Conversa
de Sábado à Noite – 25/2/1984 – p.
Conversa de Sábado à Noite — 25/2/1984 — sábado [Rolo VF 019 e 021]
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Senhores hipotecários da reunião, que perguntas têm?
(Sr. Guerreiro Dantas: [Falta trecho inicial] …qual o “unum” das duas últimas Reuniões de Recortes, especialmente da de hoje, que consistiu numa série de notícias que não sabemos bem como encaixá-las no quadro geral.)
O que [é] que se chama agora processo revolucionário.
Se nós qualificamos de processo um plano completamente articulado para que as coisas sigam logicamente de acordo com certo rumo, o processo está mais ou menos como uma fogueira quando se acabou todo o fogo e as achas de madeira estão em brasa. Não está apagado, mas não há mais a fogueira, há uma incandescência dos restos da fogueira.
Assim também os acontecimentos contemporâneos carregam a incandescência do que houve, mas não têm mais a chama do que houve.
O que quer dizer isso de concreto? A imagem pode ser mais ou menos interessante, mas o que quer dizer de concreto.
Os senhores tomem, por exemplo, a situação política da Espanha. É sem dúvida, que à medida que o Partido Socialista vai desenvolvendo a aplicação dos seus princípios, e que a Hierarquia católica vai colaborando de modo que o senhor está vendo, é um fragmento do processo que ainda continua em certo aspecto da realidade espanhola. Indiscutivelmente.
Por que [é] que eu digo que o processo está extinto?
É porque se eu tomo a mentalidade geral do povo espanhol, eu vejo que essa mentalidade está adormecida e que apenas alguns estados de espírito do espanhol é que estão sendo impelidos a la processo. O resto está evanescente, está dormiente.
Então, como o processo toma o conjunto do espírito do homem e esse conjunto de espírito está dormiente, não há propriamente processo.
Mas assim como, por exemplo, um homem que sonha pode ter no seu sonho uma lógica, que nós chamamos de lógica propriamente dita, mas é a fantasmagoria da lógica que pode haver num sonho. Assim também há restos de lógica nos movimentos tendenciais do povo espanhol hoje. E esses restos de lógica devem ser examinados a la lógica. Como num sonho que tenha um resto de racional, se faz o exame racional do sonho. Embora aquilo não se possa chamar de raciocínio.
Então, alguns fatos hoje estão assim: fora do processo propriamente dito, eles conservam um quê de racional. Enquanto um quê de racional, conservam um quê de processivo. E alguns fatos podem ser vistos assim.
Às vezes isso deve ser visto num bloco. Por exemplo, no caso espanhol isso é um bloco grande. Às vezes é uma notícia de um país, que mostra que, no velho processo, enquanto vivendo numa mentalidade evanescente que sonha, tal fato deu ainda tal ponto.
Por exemplo, o caso Marsinkus na Itália. É mais um caso mundial, mas repercute mais na Itália.
O caso Marsinkus na Itália pode dar um crescente desprestígio do clero. Esse crescente desprestígio do clero pode ter certas conseqüências a la processo, na mentalidade do homem que dorme.
De maneira que, muitas vezes minha linguagem é como se fosse processo, mas tomando em consideração que as pessoas que estão vivendo aquilo, já não vivem com a lucidez do homem acordado, mas do homem semi-evanescente.
A verdadeira figura não é tanto do homem que está sonhando, mas do homem que está numa mesa de operação e que tomou uma injeção que o coloca meio assim, então ele responde umas coisas racionalmente e, outras, responde meio a la tontas. Esse é o mundo evanescente de hoje. A evanescença não é completa. No que a evanescença não existe, há um resto de caminhar meio processivo. Já não é o processo.
Depois há também o processo — esse com mais vitalidade — enquanto representando a marcha acelerada dos instintos humanos. Porque os instintos humanos têm um desdobrar-se mais ou menos processivo, ainda mesmo que o homem esteja louco.
Então, nessa humanidade enlouquecida, na Revolução tendencial, alguma coisa se faz com alguma regularidade. Essa regularidade é susceptível de análise.
Por exemplo: é característico quando eu tratei daquele caso da Bahia, a situação brasileira eu analisei dentro do evanescimento geral, um ligeiro ressuscitar de uma operação processiva que não atingiu — e pode ser que não atinja — o seu auge, e que seja só feita porque está demorando muito o ataque a TFP. Por que razões? Também não sei. Mas enquanto não vem esse ataque, eles precisam entreter a galeria com alguma coisa. Então eles fazem isso para entreter a galeria.
Eu penei até ter dito isso, talvez menos claramente do que estou dizendo aqui, penso ter dito isso. Isso explica o funda da coisa.
Então eu passo em revista os vários países e indico, sucessivamente, ora uma marcha da Revolução tendencial, ora dentro da Revolução tendencial, mas também dentro da sofística, o adormecimento anestésico da evanescença; ora um resto de lógica que o indivíduo meio assim ainda tem, o semi-ébrio ainda tem.
Depois, eu trato de uma coisa que é muito a nota tônica: que as coisas chegaram a um extremo na imoralidade, no ultraje a Deus, etc., que é o incalculável. E que o incalculável não está se tornando apenas com uma freqüência assustadora, ele está tendendo a ser a lei geral do acontecer.
E, naturalmente, deixo sem mencionar, talvez levado pelo meu hábito de achar que tudo é mais ou menos evidente, eu deixo sem mencionar a grande questão que fica por detrás: e a Bagarre?
Quer dizer, este contínuo roçar na coisa louca, o que [é] que indica como possibilidade de Bagarre?
Eu não explicito talvez assim, mas são as idéias cardeais de uma Reunião de Recortes.
O senhor me dirá: “Mas essas idéias cardeais não são concatenadas entre si à maneira de uma grande demonstração lógica.”
Não são. São os comentários a que se prestam as notícias da semana. Ora se prestam a uns comentários, ora outros.
Sobre este ponto eu estou claro? O senhor queria perguntar alguma coisa?
(Sr. Guerreiro Dantas: [Falta trecho inicial] …nesse quadro a nota saliente passa a ser o fluxo dos instintos, a nota mais importante no processo… [falta trecho final].)
Do curso das coisas, já não falar muito em processo.
(Sr. Guerreiro Dantas: Esta passa a ser agora… [trecho final cortado].)
O rumo do futuro: a evanescença cada vez maior, os restos dos acontecimentos lógicos cada vez menos pesando, e o desenfreamento de todas as coisas cada vez maior.
(Sr. Guerreiro Dantas: [Falta trecho inicial] …o panorama brasileiro há algumas semanas o senhor não comenta.)
Eleições diretas, nada disso. Isso para mim é guerra lá da Ásia menor, Líbano.
(Sr. Guerreiro Dantas: [Falta trecho inicial] …poderá ser meta da Revolução fazer a mudança da situação por meio de revoltas internas.)
Não propriamente, é uma coisa um pouco diferente.
(…) [Corte nº 1]
…se o senhor quiser perguntar mais alguma coisa. É muito bom, porque serve para arejar a Reunião de Recortes.
(Sr. Guerreiro Dantas: [Falta trecho inicial] …os critérios para analisar o curso das coisas.)
De algum modo sim. O senhor prefere que eu exemplifique com o Brasil, com a Espanha, com algum lugar assim, para ser concreto…
(…)
Está bom, então com o Brasil.
O primeiro dos critérios consiste sempre em ver até que ponto o temperamento público está assumindo a revolução social. E, no caso concreto do Brasil, até que ponto a abolição da propriedade privada pelo processo das invasões vai indo longe.
O processo das invasões assim: tirando ao temperamento público o hábito de ver a propriedade privada como algo de intacto. Só isso. Depois eles derrubam com um decreto. É, portanto, um hábito mental que eles estão destruindo.
As invasões são de longe, para mim, o ponto mais importante de tudo isso, porque as greves eu não vejo que estejam pegando. Aquele carnaval daqueles desempregados no Ibirapuera parece que fracassou. Se eles não inventarem outras formas de show para atuar sobre o temperamento público, por enquanto o “pulso” onde se toma à temperatura é o processo de invasões. Mas eu estou com o olhar atento para ver se outros processos — não vou usar a palavra “processo”, pode criar confusão —, outros artifícios de temperamento público podem atuar sobre o temperamento público também, levando-o a aceitar coisas que por enquanto ele não aceita. Essa é a grande pergunta.
(Sr. Guerreiro Dantas: E no plano internacional?)
No plano internacional é análogo. Como o senhor dizia bem há pouco, quer dizer, observando o que se passa em Portugal, Espanha, França, Itália, o senhor observa que a coisa vai toda ela nessa linha, de um socialismo que vai habituando o temperamento público dessas nações inteiramente ao socialismo. É como no Brasil. Como, aliás, em toda América do Sul.
Por exemplo, na Argentina o Alfonsin: ele entrou tocando trombeta e, de repente, ele passou de lado, passou para clarineta. Ele entrou todo esquerdista e agora está de outro jeito, está quietinho, está como uma menina de colégio dos antigos tempos, com fita cor-de-rosa amarrada no cabelo.
Agora, o que [é] que me interessa na Argentina?
É saber o que vai ser feito para habituar o temperamento público.
O senhor dirá: “Leis e decretos o senhor exclui?”
Não. Na medida em que eles são uma tentativa de habituar o temperamento público eu não excluo. Mas eu quero ver a reação ao decreto. Aí que pega o carro.
(Sr. Guerreiro Dantas: Cada região do mundo passa a ter características mais ou menos próprias, para ver como esse temperamento é levado.)
É induzido a perder seus hábitos mentais mais débeis, mas não os elimina. Como eliminar é por artifícios que variam de acordo com cada país, cada região.
Mas, pergunte mais, que está interessante.
(Sr. Guerreiro Dantas: [Falta trecho inicial] …são tais mudanças, que com base nas duas últimas Reuniões de Recortes pareceu-me que estamos no outro mundo.)
Propriamente isso.
(Sr. Guerreiro Dantas: [Falta trecho inicial] …e o senhor terminou a Reunião de Recortes, fiquei com as perguntas na cabeça…)
Há um velho provérbio que o senhor conhece, com certeza, que diz: “Que quem tem boca vai a Roma”. A gente pergunta para isso. Eu até estou querendo que o senhor pergunte, porque eu estou achando as perguntas úteis para serem tomadas para a próxima Reunião de Recortes. O senhor mandar escrever tudo isso, e eu fazer uma explicação na próxima Reunião de Recortes, cabal. Porque estou achando muito prático, muito interessante.
(Sr. Guerreiro Dantas: [Falta trecho inicial] …talvez seja indiscrição de minha parte, mas como o senhor espera conduzir a luta contra-revolucionária na Espanha? É possível teorizar um pouco a respeito?)
Se eu tivesse que tratar com um homem que vai ser operado e que está em vias de perder a lucidez, mas está naquela coisa assim… vamos dizer que esse homem é chefe de Estado. E eu vejo o meu chefe de Estado que está assim, cambaleando. E, de repente, chega um telegrama importantíssimo que exige que ele tome uma deliberação antes de operar. Eu preciso produzir nele um trauma para tirar o máximo de lucidez dele e tentar fazer com que ele resolva alguma coisa.
Esse o fundo do nosso jogo diante das nações entorpecidas de hoje. Entorpecidas não de torpeza, mas de torpor. Eu não sei se no castelhano é a mesma coisa a linguagem.
A questão é: eu só tenho um jeito, [que] é produzir nele [porque?] [o que] estou dizendo, um sobressalto pelo qual ele queira reagir no seu torpor como diante de uma força interna que o atrapalha no momento e, levado pelo instinto de conservação, digo: “O que [é] que é?”. E tenha um sobressalto por onde ele possa me dar uma resposta válida. Não tem outro remédio.
Naturalmente meu [Edwaldo Marques] poderia objetar, que eu poderia inocular no indivíduo drogas que fizesse cessar o torpor dentro dele. Mas essas não existem na linha psy, existem só no lado físico. E eu não disponho dos meios para fazer isso do lado psy.
Então, todo jogo que se resta jogar, e de cuja eficácia eu não dou garantias, é apenas a única coisa que eu vejo que é possível: é procurar falar para o homem meio abobado, portanto, para o processo semi-evanescido, colocando-o diante de quadros que o impressionem, para ver se eu atrapalho e retardo a marcha do torpor e, de repente, arranco dele uma decisão lúcida.
Então, se o senhor teve a paciência de ouvir o manifesto da TFP espanhola, muito bem declamado pelo meu Zayas hoje à tarde, o senhor terá visto que no fundo é isso: “Olha que socialismo já foi até lá e vai mais além. Vocês são uns inertes, não estão prestando atenção. Prestem atenção!”. Conclusão concreta: “Nós estamos presentes e vamos atuar nessa grande manifestação, agarre-se a nós.”
Isso é o esquema do manifesto. Tem as tinturas para cima, “tará, tá, tá”, mas o esquema do manifesto é esse.
E é constantemente o mesmo jogo, tentar acordar. Porque se evanesce mesmo, o que [é] que eu posso fazer!
É, portanto, uma tática muito simples, quase primitiva, de quem não tem outra coisa para fazer.
Eu hoje estava dando ao seu irmão, à tarde, uma metáfora que poderia ajudar a entender isso. Ele não me levantou esse problema, mas serve; uma coisa pode ser transposta para a outra. Eu posso dizer, porque não é nada de reservado, ele manifestava a aflição dele, a détresse dele, diante da demora, que não vem a Bagarre, etc., e, naturalmente, a pressa que venha logo. É claro, essa pressa todos nós sofremos dela, não tem dúvida nenhuma.
Mas eu quis mostrar a ele como é que a Providência está agindo, porque no fundo a pergunta dele era a seguinte: o que [é] que há de lógico nessa ação da Providência, que faz as coisas demorarem dessa forma? Como é que acaba sendo isto aí?
Então eu estava dizendo a ele o seguinte: imagine um homem católico, apostólico, romano, direito, da TFP, etc., que está jantando numa sala com um grupo de celerados. Os celerados estão satisfeitíssimos, porque são os donos da situação. Ele está descontentíssimo, porque ele não é o dono da situação. Ele se pergunta, de tanto que aquela gente está ali dizendo absurdos, e em luta contra ele, etc. Até que ponto a Providência não vai arrebentar com aquilo a qualquer momento.
E ele começa a ter a impressão, em determinado momento, que está se operando um milagre. E o milagre consiste em que todo o chão vai se inclinando, inclinando lentamente. E ele fica satisfeitíssimo, porque ele acha que a Providência vai fazer, de repente, o chão virar como um tabuleiro e aquilo se arrebentar.
Mas ele vai notando, ao mesmo tempo, uma espécie de contramilagre. Um milagre, a Providência vira o chão, mas permite que o demônio faça o seguinte: nenhum dos indivíduos que está ali perde o equilíbrio, a sopa não transborda de um prato, o vinho não escorre de um copo, nenhum talher desliza sobre a mesa, nenhum convidado cai em cima dos outros. E, de um modo inteiramente artificial, nesse tabuleiro inclinado, a lei da gravidade funciona como se o tabuleiro tivesse horizontal.
Ele vê que é uma ação do demônio. E ele se pergunta… [faltam palavras?] Os inimigos dele, portanto, continuam a fazer blasfêmias, a dizer horrores, e ele na luta contra os inimigos do mesmo modo. E eles bebem num copo de cristal inclinado assim…
(…)
…um vinho que está assim…
(…)
Com toda naturalidade colocam o copo torto, comem, etc., e fingem que não percebem que está acontecendo [nada?] [algo]. No total, pode ser que algum cretino nem perceba que está acontecendo [nada?] [algo].
Ele percebe que está tudo torto e que qualquer momento tudo pode cair. Os outros não ligam a mínima.
Esse homem tem um telefone ao alcance, e percebe que ele me pode dizer baixinho: “Dr. Plinio, o que [é] que está acontecendo?”. Eu suponho bem que nesse caso ele me telefonasse para perguntar direto: “O que [é] que está acontecendo?”.
O que eu diria a ele?
Eu diria:
“Você está, meu filho, numa situação única. No próprio âmago de uma luta entre Deus e o demônio, onde lhe é dada à graça de ver que Deus não se esquece de você, porque o tabuleiro está virando. Mas que Ele permite que o demônio prolongue o seu martírio, de maneira que os líquidos não estão caindo, etc. Compreenda que você está sendo objeto de uma aparente contradição única, que exige de você um heroísmo especial, mas que dará a Ela, a Nossa Senhora e a você, uma glória extraordinária quando isso cessar. Porque, por contradição igual, nunca ninguém passou.”
Nós estamos nas labaredas da contradição, na fogueira da contradição. Por quanto tempo? Isto é uma espécie de fuga do nosso tormento, é querer que Deus nos diga quanto tempo. Aí a contradição deixa de ser um mistério. Nós devemos carregar o mistério.
É horrível! Eu compreendo. Mas não está no direito de Deus fazer isso? E não é um glorioso sistema de martírio?
Por exemplo: isto que eu estou contando agora aos senhores, a metáfora que eu dei ao Rodrigo à tarde, essa metáfora os senhores possivelmente vão contar para a mais remota juventude que os senhores conhecerem no Reino de Maria. E vai ser o modo de descrever o tormento especial pelo qual estão passando.
Eu mostro essa contradição sob todos os aspectos, contradição que forma uma encruzilhada, da qual a gente não sabe como sair.
Por exemplo, eu olhei para o meu caro Luc e lembrei da nossa França. Há aquela espécie de profecia de São Pio X sobre a França. Agora, nada do que está acontecendo faz esperar que essa profecia se realize. E, por outro lado, a profecia não é tão categórica, que a gente possa dizer que é propriamente uma profecia, que não é mais a manifestação de um desejo e de uma esperança, do que uma afirmação. Não é tão categórica que isso assim se possa dizer. Quando se chama aquilo de profecia, força-se um pouco a nota da inteira objetividade.
Agora, o que fazer? Que recursos empregar na França?
(…)
…quem sabe lá: a Europa inteira. A Europa inteira, meus caros. Do jeito que está, o que [é] que a gente sabe da Europa de amanhã? A Europa que…
(…) [Corte nº 2]
…estigma de degenerescência de todas essas nações, a ascensão do socialismo. O caso da França, por exemplo, da Áustria, por exemplo.
Mas é fato que o mundo germânico está muito mais reativo contra o socialismo do que o mundo latino. O mundo anglo-saxônico está muito mais reativo contra o socialismo do que o mundo latino. Estados Unidos, Inglaterra não estão se deixando deglutir pelo socialismo como o mundo latino. Vamos dizer tudo numa palavra só: o mundo protestante, o mundo infectado pela Primeira Revolução está mais reativo ao socialismo do que o mundo católico, que não se entregou inteiramente à Primeira Revolução.
Eu acho melhor dizer as coisas como elas são, barbaramente como são.
Entretanto, tudo quanto eu sinto a distância, é que este mundo está absolutamente tão podre quanto o outro. Agora, que contradição é essa: por onde o socialismo aqui parece um elemento de degenerescência; lá segura o socialismo e não é um elemento de degenerescência? Que degenerescência é essa? E aonde é que a gente vai com esse raciocínio? Vamos raciocinar com força. Força, energia, ênfase, resolução!
A resposta é: todo mundo sabe que a Revolução tem duas pistas de progresso. Uma pista de progresso é o socialismo, outra pista de progresso é a corrupção moral.
A corrupção moral como está nos países anglo-saxônicos e germânicos: é uma coisa do outro mundo!
Porque, pela psicologia deles, quando certa forma de corrupção se instala, vai muito mais longe do que qualquer outro lugar.
Eu volto a dizer, não há país cujas virtudes militares eu mais admire, do que a Alemanha. Não há povo, cujo pacifismo me meta mais nojo, do que o pacifismo alemão. Um alemão pacifista é um bicho asqueroso! Um alemão militarista…
(…) [Corte nº 3]
…os senhores me perguntarão: “Está bom, o que [é] que o senhor conclui daí?”
Que a sala está torta, e que o vinho e a sopa não caia do copo e do prato, e que os maus estão continuando a fazer o festim deles na sala torta. Isso que eu concluo. E que nós estamos na incógnita terrível, esperando a cada momento, a cada momento, a cada momento, a cada momento.
Alguém dirá: “Bom, mas como é que eu fico nisso?”
Meu filho, você fica como eu, esperando.
Meu Guerreiro, isto tudo está claro?
(Sr. Guerreiro Dantas: Sim.)
Tem mais alguma pergunta a fazer, sou todo ouvidos.
(Sr. Guerreiro Dantas: [Falta trecho inicial] …se o senhor pudesse aprofundar um pouco mais essa situação da metáfora em que vivemos no mundo em que todas as leis naturais cessaram de funcionar.)
Cessaram não. Por exemplo, estão dizendo que é porque sentem que é assim. O senhor, os senhores todos, Dr. Edwaldo Marques, [Coronel Poli?], todos os outros, nunca pensaram viver dias assim. Eu não pensei. Não pensem os senhores que eu previ isso, porque a gagueira não se prevê. Eu não previ isso. Eu trabalhei para encontrar essa metáfora. É terrível. Mas é assim.
(Sr. Guerreiro Dantas: [Falta trecho inicial] …lendo sobre a Astronáutica, vi que quando cessa a ponderabilidade as leis físicas ficam todas variadas. Esse mundo de preternatural no qual vamos entrando também parece assim, e no fundo tem leis, regras, mas variadas, senão fixas, mais ou menos constantes.)
Aqui está exatamente a questão que é dura de tomar.
O senhor deve fazer a distinção de passagem de uma ordem para outra ordem, que é o que o senhor apontou, para uma passagem de uma ordem para a contradição. E a contradição é a desordem.
Esse mundo está caminhando para o contrário da Fé. Está caminhando para a revolta contra Deus e, portanto, para a desordem intencionada. Esta desordem intencionada, não pode dar numa espécie de ordem diferente. Mas pode-se fazer sobre ela uma pergunta: enquanto ela existe, enquanto ela não cessa, pelo fato de ela ser o contrário da ordem, e porque a ordem é ordem, quem faz o contrário da ordem obtém frutos, apesar de tudo, até certo ponto marcados pela ordem. Porque, quem ordenadamente quebra a ordem, este tem uma desordem marcada pela ordem que ele está quebrando.
Por exemplo, se eu quero destruir esse prédio que a arquitetura levantou, eu vou usar o contrário da regras que a arquitetura usa. Mas na demolição, a alegação das regras de arquitetura, importa conhecer as regras de arquitetura, porque é segundo elas, apesar de tudo, que eu prevejo que desabará o que eu quero destruir.
Nós poderíamos então dizer o seguinte: tomar um mundo que é Antideus, e como é ruirá esse mundo Antideus.
Não é o caso concreto diante do qual nós estamos, porque é um mundo muito pior. É um mundo ao qual Deus deu a possibilidade de o demônio o manter durante algum tempo contra as regras constitutivas desse próprio mundo, e segundo uma intenção dele, demônio, de efetuar um reino dele, que é o reino do estapafúrdio que ele realiza não nas regras do estapafúrdio, porque o estapafúrdio não tem regras, mas na estabilidade estapafúrdia do estapafúrdio. Aí se podem perceber algumas regras.
Quer dizer, se o demônio começar a atuar nesse mundo com uma amplitude de ação ainda muito maior, ele o que quererá? Se ele tem a esperança de reinar durante algum tempo, que espécie de coisa ele quer produzir? E como é que ele agirá?
Eu tenho impressão de que ele vai, através de etapas é verdade, mas sem ziguezague, vai para o canibalismo dos banquetes sagrados em honra a ele, eróticos e canibais. Em que o homem devora o homem em honra a ele, tudo como a suprema força do universo.
Tenho a impressão de que a cibernética oculta uma noção de energia que no fundo é a idéia de espírito. Corresponde mais à idéia de espírito católica, do que à idéia de força física.
E tenho impressão, de que eles vão esconder a ação deles sob a forma de uma coisa cibernética, mas de uma [“cibérnies”?] de uma energia material, tão destilada, que é o que os homens imaginavam que é espírito e não é espírito. E que essa matéria tão destilada que parece espírito, mas não é espírito, e que domina tudo, vai passar a dominar completamente os homens, pelas mãos de alguns sábios, de alguns tecnocratas, que são muito mais místicos do demônio do que qualquer outro coisa, que reproduzem os homens todos a cretinos enlouquecidos e meio místicos, que eles dominam e transformam nos escravos deles. E esse é o culto dele.
Eu falei há pouco de anglo-saxões.
Eu recebi uns cartões postais, que, se eu soubesse o rumo que tomou a nossa conversa eu teria trazido aqui, mandados da Austrália, Sidney. Onde o movimento punki atingiu um grau de desenvolvimento, amplitude, extraordinária.
Esse pessoal pinta o cabelo, e pinta o cabelo com as cores mais extravagantes que há. Depois se pinta também. Mas nas cores da aberração cromática.
Na mentalidade de um brasileiro, isso podia fazer-se com muito dano, mas sem que o brasileiro tomasse isso a sério. Na mentalidade de um anglo-saxão, toma a sério, e fica com aquela mentalidade, é aquilo mesmo. E não está longe de adorar aquela coisa. Um germânico também, não está longe de adorar aquela coisa.
É por aí que vão as deteriorações inomináveis. Quando é que elas chegarão?
O tal salto qualitativo brusco que Marx esperava, esse salto se dará com a interferência ostensiva de uma energia nova, que é o demônio. Quando é que se dará?
(…)
…equivale a dizer que você está na TFP há 19 anos, mais ou menos. É mais ou menos, suponho, eu, a diferença de idade entre o senhor e muito dos “enjolras” que estão aqui.
Agora, para saber o que será a TFP, o senhor imagine que o senhor no tempo que tinha a idade deles, soubesse que era certo que nós chegaríamos aonde chegamos, que efeito isso produziria no seu espírito. Porque o senhor não sabia que isso era certo, nem de longe. E o andar de seus passos na TFP foi, em boa parte, condicionado pelo que o senhor previa.
(Sr. Guerreiro Dantas: O senhor previa.)
Ma eu não fiz essa previsão. Assim não previ.
Agora, eles, na jovem idade deles, estão já tomando isto sem o susto que o senhor tomaria. E não é só o susto, é o pasmo, é desconcerto, e a revolta, a indignação! Eu não sei o que [é] que seria. Dr. Edwaldo, Coronel.
Como é que vai ser a TFP daqui a 20 anos, se Nossa Senhora permitir que até lá não haja o Reino de Maria? [Obs: Manifestações de dor e desapontamento na sala…]
O senhor já imaginou, o senhor, Dr. Edwaldo, Coronel, a diferença que há do que eram quando tinham 20 anos, pelo simples fato de não tomarem isso hoje como tomariam naquele tempo? A diferença que o tempo fez.
Tudo isso são perguntas impressionantíssimas.
E para as quais não cabe resposta hoje à noite, em que os relógios estão dando 2 e meia.
Em todo caso, as perguntas estiveram muito boas, do meu perguntador mor. E vamos tocando para frente.
(Sr. Guerreiro Dantas: Um fatinho Sr. Dr. Plinio!)
Fernando Antúnez, é tradição fatinho sábado à noite?
(Todos: Sim, sim…)
(Sr. Fernando Antúnez: [Falta o trecho inicial] …qual a primeira perplexidade do senhor com respeito à “Bagarre”?)
A primeira é sem graça, o senhor pede a primeira, sou obrigado a dar quadradamente a primeira.
Eu julguei sempre, que a Bagarre arrebentaria no decurso de uma guerra mundial. E, quando arrebentou a Segunda Guerra Mundial, houve aqueles fatos em Portugal, que são muito comentados, houve a aurora boreal, os sinos de várias igrejas se puseram a tocar, etc., que eram, a meu ver, sinais patentes de Bagarre.
Eu li aquilo, e percebi que a Segunda Guerra Mundial estava se espalhando sobre o mundo. E eu cheguei à conclusão seguinte: entretanto não é a Bagarre. Eu sinto no ar, sinto em mim, que não é a Bagarre.
Mas, eu nunca imaginei que houvesse um mundo de acontecimentos antes da Bagarre, que ainda não fosse a Bagarre. Mas eu sinto que não é a Bagarre. Que perplexidade tremenda. O que [é] que há?
Eu me lembrei da perplexidade de Colombo, quando ele chegou à América e viu que não era a Índia, e que ele tinha um mundaréu diante de si, que não era a Índia que ele esperava. Como é que é o negócio aqui?
Os senhores, não sei se imaginam isso: ele encontrou um continente vazio, que para o rei da Espanha e para a ganância dele, era muito menos llamativo do que era a Índia com suas riquezas, e com seus marajás, e com a sua coisa toda. Aqui vazio, e esses índios correndo aí. O senhor pode imaginar o desapontamento de Colombo? Uma coisa horrorosa!
Eu me sentia também, diante da Segunda Guerra Mundial, como Colombo diante dessa América que não era a Índia. Como é que é?
Perplexidade, acrescida logo depois de outra coisa: a entrada da crise dentro da Igreja. Outra perplexidade. Foram as duas grandes perplexidades.
Eu ficaria muito perplexo se eu soubesse, naquela ocasião, que uma reunião da TFP terminaria as duas e meia da noite.
Meus caros…
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