Conversa
de Sábado à Noite – 28/7/1984 [TipoReuniao] –
[DataReuniao] – p.
Conversa de Sábado à Noite — 28/7/1984 — Sábado [CSN 054]
Comentários sobre a Sala dos Alardos * O estandarte das catacumbas e o estandarte constantiniano * História das gravuras de Luís XVI e de Maria Antonieta * Comentários sobre Luís XVI e Maria Antonieta * Como o Sr. Dr. Plinio conseguiu os vitrais no Colégio Des Oiseaux * Os jarrões * O choque contra-revolucionário produzido pela Sala dos Alardos * As salas reflexivas e a Sala dos Alardos, que prepara para o combate
Bom, para ganhar tempo, vamos começar por rezar três Ave Marias...
[Orações]
Fecha a porta da capela porque faz uma ventania insuportável.
* Comentários sobre a Sala dos Alardos
Minha pergunta começa por ser aos mais velhos, se tinham alguma coisa para perguntar. Vamos lá... Hein?
(Sr. Nelson Fragelli: Perguntas não tenho, só que me agrada profundamente, Dr. Plinio, o ambiente, a idéia de vir para cá. Eu soube que o senhor já fez duas reuniões aqui comentando duas outras salas.)
Foi, é.
(Sr. Nelson Fragelli: O intuito seria comentar a Sala dos Alardos, hoje?)
Eu não sei se o ambiente é o melhor possível para comentar, porque a sala dos Alardos precisa... para ser comentada, ela precisa ser vista…
[Risos]
...e ela está, graças a Deus, tão tomada, que ela não pode ser vista. Depois os senhores são muito amáveis, e estão voltados para cá.
Ora, ela precisaria ser vista também para o lado de lá. De maneira que é preciso voltar para lá. E, para brasileiro, ouvir uma exposição sem olhar para quem está expondo é...é completamente antinatural. De maneira que eu fico um pouco embaraçado, perguntando-me se não valeria a pena deixar o comentário para outra noite em que a assistência esteja menos brilhantemente numerosa, ou se eu demarro hoje mesmo, não sei bem..
Como é que opinam? Hoje ou não hoje?
(Todos: Hoje.)
Bom, então vamos lá.
Esta sala nos dá oportunidade para entrarmos com nossos comentários em um mundo especial, que é freqüente, não é raro, mas que é muito diferente do que se costuma ver, é o mundo dos lambris.
A gente chama, chama de lambris o forro de madeira de uma certa sala, de uma sala ou de um corredor, desde que o forro chegue até o teto, ou pelo menos a alguma altura, como chega aqui.
Esta sala é bem lambrissé, ela tem madeira até a altura dos ombros, mais ou menos, de um homem alto, e ela tem madeira no teto. Depois, para lá, o lambris chega mais alto, domina o golpe visual de toda a caixa da escada. De maneira que se diria que ali tudo não é senão lambris. Portanto, a sala tem bastante lambris, uma importante parte dela está coberta de lambris.
— — —
O que é que está havendo ali, que abrem e fecham essa porta, não sei o quê, uma corrente de ar inexplicável? Eu não quero facilitar, porque mais um resfriado intérmino me seria muito desagradável. Está aberta alguma coisa lá, Caio?
(Sr. Caio Newton: Não, estão fechadas.)
Não sei me explicar isso. Então os senhores entrem para cá e nós fechamos a sala. Eu lamento isso, mas o que é que eu posso fazer? Os lambris vão ficar menos visíveis ainda.
— — —
Bem, a parte que não está revestida de madeira, está revestida de um veludo muito bom, de muita qualidade, que é o tipo de veludo que se chama Velours de Genove, Veludo de Gênova. Com certeza porque antigamente Gênova era a cidade que tinha o segredo de fabricar esse veludo. E que como os senhores — eu aconselho que não apalpem — poderão, poderão sentir pelo tato, essas...esses desenhos em cima são de um veludo saliente sobre um fundo de madeira lisa. E esse veludo tem o mérito de que a cor dele, é uma cor dada ao rubi escuro, que parece conter um pouquinho de luz. Não contém, mas dá impressão de ter qualquer coisa de luminoso dentro dele. Mas de se harmonizar bem com a cor tabaco do teto, do chão e dos lambris. De maneira tal que se está numa certa harmonia.
A sala tem, como os senhores estão fartos de conhecer, um chão muito bem composto, que Dr. Eduardo e Dr. Caio mandaram fazer com todo cuidado. E no fundo...no centro esse losango com o leão da TFP e, no centro, em pau-brasil o thau do leão.
Esse pau-brasil é famoso na história do Brasil. Eu digo isso para os não brasileiros. Chama-se pau-brasil porque o pau tinha cor, segundo alguns, que é porque tinha cor de brasa. E no século dezesseis ele era muito utilizado para, para tinturaria e para outras finalidades, e os piratas franceses vinham em quantidade ao litoral brasileiro para pegar esse pau. Chamavam isso, pelo que consta, de brasil por causa de braise: brasa.
E os portugueses ficavam desesperados de ver o pau, que era para eles, sumir do território colonial deles. Então heróicas pugnas com os franceses em que, felizmente, os portugueses venceram, porque os franceses eram calvinistas. E a vitória, a vitória que foi alcançada sobre os franceses aqui, foi uma vitória dos católicos sobre os protestantes. E era assim que era vista. A tal ponto que a reação contra os calvinistas franceses, Dughet Trouan, não era...era Coligny e outros, era uma vitória da fé.
O Bem-Aventurado Anchieta foi o inspirador — junto com o Pe. Nóbrega, ambos jesuítas — o inspirador de Estácio de Sá e Mem de Sá na reação contra os franceses, e asseguraram a vitória, porque era a vitória da fé.
Nós quisemos que o thau, cuja cor natural é vermelha, fosse feito com madeira vermelha. Então foi difícil encontrar no Brasil… o pau que deu nome ao Brasil. O que, aliás, é uma coisa muito brasileira: não haver pau-brasil no Brasil, é tudo quanto há de mais…
[Risos]
...é tudo quanto há de mais brasileiro. Bem, mas afinal encontrou-se e ali, bem no centro ótico da sala no chão, os senhores têm o pau-brasil, lembrando o Brasil consagrado ao thau, o Brasil consagrado a Deus.
[Exclamações]
Agora, o que achar desta sala, que impressão psicológica esta sala proporciona?
Ela é uma sala que foi construída por um banqueiro judeu alemão, no começo deste século, cujo nome era muito expressivo, era Herr Nickelsburg. Nickel é matéria-prima para certas moedas, e Burg é burgo, ou seja, fortaleza, montanha, castelo. Castelo de níquel, fortaleza de níquel, montanha de níquel, são evocações muito gratas à raça.
Então, o Herr Nickelsburg mandou construir isso. Mas construiu com uma marcada inspiração alemã, e inspiração alemã do tempo em que ele construiu. Há hotéis alemães, há navios alemães daquele tempo, etc., que tinham esse aménagement, esta...esse arranjo interno.
Esse, esse arranjo, por sua vez, que forma de beleza tem, o que é...a que é que conduz?
Esta é, manifestamente, a sala de entrada da sede. Nós a chamamos Sala de Alardo porque a cerimônia que fazemos aqui se chama cerimônia do alardo, mas na realidade ela é a entrada do prédio, a entrada da antiga moradia.
E um princípio de bom gosto sempre quis que as entradas fossem pouco mobiliadas, a sala de entrada fosse para dar uma primeira idéia, um primeiro gosto de toda a casa, fosse o aperitivo em que o visitante degustasse a casa inteira. Mas também era uma sala de certa cerimônia, em que o visitante devia sentir que era mantida a distância.
Não se recebia visita na sala de alardo. A visita não fazia senão passar pela sala de alardo. Na sala de alardo se deixava ficar em pé em geral, não sentado, gente mais chinfrim. Vamos dizer, por exemplo, um gerente do dono da casa que veio acertar as contas com o dono da casa, um funcionário de média graduação que veio trazer uma explicação, etc., para o dono de casa que estava doente ou qualquer coisa, e recebeu o homem aqui, ou então recebia num feriado.
O escritório do dono da casa era a Sala da Santa Cruz. A sala de visita da casa, era a Sala de Tradição. A sala de jantar, era a Sala de São Luís Grignion. Aqui o hall, liso, em que se deveria pôr poucos móveis, e móveis de pouco conforto, e não móveis assim… para ficar horas conversando, e no total engajando o visitante a ficar em pé.
Bem, era uma sala, portanto, um pouco rígida, de um cerimonial um pouco espetado, mas que era bom para manter cada um na sua posição. Era uma sala, portanto, nesse sentido da palavra, uma sala hierarquizante.
Bem, esta,...
— — —
[Senhor Doutor Plinio pede água]
Água!
— — —
...esta sala, a madeira era muito adequada para isso, porque tem um tom sério, ligeiramente sombrio. O ambiente afável da casa de família não se abre aqui, aqui não mora a intimidade, aqui não mora o lazer, aqui mora a cerimônia e uma coisa que diz: “Cuidado, você fique lá longe até receber o passaporte para entrar para dentro, porque. por enquanto você fica aqui”. Muito próprio para um alardo, para uma chegada, para uma saída, mas é uma cerimônia, para usar uma palavra alemã, steif. Uma palavra que tem muito som do que ela quer dizer: é hirta, de pé, rija. Essa é uma sala rija.
A madeira com cor de tabaco dá assim uma idéia séria, uma idéia de reflexão, uma idéia de quase, quase de solenidade. Ela serve muito bem para isso.
Se fosse próprio ao dono da casa ter dois ou três guarda suíços, eles ficariam admiravelmente em pé nesta sala, permanentemente...
[Exclamações]
...permanentemente de alabardas. Ficaria muito bem dentro desta sala.
Ou os senhores imaginando a eles fazendo os cem passos, de um lado para outro assim, como os guardas suíços do papa, aqueles de Michelangelo com aquelas calças bufantes, aquela coisa, andando de um lado para outro, era uma coisa que ficaria muito bem. Ou como outros guardas do papa, a guarda palatina com aquele boné de pelo de urso enorme, também ficaria bem. Qualquer guarda assim aqui ficaria muito bem. Ficaria muito bem posto.
Bem, e eu confesso aos senhores que eu tive a veleidade até de arranjar alguma coisa daquilo para nossa sala. Numa das vezes que estive no Vaticano, nós ainda não estávamos aqui, mas eu já sonhava isso para nossa sede, embaixo, embaixo do nosso estandarte, que era esse aqui, na Rua Pará, já eu queria colocar uma caixa...um caixão, mas um caixão bonito, de jacarandá lavrado, trabalhado, etc., e em cima o elmo de prata de um guarda suíço do papa, com umas duas espadas cruzadas, ou duas alabardas, qualquer coisa assim, para dar um ar imponente e sério, como convém à sala de entrada de uma entidade como a TFP. Porque a TFP quer ser uma entidade séria, ela quer ter salas de alardos nas suas entradas, como ela quer ter salas de alardo na cabeça de cada um.
Na antecâmara de nosso espírito, como na antecâmara de nossas casas, nós devemos querer ter um espaço especial para a seleção, para fiscalização, para guarda, para quem diz: “Cuidado, idéia que entras, tu vais ser examinada antes de entrares na casa. E muitas dessas idéias desta sala de alardo mental foram expulsas. Tu talvez sejas expulsas também”. Esse ar de vigilância sombria convém à TFP.
Bem, daí essa sala onde foi gasto um dinheirão. Porque esse teto já existia no tempo do proprietário, o lambris também existia, aquela portinha ordinária ali do elevador também existia, mas estava tudo muito mal tratado.
E como os senhores vêem como são as coisas: nós pegamos o último grande lustrador de São Paulo, um tal Alcino. São Paulo já não tem grandes lustradores, acabou, com a decadência essas coisas vão sumindo. Esse Alcino já estava meio aposentado, mas ele tinha trabalhado para a família de Dr. Luizinho. Dr. Luizinho foi procurá-lo em não sei que taboca em que ele residia, trouxe o Alcino pela canga aqui e fez o Alcino reformar todos os lambris da casa. Ele naturalmente cobrou um dinheirão, mas os senhores olham os lambris estão em perfeita forma, estão muito bem conservados, e concorrem para dar a sala esta seriedade e esse esplendor.
O lustre vai muito bem com isso. É um lustre fabricado em São Paulo, que tem a vantagem de dar pouca luz. Porque essa sala iluminada feericamente, perderia sua seriedade, não iria bem.
Uma vez um senhor, que naquele tempo era Secretário de Estado aqui em São Paulo, e depois foi prefeito, o Colassuono, veio visitar aqui a sede. Olhou assim essa luz e disse — ele é um homem inteligente — ele disse: “Até a luz os senhores calcularam bem, porque está a luz adequada para essa sala. Um pouco mais lhe tiraria o sério, um pouco menos torna-la-ia soturna”.
Eu disse a ele: “Saiu por acaso. Mas o senhor tem razão, é perfeitamente o grau de luz que serve para essa sala”.
Bem, os senhores foi objeto de discussão entre os decoradores da casa, Dr. Caio, Dr. Luizinho, Dr. Eduardo, eu, aquele fundo que está ali. Havia, havia alguns que queriam derrubar aquilo para pôr um corrimão bonito ali e se verem as pessoas que subiam. Eu fui adversário irredutível, eu quis manter aquilo de qualquer jeito.
Os senhores notam que há ali um óculo de vidro e que a gente não vê as pessoas subirem, mas dá à sala mais seriedade do que uma escada vazada, não é?
Aqueles, aqueles florões de madeira são meio repolhudos, pesadões. E, sobretudo o que é repolhudo, são uma espécies de colunetas que tem de um lado e do outro, coladas, o que é uma baixa de nível, coladas ali. Eu não quis que tirassem, porque o estilo desse tempo tinha coisas pesadas, e eu queria que conservassem o estilo do tempo. De maneira que ficou conservado lá.
* O estandarte das catacumbas e o estandarte constantiniano
Bem, agora o estandarte.
O estandarte está no lugar de honra da sala, quem entra para a sala, instintivamente olha para esse lugar. E esse estandarte foi feito na maior casa de tecidos que nós conhecemos na Itália — Itália, país famoso nos tecidos —, uma casa Lísio, que nós conhecemos em Florença, e que tem sucursais, tem filiais em várias das mais importantes cidades da Itália.
O estandarte, os senhores vêem, é de um veludo magnífico. E o trabalho, o trabalho em cima, também o escudo, está muito bem feito. E é o escudo que os senhores conhecem. Os senhores sabem que esse arminho que está aqui em heráldica significa castidade e Nossa Senhora. Aqui ficam os dizeres Ipsa Conteret, quer dizer, Nossa Senhora esmagará.
Nós, por motivo de Direito Canônico, acabamos não pondo no estandarte oficial. Mas nós tínhamos já encomendado isso no Lísio, e não quisemos desmantelar. De maneira que aqui nós conservamos, como conservamos num estandarte velho da capela, que fica em cima de uma estala, em frente ao altar. Estandarte esse que foi o primeiro estandarte que teve a TFP. Era ainda a TFP pequenininha, de um andar só na Rua Martim Francisco. E que eu quis conservar ali, apesar de estar tão fanadinho e tão acabadinho.
Mas é que há uma tradição de conservar as bandeiras que estiveram na guerra.
[Exclamações]
Elas vêm espandongadas, levaram tiros, etc., e com esses rasgões e tudo mais, elas são colocadas em alabardas ao longo das paredes.
Nossa guerra é uma guerra psicológica, não levou tiros, só levou bombas, mas tiros de fuzil não levou. Bem, eu achei que um estandarte velhinho, fanado, mas que foi o primeiro que se arriou, merecia estar na capela. E apesar de precisamente um veterano ser o mais entusiástico da idéia de queimar o estandarte, eu bati pé firme e o estandarte ficou. Não se pode tirar!
Aquele era o estandarte da catacumba. Este é o estandarte, por assim dizer, constantiniano. Passou Constantino e a TFP saiu à luz do dia, já então chamada TFP, e começou a atuar em público, e ocupando uma casa muito bonita — menos boa do que essa, mas muito bonita — em Higienópolis, etc. Esta foi a coisa. Bem.
O estandarte fica muito bem aqui, porque quem entra nesta sala tão séria onde ficariam bem alabardeiros, encontra esses dois tocheiros que insinuam alabardeiros invisíveis segurando ali. Tem-se impressão que os dois guardas que seguravam isso saíram por instantes e deixaram pendurados os tocheiros. E assim os tocheiros aí estão.
Bem, quem entra e vê essa alabarda...vê esse estandarte, vê o estandarte na sua glória, na sua pompa.
* História das gravuras de Luís XVI e de Maria Antonieta
Resta explicar uma coisa bem diferente disso, que está aqui na sala: são Luís XVI e Maria Antonieta.
Essas gravuras têm sua pequena história. São muito boas litografias, de muito boa qualidade. D. Pedro Henrique, pai de D. Bertrand, que tinha um bom espírito artístico — pai de D. Bertrand e de D. Luiz — que tinha um bom espírito artístico e entendia dessas coisas, me disse que eram litografias...litogravuras esplêndidas essas aí, de primeira qualidade, como já se estavam tornando raras na Europa.
Como é que nós compramos isso?
Foi uma coisa...um pequeno fato, nem é petite historia, é historia minuscule,...
[Risos]
... mas na intimidade a história minúscula tem sua razão de ser. Então eu vou narrá-la.
Eu estava na Europa e passava por Milão com Dr. Fábio de que os senhores já ouviram falar várias vezes — um irmão de Dr. Plinio e de Dr. Caio que morreu — estava com Dr. Fábio passando de automóvel e eu vi assim, de longe, uma casa que me impressionou pela excelente qualidade das gravuras e litografias que tinha na parede. E eu então disse ao Fábio: “Olha ali que maravilha, aquilo é uma casa de primeira ordem”. Ele não entendia muito do caso, mas era vivo como tudo, e disse: “Ah é, muito bonita”, etc., pegou o trem andando. Bem eu disse a ele: “Bom nós precisamos tomar nota, porque nós vamos voltar aqui para ver bem isso aí”.
Mais tarde voltamos. E realmente encontramos várias... uma coleção de litografias de várias personagens da história, entre os quais uma...Luís XVI e Maria Antonieta que os senhores vêem aqui, e uma Duquesa de Nemours, uma princesa alemã casada com um francês, cuja litografia exatamente desse tamanho figura na minha casa.
Bom, nós fomos perguntar tudo feito a encomenda, imprudentemente feito a encomenda, o homem...fomos para o homem embrulhar, etc., e perguntamos o preço. Era um preço astronômico. E ali, no momento, nós não tínhamos dinheiro. E nem podíamos em Milão à nossa disposição nós não tínhamos. E tínhamos que tomar o avião daqui a pouco. Eu disse:
— É uma pena, mas então nós não vamos poder ficar com a litografia.
Ele muito amável disse:
— Eu lamento, mas os senhores quando vierem aqui outra vez podem buscar.
— Ah, eu vou para o Brasil, é bem longe, eu não volto nunca mais.
Ele não me ofereceu de levar para mandar pagar depois. No que ele se mostrou bom comerciante, porque essas coisas se fazem assim.
Chegando em São Paulo, assim, contando outros fatos de viagem, eu contei esse. E uma pessoa de minha família disse:
— Ora, mas por que é que você não fez isso? Meu sogro tem agência em Milão, era só você ir lá, dizer que era meu tio, e que eu mandava pedir para comprarem isso nessa casa para você levar para mim. Eles te compravam na mesma hora, você não desembolsava um tostão, aqui em São Paulo você acertava com meu sogro.
— Olha, não me ocorreu nem de longe. Mas então você, sendo amável, faça outra coisa: escreva à agência pedindo. Ela disse:
— Pois não. Dê-me as indicações.
Eu dei e as indicações me valeram, em breve, a vinda das três litografias.
Agora, a dificuldade: encontrar quem fizesse moldura. Eu andava ocupadíssimo e essas litografias chegaram exatamente quando nós estávamos no auge do primeiro grande estrondo que houve contra a TFP. Foi um estrondo enorme, chamado o estrondo do Colégio Santa Cruz. Bem, e eu não tive tempo de ver isso, pedi para minha irmã.
Minha irmã começou a bater moldureiros em São Paulo e não encontrou nenhum moldureiro à altura. Afinal encontrou um que fez essas molduras aqui. A moldura da minha casa é idêntica a essa. O tempo que esse homem levou para fazer as molduras não acabava mais. Nós tínhamos tudo pronto: os pregos e tudo. Na minha casa também. Não vinha, não vinha. E eu pensei com meus botões: “As coisas são assim, durante as aflições muito grandes, às vezes Nossa Senhora não permite que venham nem sequer os pequenos contentamentos. Só quando esse estrondo começar a declinar, a cair, é que esses quadros virão”.
Quando o estrondo começou a declinar prahnn! a campainha. Era o homem que estava em casa, com o quadro de minha casa, e tinha trazido aqui também.
Essa é a pequena história disso.
Alguém dirá: “Mas Maria Antonieta, tão graciosa, tão leve, tão delicada, se compagina bem com o sério dessa sala? Luís XVI foi um homem tão censurado pelo senhor, e o senhor põe esse homem, símbolo dessa moleza dos poderosos que o senhor verbera tanto, o senhor põe esse homem aí?”.
Eu digo: isso são considerações que parecem profundas e são pseudoprofundas, são superficiais, são dessas considerações que acodem logo ao espírito. E sempre que uma consideração acode...acuda logo ao espírito, tomem cuidado: ela tem muitas possibilidades de ser superficiais.
Qual é o comentário sobre isso?
* Comentários sobre Luís XVI e Maria Antonieta
Luís XVI, Maria Antonieta, outras pessoas assim, mortas no fundo porque representavam o bem, podem ter tido todos os defeitos que tivessem, na hora de morrer elas irradiam um brilho meio parecido com o do martírio.
E o brilho da realeza, por assim dizer, crucificada, resplandece nas figuras deles. Eles incutem respeito. Por mais que se façam críticas acerbas sobre fatos anteriores da vida deles, eles são vítimas da revolução que nós combatemos.
De outro lado, Luís XVI está com o traje medieval do rei da França coroado, no dia da coroação. Os senhores vejam que ele está com o manto de veludo azul com lindas flores-de-lis bordadas em ouro sobre o manto. Ouro sobre azul, cores típicas do bom gosto francês. Uma espécie de pelerine de arminho de ótima qualidade e as insígnias da Ordem do Espírito Santo, que era a ordem que os reis eram grão-mestres e que eles mais se compraziam em usar.
Ele tem sobre a mão um cetro, que ele apóia de modo imperativo sobre uma mesa, também ela esplendidamente revestida do tal tecido. E tem assim uma atitude altaneira, que estava mais no espírito do pintor do que no espírito dele.
Mas o traje medieval de um rei coroado que tem a sua coroa sobre uma almofada ao lado, esse traje medieval nos lembra a Idade Média no que ela tem de melhor, nos lembra a França nas suas raízes carolíngias. E tudo isto é muito digno de ser considerado aqui.
Traço bonito também do quadro é aquela espécie de toldo de veludo que paira em cima dele, e que dá impressão de um toldo de glória, com todo aquele panejamento dá impressão de um toldo de glória.
Um rei medieval far-se-ia representar de coroa na cabeça. E já é uma certa concessão às idéias novas a coroa estar sobre uma almofada e não estar na cabeça. Aliás, os reis dos tempos modernos, do século dezesseis para cá, usavam a coroa só no dia da coroação. Os reis medievais não, usavam a coroa freqüentemente, porque a coroa não era um objeto para ser usado uma vez na vida. Eles usavam em cerimônias religiosas, em banquetes, em festins, em certas entradas solenes na cidade de Paris, estavam de coroa na cabeça. Eram uma jóia para ser usada.
Já representa um certo declínio a coroa estar de lado. Ela rolou na cabeça para a mesa, a espera de rolar da mesa para o chão.
[Exclamações]
Maria Antonieta!
Maria Antonieta, pode ser admirada toda aquela leveza, toda aquela graça, etc., não tem dúvida. Mas é preciso lembrar que é impossível olhar para ela, sem lembrar do famoso desenho de um croquis de Mme. de Vigé-Lebrun, uma pintora célebre, que a representa sentada no carro que a levou para a guilhotina, em que ela está séria, com um boné — boné desses vulgares que usavam as mulheres do povo, um boné de linho alto — e com os cabelos, a gente vê assim, cortados pela mão do carrasco com pouco caso e com raiva, para o pescoço ficar livre para cair a guilhotina, a lâmina de guilhotina sobre o pescoço. Ela tesa como se estivesse sobre um trono, mas com as mãos amarradas nas costas, para não poder fugir, não poder tentar nada, e caminhando com uma dignidade habsburguiana para o sacrifício que a chamara.
O contraste: como foi possível ter tanta brutalidade com tanta delicadeza? Esse contraste chama atenção, e é bom evocá-lo nessa sala. Nessa sala se evoca não tanto a glória, quando muito mais a grandeza, e eu quase diria o martírio dos dois.
Martírio porque Pio VI, Papa da ocasião, faz um elogio fúnebre dos dois. Em que os dois foram guilhotinados em ocasiões diferentes, mas quando morreu Maria Antonieta ele fez um elogio fúnebre em que ele incluiu a rainha, em que ele disse que não era intenção dele proclamar como Papa que eles eram mártires, isso depende de um processo, mas que ele tinha as provas de que eles não teriam sido destronados nem mortos se não fossem, eles terem resistido à separação da Igreja e do Estado e a uma série de leis contrárias à doutrina católica.
Isso tudo precisa ser lembrado para compreender a presença desses quadros aqui.
Bem, conclusão: os senhores vêem como é vantajoso a gente ter analisado e interpretado tudo, e como as coisas adquirem outro relevo e outro significado quando a gente analisou, mesmo os pequenos aspectos das coisas, mesmo os mais modestos e insignificantes aspectos das coisas. O thau de madeira em brasa que está no leão, as molduras que só chegaram quando a provação estava em declínio e o hábito que isto representa da parte da Providência, a Casa Lísio e o valor dos veludos, e que beleza tem o veludo e, e toda espécie de coisas.
Quando eu me lembro dessas coisas, quando eu vejo funcionar essa sala em certas ocasiões. Por exemplo, quando há cerimônias aqui dos meus eremitas do São Bento e Praesto Sum. Os senhores fazem parte da cerimônia e não calculam como é bonito vê-los aqui, com esse hábito, em alardo na sala. A sala parece ter sido feito para esses alardos, ter sido feita para esses hábitos. E é uma beleza, quando a gente está no ponto em que eu estou, ver o cortejo desaparecer atrás daquela...daquele biombo e aparecer ali onde estão as cabeças de vários que estão assistindo o Santo do Dia — não é Santo do Dia — a conversa do sábado. Bem. E as alabardas também. A gente tem uma sensação… parece que aquilo é o cenário próprio para as cerimônias do São Bento, que quando isso foi organizado não existia.
* Como o Sr. Dr. Plinio conseguiu os vitrais no Colégio Des Oiseaux
Há por fim uma outra coisa que tem uma pequenina história. Essa janela.
Se os senhores analisam essa janela, os senhores vêem que ela é feita de um vitral de boa qualidade, mas que as pessoas que não entendem do assunto podem criticar. Porque esses losangos são feitos de vidros de cores diferentes, não são feitos de vidros exatamente com a mesma cor. Mas foram calculados para deixarem uma espécie de cor de síntese na ótica de quem vê, tem assim uma espécie de soma de cores mental, uma psy soma de cores que o vidro deve produzir.
E esse losango tem sua historieta também.
Eu era professor aqui numa universidade católica de algumas faculdades, uma delas a Faculdade Sedes Sapientia, na Rua Marquês de Paranaguá, pertencia a um colégio famoso em São Paulo, Colégio Des Oiseaux, de freiras agostinianas. Elas eram belgas, um pouco francesas, mas sobretudo belgas. E elas tinham um esplêndido colégio, de tamanho muito bom, capela muito rica, até fina, etc., com relíquias muito boas, etc.
E eu ia lá sempre lecionar. E um dia que terminaram...tinha terminado as férias, que eu voltava para as aulas, eu vi uma galeria, que antes era um terraço descoberto, toda revestida com esses vitrais. Eu olhei os vitrais e compreendi imediatamente o interesse dos vitrais, e tive assim uma espécie de punhalada, como quem diz: “Por que é que esses vitrais não são nossos? Como eles ficariam bem para as nossas coisas”. Está bem. Nossa Senhora...há muita coisa que Nossa Senhora não nos deu, mas Ela nos deu muita coisa que Ela não deu a ninguém.
[Exclamações]
Gaudete ergo! Alegremo-nos, portanto. E vamos para frente.
De repente sopra sobre esse...essa universidade o vento da reforma conciliar. E uma freira disse a alguém, que me contou, que a reforma era tal, que a ordem religiosa delas ia ficar reduzida a uma liga de escoteiras. E em virtude dessa reforma, elas resolveram construir um prédio moderno, inutilizar o terreno e destruir o prédio antigo.
Eu então mandei o Dr. Caio comprar delas toda aquela vitragem, que elas venderam a preço barato de material de demolição.
De maneira que elas não fizeram outra coisa senão trazer para nós da Bélgica esses vitrais que nós não teríamos comprado, porque não teríamos conhecido. Nós não teríamos comprado se elas não revendessem, e que caíram nas nossas mãos pela pressão progressista.
Assim são os ziguezagues das coisas.
Esses vitrais eram tão abundantes que serviram a várias coisas nossas. Tem aqui, tem na janela e na porta da minha sala, tem se não me engano nas janelas de minha sala de espera. Não tem. Mas tem na capela também, todas as janelas da capela são grandes, altas, são revestidas com esses vitrais.
É a minúscula história, mas que na intimidade tem seu sabor.
* Os jarrões
Os jarrões são uma coisa diferente.
O Dr. Luizinho falava de vez em quando — ele era mocinho naquele tempo, enjolras a cem por cento — de uns jarrões muito bonitos, de faïence, etc., que o pai dele tinha e que ele tinha muita vontade de trazer para a sede. Acontece que o pai dele era um adversário irredutível da TFP, e se houvesse um argumento no mundo para levar esse senhor a não dar os jarrões, seria dizer que era para dar para a TFP. De um lado.
De outro lado, também acontece que sem isso ele não daria, porque era um homem rico, que não precisava vender e estava contente com os jarrões que ele arranjou.
O Dr. Luizinho de vez em quando dizia: “É pena, mas tais jarrões não tem, mas tais jarrões não tem”. Um dia aparece ele com os dois jarrões, na nossa antiga sede da Rua Martim Francisco, ainda. Aparece ele com os jarrões, eu disse: “Mas, Luizinho, como é que esses jarrões vieram parar aqui?”.
Não era descabido que eu tivesse medo de uma enjolrada… De fato, no caso concreto dele não era de temer, porque ele sempre foi o mais suave e pacífico dos homens. Mas, enfim, em princípio a idéia podia vir à cabeça.
Não de um modo inesperado, ele disse para o pai que queria os jarrões e o pai deu. Morreu a mãe dele, fizeram a partilha dos objetos, na partilha ele disse: “Eu quero ficar com os jarrões”. Ficou, trouxe para cá e pôs. Eu pus um aqui e pus outro no salão ao lado.
(Sr. -: As duas cadeiras?)
As cadeiras foram mandadas fazer exatamente para se amoldar à época e ao ambiente, e são as tais cadeiras steif. Elas são aveludadas, mas o encosto é duro, é para a gente ficar pouco e entender que senta aqui quem vai ficar pouco. São cadeiras seletivas, se o senhor quiser.
* O choque contra-revolucionário produzido pela Sala dos Alardos
(Sr. Nelson Fragelli: Como o senhor pode se lembrar de tudo isso se o senhor diz que não tem boa memória?)
Eu vou responder de um modo que parece um gracejo, mas não é. É porque o senhor sabe de todas as coisas que eu deveria saber e sei, mas o senhor não sabe das coisas que eu deveria saber e não sei.
[Vira a fita]
…eu teria necessidade de me lembrar de muito mais coisas do que isso. Toda memória que não corresponde à necessidade do dono, não é boa.
(Sr. Nelson Fragelli: No fato do senhor lembrar isso há muito de contra-revolucionário.)
Sim, o seletivo é todo contra-revolucionário.
(Sr. Nelson Fragelli: Há um sabor especial nisso. Creio que é por isso que o senhor não se esqueceu, não é? E o que é isso?)
Eu julgo ver nesses pequenos fatos vitórias do bom espírito, que encontrou por essa forma, providencialmente, meios de se afirmar, meios de se proclamar, de se enunciar e de se simbolizar. E por causa disso, cada um desses episódios — sem torcida, o senhor me conhece bem — eu vivi intensamente.
Eu me lembro o dia em que o Caio foi tratar com as freiras e que voltou com o preço. Imagine o senhor, 30.000 cruzeiros todos esses vitraux. É verdade que naquele tempo a moeda valia muito mais, mas era pouco. Durante o tempo que ele esteve lá, eu tratei de todos os assuntos, etc., mas estava com o ouvido pronto para ouvir sinais da chegada dele para saber como era o caso dos vitrais.
Assim, cada uma dessas coisas eu acompanhei milímetro por milímetro.
Na realidade, dessas gravuras eu não contei tudo. Encanta-me nelas o colorido.
O senhor sabe que eu sou muito sujeito à influência das cores, e as cores, numa e na outra, me encantam. Não só porque são cores bem escolhidas, mas também porque são cores que é uma obra de arte estarem mais expressas em papel.
Ainda mais no quadro da Duquesa de Nemours, que está em casa. O brilho da seda está reproduzido no papel de tal maneira, que se fosse feito de seda a saia da Duquesa de Nemours, não seria diferente. E esses jogos de luz e de cor a me dizem muito.
Eu estou aqui, os senhores não notaram, mas várias e várias vezes, antes de eu tratar desses quadros, eu degustei os coloridos deles sentado aqui.
É natural que eu tivesse, portanto, participado muito disso tudo.
Gostei muito do vermelho desse pau-brasil. Acho que tem muito significado simbólico que a TFP tenha afinal encontrado, ela, o material necessário para o verdadeiro thau, e que a madeira símbolo do país em que nasceu a Contra-Revolução tivesse um thau feito com essa madeira.
Quer dizer, isso tem uma porção de pequenos subaspectos que me falam muito.
Eu sei, por exemplo, que Maria Antonieta e Luís XVI são profundamente impopulares no Brasil, por causa do país intoxicado por um ensino de História de quinta categoria. Eu acho esse choque contra-revolucionário muito útil, porque as pessoas entram aqui e percebem quem são esses dois. Isso percebem. Acho que até nem está escrito ali, mas não precisa ler. Entra, percebe quem foi e vem aquela raiva. Mas depois vêem essa glorificação. É uma quebra na cabeça.
Eu já dei coquetéis aqui numerosos. Para gentinha. Mas, enfim, cheio de gente. Tem gente borbulhando por aqui em todas essas salas. Nunca ninguém me perguntou quem são esses, nem perguntou porque estão aqui.
(Sr. -: Desconfiam.)
Viam, rangiam os dentes, engoliam.
Os senhores façam idéia, já são duas e meia. Duas e meia é hora de eles irem dormir.
(Todos: Não!)
Eles estão dizendo não, mas eles sabem que é a hora. Não é a hora regulamentar, mas é a hora habitual. Na manhã seguinte tem Praesto Sum, tem toda espécie de coisas. Por isso eu não entrei em mil pequenos pormenores.
(Sr. Mário Navarro: A corrente no “parquet”?)
Para simbolizar a sagrada escravidão a Nossa Senhora. Daí a corrente.
Também ninguém pergunta. Percebem que tudo isso tem significados, mas ninguém pergunta. Engolem. É natural.
(Sr. Nelson Fragelli: Muitos espíritos tomados do espírito da Revolução estranhariam menos um crucifixo do que Luís XVI.)
Muito menos.
(Sr. Nelson Fragelli: Nesse sentido, parece-me que algo perdeu na Sala dos Alardos, porque esses tocheiros eram acesos só quando o senhor estava na sede. Depois, com a vinda do Santíssimo Sacramento eles ficaram continuamente acesos. Nós ganhamos num valor religioso, mas perdemos num nitidamente contra-revolucionário. Acho que se deveria descobrir um meio de restaurar isso, em que se honrasse o Santíssimo Sacramento, mas em que esses tocheiros, que começaram inicialmente com esse símbolo, assim continuassem, isto é, apagados na sua ausência e acesos quando o senhor estivesse aqui. Isso era um modo de iluminar toda a sede.)
D. Mayer, quando passava temporadas, às vezes de dois meses e às vezes mais, na Sede do Reino de Maria da Rua Pará, o Santíssimo ficava em cima, na capela, e nem por isso acendia os tocheiros.
Quando nós viemos aqui, pareceu mais prudente, estando o Santíssimo de um modo já inteiramente contínuo aqui, porque ele constituiu aqui capela dele, acender sempre os tocheiros. Porque do contrário viria a máfia: “Eles supervalorizam de tal maneira a presença do Plinio, que presente o Santíssimo Sacramento eles não acendem o tocheiro, chega o Plinio, eles acendem”.
E o senhor sabe bem o que é calúnia. Então, achei melhor fazer assim. É uma necessidade da luta.
A sua apreciação é verdadeira, podia-se arranjar um jeito, mas achei que não deveria arranjar. É decepcionante, mas é real. A gente precisa ter cuidado com tudo. A calúnia ronda por todos os lados.
Bem, meus caros, eu creio que está tudo terminado e que nós podemos…
(Todos: Fatinho.)
Mas fatinho não é hábito… costuma sair fatinho aqui à noite?
(Todos: Sim…)
Como é, Guerreiro, costuma sair fatinho aqui à noite?
Ai de você se disser não, hein?
Fernando, qual é um tema de fatinho?
* As salas reflexivas e a Sala dos Alardos, que prepara para o combate
(Sr. Fernando Antúnez: […] Esta sala mostra uma veia do senhor. O senhor podia dizer qual é essa veia?)
Eu estava dizendo ao Sr. Fernando Antúnez outro dia que ele está falando tão bem português, que a gente pode se dar ao luxo de fazer as pequenas correções, porque todas as grandes já ele não precisa mais.
Pelo modo de ele falar, eu tenho impressão que deve existir em castelhano a palavra veta para indicar veia. E veta é feminino. Em português, não sei porque, se diz “um veio”, e não “uma veia”. Oxalá nós falemos um dia tão bem o castelhano quanto ele fala o português.
Essa sede, no total, tem da influência alemã uma coisa que é um certo sombrio aconchegado e próprio a uma reflexão, que é ao mesmo tempo descanso. Não é, portanto, a reflexão de um homem que está no escritório, num laboratório, fazendo uma descoberta e atormentando seu espírito para isso. Mas é uma forma mais nobre e mais fecunda de reflexão, quando a gente deixa o espírito andar pelas nuvens e pelas pradarias inesperadas do próprio pensamento para ver o que vem, e onde a personalidade entrega o que ela tem de mais interior, de mais próprio, de mais típico dela.
Isto o alemão realiza num ambiente aconchegado, sério e ao mesmo tempo muito íntimo, mas de quem está com a consciência da importância daquilo que está fazendo, da sacralidade daquilo que está fazendo.
Isso existe mais ou menos difundido por todo o prédio. E foi uma das razões pelas quais, oferecido o prédio à Construtora Lindenberg, eu caí em cima, porque me pareceu que não se encontraria na São Paulo modernizada outro prédio com essas características.
Para não ir mais longe, com pé direito tão alto. O pé direito alto ajuda à reflexão enormemente. Eu fui educado numa casa com pé direito alto. Estranhei quando passei para o pé direito baixo. Mas uma tortura! E me encontro à minha vontade quando eu vejo o pé direito alto.
O senhor nota uma coisa curiosa: as janelas deste prédio são calculadas de tal maneira, que em nenhuma a luz entra de escachoar, a luminosidade é sempre moderada. E o prédio tem qualquer coisa assim de aconchegado deustch que me agrada sobremaneira, me sinto eu mesmo dentro disso. Isso de um lado. De outro lado, estas duas salas aqui e a Sala São Luís Grignion são as que em mais alto grau tem isso. Em parte pela boiserie, em parte por outras circunstâncias.
O senhor veja essa sala aqui. Sala de um bom tamanho. Ela só recebe a luz de uma janela, e um pouquinho de luz através das grades da porta, mas aquilo não é nada.
Essas duas salas são salas muito reflexivas. A Sala São Luís Grignion só recebe luz de uma porta e uma janela que dão para o terraço, mas é um terraço coberto, de maneira que o que entra de luz é muito filtrado… E eu gosto muito disso.
Mas entre essas duas salas há uma diferença.
É que aquela sala é feita mais para pensar sentado, ou para dois amigos conversarem meio baixinho. Porque naquela sala se fala meio baixo ainda quando a gente está só. Ou fazem uma confidência, ou fazem uma conspirata, ou fazem qualquer outra coisa. Para a gente, por exemplo, sentar dois ou três ali e baixinho confabular uma coisa contra-revolucionária, é excelente.
Esta sala aqui prepara mais para o combate. E é melhor para quem entra da luta lá fora, ou para quem vai sair para a luta lá fora. E para esse efeito é muito bom e formativo que ela tenha o estandarte, que toda pessoa que chegue faça uma inclinação diante do estandarte antes de vir para qualquer lugar. Parece-me adequado. A chegada a uma casa tem que ser uma coisa que faça o indivíduo sair da batalha e entrar para uma intimidade geradora de espírito guerreiro.
Por isso eu quis também, para a porta da capela, um enorme leão do tamanho da porta: “Você vem entrar aqui, está vindo de longe, adore o Santíssimo, preste o culto de hiperdulia a Nossa Senhora, mas cuidado: lembre-se que é em espírito guerreiro”.
Essa é a diferença entre as duas salas. Essa sala é mais batalhadora, aquela lá é mais urdidora de tramas contra-revolucionárias.
Se quiser, esta poderia ser a sala Roland e ao lado poderia ser a sala Olivier.
Bem, meus caros, a pergunta está respondida, a reunião está terminada, ela entrou para o passado. Nós vamos passar para a rua, mas a rua está mais desinfestada, porque não tem ninguém. Os senhores vão para suas sedes com os seus hábitos, e para os seus Êremos. São felizardos. Nós vamos para onde pudermos…
Meu Paulo Roberto, não o tinha visto. Chegue até aqui. Meu filho, que Nossa Senhora o ajude.
Bengala! Frende congé.
(Sr. Mário Navarro: A Oração da Restauração.)
Há momentos minha Mãe…
(…)
Bom, meus filhos, vamos andando. Quem é que me sustenta ou me agüenta aqui?
Que dê o pobre Fernando, onde está?
(…)
Cuidado, isso dá máfia.
(Sr. -: Mas está no livro.)
Um dia se Deus quiser eu vou tratar disso, porque é que as coisas que estão no livro não estão automaticamente autorizadas.
Agora, deixe-me fugir dessa ventania.
(…)
Cheio de cachecol, tomou uma gripe?
(Sr. -: Sim.)
Quem vem a São Paulo paga este imposto, não tem as brisas que sopram no Guadalquivir.
(…)
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[LocalReuniao]