a severidade voltada contra mim, eu me consumo de adorar. É bonito. Agora, de outro lado, entra Nossa Senhora. Então tudo, tudo, enfim, é estridente, mas resulta numa harmonia.

Então faz parte do “tal enquanto tal” um mundo de correlações faz parte daquilo. Uma extridencia levada há uma suprema harmonia é de outro lado.

Agora, isso ajuda a apanhar mais o “tal enquanto tal” mas não dá o fundo do negócio.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: E para conosco, apesar de nossas infidelidades, o senhor é todo misericórdia, o senhor é todo bondade, o senhor é todo perdão, o senhor é todo clemência para conosco.)

Vou até onde não imaginei que pudesse ir.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: Sem macular a increpação ao mal.)

Mas não entra contradição.

(Sr. Nelson Fragelli: Às vezes, a gente diz uma coisa errada que fez, o senhor sorri, a descompostura é passada por inteiro.)

(Todos: Risos.)

(Sr. Nelson Fragelli: Mas só no sorriso e no está bem…)

Ah! Ah! Ah!

(Sr. Nelson Fragelli: É um aspecto do “tal enquanto tal”.)

Eu reconheço.

(Sr. Nelson Fragelli: Uma atitude moral, mas com tanto elegância! A conjunção das duas coisas desconcerta. Volto ao caso das flores: é um ato religioso, mas com tanta finura…! Como é possível a junção dessas duas coisas!)

Aqui está um lado, por exemplo, o ato religioso com finura. Nós estamos tão habituados a ver o contrário que se diria que é mundanismo pôr finura num ato religioso. Pelo contrário! Convém, é adequado, é próprio! Não há mundanismo. E até, para nossa vocação que não é de sacerdotes, o modo de sacralizar as coisas é, uma boa parte, a finura. Porque a finura é sacralizante.

Mas, por exemplo, essa tese vem encharcada de “tal enquanto tal”: a finura é sacralizante.

Agora, me diga uma coisa, meu filho, vocês na Europa, não é verdade que, todos os que estiveram na Europa e alguns que não estiveram, ali na Europa, em certas ocasiões…

(…)

quer dizer, se vocês estão em Paris ou em Roma e sabem, de repente, que eu cheguei e que estou lá, [e] à tarde vou visitar tal museu, vocês provavelmente estão lá para visitar o museu comigo.

(Sr. Nelson Fragelli: Como a gente lamenta não ver aquilo com o senhor lá: “ Que pena não estar o Sr. Dr. Plinio aqui.”)

Agora, não é verdade também que em certos dias, em certas disposições do espírito, a minha chegada soaria como um pouco fatigante?

(Sr. Nelson Fragelli: Sim, infelizmente.)

De tal maneira que não daria apetência. É a recusa do “tal enquanto tal”.

Agora, é quase um teste: se não haveria apetência, naquele dia, de eu estar lá, nesse dia nós não estamos fiéis ao “tal enquanto tal”…

(…)

(Sr. Poli: Esse A enquanto B e B enquanto A, a gente vê que o senhor e a Sra. Da. Lucilia consonaram inteiramente nesse ponto. Houve ai uma união enorme.)

Há uma diferença no seguinte — mas, eu acho que é uma coisa justa: sendo eu homem e sendo ela uma senhora, é que em mim, homem, o papel da estridências harmônicas é mais marcado do que era nela. E nela, as reversibilidades [eram] mais marcadas do que em mim. Não que ela não tivesse algumas estridências harmônicas, mas é à maneira de uma senhora. Enfim, é toda uma coisa… e é legitimo que seja. Nem percamos nosso tempo acentuando isso.

Mas, agora, vamos voltar ao ponto que nos interessa mais. O que é então o “tal enquanto tal”?

Por exemplo, você esta vendo que faz muito parte do nosso espírito ver a ordem civil, temporal, regidas por regras que a tornam muito parecida com a ordem espiritual. Mas também ver a ordem espiritual regida por regras, digo, ver muitos os aspectos que regem a ordem espiritual que a tornam parecida com a ordem temporal…

[Vira a fita]

numa estridência porque a ordem espiritual e a ordem temporal são profundamente diferentes. É quase um outro campo que se aplica ao “tal enquanto tal” é esse: temporal enquanto espiritual, espiritual enquanto temporal. Notar o temporal no espiritual; notar o espiritual no temporal. Quer dizer, sem isso, só o “tal enquanto tal” que nós tomamos, comum, não diria nada.

Bem, mas o que é, no fundo?

Eu poderia responder todas as perguntas que você me pôs se soubesse definir o que é no fundo. Eu não sei.

(Dr. Edwaldo Marques: Nessa baixa de nível que caiu o clero, independentemente da questão ortodoxia, entra muito disso aí.)

Muito, mas muito…

(…)

(Sr. Nelson Fragelli: O senhor sempre tem de Nossa Senhora o verbo para explicitar as coisas. Se o senhor diz que não consegue, pela nossa situação atual…)

Não, não consigo explicitar. Espero que Nossa Senhora ainda me dê isso, mas eu, de momento, não consigo. E outra coisa: isso eu acho que não vou encontrar no Cornélio. Quer dizer, o Cornélio pode me dar matérias a partir da qual eu encontre isso, mas, não é porque o Cornélio tenha o espírito orientado por isso, porque não é. A coisa é outra.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: O senhor já mitificou um pouco o Cornélio…)

Dizem que eu mitifico os autores que leio. Vão procurar o autor e vêem que eu acrescentei algo ao autor. [Risos.]

He, meu Nelson, ah! Ah! Até abotoa o paletó, ah! Ah! Ah.

(Sr. Nelson Fragelli: Nós estávamos conversando isto antes da reunião.)

Aceito de bom grado.

(Sr. Nelson Fragelli: Muito bonito isso.)

Vejam, por exemplo, uma coisa que provavelmente é pinacular na questão do “tal enquanto tal”:

O Cornélio trata da questão do Céu Empíreo. Vocês se lembram que ele diz que é um lugar material no qual os corpos dos ressuscitados gozam de todos os deleites que a natureza humana pode legitimamente ter, tomando em consideração que a função procriativa está supressa, o gênero humano não se multiplica mais e tomando em consideração que o gênero humano não ejeta mais matérias pútridas ou mal cheirosas, nem nada disso. Ele, então, vai à Escritura: tem essas, aquelas e aquelas razões pelas quais isso seria no Céu Empíreo; depois outros teólogos que acham que o Céu Empíreo é de outro jeito, toda uma discussão.

Agora, o sabor da coisa ele não dá. Ele chega perto, mas ele não dá. O sabor é o seguinte: ele diz em certo momento que os Anjos, no Céu Empíreo, conversam com os homens. Eles não estão no Céu Empíreo porque o Anjo não está em nenhum lugar. Ele “age” num lugar, não “está” num lugar. O Céu Empíreo existe e é material. Mas que eles conversam com os homens e se deliciam… eles não fazem com os homens uma pura locutio de inteligência a inteligência porque com o homem não é mera inteligência, ele tem que falar aos homens também por meio dos sentidos.

Agora, então, como é que fala por meio dos sentidos? Diz ele: “Os Anjos não tem voz; como é que fala para o homem ouvir?” Ele diz que produzindo ruídos com o vento, agitando as árvores e de outras maneiras, o Anjo pode comunicar alguma coisa do que ele quer para o homem entender. E assim também ele pode, por exemplo, produzir jogos de luz e pode produzir outras coisas bonitas por onde o homem entenda o que o Anjo quer dizer.

Aqui eu começo a ver uma coisa que me encanta: um puro espírito servindo-se de matéria para falar com um ser material. E, portanto, quando o puro espírito entende superiormente a matéria de maneira que a matéria seja linguagem para ele, isso me encanta.

Mas a coisa vai mais longe. Ele levanta um problema: “Como é que o homem pode estar prestando atenção nas coisas do Céu Empíreo — que chamam muito a atenção; você se imagine num lugar de delicias… Compreende como chama atenção? — e, ao mesmo tempo, contemplando Deus face a face?”

Então é o que o homem tem de mais alto na alma que contempla Deus face a face, mas, ao mesmo tempo, seus sentidos estão no Céu Empíreo. Ele diz: é que se dá isso.

E ele, muito de passagem aflora a coisa cuja grandeza ele não viu. Ele viu a solução mas, não percebeu a grandeza da coisa: é que o Céu Empíreo vai dizendo ao corpo humano coisas análogas ao que ele está vendo em Deus. De maneira que o corpo não chega [a] participar, não tem a visão beatífica, mas a natureza conta ao corpo o que o espírito está vendo em Deus. E as delícias do corpo fazem repercutir no corpo aquilo que a alma vê em Deus.

Aqui você está vendo que é um Ambiente e Costumes extraordinário.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: Sim, mas o senhor, enquanto nos diz isso, nos cria o ambiente, nos transporta para esse mundo também.)

Eu estou percebendo. Eu acho que se vocês lessem no Cornélio, vocês não degustariam assim.

(Todos: De modo algum.)

Isso aqui, por exemplo, eu tenho a impressão que se a TFP sobreviver à Bagarre e entrar no Reino de Maria, como eu espero, esse ponto deve ser um ponto de partida para uma universidade! Estudar visões, revelações de santos aprovados pela Igreja, aprofundar tal Doutor grego, tal não sei o quê, que disseram isso, aquilo, aquilo outro e incorporar à situação habitual. Quando entrar a meditação dos novíssimos, a consideração habitual do que é a felicidade no Céu, porque o Céu é um dos novíssimos do homem.

Mas, deduzir daí também a desgraça insondável do Inferno. Porque, a contrario sensu, você pode pôr tudo.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: Essa característica do bem e mal, é muito mais “tal enquanto tal”.)

Muito, muito, é o eixo.

Mas vocês não acham que qualquer um de vocês, em mocinho, menino, um padre tivesse feito sermões sobre o Céu Empíreo assim, vocês teriam tido outro desejo das coisas espirituais?

(Sr. Nelson Fragelli: Outra coisa!)

Outro desejo! Argumento deles: “É perigoso porque pode formar a idéia de um Céu árabe maometano.” Não forma! Não entenderam, não querem entender!

(Sr. Guerreiro Dantas: Aquele Cardeal francês, um dos que fez o Concílio, não me lembro agora o nome, que tem uma obra publicada: “Teologia da matéria.”)

Muito interessante.

(Sr. Guerreiro Dantas: A coisa vai para baixo, acaba confundindo Deus imanente com Deus transcendente.)

Ah! Não!

(Sr. Guerreiro Dantas: Mas parece que no desenvolvimento das teses é que tem a coisa interessante.)

Uma maravilha. Se você pudesse me dar ou dar ao Átila um bilhetinho sobre isso, eu mandava procurar isso em Paris, porque seria uma coisa maravilhosa. Tenho certeza que por aí a gente virava muita coisa para o lado que quer, mas muita coisa, porque esses “fassures”, eles escarafuncharam essas coisas e viraram para o mal. E estavam dormidas, nós devemos pegá-las. Isso é maravilhoso.

Mas não sei se vocês percebem bem a conjugação de várias coisas que então ampliam a idéia do “tal enquanto tal”, bem e mal, verdade e erro, belo e feio, etc., etc., é a proclamação do “é proibido não proibir”.

Mas não sei se vocês percebem que, em muito grande número de pessoas, todas essas coisas que eu estou dizendo, encontram realmente, em reuniões especiais, especialmente favorecidas pela graça, encontram um toque. Mas, o membro comum do Grupo, vivendo a vida comum do Grupo não é atraído para essas coisas.

(Sr. Poli: Devia ser.)

(Sr. Nelson Fragelli: E tem todos os elementos que o atraiam.)

E depois tem o seguinte: só o que forma, só o que faz do Grupo o antegozo do Céu Empíreo é este ambiente. Como a TFP fica seca, árida, sáfara se recusa isso! Fica insuportável!

(Sr. Paulo Henrique Chaves: Mas um tratado sobre isso não bastaria. Não se ter um convívio desses, por exemplo, e estaria tudo em zero. No que nos é dado ver, intuir, isso nas ajuda enormemente.)

Eu acho que é uma graça especialíssima.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: Infelizmente com algumas escamas nos olhos, mas algumas coisa se vislumbra.)

Mas sabe o que tem? É das tais coisas: essa reunião de algum tempo para cá tem sido mais favorecida. Foi sempre uma reunião boa, mas tem sido favorecida de ser tocada com a mão. Assim que tem sido favorecida. E ela tem umas coisas singulares que não sei com explicar, mas que eu vejo inclusive que ela constitui provação para outros. Porque haveria outros que poderiam ter títulos para desejar ter presença nessa reunião…

(…)

esteja pegada neles. Não é uma culpa neles.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: Algumas pessoas me perguntam a que título estou aqui…)

[Risos]

Isso é a TFP inteira!

(Sr. Paulo Henrique Chaves: Um convite pessoal do Sr. Dr. Plinio e eu vou.)

Uma boa resposta, mas você não elimina a pergunta que fica na cabeça do coitado: “Por que o Sr. Dr. Plinio não faz o convite para mim?” Você se esquiva dessa pergunta, embaraçosa entre mil.

(Sr. Poli: Mas essa pergunta não é feita com carga…)

Mas você vê que o demônio tem o olho posto em cima…

(…)

(Sr. Nelson Fragelli: …E isso chama à doação inteira o membro do grupo…)

Chama.

(Sr. Nelson Fragelli: Respeito, seriedade e necessidade de doação.)

Mas não horas ruins, vontade [de] fugir de dentro.

(Sr. Nelson Fragelli: Sobretudo estando longe.)

Ah! Ah! Ah! Ah!

(Sr. Nelson Fragelli: Mas o querer voltar, tira escamas, purifica a vista.)

Se você, estando longe, rezassem sempre para Nossa Senhora, rezassem sempre por esta reunião, de maneira que, quando voltassem a reunião estivesse mais requintada e vocês estivessem em condições de pegar a reunião no requinte que ela está, vocês fariam uma coisa excelente.

(Sr. Nelson Fragelli: Está prometido.)

Fica uma coisa assim. Meus caros, vamos dormir.

(Sr. Poli: As mãos da mãe entraram…)

Em que sentido?

(Sr. Poli: Fazer essa reunião…)

Ah! Isso é certo, é certo.



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1ºAndar