Conversa de Sábado à Noite (1ºAndar) – 16/2/1985 – Sábado [VF 21] (Jorge Doná) – p. 11 de 11

Conversa de Sábado à Noite (1ºAndar) — 16/2/1985 — Sábado [VF 21] (Jorge Doná)

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Vamos sentar, meu Caio. Você é Xavier e pega o bonde andando, de maneira que nós vamos tocando a coisa como der.

Primeiro eu queria dizer que gostei muito que tivessem feito a caminhada lá para o lugar do desastre a pé, ouviu Caio? Quantos quilômetros, Edwaldo?

(Dr. Edwaldo Marques: Cinqüenta e cinco.)

Cinqüenta e cinco quilômetros a pé. Voltando nos primeiros ônibus que deviam estar circulando, naturalmente.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: Umas das intenções que o senhor colocou foi pelo afervoramento dos quadragenários.)

Isso terá no Grupo um alcance incalculável. Mas, eu não exigi que vocês fizessem essa caminhada. Vocês me pediram uma intenção, eu dei essa intenção.

Agora vamos tocar na última conversa, em que ponto estava que não me lembro bem, como é que são as coisas, o que há.

(Sr. Gonzalo Larraín: [Dá o esquema da reunião passada e pergunta:]

Ouvindo a fita sentimos a mesma graça, vê-se que, quando se trata disso, um ponto cerne da alma do senhor, Nossa Senhora derrama graças especiais por onde tudo se harmoniza entre nós e as coisas vão para frente. Gostaria de que o senhor tratasse mais dessa graça que nos vem através disso.)

(Sr. Poli: …Senti muito que para nossa fidelidade a Igreja Católica a vida vale em querer bem ao senhor, em viver me função do senhor, em ver o senhor, o resto é loucura. E, também, percebi muito a relação do senhor com a Sra. Da. Lucilia, no ir contra o processo revolucionário.)

Eu trato disso de bom grado, mas com uma condição… Trato até de muito bom grado, mas, pondo uma condição: é que vocês sintam toda liberdade de objetar desde que não entendam alguma coisa porque, do contrário, estamos perdendo o nosso tempo. De maneira que objetem, perguntem com toda a liberdade, etc.. É bem verdade que esta impostação deve ser inteiramente franca, bem entendido, vocês me vêem sempre falar, dizer, que “as boas contas fazem os bons amigos”. Nessa matéria mais do que nunca. Eu recebo com todo o respeito, com todo carinho, qualquer objeção que queiram fazer.

Você aludiu a isso, o tema leva vocês a sentirem um renascimento das graças de 67, às quais, as graças de 67 são um apogeu. Apogeu a que chegou, não apogeu a que poderia ter chegado, mas, o apogeu que historicamente chegou à graça que vocês tiveram com a entrada no Grupo, a vocação primeira, o thau primeiro, etc., e se quiserem, também uma ligação com a inocência primeva. Tudo isso forma uma concatenação de coisas.

Era preciso nós estudarmos qual é o fundamento disso. Quer dizer, isso que parece não-doutrinário, o efeito de uma ação de presença, à primeira vista é o contrário da ação doutrinária. A ação doutrinária é intelectiva, ela expõe razões, chega à conclusão das razões, etc., etc. A ação de presença parece que produz um efeito que não é um efeito doutrinário. Então, dir-se-ia, que isso que é uma ação não-doutrinária, não é suscetível de uma justificação doutrinária. E, então, não seria uma coisa boa, porque o que não é suscetível de uma ação doutrinária não toma maturidade no espírito do homem. Então é preciso se perguntar se isso tem uma justificação doutrinária.

Há um ponto a respeito do qual eu não estou muito certo, quando chegar esse ponto eu digo; os outros pontos não são assim, porque é evidente o que eu vou dizer.

Primeiro dado evidente é que os santos são nossos exemplos — os santos canonizados pela Igreja — e que, portanto, nós devemos seguí-los. E que, um excelente meio de testar a nossa ortodoxia e a exatidão de nossa conduta é verificar se situações análogas se deram na vida dos santos e se essas situações estavam legítimas, etc., etc.

Há uma espécie de santos, pelo menos, com a qual se deu o que eu vou dizer agora. Não sei –– aqui o ponto que não tenho certeza –– se se deu com todos os santos, mas há uma espécie de santos pelo menos com as quais se deu isso: eles não foram apenas doutores intelectuais daquilo que era a mensagem deles para o mundo, mas eles foram também modelos vivos daquilo.

E o modelo vivo, com muitos santos pelo menos, não se fazia apenas dessa maneira: o santo pregava uma coisa, por exemplo, a virtude da pobreza, e depois ele praticava coisas que estão de acordo com a virtude da pobreza pregada por ele; e essa coerência entre as ações e o que ele pregou estimulam as pessoas, pelo efeito do bom exemplo, estimulam as pessoas a seguir o que ele disse. Não é isso apenas.

Mas é o seguinte: eles de algum modo personificavam as virtudes que eles pregavam, de maneira que conhecê-los era conhecer melhor as virtudes que eles pregavam e conhecer de um modo que era insubstituível, no caso concreto deles. De maneira que se fechasse o olho para a ação pessoal deles — o por onde eles personificavam as virtudes que pregavam — se fechasse os olhos para isso, a gente fechava um dos meios que a Providência colocou à nossa disposição para amar aquela virtude, para praticá-la. E é um procedimento temerário, até censurável. Se a Providência dá vários meios para chegar a uma certa virtude, nós não podemos recusar um determinado meio.

Exemplo transbordante disso, evidente, é São Francisco de Assis. Ele não só pregava e ensinava a pobreza, mas praticava. Mas há mais, é evidente que ele era uma espécie de personificação da pobreza que ele ensinava e que todo aquele espírito lírico, de bondade, doçura, de suavidade que se irradiava dele e que constitui o conjunto de, que nós poderíamos chamar, “a virtude franciscana” estava impregnado na personalidade dele e como, concretamente, era; quer dizer, no filho de Pedro Bernardone convertido. Mas era aquele homem; não era outro homem. E naquele homem era preciso conhecê-lo para ter uma idéia geral do que era “a virtude franciscana”.

Os que, podendo conhecê-lo não se mostrassem sensíveis a isso e ficassem apenas no tratado moral que mostra a excelência da pobreza, depois na conferição da ação com o tratado moral e depois dizer: “Está certo. Foi dado o exemplo, eu me animo. Mas, a ele, eu não quero ver nele a virtude da pobreza personificada, eu quero ver nele um homem como outro qualquer. Pelas outras vias, eu adiro a ele!”. Eu estaria recusando umas das vias que a Providência me deu para unir-me inteiramente a ele e não poderia estar, portanto, tendo uma união completa, porque essas vias não são supérfluas: se elas são necessárias é preciso utilizá-las.

Eu não tenho certeza de que isso se deu assim de modo tão personalizado com todos os santos, mas acho que sim.

Veja bem que o que está em jogo aqui não é a questão de saber se ao santo se prestam… do que tratam o Torreão. Isso é uma outra questão. Aqui é a ação de presença com algo na qual a virtude se vê enquanto praticada por uma alma e se vê em uma alma.

Então a gente deve perguntar se é verdade, ainda que em alguns santos não tenham sido assim, não vamos discutir isso, se é verdade que as pessoas nas quais as virtudes — embora não-heróicas, nem de santidade de canonização — torna-se transparente na pessoa e diretamente observável na pessoa, de maneira a enternecer, ou entusiasmar, ou mover os sentimentos de quem vê para com essa pessoa porque essa pessoa se vê viva na virtude e se aprende algo sobre a prática da virtude que a mera ação externa ensina, que é a ação interna da virtude.

A virtude não opera apenas externamente, ela opera internamente também. E a alma deve dar o bom exemplo pela operação interna da virtude. Se for verdade que há almas que operam essa virtude internamente — ainda que não sejam santos de altar; isso é outra questão —, se isso é assim, no trato com essas almas, ainda que não sejam santas, nós devemos aproveitar a transparência dessas almas para nos embebermos da virtude que elas ensinam.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: …creio que o princípio Christianus alter Christus justificaria essa doutrina.)

No cristão, pelo fato de ser ele Alter Christus, [o] que ele é, não quer dizer que nele haja tudo o que havia em Nosso Senhor de um modo saliente nele. De algum modo, tudo o que havia em Nosso Senhor tem que estar presente em cada um de nós, não com a mesma saliência que havia n’Ele — porque tudo n’Ele era saliente, tudo era visível, etc. —, mas, mesmo em cristãos de um porte comum, de vez em quando, uma virtude assim se pode notar de modo saliente e pode fazer muito bem. E há pessoas assim que tem uma virtude um pouco maior do que o comum, talvez, mas que impregnaram, que destilam isso em torno de si e fazem muito bem.

Eu não sei com quem eu estive algum tempo atrás na Igreja da Luz, estivemos rezando e, diante do altar que está do lado do Evangelho, tinha uma velhota rezando. Uma velha que não era tão velha assim; ela tinha uns 60 e muitos anos. Mas a gente via que era uma pessoa que o tempo e o sofrimento tinham feito mirrar, que tinha minguado, que ela tinha sido maior e mais florescente. E ela estava rezando com a cabeça meio inclinada. A gente via que em parte era o peso da dor; ela rezava para a imagem –– que eu não me lembro que santo era –– com muito empenho.

Nós nos cutucamos e dissemos, mutuamente: “Não tem nada de heresia branca, muito provavelmente não é uma santa de altar, mas está edificante.” Via-se o agir da piedade. E, se ela tinha esse dom de tornar transparente essa piedade nela, eu não podia deixar de aproveitar o bom exemplo que estava ali, porque o bom exemplo não me era dado só pela ação externa dela, de estar ajoelhada rezando, mas é, pelo que nos era dado notar da ação interna da alma dela. Nós como que víamos a alma dela rezando. E ao ver a alma dela rezando era uma fonte especial de alegria para nós e, portanto, nos fazia bem, alimentava a nossa piedade.

Essa pobre velhinha saiu daí algum tempo e nós continuamos a rezar. Querem que eu diga uma coisa? Eu senti a Igreja um pouco mais fazia depois que ela saiu. “Coitada, ela foi para a casa dela com certeza achando que dois senhores –– para elas nós somos importantes –– importantes entraram lá, dois doutores, nem olharam para ela, que ela está completamente à margem de nossas cogitações.” Ela nos fez bem e no dia do Juízo vai ficar muito contente sabendo disso.

Aqui está posto, portanto, um princípio. Esse princípio reduzido a essa questão: se for possível discernir na alma a virtude e discernir a operação da virtude na alma… É evidente que mais em uns e mais em outros; uns tem isso mais transparente, outros menos; também uns tem mais discernimento, outros menos; mas que, em princípio, cada homem vêem em uns tantos homens a virtude operando dentro da alma. Isto é uma preciosa ajuda do bom exemplo: o bom exemplo não está apenas na ação externa, mas está nesse operar na ação interna da virtude. Nós não temos direito de recusar isso.

Esse princípio reduzido a seus elementos mais lógicos, mais elementares, toca na banalidade. Eu não vou insistir mais sobre isso, portanto. É o grande fundamento da questão.

Acontece que pode ser que uma pessoa tenha recebido a missão de simbolizar em sua alma uma determinada ordem de coisas que a Revolução quer destruir. A Revolução quer destruir isso, a pessoa recebeu a missão de simbolizar em si essa ordem de coisas e recebe com isso a missão de exprimir isso pelo poder interno de sua alma e também pelo operar externo. Quer dizer, os modos da pessoa, as maneiras, as atitudes, etc., etc., simbolizam isso também. Isso pode transformar a pessoa num símbolo daquilo que ela deve representar: pode representar uma instituição, pode representar uma era histórica, pode representar um ponto de doutrina ou pode representar alguns pontos de doutrina, pode representar tudo.

Um exemplo que é tão saliente, tão saliente que me faz estourar, mas que se pode mencionar, é o exemplo de Maria Antonieta. De qualquer forma, tenha ela tido as leviandades que tenha tido com o tal Conde de Fersen e outros defeitos que ela teve, pode ter havido, [o] que houve é, uma coisa indiscutível, que ela simbolizou determinada coisa. E é indiscutível que nós todos conheceríamos menos o Ancien Regime se nossa atenção tivesse concentrado menos nela e se nós tivéssemos dito: “Eu vou estudar o “De Regime Principium” e saberei tudo sobre a monarquia cristã na Idade Média.

A pessoa dela, eu tenho todo o meu direito –– alguém dirá –– de implicar com os austríacos! Eu tenho direito! Se uns povos podem implicar com outros porque eu não posso implicar com austríacos? Que eles têm de mais empiriquitado… que é pecado implicar com eles? Eu implico com os austríacos! Agora, lá vem o senhor Plinio Corrêa de Oliveira dizer que não, que eu tenho que gostar daquela austríaca. Não gosto! Está acabado.”

Uma pessoa que dissesse isso diria uma asneira porque o fato histórico é que ela era austríaca, mas que nela a “austricidade”, em si aprazível, eu não tenho por um capricho o direito de rejeitar. Se eu estou implicando com a Áustria dessa maneira e dizer que é um direito implicar, assim não vai. Eu tenho o direito de ser caprichoso? Eu tenho obrigação de examinar se minha implicância não é um capricho. Se for uma antipatia por causa de um defeito deles, está bom; se é uma antipatia por causa de uma qualidade, está direito?

Nela, é evidente que ela representava em grau eminente, na versão austríaca, uma coisa muito mais ampla do que a Áustria. E que era isso que ela representava dentro da versão austríaca. Representava muito dignamente. Não posso recusar essa personalidade, fora daqui, porque não me agrada. Não pode ser. Aquela personalidade foi dada por Deus à História. Ela não levou essa personalidade até a perfeição que devia levar, etc., etc., não foi uma santa, devia ser uma santa; é outra questão. Eu devo considerar nela isso que eu considero.

Isso que se dá nela pode dar-se também com outras pessoas. Eu devo, portanto, tomar nessas pessoas um mestrado em toda a pessoa vista no seu conjunto e não apenas na doutrina.

Isto que, posto assim, mais uma vez fica reduzido à banalidade quando a gente fala. Os historiadores, sem conta, reconhecem coisas dessas em personagens históricos; sem conta! É normal…! Em Cruzados, com isso, com aquilo… A literatura quando imagina personagens simbólicos, imagina personagens que representam uma certa época, qualquer coisa, a literatura reconhece pelo testemunho de todo mundo que há personagens assim; eles fabricam, mas há personagens assim. Isso é uma coisa elementar.

Está bom, isso é o oposto à posição que se tomou em determinado momento no Grupo a meu respeito. Não quero dizer que tenha sido a posição de todos, mas, foi a posição de muitos e essa passou a ser um tônus dominante no Grupo sem ter sido a posição de cada um.

E o tônus é esse:

Eu aceito do Dr. Plinio uma multidão de idéias; eu as aceito desconfiado porque não é natural que um homem exerça tal influência sobre os outros homens. Eu aceito, portanto, passando pelo crivo de uma análise de ortodoxia severa e nos pontos que não são de ortodoxia, eu aceito passando pelo crivo de uma análise pessoal severa. E, desde já dito, as características pessoais dele… em relação a essas características, eu sou livre, eu posso ver nele paulistíades, pernambucanadas, com as quais eu posso simpatizar ou antipatizar: não gosto! Eu posso ver nele coisas pessoais, que não são nem paulistíades, nem pernambucanadas, são modos de ser dele dos quais eu não gosto e posso dizer “aquilo não”, embora em todo resto, etc., etc., posição ideal em que eu afirmo toda a minha independência!

A posição ideal é: eu fechar os olhos para a personalidade dele e olhar só a doutrina e a ação. Quando a doutrina confere com a ação e, por sua vez, confere com a doutrina da Igreja Católica e com os exemplos da Igreja Católica, está tudo bem. Se não está: não está bem. Em última análise, eu com ele me ponho taco a taco, de igual a igual, com a Igreja como desempatadora. Sempre que a Igreja desempatar do lado dele, está bem; se não desempatar do lado dele, eu questiono!”

Isso se espalhou assim como uma fumaça pelo Grupo. Ainda não era a fumaça da apostasia. Ser quiser, não é a fumaça do Fedéli, do Gomide, mas é a uma fumaça cinzenta. Mas houve isso. Algumas pessoas até timbrando em praticar uma obediência protuberante nas coisas que eu tinha razão ou nas coisas nas quais administrativamente eu tinha direito de mandar, mas questionando o modo protuberante naquilo que eram livres. Assim como um magnífico exemplo de altaneria feudal.

(Sr. Poli: Levando também outros padrões, em parte do senhor.)

Inteiramente outros.

Isso em dois filões: Um filão é das almas delicadas — formou-se mais ou menos pelo século XIX, uma coisa assim, formou-se uma convicção de que o aristocratismo é por definição e por excelência uma fragilidade delicada e que o homem se revela aristocrata pela excelência de sua fragilidade perfumada e porcelanosa.

(Sr. Nelson Frageli: Otto de São Pereira, espelhava muito isso.)

Muito, mas muito.

Um que eu posso mencionar que pertenceu ao grupo mais nenhum de vocês alcançou, é o Zé Pedro de Galvão de Sousa. Totalmente isso. Ele não batendo tanto no lado aristocrático, mas no lado intelectual: O indivíduo verdadeiramente intelectual tem uma alma delicada, flexível, fina, sociável, conversada. O intelectual não é um batalhador truculento; o intelectual conversa, ele é aprazível, ele é um clubman que troca idéias, mas ele não é um militar na idéias, que faz passear os argumentos em fila e conquista com a prova. Isso tudo não é finura, choca o amor-próprio deles, choca até profundamente o amor-próprio deles e eles contestam tudo isso como não tendo o bom aroma de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Chega até lá.

(Sr. Nelson Frageli: Precisamente Nosso Senhor Jesus Cristo foi assim.)

É, mas eles querem ver isso assim porque eles consideram que isso é um dos ornatos das pessoas deles e que se eles forem seguir essa escola pliniana, eles tem que perder um ornato e esse ornato eles querem ter como fator de êxito na vida. Sem falar que isso pede uma espécie de ascese porque é tão mais cômodo a gente levar uma vida porcelanosa.

Por exemplo, o modo pelo qual tratei no começo o problema de São Francisco de Assis, etc., etc., um indivíduo assim pensaria da seguinte maneira: “Este modo de ele apresentar a questão foi claro, ele não disse nenhuma grosseria, mas ele tratou nossas almas como quem não quer nos deixar chance de errarmos e de apresentarmos uma posição diferente dele. Ele nos encurrala e nos deixa claro que não tem outra saída se não concordar com ele. É verdade, não tem! Mas, seria tão mais elegante se ele tivesse deixado livre o caminho para a nossa dúvida, apenas com o holofote da conversa dele para nós em casa refazemos os passos, darmos a nossa dúvida a possibilidade de respirar e acertarmos por nosso livre alvedrio. Ele não, no primeiro silogismo ele nos agarrou pela nuca e foi levando.”

Então eu sei que nas inflexões de voz, eu sei que os gestos de minha mão, eu sei que cem coisas em mim trabalham nessa direção. Isso eu sei. Contundem. Mas, eu sei que é o pecado original, eu sei que é eco do demônio, eu sei o que é deixar o indivíduo entregue, abandonado aos caprichos de sua fantasia para depois ele resolver livremente. Eu não quero carregar diante de Nossa Senhora a possibilidade de ser um banhista que vê um homem se debatendo no mar, pode trazer o homem à força para a praia e salvá-lo, e diz: “Olha aqui, meu caro, o caminho é aquele. Se quiser aqui tem o meu braço, do contrário, você fica se debatendo aqui. E se você aparecer na hora do jantar em sua casa é sinal de que você não morreu.” Não quero ser esse.

Eu sei que tudo isso contunde. Mas é por causa de uma posição de alma de alguém que não quer antes de tudo evitar o erro e encontrar a verdade, mas, que reserva para si jardinzinhos, apeguinhos e ornatinhos; que não está resolvida de ante mão a imolar a verdade. Ela de cada vez vai discutir, para depois tomar uma resolução. Eu sei que o trato comigo torna isso difícil.

(Sr. Poli: Graças a Deus, impossível.)

Impossível, não é. Olha, é tal a coisa que [desde] [o] tempo em que se generalizou no Grupo — que foi do tempo da Rua Pará para cá — é a primeira vez que eu faço por inteiro essa exposição. Vocês nunca me viram fazer essa exposição, tendo convivido comigo longamente, continuamente. Esse foi o problema.

Foi, portanto, tomar uma personalidade como ela é e empurrar de lado

[Vira a fita]

o modo de fazer isso ficava indicada uma hierarquia de valores por onde as coisas com que eu me preocupava…

(…)

mas, acontece que no quebrar esses padrões é preciso distinguir que é característica estritamente pessoal, que eu não insinuo nem um pouco que está incorporada a Contra-Revolução. Eu sou muito claro nisso. Eu não ligo isso de nenhum modo como o modo contra-revolucionário de ter esses padrões…

(…)

mas outrora eu tinha a vista muito boa. Eu não sei porque é, mas sempre foi assim comigo que: exceto manchas muito evidente, o que se chama “mancha” em roupa, eu não sabia distinguir. Eu pensei em ir ao oculista para ver se eu tinha um defeito na vista; mas eu lia tão bem, via tão bem todos os pormenores sem usar óculos nem nada que eu via que não era um defeito de vista, era uma coisa que eu não sei o que é.

Mas, às vezes, eu chegava para mamãe, transbordante de boa vontade comigo como vocês sabem, ela dizia: “Filhão olha aqui tem uma mancha e aqui tem outra”. Eu dizia: “Mas meu bem, eu não estou vendo mancha.” Ela dizia: “Mas você não vê aqui?” “Meu bem, eu não estou vendo mancha. Porque que isto mais adiante um pouco é mancha? Isso não é mancha.” Ela dava risada e dizia: “Homem, chama aqui a empregada com um pouco de água quente que eu mesma tiro.” Ela tirava a mancha, eu beijava-a e dizia: “Meu bem, até logo. Eu não sei o que melhorou aqui, mas, enfim.” Mas eu sabia que ela tinha razão, que tinha lá uma mancha. Mas eu não sabia ver.

Resultado: eu não controlava bem as empregadas que tiravam manchas de minhas roupas e, portanto, andava com roupas muitas vezes manchada. Isso não é uma coisa aristocrática e nem é uma coisa contra-revolucionária. A mancha é uma nódoa. Mas, uma vez que isso é inevitável, há um modo de superar isso dando a entender que se pode sustentar a nota aristocrática apesar disso. Não é um conselho. Nunca vocês me viram caçoar de alguém porque está com a roupa sem nenhuma mancha; nunca vocês me viram caçoar de alguém porque tem excessivo cuidado com as manchas na roupa e com o uso do traje correto. Nunca me viram fazer a menor coisa que em nada contrariasse esse bom hábito.

Porque não elogiei? Porque se eu me pusesse a elogiar dava delírio! Porque naquele tempo era uma tal preocupação com isso que dava delírio! Mas nunca contrariei isso em nada porque é uma qualidade. Em mim, era uma insuficiência visual ou não sei o quê. Mas, não se deve ver essa insuficiência como contra-revolucionária, mas é [ver] o modo de conduzir essa insuficiência, como quem diz: “É mesmo! Minha roupa está manchada, mas eu sei que apesar disso eu sou quem sou, porque eu não sou minha roupa.” Isso me parece que é uma coisa contra-revolucionária.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: O senhor comentou o trono de Felipe II que está no Escorial. É uma banqueta. O senhor disse que para ele não precisaria um trono muito pomposo porque ele era rei, o trono para ele era secundário.)

Secundário, ele estava sentado lá e era El Rey! Pronto! E Rey com “y” e agora venha!

Nisso, portanto, é preciso distinguir. Eu nunca afirmei que na aceitação de minha personalidade entrasse a aceitação desses lados. Eu afirmei que era preciso ver o modo de conduzir esses lados como é que é. Aí me parece que está direito.

Dentro do Grupo, certas pessoas constituem uma verdadeira linha nesse sentido, às vezes, até notando algumas coisas em que tinha razão. E eram coisas que por excesso de ocupação, de preocupação, etc., eu não tinha tido tempo de me aperfeiçoar. Quando chamaram a minha atenção, às vezes, com esforços para mim porque tinha outras coisas para pensar, mas para contentá-las, eu imediatamente procurei melhorar nisso.

Por exemplo, o Pacheco Salles –– é outro apóstata, estou mencionando os apóstatas para deixar o Grupo à vontade –– o Pacheco Salles e mais alguém dentro do grupo não gostavam das minhas frases longas demais e, além de longa demais, às vezes repetindo palavras. Eu verifiquei que tinha uma certa razão nisso e que eu não tinha tido tempo de aprimorar isso. Fiz um esforço: hoje vocês não encontram, debaixo de minha pena, frases longas demais e eu tenho cuidado em não repetir palavras. Como eu tenho má memória, podia me escapar, eu mostro sempre para um revisor de português, para tirar tudo o que me escapa, porque dou razão a essa crítica.

Não é portanto dizer que eu não admita críticas, eu admito até com agradecimento, como muito bom grado. Mas, uma pessoa que saiba ver que isso eu tomo com humildade, tomo com contentamento, porque é a verdadeira regra que a frase tenha –– não seja modernamente curta, um trapinho de frase –– mas não seja excessivamente longa. Eu dou razão a isso.

Não tenha o inconveniente de repetir palavras, por exemplo, repetir advérbios, dois, três, na mesma frase: é um descuido; vamos consertar esse descuido. Nesta própria humildade há uma manifestação de Contra-Revolução que é preciso saber ver.

Há assim uma porção de coisas em mim que não são afirmações minhas, de minha pessoa, mas são, pelo contrário, atos de humildade de minha parte. Mas, as pessoas que se perturbam com isso, não vêem isso.

Por exemplo, o modo pelo qual eu dou realce aos nossos príncipes dentro do Grupo, é uma coisa que não podia ir mais longe; ao pé da letra, não podia ir mais longe.

Mas no Grupo, não notam que eu elogio muito, mas, muito. Eu tenho a alegria em elogiar. Não é que eu esteja cumprindo aridamente um dever, eu tenho alegria em elogiar, às vezes, diante da própria pessoa.

Manifestações especiais de afeto para com esse, de afeto para com aquele. Eu dou protuberantemente conforme a circustância, adequado a cada um, ao modo de ser de cada um, etc. Dou com alegria de dar.

Essa alegria de dar, essa alegria de admirar, é a forma contra-revolucionária de humildade. Porque o revolucionário não gosta de admirar e para você tirar do revolucionário um elogio que não seja provocado pelo interesse, pelo egoísmo, é mais fácil tirar, de uma rocha, champagne, porque não fazem, eles não gostam de elogiar, eles não são do elogio. Pelo contrário, eu gosto de fazer, faço simplesmente.

Tomo a defesa desse, tomo à defesa daquele, mesmo quando esse ou aquele se põe numa relativa oposição contra mim, eu elogio, redobro até de afeto, etc., etc., eu faço largamente. Mais do que eu tratei de prestigiar D. Mayer dentro do Grupo, é impossível!

Essas são todas coisas… Por exemplo, eu sei que dou exemplo de muita truculência. Mas, não é verdade que eu dou exemplo também de muita condescendência?

(Sr. Pedro Paulo: O que o senhor diz é nada em comparação com o muito mais que o senhor faz…)

(…)

pôr o sapato em cima da cabeça. Não vai me dizer que ó prático-prático é a qualidade mais importante de um homem. Nessa eu não vou. Pode desistir porque eu não vou. Admirar um homem porque é colosso do prático-prático encontra em mim uma barreira de condicionalidade: “ser prático-prático é muito bom, mas a Contra-Revolução tem o direito de esperar de você coisa melhor do que o seu ótimo prático-prático. Você não tem o direito de me sonegar a melhor parte de sua alma para me fazer aceitar o seu prático-prático. Eu não me vendo!”

Assim nós poderíamos dizer grossas coisas.

A famosa pergunta: “Você não prepara a sua sucessão?” A questão é que, quase tudo que há dez anos atrás eu fazia, hoje é feito por outros. Por exemplo, essas semanas de estudo em Amparo. Antigamente eu estaria a par dos últimos pormenores; hoje, se fazem e eu nem sei qual é o programa. Isto é preparar a sucessão. Quero dizer que há portanto de minha parte um modus operandi que, ainda que eu não esteja preocupado em preparar a minha sucessão, a prepara. Vocês nunca me viram preocupado em preparar a minha sucessão, mas eu sei que o operar reto vai preparando a sucessão no que ela pode ser preparada porque ninguém pode ir mais longe do que isso.

(Sr. Nelson Frageli: Em todas as direitas européias os líderes escondem os modos deles operar, não passam nem para os seus colaboradores imediatos.)

É isso. Pois bem, eu estou, pelo contrário, sempre oferecendo de explicar, de pôr ao alcance.

Há aqui uma outra coisa que eles não querem ver, é que, a agressividade contra o mal não exclui a delicadeza de alma e que, todas essas formas de delicadezas de alma que convivem com a agressividade contra o mal. Mais ainda, são o pendant necessário: uma coisa, da outra, etc. E que a culminância de tudo isso dá no “tal enquanto tal”; é o ponto alto, o vértice. De tudo isso, fazendo uma síntese, dá no “tal enquanto tal”.

Faz parte do meu espírito um verdadeiro fervor –– porque a palavra é essa –– no admirar as mais variadas manifestações verdadeiras da Igreja verdadeira. Por exemplo, isso é um fato concreto, no Concílio eles rezaram –– aliás, isso é uma coisa muito bonita, fazia bem –– não sei se durante todo o Concílio ou foi um período, rezavam todo dia no Concílio a Missa segundo um dos ritos. Então com toda a pompa, esplendor, que aquele rito compreendia. Naturalmente o rito grego — não precisa nem dizer —, mas depois os outros ritos: malabar, e esse, aquele, todos os ritos representavam.

Um dia, D. Mayer voltou da Igreja de São Pedro e:

D. Mayer, que tal foi o Concílio?

Ah! Uma negrada! Tocou lá o rito copta. É um bum! Bum-bum! Uma coisa horrorosa.

Nunca vocês me ouviram dizer isso. Mas não é apenas fazendo uma auto-censura sobre mim mesmo. Não é não. É porque vendo os negros agirem sob o sopro da graça, na produção de um rito que é um rito que a Igreja assumiu como d’Ela, eu espero que eu saberia ver ali a obra do Espírito Santo e que eu saberia me encantar. Era a Igreja palpitando com as graças do Espírito Santo dentro da alma de um negro.

Por exemplo, ver esses pobres exemplares melquitas na Igreja de Nossa Senhora do Paraíso. Outro dia, com inconveniente para nosso horário, eu vi aberta a Igreja Católica romana Armênia, na Avenida Tiradentes. Fernando acho que você estava comigo.

(Sr. Fernando Antúnez: Sim.)

Paramos. Havia um pouquinho de má-vontade na porta para deixar entrar porque eles estavam levando lá não sei o quê. Apesar disso, entrei e fui rezar na Igreja de rito armênio, para respirar os ares armênios da Igreja Católica. Aliás, é preciso dizer, uma miséria! Porque era um barracão de comerciantes armênios desnacionalizados morando em São Paulo. Não havia uma imagem de Nossa Senhora! Não preciso dizer mais nada. Mas, minha atenção era de ter visto o rito armênio. Quer dizer, tempos antigos da Igreja, que não existem mais. A surpresa desse rito eu não tomaria como uma apunhalada em mim, que não tenho nada de armênio.

O Império Bizantino: eu lamento que tenha caído no cisma e na heresia, mas, como se fosse mais do que um infortúnio pessoal para mim porque eu vejo as graças, as pompas, as belezas daquilo tudo, o que poderiam ter dado para adornar a Igreja e como não foi, “que tristeza”, etc., etc.…

Quer dizer, vivendo com a Igreja em todos os tempos, com a Civilização Cristã em todos os tempos.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: O senhor também toma o Antigo Testamento.)

É o nosso espírito muito largo, muito aberto e tendo toda a História… Meus caros, mas quem toda a História tem a noção, não só do calendário, mas também do relógio…, eu lamento muito mas temos que nos despedir.

Por fim, cortando com esta idéia: “Dr. Plinio, um homem doutrinador, cuja doutrina a gente confere com a Igreja. Se está bem, está bom; do contrário, nós metemos um ponta pé! O único exemplo que ele dá é operativo. O exemplo da vida, da personalidade dele não entra, por isso não é matéria para um católico olhar no outro.”

Esse é o ponto errado porque isso é matéria para um católico olhar no outro. Do que serve a graça do discernimento dos espíritos se não é para isso; e, algum tanto dessa graça, todo católico tem.

(Sr. Poli: E para nós é um ponto essencial.)

Essencial. Mesmo porque ninguém faz Contra-Revolução sem ter um tanto de discernimento dos espíritos.

(Sr. Paulo Henrique Chaves: Desculpa abaixar muito o nível, mas ouvindo uma reunião capitular do Cantoni, onde ele reúne todo o pessoal mais velho dele, ele fala ex-professo, ele disse: “Se me chamarem para mostrar o belo, eu não vou ver; se me chamarem para ver –– não sei–– tal coisa, não vou ver; mas se chamarem para ver o escrito de como eu vou transmitir o belo, aí vou estudar para transmitir para os senhores”. A idéia era essa. A respeito do senhor ele disse: “Eu já fui lá uma vez, conheço pessoalmente o Dr. Plinio, agora o que me interessa é a produção intelectual dele.)

É o contrário, mas, esse é o Cantoni. Inteiro. E é, coitado, inclusive a razão do repulsivo que há nele, porque ele liquidou a pessoa dele e a gente sente que por de trás tem ele vivo, mas vivo de outro jeito…

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1ºAndar