Conversa
de Sábado à Noite – 21/4/84 – Sábado
[AC VI 84/04.12] .
Conversa de Sábado à Noite — 21/4/84 — Sábado [AC VI 84/04.12]
A Igreja nas cerimônias pascais é tão exímia na linha tendencial quanto o é na linha contra-sofística * A curiosidade que o Sr. Dr. Plinio tem em saber qual o sentido simbólico do “rosto como fulgor” e das “roupas como neve” de Nosso Senhor ressuscitado * Deus nas suas manifestações visa sobretudo aqueles que crêem * Qual o simbolismo de ter sido um anjo e não uma outra hierarquia de anjos a retirar a pedra do túmulo * O carinho de Deus gira sobretudo em torno daqueles que estão dizendo “sim”, mas misteriosamente tem em vista muito especialmente alguns que dizem “talvez” ou “daqui a pouco” * Passada a tormenta da Bagarre, a glória terrena se traduzirá por uma respeitabilidade, uma venerabilidade, uma segurança interior e um resgate de todos os defeitos* A glória dos que estarão no Céu * “Os que têm uma participação do profetismo têm uma graça especial, mas devem enfrentar toda espécie de desmentidos daquilo que eles profeticamente esperavam” * Aqueles que estiverem unidos ao Fundador não terão os castigos da Revolução * Nas últimas fotografias da Sra. Da. Lucilia vê-se a noção contínua e bem clara do próprio sofrimento, e um carregar até o fim dessa provação * Na Consolação recebe-se graças para agüentar os sofrimentos da vida * A atmosfera com um convite para a vida eterna já se sentia antes da presença da Sra. Da. Lucilia, mas foi muito acentuada por ela
Índice
* _ * _ * _ * _ *
Ó, mas está tudo preparado para uma conversinha, é?
Eu vim com intenções mais modestas! Vim simplesmente dar uma recomendação pela Páscoa e… Mas, enfim, vamos nos sentar um instante. Já que tudo está feito…
Chama o Guerreiro e os outros. Dr. Edwaldo. Se estiverem por aí.
Guerreiro eu vi…
Estava uma beleza a cerimônia! …encantado! Estava tudo muito bonito: quer a liturgia católica, esplendorosa sempre; quer o nosso complemento. Estava magnífico. Fiquei muito contente, muito mesmo!
* A Igreja nas cerimônias pascais é tão exímia na linha tendencial quanto o é na linha contra-sofística
Vamos fazer o seguinte: já que estamos aqui — eu não quis ir ao Praesto Sum porque ficava muito fatigante — e aqui encontramos uma atmosfera onde também podemos conversar, um comentário assim de passagem, coisa rápida, foi a transição… Como a Igreja sabe marcar os estados de espírito, e como Ela na linha tendencial é tão exímia quanto Ela é na linha contra‑sofística.
Os senhores vêem como Ela soube marcar de tristeza a atmosfera toda, quando era para se estar triste. E depois marcar de alegria quando… A tristeza os senhores viram sobretudo ontem. A Sexta-Feira Santa estava pungente.
Agora, a alegria hoje com o Glória in Excelsis Deo, etc., a gente tinha impressão que era o reflexo da alegria de quando Nosso Senhor ressuscitou! E uma das milhares de coisas que eu gostaria de ver no Cornélio, era se há algum comentário da figura do anjo que apareceu quando Nosso Senhor ressuscitou.
Os senhores viram que está contado no Evangelho que foi lido hoje, que Santa Maria Madalena “et alter Maria”… quem é a “outra Maria”? É uma coisa que fico com curiosidade de saber, porque em geral se fala de Santa Maria Madalena. Havia uma outra Maria.
Eu, por natureza, sou muito escarafunchador dos escaninhos, de coisas assim. Quem é a outra Maria? Porque isso ficou na sombra? Vamos ver… outras riquezas, outras coisas bonitas aí para…
Então ela chegou lá com a outra Maria e encontraram o sepulcro aberto. Um anjo sentado sobre a sepultura, e a explicação: o anjo tinha rolado a pedra, e tinha sentado sobre a pedra. Como a figura dele, o rosto dele era como o raio, e a vestimenta era como a neve, ele meteu grande medo àqueles filhos das trevas que estavam tomando conta do sepulcro, e que então fugiram. Duas simples mulheres não tiveram medo, e ele falou com elas familiarmente.
A gente tem a impressão que elas estavam muito intimidadas, não porém medrosas, que é uma coisa diferente. Elas estavam intimidadas.
Outra manifestação da intimidação delas, é que ele teve necessidade de dizer para elas que entrassem no Sepulcro. O normal seria elas entrarem, vamos dizer, com reverências prévias a um lugar sacrossanto, mas seria primeiro a visita ao Santo Sepulcro! Uma honra, aliás, enorme!
Todas as gerações dos séculos anteriores visitaram o Santo Sepulcro. Elas foram as duas primeiras! É extraordinário, extraordinário! Como honra é uma coisa extraordinária!
Mas, está bom, elas entraram e viram que Nosso Senhor não estava lá. Estava tudo explicado.
* A curiosidade que Sr. Dr. Plinio tem em saber qual o sentido simbólico do “rosto como fulgor” e das “roupas como neve” de Nosso Senhor ressuscitado
Agora, eu tinha muita vontade em saber qual era o sentido simbólico do rosto como fulgor e das roupas como neve.
Evidentemente o fulgor indica o poder de Deus. Mas indicará fulgor de que jeito? Será um fulgor de vitória, mas assim de festa triunfal, em que a gente não está mais pensando no inimigo? Ou será desse tipo de festa de triunfo, em que a gente tem a sensação de que está calcando aos pés o inimigo? É uma pergunta. Qual seria o jeito desse fulgor?
Se a gente souber como é que os exegetas consideram o que é esse fulgor, quem sabe se poderia ter aí um elemento para formar um juízo sobre isso? Primeiro dado.
Segundo dado, as roupas como a neve. A gente percebe que era neve, mas uma neve refulgindo ao clarão desse fulgor. Deve ser isto.
Bom, a neve é a pureza do espírito. Um puro espírito não tem carne, e além disso é um espírito puro. Quer dizer, é santo! Compreende‑se que a túnica — seria provavelmente uma túnica — era como a neve. Compreende‑se isso bem.
Mas que neve? Quais são os outros sentidos dessa neve? Porque ele estava sentado sobre a pedra, não pairava no ar? Não estava de pé, mas estava sentado.
Cada uma dessas coisas tem um significado. É claro que nós teríamos vontade em conhecer esses significados. Aumentaria nossa alegria da ressurreição pascal.
Está aí um pequeno comentário para todos nós participarmos juntos da Alegria Pascal.
* Deus nas suas manifestações visa sobretudo aqueles que crêem
Agora, chegou a vez das perguntas: meu caro Guerreiro, uma; meus enjolras, outra.
Diga, meu filho!
(Sr. Guerreiro: Por que Nosso Senhor deixou um anjo na tumba d’Ele como guardião dela? Vê‑se que o senhor ficou muito tocado por isso. Pergunto se o senhor não teria algumas hipóteses sobre esse anjo.)
Podia‑se começar por perguntar o seguinte:
Se o objetivo da presença de um anjo ali… da presença, não; do anjo fazer ver sua presença, da manifestação da presença do anjo lá. Se o objetivo era dar uma prova apologética de que Ele tinha ressuscitado, essa prova apologética poderia, em certo ponto de vista, sobretudo para os homens do século XX, não ser muito concludente.
Porque eu acharia isso uma coisa completamente… como objeção contra a prova eu julgaria completamente inválido, mas a mentalidade do homem do século XX diria: “Isso aí… elas duas foram andando para a sepultura cada vez mais compenetradas. Quando chegaram lá estavam no auge da excitação, então julgaram ver um anjo. E os guardas estavam fora, porque estava tomando — em linguagem nossa — um cafezinho. A sepultura estaria aberta? O que sabe‑se lá? Qual é a prova que isso dá de qualquer coisa? Então não seria mais interessante ter um magote de dez homens, e homens importantes, Lázaro, José de Arimatéia, Nicodemus, que dissessem que viram? Porque um anjo, um puro espírito?”.
É uma pergunta que se podia fazer.
A essa pergunta, a gente deve dar a resposta seguinte:
Deus nas suas manifestações não visa sobretudo aqueles que não crêem, Ele visa sobretudo os que crêem. Quer dizer, um episódio como esse de manifestação aos homens — a primeira manifestação, depois vieram muitas outras, mas a primeira foi essa manifestação da Ressurreição —, essa manifestação seria calculada conforme a conveniência da piedade e do afervoramento do punhado de fiéis que se reuniu em torno de Nossa Senhora. É evidente. Porque isso é que se tratava de afervorar, de alimentar, de preparar já para Pentecostes, que seria o próximo grande lance, etc.
Se era assim, então se compreende que fosse um anjo e não um homem. Porque, que proporção há entre cinco homens que contam, que estão de acordo, mas um está em desacordo em um pontinho, outro noutro… e depois um é discípulo do outro, conta para ficar mega… Não acham que seria baixa de nível um homem contar?…
Até não se poderia fazer uma objeção: “Nós não cremos muito nesses homens que estão servindo de testemunhas, porque nenhum homem estaria à altura de ser testemunha”?
Só um anjo! De maneira que eu acho inteiramente concludente e bem achado.
* Qual o simbolismo de ter sido um anjo e não uma outra hierarquia de anjos a retirar a pedra do túmulo
Agora, o senhor me perguntava do simbolismo de ser um anjo.
Nós estamos lendo no MNF o São Dionísio Areopagita — que é excelente, mas magnífico, é feérico, é quase angélico! — e ele está tratando dos anjos. Ele mostra que tem as três hierarquias dos anjos, cada uma se diferenciando internamente em três degraus, e depois então — são nove, portanto — ele trata no fim dos que são simples anjos… E é a condição mais modesta dos coros angélicos, são os anjos menos elevados. Ele mostra que propriamente estes é que são anjos.
Anjo quer dizer “emissário”. E esses são os emissários. Os outros são anjos por uma espécie de participação para cima.
Um pouco, por exemplo, como a rainha da Inglaterra poderia dizer: “Eu sou uma inglesa”. É claro que ela é uma inglesa, mas é muito mais do que uma inglesa qualquer. Ela é uma rainha da Inglaterra.
Assim também um anjo de uma categoria mais elevada é um arcanjo; os outros têm categoria mais altas, tronos, dominações, potestades, querubins, serafins, etc. Aliás, nem é essa a ordem, mas, enfim… vamos lá!
Ele dizia muito bem: “A categoria menos elevada, não apenas é menos elevada, mas ela completa a hierarquia angélica. De tal maneira que toda a hierarquia angélica ficaria cambaia — a comparação não é dele — como um vaso do qual se serrasse a base, se não tivesse a categoria dos anjos”.
Quer dizer, a categoria menos alta é tão preciosa, que ela é um elemento sem a qual todo o resto que está para cima, aquela ordenação ficaria cambaia. É, portanto, uma altíssima ordenação.
Porque Deus quis um anjo e não um serafim para fazer uma coisa dessas?
Provavelmente porque remover uma pedra não é tarefa para príncipe! Deus faz coisas mais altas por meio dos anjos mais altos!
Por outro lado, esses anjos, dessa ordem menos elevada, não poderiam fazer uma humilde e raciocinada súplica diante de Deus, para não ser dado isso a uma categoria mais alta? “Senhor, Vós que nos mandais fazer tais e tais coisas que tocam na matéria, desta vez que se trata de fazer a mais nobre remoção da matéria Vós nos tirais essa ocasião única? Ela não está na natureza de nosso ofício?”.
E eu percebo que qualquer um dos senhores acharia um argumento difícil de responder! Porque um anjo!…
Bem, agora eu quero um pergunteiro dos enjolras.
* O carinho de Deus gira sobretudo em torno daqueles que estão dizendo “sim”, mas misteriosamente tem em vista muito especialmente alguns que dizem “talvez” ou “daqui a pouco”
Quem é o pergunteiro?
(Sr. Luiz Francisco: O senhor disse que Deus faz as manifestações d’Ele sobretudo para aqueles que crêem. O senhor poderia tratar um pouco quais serão as manifestações d’Ele e de Nossa Senhora no Reino de Maria, sobretudo para aqueles que tiveram mais fé, que têm mais fé?)
A História toda — os teólogos da História estão todos de acordo com isso — gira em torno dos justos. E só toma em consideração os que não são justos, porque e na medida em que podem vir a ser justos. Porque é a história da salvação das almas.
Os justos são aqueles que estão orientados em ordem à salvação e que, portanto, estão no centro do processo de salvação, se se pudesse falar assim. E eles são o pivô da História.
Isso exprime também que o afeto de Deus é um afeto por eles todo particular, todo especial. E que tudo o que Deus faz, visa preliminarmente a eles. Por quê? Uns, porque Deus amou gratuitamente, com amor de predileção desde todo o sempre, porque quis. Outros, porque corresponderam muito melhor. Aí é uma coisa que deixa a pessoa meio pasma, mas é assim.
Por exemplo, Santa Maria Madalena, os senhores sabem que teve um período péssimo na vida dela. Mas Ele tinha a intenção de dar a ela, com grande generosidade, graças que mudasse o curso da vida dela. É possível que as graças que Ele tenha dado quando ela era pecadora, é possível que essas graças tenham sido maiores do que as graças que Ele deu a muita virgem.
Pois nós vemos, ficamos comovidos vendo São João de repousar o ouvido sobre o Sagrado Coração — sobre o peito de Jesus, portanto, sobre o Sagrado Coração — e nós não nos comovemos imaginando que Judas Nosso Senhor beijou?
É verdade que Ele fez uma increpação! Disse: “Judas, com um ósculo trais o Filho do Homem?”.
A gente pode imaginar a carga de amor que Ele pôs nessa increpação? Era uma increpação, mas quanto Ele ainda tentou no fim abalar a alma de Judas? Mas o saquinho com os trinta dinheiros pesou mais para ele do que esse carinho incomparável de Nosso Senhor…
Mas Nosso Senhor, de fato, deu a ele mais do que deu a quantos e quanto e quantissimos mortais?… Ele não teve uma aparição mística, em que Ele osculasse a face de Godofredo de Bouillon, mas, ó singular, osculou a face de Judas. Ou por outra, recebeu o ósculo de Judas.
São mistérios, são desígnios da Providência sobre este, aquele, aquele outro.
De qualquer forma, esses são os amados. Mas os justos, os que disseram sim ao chamado de Deus, esses são mais especialmente, em torno deles é que gira especialmente a História.
Isso se dá na História Universal e se dá também na história interna de um grupo como o nosso. O carinho de Deus, afeto, gira sobretudo em torno daqueles que estão dizendo “sim”, mas misteriosamente tem em vista muito especial alguns que não estão dizendo “sim”, que estão dizendo “talvez”, ou que estão dizendo “daqui a pouco”: “Não, o que eu dei já é demais”.
Mas até a alguns que estão fora. Conversões de apóstatas são pouco numerosas, mas as há. E algumas, uma ou outra, são boas, bem boas.
Bem, desígnios misteriosos de Deus…
Daí se segue que quem dirige uma obra como a nossa, deve estar sempre atento para que os elementos mais internos sejam tratados preferencialmente. Porque [se] aquele fogo se mantiver aceso, o calor espalha por toda parte! Ou aqueles a que a gente talvez por discernimento dos espíritos percebe que Deus tem um plano a respeito dele, Nossa Senhora tem desígnios, trata‑se especialmente bem, às vezes incompreensivelmente bem… São coisas que são assim.
Não sei se isso responde a sua pergunta.
* Passada a tormenta da Bagarre, a glória terrena se traduzirá por uma respeitabilidade, uma venerabilidade, uma segurança interior e um resgate de todos os defeitos
(Sr. Luiz francisco: Se o senhor pudesse dizer como seria no Reino de Maria.)
A fé se distingue do amor, da caridade, não é? Mas, de fato, a intensidade da fé está relacionada com a intensidade do amor. E quem não tem amor nenhum, não crê em nada. Há uma relação entre essas duas virtudes.
Nossa Senhora evidentemente vai amar mais os que mais corresponderam. Que forma de glória Ela dará?
Haverá duas formas de glória. Uma vai ser a glória terrena. Essa glória terrena vai ser uma respeitabilidade, uma venerabilidade, mas muito maior do que isso, uma segurança interior, um resgate — se a palavra resgate estiver bem aí — de todos os defeitos que a gente teve, de todas as gerações noviadas, enjolradas, etc., que a gente teve. Um repor a pessoa nos gonzos, lavá‑la, curá‑la, de maneira que ela se sinta completamente outra.
Isto é o que será feito conosco durante a Bagarre. O Grand‑Retour consolidará isso.
Eu sou muito propenso a achar que o Grand‑Retour vai ser anterior à Bagarre, e que vai ser até em plena Bagarre. Se não for antes. Se for antes, apesar de eu não desejar, ou desejar poucas coisas nesta terra, tanto quanto eu desejo o Grand‑Retour, eu teria quase um susto. Porque a ferocidade da Bagarre por cima daqueles que tiveram o Grand‑Retour, deve ser uma coisa assombrosa!
A Bagarre vai soprar sobre nós também! Porque sopra sobre o mundo inteiro, e temos que participar disso. Tendo havido o Grand‑Retour, o que é que a gente vai sofrer?
Mas se for esse o desígnio, o que é que a gente não paga para cumprir os desígnios?
Então nós podemos imaginar, por exemplo, ou que nós todos estamos esparsos pela terra e que, atraídos misteriosamente pelas circunstâncias, de repente nos encontramos juntos no ápice da Bagarre — e como isso seria bonito! nos encontramos todos como estávamos no Auditório São Miguel —, ou como estamos todos aqui conversando e vir o Grand‑Retour! Nós olharmos para nós e dizermos: “Afinal chegou o dia! Afinal chegou o dia!”. Que alegria, que coisa extraordinária!
A gente olhar para os outros e dizer: “Eu não os reconheço! Parecem outros! Todos os que viviam em torno de mim eram rascunhos que agora os anjos passaram a limpo! Eu mesmo era rascunho! Os anjos passaram a limpo! Que alegria, que satisfação!”.
Daí — muito acidentalmente entra o caso — um respeito, uma venerabilidade que não terá conta junto aos outros homens. A gente pode calcular. Todos foram infiéis, a terra inteira — por assim dizer, não quero dizer grão por grão — prevaricou. Estes não, estes foram fiéis! O que dizer?
* O perigo de se imaginar glorificado
Agora, é bom pensar nisso?
Há uma coisa que é a mais perigosa possível. É a gente se imaginar glorificado. Nossa Senhora se quiser nos glorifique. Nós não devemos nos imaginar nem glorificados, nem humilhados. Vamos seguindo nosso caminho. Se tivermos que descer pelos vales profundos da humilhação, desçamos com o passo animoso. Se tivermos que subir para os cumes ensolarados da glória, também. Compreendendo que tudo isso não é senão passagem. A questão é o caminho.
* A glória dos que estarão no Céu
Isso serão uns. Outros serão os glorificados, porque morrerão e estarão no Céu. E como será a acolhida no Céu aos que na terra foram fiéis nesse ponto? A Contra‑Revolução? É difícil imaginar.
Uma coisa me parece certa: é que no coro dos anjos que mais combateram ao demônio, nesse coro…
Meu Caio, mas que coisa boa! Senta aí. Procurei‑o como agulha em palheiro em Jasna Gora, para visitar a camáldula.
Mas, enfim, eu estava dizendo que os que ficaram fiéis têm hoje em dia uma ação parecida com a dos anjos que ficaram fiéis. Mas pela narração da Bíblia fica‑se com uma certa impressão — para confirmar no Cornélio, nos felizes dias da gruta, mas tem‑se a impressão — que houve uma certa precedência de São Miguel.
Saiu aquela história, e os outros anjos — não sei se se pode dizer isso da inteligência angélica — não se deram desde logo conta do caso, qualquer coisa. São Miguel exclamou meio polemicamente: “Quem como Deus?”, como quem diz para um pessoal que estava um pouco sossegado: “Mas vocês não vêem que ninguém pode ser igual a Deus?”, e 2/3 dos anjos se movimentaram na direção dele. Foi a Contra‑Revolução.
Se ele foi o primeiro a se levantar, deve ter havido alguns que foram os primeiros a segui‑lo. E no coro desses anjos haverá o lugar dos que foram fiéis! Parece lógico, parece lógico. A gente não sabe.
Bem, eu ia dar por esgotada a lista de perguntas. Mas apareceram o Dr. Caio, parisiense raríssimo nas nossas reuniões, e o Cel. Poli, gaucho de valor!… Vão fazer cada um uma pergunta.
Meu Caio! Pergunta sobre qualquer coisa.
(Dr. Caio: Estou caindo de pára-quedas aqui agora, não tenho nenhuma pergunta para fazer.)
Então meu coronel! É valente, vai para frente! Enquanto ele faz a pergunta dele, e eu respondo, você prepara a sua.
Diga lá.
(Dr. Caio: Vou prestar atenção no que o senhor estiver respondendo.)
Não, não. Eu digo coisas que você já sabe!
* “Os que têm uma participação do profetismo, estes têm uma graça especial, mas devem enfrentar toda espécie de desmentidos daquilo que eles profeticamente esperavam”
Vamos lá, meu coronel!
(Sr. Poli: O senhor disse sobre o Pe. Anchieta que quando ele ressuscitou o índio para poder confessá‑lo, o senhor disse que a confiança tem que chegar até lá.)
Ah, tem que chegar até lá.
(Sr. Poli: O senhor não poderia desenvolver um pouquinho como é que o senhor entende isso, como é que se deve exercer essa confiança?)
Uma das coisas mais bonitas da confiança, é que ela se afirma e vence nas ocasiões em que é improvável, não parece que ela esteja vencendo. Isso é uma das coisas mais bonitas da confiança.
Por exemplo, Jó. Jó passou… se não me engano, foram sete provações, depois foram sete glorificações.
Bem, ele ficou num estado… Um homem que tinha sido muito rico, um homem importante, para ficar morando em cima de um monturo de cacos e coisas do gênero, e limpando a própria lepra com aqueles cacos, é o último… mas é o último! Isso não é beber da torrente do caminho, é entrar inteiro na torrente e ficar deitado no fundo, porque não pode haver pior.
A gente vê que apesar de se lamentar muito, ele tem entretanto a confiança de que Nosso Senhor vai dar um rumo naquilo. E essa confiança que não se quebra, é o grande valor dele.
Os amigos falavam, se lamentavam, censuravam a ele: “Você deve ter algum pecado oculto. Você é culpado disso, porque Deus não pune os homens inocentes”, quer dizer, até os amigos se rebelaram contra ele… ele ficou inteiramente só. Ele confiou! É uma coisa extraordinária ele ter confiado, mas é extraordinário!
Na nossa vocação, os fatos parecem confirmar isso, que o papel da confiança [é] nesse sentido. Se aparece, por exemplo, uma coisa que a gente vê que está no nosso caminho, a gente vê que está no nosso caminho… aquilo vai se realizar. Dá alguns passos para a realização, e aquilo começa a se realizar logo facilmente. Bem, daqui a pouco está concluído…
A gente vai ver, há um momento em que começa a dar para trás, troca, sai imbróglio, sai qüiproquó, sai bagunça, não dá certo… Nossa Senhora toma todas as atitudes de quem nos quer provar, pôr à prova. De maneira que aparece a nossos olhos a idéia: “Eu fui abandonado. E para mim não há caminho”. Nesta hora a gente precisa confiar: “Há caminho, porque existe Nossa Senhora e existe Deus!”.
Sobretudo para os que têm um caminho que é a participação do profetismo, os que têm uma participação do profetismo, estes têm uma graça especial, mas devem enfrentar toda espécie de desmentidos daquilo que eles profeticamente esperavam.
Eu estou vendo nessa sala. Eu gosto muito dessa sala.
A primeira sala para mim, desta sede aqui, é a sala do Reino de Maria. Mas logo depois é a sala São Luís Grignion. Ela me parece o tipo de sala pronta para o recolhimento afável, digno, sério, sacral, próprio a católicos quando descansam com dignidade. Essa é essa sede.
Dr. Caio concorreu possantemente para fazer a sede. Entre outras coisas, a idéia de fazer a capela onde ela está hoje — antigamente tinha lá copa e cozinha — foi uma idéia que eles propuseram… Eu nunca disse isso a eles, estou dizendo agora, mas eu não vou mafiá‑los. Foi uma coisa que me deu um serrote no coração: “Mas como assim? Onde é que nós vamos arranjar dinheiro para essa obra caríssima! Derrubar parede, tirar todo o calçamento, mandar pôr assoalho, mandar pôr vitrais…”. Havia umas janelas ordinárias de copa‑cozinha aí, mandar pôr vitrais, etc., que complicação.
Bom, afinal fez‑se a sede. Estava realizada uma coisa que me parecia que era um desígnio da Providência. Apareceram os móveis, tudo se realizou muito bem.
Qual foi o dia imediato disso? Vazio da sede!
O pessoal não compreendia bem a sede, não se sentia bem aqui, vinha pouco e essas vastidões dadas por Nossa Senhora à espera das multidões que enchessem.
Eu soube que essa limpadeira que anda aqui, chamada Mariana, fez um comentário. Disseram para ela que a sede andava muito cheia. Ela disse: “É verdade. Mas eu alcancei Dr. Plinio chegar aqui à tarde para despachar, e haver duas ou três pessoas, que nem estavam aqui para falar com ele, estavam matando o tempo. Ele entra para cumprimentar, etc., daí a pouco ele estava trabalhando sozinho na sala dele. Porque ninguém vinha à sede”.
Como é bonito ver a sede borbulhando de enjolras. Como é bonito ver esta sala que eu quero tanto cheia de eremitas. É uma maravilha! E com hábito e tudo. É uma maravilha!
Eu estava pensando nisso enquanto falava.
Meu Caio, quando nós fizemos esse prédio aqui, você Eduardo e eu — não o prédio, mas a reforma — não podíamos imaginar essa sala aqui cheia de eremitas com esse hábito… É uma coisa extraordinária.
Bem, a toda hora é uma coisa assim. Uma coisa que vai e dá com a cara da gente no chão. A gente deve transpor aquilo com calma e confiando em Nossa Senhora, porque depois se levanta!
Aí está, meu caro coronel!
* Aqueles que estiverem unidos ao Fundador não terão os castigos da Revolução
E nisso o Caio já teve tempo de… você quer fazer uma pergunta, meu filho?
(Dr. Caio: Há muito tempo atrás, o senhor disse que quem estivesse unido com o senhor na “Bagarre”, não sofreria. O senhor só disse isso, mas não se estendeu sobre a coisa. Qual era o significado disso, precisamente?)
O comentário é de que…
(Dr. Caio: Quem tivesse união com o senhor não sofreria na “Bagarre”.)
Não sofreria?
(Sr. Guerreiro: Creio que o que Dr. Caio está se recordando é de um almoço que tivemos num Natal de 70, no Nabuco, quando então o senhor estava sentado na cabeceira da mesa e começou a desabar um temporal medonho…)
À medida que você está falando, vagamente estou me lembrando.
Diga então!
(Sr. Guerreiro: Era tão forte a chuva, que batia em todos os lados, e nós ao lado do senhor. Em determinado momento o senhor fez uma pausa, e aí o senhor mudou um pouco de tema. O Sr. Mário então disse que tudo aquilo parecia a “Bagarre” que vinha ao nosso encontro, mas na medida em que estivéssemos unidos ao senhor, a Providência nos protegeria de modo especial. O senhor se recorda disso, Dr. Caio?)
(Dr. Caio: Sim, mas o comentário este do Sr. Dr. Plinio, foi noutra ocasião.)
Eu creio que vem a propósito. O que eu respondi?
(Sr. Guerreiro: O senhor respondeu: “Meu filho, é bem isso. Os que estiverem unidos a mim, Deus protegerá como está nos protegendo aqui”.)
É, eu ouvi mal. Eu ouvi o Caio dizer que ouviu dizer o contrário exatamente. Que aqueles que não estiverem unidos comigo, não sofrerão na Bagarre. Não foi isso. É os que estiverem unidos, não sofrerão.
Ah, bem, aí sim, inteiramente é a mesma coisa. Aí eu posso explicar.
Os sofrimentos específicos da Bagarre, são os castigos específicos da Contra‑Revolução. Porque a Bagarre é calculada para castigar a Revolução! Não a Contra‑Revolução, é a Revolução. Ela é a vitória da Contra‑Revolução, é o castigo dos revolucionários, e o esmagamento da Revolução.
Ora, aqueles que estiverem unidos comigo, ou com outro que represente a TFP neste momento, quando eu estiver no super Cornélio, um Cornélio mais alto, na altura das nuvens, mais alto que as nuvens, quem estiver unido com este, estes que estiverem unidos comigo ou quem minhas vezes faça, não terão os castigos da Revolução, porque não estarão pecando de Revolução.
Para isso não basta — é claro que não basta — ser da TFP. Precisa ser bom membro da TFP. Mas sendo bom membro da TFP, ele não é castigado por um pecado que ele não cometeu, ou do qual ele se arrependeu. A coisa vai por cima dos revolucionários. Parece muito razoável. Não sei o que pensam a esse respeito, mas é isso.
Não sei se está claro, meu Caio.
Bom, há uma outra coisa que é claro, vocês já sabem qual é! Huuu! são duas e meia, hein? Duas e meia é a hora convencionada para me retirar…
* Nas últimas fotografias da Sra. Da. Lucilia vê-se a noção contínua e bem clara do próprio sofrimento, e um carregar até o fim dessa provação
(Sr. PM: O senhor não poderia comentar como fatinho, a confiança de uma certa senhora, cuja festa se comemora hoje?)
Sobre a cama dela eu vi hoje umas fotografias que puseram. Há um lindíssimo arranjo, que a mim mesmo me surpreendeu. Eu não pensei que o arranjo de tal maneira estivesse à altura, que excedesse os arranjos passados. Porque eu não sabia como exceder… muito bonito! Me agradou muito.
Mas sobre a cama tem umas fotografias dela tiradas naquele período em que eu estava muito doente, que foi todo mundo em casa e coisa e tal, começaram a fotografá‑la… conhecê‑la e fotografá‑la.
A primeira coisa que a gente tem assim, vendo aquelas fotografias, é que o João de algum modo percebia — e é claro — que ela ia morrer naquela idade, e que essas fotografias iriam substitui‑las, que ela faria falta se não fosse fotografada.
A outra coisa é: no extremo desgaste da pessoa — pela idade, 92 anos — e um certo apagamento inclusive, um relativo apagamento da mente, entretanto uma noção contínua, bem clara, da própria dor, do próprio sofrimento. E com essa noção, um carregar até o fim essa provação.
Há um fato que eu não posso contar, porque concerne a vivos, e não apenas a ela, mas que representou essa prova quase até a hora dela expirar. E de um modo agudo, pungente… Mas foi aquilo, até o fim!
A gente pode dizer que ela entrou num promontório calçado de pregos, e que pisou até o último prego, antes de ela ser colhida pela Providência.
É uma coisa curiosa, a gente percebe em certos momentos esse estado de espírito. Em outros momentos a gente percebe o estado de espírito — coincidente com esse, não são coisas que se excluem — de tanto bem‑estar, de tanta paz, de tanta resolução de continuar aquela via, ainda que fosse só mais um pouco, mas tanta, que causa pasmo à gente! É a conjunção das duas coisas. A ponto que me arrepiou eu ver as fotografias hoje.
Não sei se isso corresponde à pergunta do fatinho. Era o fatinho que eu tinha que contar.
* Na Consolação recebe-se graças para agüentar os sofrimentos da vida
(Sr. Simão Pedro Aguiã: Assim como Deus colocou um anjo para guardar o sepulcro de Nosso Senhor, ele não poderia também colocar anjos a guardar os túmulos dos justos?)
É bem possível…
(Sr. Simão Pedro Aguiã: Como um túmulo que estava particularmente florido hoje, e que nós gostaríamos que estivesse muito mais…)
Estava muito bonito!
(Sr. Simão Pedro Aguiã: Qual o fulgor especial deste anjo no dia do “Grand‑Retour”, e o que ele falaria?)
O lugar de si… as pessoas que vão ao lugar de si, consideram que elas recebem uma certa influência na alma, e que essa influência tem uma espécie de cerne de elocução própria. E é um misto de dois aspectos que eu acabo de dizer.
Porque de um lado há muita consolação ali. Mas o que fica dito é o seguinte — não sei se perceberam: “Meu filho, eu lhe ajudo muito, veja como é agradável ser ajudado. Mas é para seguir um caminho que tem dor”.
Não existe [em] nenhum momento ali a determinação de um estado de espírito em que a pessoa tem a impressão que todas as graças obtidas ali vai cessar o sofrimento na vida. Uma promessa assim: “Você agora vai ter uma vida boa”. Não vem!
Vem a alegria de agüentar uma vida muita vezes dura. Isso sim. Mas uma vida gostosa prometida lá, na forma Mitterrand “quero tudo, quero já e quero para sempre”, absolutamente não.
Isso é a mensagem.
Não será essa também a ação dos anjos?
* A atmosfera com um convite para a vida eterna já se sentia antes da presença da Sra. Da. Lucilia, mas foi muito acentuada por ela
Eu vou dizer uma coisa que para alguns assim mais novos é um pouco difícil de explicar — o meu relógio está dizendo que já passou de duas e meia, de maneira que não quero alongar o que estou dizendo —, mas é o seguinte:
Já deve ter acontecido aos senhores — não é possível que não aconteceu — que enquanto estão rezando lá, alongam a vista sobre o conjunto das sepulturas que estão diante de si. É natural. Mas não sei se perceberam que há uma impressão de paz ali no… que não é só no túmulo. Eu a sinto preponderantemente no túmulo, mas não a sinto exclusivamente no túmulo. Uma atmosfera que cobre, que vai longe, que… de paz, que faz com que a gente não sinta, olhando aquele cemitério, o estertor da morte. A gente sente mais o convite da vida eterna.
A gente vai, por exemplo, ao túmulo dos que são nossos, e que está no Araçá, não é a mesma coisa. Quer dizer, é um cemitério respeitável, não tem dúvida, mas não é a mesma coisa.
Agora, muito pior, é o tal cemitério só com cruzes e números que tem aqui. Uma coisa a respeito do qual eu não sei o que dizer. Tanta é a minha repulsa àquele sistema de enterrar os mortos.
Mas acontece que isso não é uma ação que se deva atribuir exclusivamente a uma graça pedida por ela, ou uma graça que Nossa Senhora queira conceder em louvor, em honra a ela que está ali sepultada. Porque já antes da Consolação, de ela estar na Consolação, várias e várias vezes eu sentia — quando eu ia para enterros, para essas coisas que de vez em quando se tem que ir — essa impressão no cemitério.
Uma vez eu vi uma senhora, muito mundana, fazer esse comentário… uma senhora rica e lançada na vida social completamente, ela fez esse comentário: “Passeio agradável mesmo é visitar o Cemitério da Consolação”. E ela acrescentou: “É tão digno, tão decente e tem tanta paz, que a gente se sente bem desde os primeiros passos em que se entra lá”.
Bem, essa ação assim é caracteristicamente uma ação de anjos. Porque antes de ela estar lá, já esta ação era. Se bem que a meu ver bem menos intensa do que é hoje junto à sepultura.
Ali está sepultada a São Paulinho antiga, do que havia de São Paulo, de mais representativo da São Paulinho antiga, com todas as esperanças de grandeza e as caipirices da São Paulinho antiga. Uma coisa que nascia na mão da Providência para determinar o rumo… Se quiserem, a classe que está lá, eram os primeiros vagidos, as primeiras impressões de fisionomia de uma criança que estava destinada a um grande futuro e que se movia, que era o Brasil! Morreram e foram para lá.
Essa tradição vinda de Portugal e de que eles eram os continuadores, essa tradição se notava ali. Era uma coisa inconfundível.
(…)
… o que é de uma caipirice extraordinária, é extraordinária! Mas a cor, a forma da sepultura, etc., está integrada na São Paulinho. E numa certa tradição que o Brasil teria tido, se tivesse seguido a linha reta, e que se desviou num outro sentido.
Então compreende‑se que houvesse essa bênção lá e que com a sepultura…
(…)
De algum modo, como hoje é dia de Páscoa, eu me darei o gosto — eu quase diria o luxo — de cumprimentar a cada um.
Eu queria que depois vissem, ao menos aí pela janela — o Dr. Luizinho, o João e eu instalamos, Caio — os dois soldados de cavalaria vindos de Paris. Quero que vejam.
*_*_*_*_*