Conversa de Sábado à Noite (Alagoas, 1º andar) – 6/10/1984 – Sábado [AC VII ‑ 10/84.4] – p. 11 de 11

Conversa de Sábado à Noite (Alagoas, 1º andar) — 6/10/1984 — Sábado [AC VII ‑ 10/84.4]

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Uma admiração de caráter doutrinário é uma admiração diante da qual o homem não se sustenta por muito tempo” * Nossa Senhora deu a nosso Pai e Senhor a profundidade de espírito, a facilidade para, observando pessoas, ambientes, povos, coisas, fazer a aplicação concreta por meio de parábolas — O mesmo deu-se com os princípios do catecismo * O choque do Sr. Dr. Plinio com a mentalidade cow-boy, o oposto do seu modo ver as coisas * O Sagrado Coração de Jesus “é a grandeza enquanto atraindo, protegendo, perdoando, e não enquanto pondo o sujeito no lugar e dando uma lição de hierarquia — Mas a lição de hierarquia está ali presente” * Há uma porção de estados de espíritos no homem que sugerem analogias com coisas que acontecem na natureza, na vida material, etc… — Donde a admiração ser muito mais fácil a coisas doutrinárias que se reportam a essas analogias * O que está sendo dito nesta reunião é uma evidente defesa da pureza — O oposto, foi a atitude tomada pelos romanos, que se negaram a admirar e caíram na homossexualidade * O aspecto que mais extasiava o Sr. Dr. Plinio na Sra. Da. Lucilia era o carinho dela para com ele — Quando chegou na velhice dela, nosso Pai e Senhor ajudou-a no seu “naufrágio” * Unir-se é ver, admirar, inalar, receber, acolher e modelar-se!

maple, ou “meiple”, não sei como é…

(Sr. Fernando Antúnez: É uma árvore canadense…)

(Sr. Carlos Antúnez: É um estilo de móvel.)

É um tipo de móvel, não é? E acho que era assim.

Isso era muito freqüente.

(Sr. Guerreiro Dantas: Era uma época.)

Era uma época em que há ainda uma vaga influência francesa no torneio do móvel, mas já é o fim… É como quem diz “adeusinho” com a ponta do dedo central para a influência francesa.

É o último toque…

Mas, então, o que é que me contam? O que é que me dizem? O que me perguntam? O que é que têm?

* “Uma admiração de caráter doutrinário é uma admiração diante da qual o homem não se sustenta por muito tempo”

(Sr. Carlos Antúnez: O senhor poderia tratar de importância da admiração no processo RCR? O senhor ia tratar ontem, mas não tratou.)

Não, eu concordo completamente com você. A questão é arranjar um modo de dizer que, tanto quanto minha memória ajude, não tenha sido dito já antes, porque eu tenho tratado muito do assunto.

É preciso arranjar um jeito de dizer de um modo diferente.

Sobre a admiração…vamos tratar no seguinte sentido a palavra admiração:

Num curso de catecismo como vocês tiveram… Vocês todos fizeram seus cursos de catecismo na época pré-conciliar e, portanto, os cursos de catecismos eram inteiramente padronizados.

Eu tenho certeza que se comparar o catecismo do meu tempo com o de vocês, apenas haverá mudança de ortografia, mais nada. É aquela coisa — o que, aliás, tem seu lado muito louvável: “És cristão? Sim, sou cristão pela graça de Deus, porque ser cristão é crer e professar a doutrina… é ser batizado. Crer é professar a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo…”, tátátá. E é longe de ser um tátátá… é um escachoar de esplendores, mas que é apresentado sob a forma do tátátá…

Mas aquilo causa admiração? Causa, e todos nós tivemos assim umas fugazes admirações ao longo do curso do catecismo, depois ao longo da vida com aquilo que aprendemos no catecismo.

Quer dizer, de vez em quando, um ou outro aspecto passa diante do espírito. É muito raro, mas a gente acha aquilo bonito e depois fica aquilo depositado. É uma admiração de caráter doutrinário e uma admiração diante da qual o homem não se sustenta por muito tempo. Pelo menos o homem comum. Porque sendo apenas doutrinário, não tem o necessário para o espírito do homem comum se sustentar naquilo.

* Nossa Senhora deu a nosso Pai e Senhor a profundidade de espírito, a facilidade para, observando pessoas, ambientes, povos, coisas, fazer a aplicação concreta por meio de parábolas — O mesmo deu-se com os princípios do catecismo

Se… como é que minha posição admirativa perante estes princípios teve um pouco mais de longevidade, durou um pouco mais, do que de outros?

É porque Nossa Senhora me deu… de um lado é uma certa profundidade de espírito, mas de outro lado, coisa muito importante — e é o lado que convém dizer —, ao meu ver, porque é o lado pouco desenvolvido: uma facilidade e uma porção de estados de alma de pessoas que eu conheci, ou de que li e ouvir falar, mas eu posso imaginar como é o estado de alma, pelo o que eu ouvi e falar.

E depois também, pelo mecanismo “Ambientes, Costumes”, por uma série de coisas, de interiores de casas, aspectos de fachadas, de paisagens, de plantas, de animais e de coisas, que têm uma relação com isso. Quer dizer, se vocês quiserem usar a expressão, é uma fabulação muito…

(Sr. Nelson Fragelli: Muito interessante. O senhor poderia dar exemplo? Isto nunca tinha ouvido.)

É, mas é assim. Eu posso dar daqui a pouquinho um exemplo.

Fabulação, quer dizer, transformação do princípio na fábula, mas seria muito mais correto dizer “Parabolização”, daquilo que foi visto no catecismo, no princípio. A aplicação da coisa.

Então, exemplo característico:

Toda vida eu fui muito sensível… vocês me dirão que é uma tolice, mas cada um de nós é de um determinado jeito. Eu estou falando a meu respeito, porque me conheço mais intimamente. Não quer dizer que me conheça melhor, mas pelo menos me conheço mais intimamente do que conheço a outros. De maneira que falo de mim, não tem remédio; mas não conheço essas coisinhas nos outros como são. E é uma reunião de coisinhas imensamente importantes que conduz a este tema.

Então, enquanto eu tive desinteresse toda a vida, por esses calicezinhos de licor, pequenos, bonitinhos, mas não me dizem nada, os cálices grandes de um tipo que se deixou de usar já no século XIX, toda vida me interessaram muito, me disseram muito.

Primeiro de tudo cálice de missa. Os cálices usados na missa, toda a vida me disseram enormemente; falaram‑me enormemente. Por quê? Podia me fazer um “Ambientes, Costumes, Civilizações” sobre os cálices.

Agora, de outro lado também, certos outros cálices mais antigos que tinham forma de cálice, mas eram propriamente umas taças. Então, na Idade Média, com aqueles cabos cheios de pedras preciosas, etc., ajudar a segurar, e pesados. Mas nos quais se punha um vinho generoso e abundante, está entendendo? E que eu, amigo do vermelho, gosto de imaginar Bourgogne. Bom, e beber aquilo, me parece que aquilo é nobre, que aquilo dá alento ao homem; que dá circulação à vida. A natureza se torna mais robusta, etc… Sobretudo se o cálice é um pouco brutão. Então, de um cristal grosso, quase uma rocha, dentro da qual se cavou um cálice. Ou, se é um cálice para ser bebido por algum par de Carlos Magno, daqueles de rachar de meio… Cálice mais de Roland do que de Olivier, ouviu?

Me parece muito convidativo. Me fala muito da mentalidade humana. Agora, de que mentalidade humana? Eu não sei por que é que é, mas me fala da mentalidade humana enquanto realizando a síntese do pensamento. Parece que cálice contém uma coisa que a conclusão geral, a conclusão síntese, está no ponto onde o cálice encosta no pé. E que agarrar aquilo…

Então, também, no cálice da missa, é o holocausto por várias razões considerado, e que se fecha efetivamente no propósito do martírio e no martírio. E aquilo vai… levantar aquilo… um ouro! Mas de tout beauté! De tout beauté! De tal maneira que a elevação do cálice, sempre, e até hoje, produz em mim muito efeito. Porque eu sei, porque a Fé me ensina que ali está o Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas porque o holocausto feito na missa, este holocausto se simboliza muito para mim pelo cálice.

Então, você vê, cálice… a idéia, a verdade de Fé, muito relacionada com um objeto que está a serviço desta verdade de Fé. E uma facilidade muito grande, por isso, de guardar o princípio. Por causa exatamente de um objeto que fixa a parábola do princípio. E que dá ao princípio uma espécie de vida que, para o meu modo de ser — para um indivíduo mais intelectual talvez não seja assim —, é absolutamente indispensável.

Bom, e por um jogo de relacionamento fácil, eu tenho… faço rapidamente. Mas, em geral, isto não se perde num esparramar de parábola, no meio das quais eu nem sei como me mover depois. Mas cunha algumas coisas, e aquilo fica, pan! está acabado. Fica posto ali.

* “A admiração em nós é uma operação de anjos, é uma operação de homens, em que os princípios precisam estar associados, conjugados, relacionados, para de fato estarem bem, e daí subir, por assim dizer, explodir a admiração — Mas no meu catecismo não se ensinava isto!”

Uma coisa que não tem nada que ver com cálice — não tem nada! tem algo a ver com cálice —, mas que produz em meu espírito um efeito análogo, é lamparina. Lamparinas bonitas, bem arranjadas, havia antigamente muitas. Vocês não alcançaram, ou talvez alcançaram. A lamparina na qual se põe aquela chamazinha e que fica ardendo. As lamparinas sempre têm um valor extraordinário, mas tem um aspecto simbólico que vocês facilmente compreenderão.

Eu tenho, graças a Nossa Senhora, uma facilidade por onde pegando alguma coisa da lamparina, pegando alguma coisa da vigília noturna, por exemplo, diante do Santíssimo Sacramento, olhando para a lamparina, a série de considerações doutrinárias que se faz sobre a vigília noturna, pousam sobre a lamparina, e tomam essa lamparina como símbolo, e que dão uma proporção humana àquela consideração teórica, não é? Que para meu uso pessoal… eu não vou estar dizendo isto para este, para aquele, ou para aquele outro, eu reservo para meu uso pessoal, mas para meu uso pessoal significa muito.

E que dão, então, ao princípio do catecismo um complemento de facilidade de admirar. Não sei se está claro?

(Sr. Nelson Fragelli: Na Igreja é sempre assim: a forma é adequada ao princípio. E no senhor, isto desde pequeno era natural?)

É, era natural. Por exemplo, vamos dizer, mármores muito bonitos empregados numa igreja, me dizem logo alguma coisa.

Por exemplo, dessas coisas, mármores… igrejas. Você falou no meu tempo de pequeno. São igrejinhas paroquiais da São Paulinho que eu conheci, e diante das quais eu me extasiei a justo título, mas são igrejinhas. A igreja de Santa Cecília, por exemplo, é igrejinha paroquial. Mas tem uma capela do Santíssimo Sacramento com uns mármores de Carrara, da Itália, bons. Não é o grande mármore de Carrara, nem de longe, mas são bons mármores de Carrara. Que representam uns desenhos geométricos.

Eu fiquei encantando com aquilo. E aqueles princípios geométricos se assimilaram em meu espírito a uma certa lógica, a uma certa força, a uma certa coerência, que a força conferida pelo Santíssimo, pela comunhão, dá à alma e exige da alma.

Assim, mil coisas.

(Sr. Nelson Fragelli: Com o incenso, o que é que ocorria?)

Ah! uma coisa fenomenal! É a alma humana que sobe na oração, mas a alma sacrificada, dolorida, que está queimando, e que faz subir a Deus uma oração de agradável odor. Mas também a homenagem respeitosa, nobre, aristocrática, que sobe até o trono de Deus.

E é também, depois que o incenso se esparrama bem na Igreja, dá a impressão que as nuvens do Céu vieram povoar a igreja, e que a igreja ficou meio conatural com o Céu. É uma porção de… mil coisas assim. Mas, como a mim falam muito, muito agudamente, eu toda vida relacionei com os princípios e coisas que estão ligados àquilo. E facilitam a admiração pelo princípio.

Porque a admiração em nós é uma operação de anjos, é uma operação de homens, em que os princípios precisam estar associados, conjugados, relacionados, para de fato estarem bem, e daí subir, por assim dizer, explodir a admiração. Mas no meu catecismo não se ensinava isto!

Até pelo contrário, ficava meio insinuado que não era assim. Pelo absoluto silêncio sobre este aspecto das coisas, ficava meio insinuado que não era assim.

Agora, depois isto com outras coisas da vida, uma multidão de coisas da vida. Por exemplo, eu cai os olhos num quadrinho que tem ali, que representa uma caravela, um navio de velas em todo caso, que está saindo da laguna de Veneza e demandando o mar. Estas velas… aquilo, por exemplo, a mim me diz uma porção de coisas. Não pretendo nem um pouco que seja um grande quadro, mas é um quadro bom; quem quiser se aproximar lá para ver melhor pode também, o que quiser. Não é uma maravilha. Mas a água está apresentada num colorido muito matinal. Uma espécie de azul ligeiramente esverdeado — azul de mar —, que parece quase uma pedra preciosa.

E por detrás, em contraste com a serenidade matinal do mar, está uma acumulação de nuvens, ainda luminosas, mas que para mim falam de um porvir que vai ser borrascoso para a nau. Mas a nau parece sair de lá com a tripulação inconsciente destas nuvens e toda enlevada com a água. E as velas enfunadas parecem exprimir o desígnio humano de navegar, enfunado pela esperança da navegação bem sucedida, da boa esperança da navegação, e da alegria da viagem, da mudança, do lucro e do risco.

Me parece estar ali. Agora, daí, uma facilidade muito grande de admirar aquilo. Não estou dizendo o quadro enquanto quadro, não estou analisando isto. Estou dizendo a paisagem. Teria mais valor ainda, se eu a visse não numa tela, mas a visse na realidade. A cena, portanto. Aquilo é uma cena. O valor da cena representaria mil aspectos da alma humana nobres, que eu passo a definir.

Um é uma espécie de mobilidade leve, e decidida, rumo ao desconhecido; que é o passo da coragem. O passo do destemor é assim. Depois, de outro lado, uma espécie de altura, a vela, o mastro central parece desafiar o mar, tem assim uma atitude ligeiramente de grand seigneur em relação ao mar. Como quem diz: “É, eu te vejo de cima, e tu não me engolirás”.

Mas de outro lado, de outro lado, as saudades pesam em algo. O barco não está saindo muito depressa. Ele parece estar dizendo um discreto adeus à terra que fica. E por fim, a borrasca atrás parece dizer que os que estão navegando lá estão com a alma decidida ao risco. Bem, lembra estados de alma muito bonitos.

(Sr. R. G.: Estão magníficos os comentários.)

Mas é isto.

* O choque do Sr. Dr. Plinio com a mentalidade cow-boy, o oposto do seu modo ver as coisas

Bem, mas note agora o choque: se opunha diametralmente a análogos estados de espírito nos filmes de cow‑boy norte‑americanos no tempo de minha primeira mocidade. Em que havia o gosto do risco, da aventura, etc., em que nada era assim. E daí, já que a palavra opção está na moda, uma opção violentamente preferencial por um certo modo de ver as coisas que está ali e não está no filme de cow-boy.

Bem, eu não sei se vocês notam que por detrás disso estão princípios; e que os princípios ficam mais fáceis de serem amados quando [se] faz essas correlações.

Agora, daí nasce a admiração. Porque assim é fácil admirar. Agora, você imagine que pusesse em sua mão um tratadinho intitulado: “Das virtudes do navegante”… E vem: 1, 2, 3, 4, 5… Pode ser muito verdadeiro, muito apreciável. Eu gostaria muito de ter esse tratadinho para ordenar, para dar o sentido profundo das impressões que aquilo me causa. Enormemente, mas enormemente! Mas a impressão tem seu papel. Na admiração, no éclat da admiração, a impressão tem seu papel.

Eu creio já ter dito isto em outros termos a vocês, mas…

* O Sagrado Coração de Jesus “é a grandeza enquanto atraindo, protegendo, perdoando, e não enquanto pondo o sujeito no lugar e dando uma lição de hierarquia — Mas a lição de hierarquia está ali presente”

(Sr. Poli: Sobre o Coração de Jesus.)

O Coração de Jesus, por exemplo… a igreja lá…

(Sr. Poli: Não, estava pensando na imagem. Esta aqui ou outra…)

Eu gosto desta imagem muito, a venero muito. Mas ela é muito menos boa como imagem, do que aquilo como quadro. E ela é muito menos rica em expressões várias do que o quadro.

(Sr. Poli: Queria perguntar ao senhor qual a impressão que causa ao senhor o Coração de Jesus em si.)

Ah! bom, aí é diferente. É, em seu aspecto afável e doce, a própria perfeição. Enquanto o Coração de Jesus é de uma superioridade infinita em relação a qualquer pessoa que se achegue a Ele. Mas de uma destas superioridades que nem sei como qualificar… É total! Quer dizer, o homem só não se surpreende com o Sagrado Coração de Jesus, porque o homem é de pedra! Mais pedra do que aquele alabastro lá…

Mas, então, com esta surpresa, uma atração enorme!

É a grandeza enquanto atraindo, protegendo, perdoando, e não enquanto pondo o sujeito no lugar e dando uma lição de hierarquia. Mas a lição de hierarquia está ali presente. Quer dizer, impossível olhar para Nosso Senhor sem cair de joelhos. Isto, em qualquer leitura do Evangelho, queiramos ou não queiramos fazemos uma imagem mental de Nosso Senhor. Qualquer leitura. E esta imagem mental é sempre uma imagem que leva a pessoa a se ajoelhar. Bom, com o coração à mostra, ainda muito mais.

Você toma, por exemplo, as várias cenas do Evangelho, e que estão na linha do Sagrado Coração de Jesus. Nosso Senhor dormindo no barco, durante a tempestade. Nosso Senhor dormindo no barco…

Olhe, a coisa mais comum que pode haver. Um marzinho… um barquinho ordinário, e um homem com uma túnica só, pobre — só que tem que esta túnica era inconsútil, e que crescia com ELe, mas era uma túnica pobre —, deitado e dormindo. Mas o sono do Sagrado Coração de Jesus, que harmonia! Que doçura, que perfeição… Quanta reflexão dentro deste sono! Que elevação deste repouso. O mérito santíssimo daquele cansaço que assim se desprendia d’Ele, e que assim subia como holocausto até o Céu.

O contágio do repouso d’Ele, para quem O olhasse, da paz d’Ele, para quem O olhasse. Nunca seria possível aproximar‑se d’Ele e vê‑Lo dormindo, sem a gente imediatamente se ajoelhar. No que diz respeito a mim, uma vontade enorme de tocar nEle, e uma falta de coragem! Como é possível tocar nEle! Nem no vestido d’Ele, na roupa d’Ele, em que tocou aquela mulher, eu ousaria tocar. O lugar aonde se soube que Ele pousou os pés, se não deixou marca, ali eu ousaria oscular. Se deixou eu não ousaria. Porque é Deus! Não tem…

Você pode imaginar como é que os cabelos d’Ele durante o sono se dispunham em torno dos ombros… com uma certa naturalidade, não ornamentalmente, mas com uma certa naturalidade, mas que efeitos produziam? Os olhos baixos d’Ele, e a respiração do sono nEle, perfeitíssima, e exalando amor àquele que de olhos fechados Ele via! O que é que se passava durante o sono d’Ele… O que é que significa o sono d’Ele. Incontestavelmente dormia. Mas, não é como o nosso sono. Não será que Ele dormia e rezava enquanto dormia, falava com o Padre Eterno? A natureza divina d’Ele certamente. E o que é que falava?

E será que não teria conhecimento que você ou eu estávamos lá perto? E não estava nos comunicando graças durante este tempo, e ao mesmo tempo dormindo?

Agora, o furor se alguém viesse dizer, do lado de lá do lago, tem gente que trama a morte d’Ele. “Eu sei, mas eu vou arranjá‑los la plus belle façon. Mas acontecerá qualquer coisa, menos que toquem nEle. Bandidos!”. Eu acho que a única coisa que poderia distrair um homem do fato d’Ele estar lá é a idéia de que os assassinos estivessem ali perto.

Mas você vê ainda nisso, entrava uma admiração sem limite. Sem limite! Mas como é maravilhoso admirar! Aí sim sentir‑se pequeno, que coisa maravilhosa! Não acham não?

Bom, então aí entraria toda uma teoria da admiração!

Agora, isto tem uma recíproca, é de a gente não ser capaz de ver uma coisa sem reportar até lá. E, portanto, certas admirações que eu vi, me deixando écrier

(…)

* Há uma porção de estados de espíritos no homem que sugerem analogias com coisas que acontecem na natureza, na vida material, etc… — Donde a admiração ser muito mais fácil a coisas doutrinárias que se reportam a essas analogias

em conversas, mas grossas, conselhos de Estado: “Você acha que iria bem aqui uma graphe, ou não iria? Esta coisa aqui deve [ser] azul ou não? Deve ser verde? Fica bem um pouco de amarelo aqui?”. E debates, debates… Depois de ser feito o plano era levado à costureira. A grande casa de modas em São Paulo, era La Saison. La Saison de l’Année, uma casa que fazia vestidos para senhoras de acordo com a estação do ano. A casa não era francesa, devia ser de uma judia chamada Da. Francisquinha.

A Da. Francisquinha parecia que entendia do métier, sabia, sobretudo, ganhar dinheiro, fazia muita fortuna. E sabia muito bem agradar senhoras ricas. Ihhh! na perfeição! E era “francesosa”. A Da. Francisquinha era “francesosa”.

Mas, então, chegavam lá na Francisquinha, com um pimpolho chamado Plinio, pela mão, e desolado de ter que entrar dentro da casa de Da. Francisquinha. Tinha uma caceteação sem nome! Tanto mais que a cliente e a Da. Francisquinha esqueciam absolutamente que o pimpolho existia. E embarcavam lá nas suas elaborações infindas. Porque a Da. Francisquinha devia fazer a crítica, mas quão amável e respeitosa devia ser a crítica, para não perder a freguesa. Vocês podem bem imaginar, não é?

Bem, a crítica, novas sugestões. Então, as vendeuses traziam pilhas de revistas que colocavam sobre a mesa, etc., e debatiam. E de passagem comentavam este ou aquele vestido que não iam fazer. De maneira que uma sessão com a Da. Francisquinha, o mínimo que levava, logo de cara, uma meia hora. Mas para um menino, uma meia hora sem ar!… Isto teria sido com vocês também, qualquer menino…

Bom.

(…)

de flores. Mas você tem que imaginar tudo isso na São Paulinho. Na São Paulinho pequena, muito rica, sempre foi rica e totalmente europeizada. Então, havia uma casa de flores, que se não me engano chamada La Rose de France. Você está vendo a influência francesa em tudo. Esta influência francesa sim, eu hauri de todos os jeitos, a plenos pulmões, de todo modo, etc… E era como as outras floristas daquele tempo, um vidro que tomava toda a vitrine e do lado de lá flores. De repente, esta La Rose de France, resolveu pôr um sistema de umectar continuamente a parede, de maneira a conservar melhor as flores que estavam atrás. Mas era uma água, que eu não sei como eles faziam, talvez seja um sistema muito simples, nunca perguntei, porque eu sei que eu não ia entender o mecanismo, de maneira que eu já não perguntava. É a resignação do cego: não pergunta qual é a cor de alguma coisa, porque não vai ver. Também não perguntava estas coisas.

Mas era uma coisa única que num vidro que teria talvez a largura daquela janela — por exemplo, digamos… para loja de hoje é muito pequena — dividido. Suponha que cada gomo daquela cortina colorida, a cada gomo correspondesse um arcozinho de água que caía formando arco. E continuamente, ao longo de toda a cortina, em série, ao longo de toda vitrine, mas tomando o vidro inteiro, assim, em pequenos arcos de água, que caiam formando fila.

E formava uma espécie de cortina de água transparente, formando uma espécie de babadozinho, mas que era uma coisa linda.

Eu me lembro que indo ao colégio de bonde, passei em frente aquilo. Eu vi, como um menino pode olhar para uma casa de flores que está na passagem de seu bonde. Eu, de repente, notei aquela modificação naquela cortina, aquilo internamente para mim: “Ahhh! Que maravilha! Se eu pudesse eu descia para ir olhar lá em frente. Não posso, não vou descer. Mas que coisa estupenda, encantei‑me, admirei enormemente!”.

Por quê? Porque há uma porção de estados de espíritos no homem que cortinas desse gênero me sugerem, e que a água disposta assim sugere ainda mais. Donde uma admiração, porque tem uma relação com a alma humana. Com aspectos históricos, situações históricas que foram assim, etc…. Donde a admiração ser muito mais fácil a coisas doutrinárias que se reportavam a isto.

(Sr. Nelson Fragelli: Eu vejo bem isso, porque a facilidade que o senhor tem de encontrar exemplos…)

Está ligado a isto.

(Sr. Nelson Fragelli: E o senhor tira exemplos da História, da vida do senhor…)

De onde der, não é? Mas é por causa deste relacionamento fácil, mas que facilita enormemente a admiração. Agora, lado prático disto. Eu me pergunto se nós todos não poderíamos adquirir se quiséssemos.

* O que está sendo dito nesta reunião é uma evidente defesa da pureza — O oposto, foi a atitude tomada pelos romanos, que se negaram a admirar e caíram na homossexualidade

(Sr. Carlos Antúnez: Só na união com o senhor.)

Bom, a expressão Santa Igreja, diz que a Igreja é santa. E isto intelectivamente se compreende o que é a santidade, e que a Igreja é santa. Qualquer um entende isso. Mas há uma beleza na expressão Santa Igreja, que faz reluzir esta verdade. Não sei se vocês sentem isto como eu… Mas a Santa Igreja é uma coisa celeste, divina! A Santa Igreja Católica Apostólica Romana… A própria cadência dos adjetivos, é de uma beleza extraordinária!

Agora, um simples tratado de Teologia, para quem é insensível a isto que nós estamos dizendo, deixa a alma com todos os elementos para a admiração? Eu não creio. Estou longe de menosprezar o tratado de Teologia. Eu acho que o tratado de Teologia, como contém a verdade expressa, é muito mais importante do que isso.

Mas eu não quero dizer que na alma humana não deve estar dissociada disto.

(Dr. Edwaldo: Deus criou as coisas para isto.)

Para isto. Tudo que está criado aí, foi para isto.

Inclusive o vocabulário humano, é criado para exprimir estas coisas. Não é criado só para isto, mas é criado também para isto, numa função que a meu ver é altamente conveniente ou é necessária.

(Dr. Edwaldo: São Paulo critica os romanos por causa disto. Eles podiam conhecer Deus através deste meio, e não quiseram. Por isso caíram nas piores abominações.)

Mas aí é que está, eles não tinham a capacidade, o desejo de amar estas coisas assim. Capacidade próxima, germinativa todo povo tem. Então, cai na imoralidade. Eu acho que isto que eu estou dizendo aqui é uma defesa da pureza. A meu ver é até evidente uma defesa da pureza.

(Dr. Edwaldo: Eles caíram numa homossexualidade brutal.)

Eu falei por isso, estou me lembrando da homossexualidade. Bem…

(Sr. Carlos Antúnez: Santo Inácio disse que não acredita no amor de Deus de um homem que não goste do incenso.)

Você vê que coisa adequada, coisa estupenda. É bem Santo Inácio isto.

Agora, acontece o seguinte: no espírito de vocês a Revolução pôs que se deve estancar os surtos de alma que vão nesse sentido.

Porque forma um homem fantasioso, inútil nas suas elucubrações e desviado. Não é bem verdade isto?

(…)

técnica, realizar um progresso extraordinário.

Aqueles relógios medievais, por exemplo, são obras-primas de mecânica. Para citar só isto. Mas é uma mecânica vista com outros olhos. É outra coisa. A finalidade não era fazer funcionar a máquina, mas era fazer funcionar a figurinha, e a máquina era apenas mais ou menos como um homem que põe encanamentos na casa, não para ordenar a casa pondo canos, mas pela beleza da água, pela excelência, pela utilidade da água.

* O aspecto que mais extasiava o Sr. Dr. Plinio na Sra. Da. Lucilia era o carinho dela para com ele — Quando chegou na velhice dela, nosso Pai e Senhor ajudou-a no seu “naufrágio”

(Sr. Poli: Na vida do senhor, como é que o senhor foi descobrindo aspectos que extasiavam o senhor vendo a Sra. Da. Lucilia, nas várias etapas da vida do senhor?)

Isto eu me lembro bem, e creio que já contei a vocês.

Era o carinho dela. Eu acordava durante a noite com insônias, e que ela me trazia para junto dela na cama, e começava a brincar comigo, e que eu tinha a inconsciência de me sentar sobre o peito dela, e abrir os olhos dela com as mãos. Onde a minha truculência já se anunciava. Eu percebia que ela estava com sono, desvairada de sono, e ela abria os olhos, me olhava com afeto e imediatamente me dizia: “Meu filho!”. E sentava, e me punha sentado no travesseiro dela, tirava o travesseiro e punha sentado no travesseiro dela — era uma criança de dois, três anos — e começava a brincar comigo.

Ela me tinha salvado daquele naufrágio, que era de estar acordado sozinho num quarto escuro, por onde apenas por uma bandeira de uma porta entrava um pouco de luz. Me tinha salvado do desespero. Mas com que abundância, com que bondade!

Quando tinha o sono, ela me deitava, brincava um pouquinho comigo, dormia. Eu, naquele tempo pensava: “Querer bem é assim, e com ela eu me arranjo!”. Naquele tempo eu pensava já isto. Mas não era um pensamento utilitário não. O querer bem é assim… Minha idéia era: “Eu preciso querê‑la assim, e já estou querendo assim”. [Vira a fita]

(Sr. Carlos Antúnez: O afeto do senhor é assim.)

Quando chegou a velhice dela, eu a ajudei no naufrágio, não é? Porque a solidão naquela velhice, seria um naufrágio, do qual a solidão da criança, no quarto de noite era uma imagem. E creio ter feito com ela, o que ela fez comigo. Não é? E estava bem, estava muito bom. Então, para responder sua pergunta.

(Sr. Poli: E depois, quando o senhor era mais velho…)

Não… meu filho, o que eu estou achando é que o princípio fugit se aplica…

* Unir‑se é ver, admirar, inalar, receber, acolher e modelar‑se!

(Sr. Nelson Fragelli: O senhor pôs uma pergunta e eu interrompi: se não há uma forma de união com o senhor que produz isto?)

É. Por exemplo, de mamãe comigo. Eu a vendo querer‑me bem daquele jeito, eu aprendi com ela, nela, a querê‑la bem do mesmo jeito. Isto é união. Quando a gente vê alguma coisa em alguém e ama de maneira a modelar seu espírito de acordo com aquilo.

Bom, subindo infinitamente de ponto, quem olhasse Nosso Senhor dormindo na barca, ou era de uma ingratidão soberana, ou sairia de lá com outra alma. Por quê? Porque unir‑se é isso.

É ver, admirar e inalar! Receber, acolher e modelar‑se! Isto é unir‑se.

Então, é uma coisa muito dura!

(…)

Fugit se aplica… irrecorrivelmente! Quer dizer, que não quero continuar a cansá‑los!

(Sr. Nelson Fragelli: Precisamos continuar na próxima vez.)

Se me lembrarem, vamos até lá. Então, vamos rezar!

Nós rezamos a Oração da Restauração, não é isso?

(Sr. –: Sim, senhor.)

Há momentos Minha Mãe…

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