Conversa
de Sábado à Noite (Êremo Praesto Sum) –
7/1/1984 – Sábado [AC VII ‑ 84/01.12] – p.
Conversa de Sábado à Noite (Êremo Praesto Sum) — 7/1/1984 — Sábado [AC VII ‑ 84/01.12]
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Pelo modo de ser contínuo da Sra. Da. Lucilia, todo o aroma e todos os timbres do passado chegavam ao presente * O modo de ser da Sra. Da. Lucilia era o ponto de partida de um tecido de incompreensões em torno * Dos fatos com sabor a tradição, nosso Fundador narra o caso de sua trisavó, Da. Nnhanhá, uma senhora de espírito voluntarioso e mandão * Agindo com cuidado com os “sabugos” do demônio, evitamos que peguem fogo, e com isso diminuímos a expansão da ação demoníaca * Se um Quadrinho numa sala já atrapalha o demônio, quanto mais a senhora do Quadrinho * A impregnação da ordem pelo Fundador, tanto pela doutrina, como pela história pessoal, a vida em comum e a comunicação temperamental * Há toda uma formação em nós que nos conduz para uma ordem religiosa de guerra psicológica — Atuar na esfera temporal, em nome dos princípios religiosos * “Quereríamos o gládio e temos que manobrar a pena” * À objeção que não temos a aprovação da Igreja em nossa luta anticomunista, diremos que estamos lutando na defesa do direito natural, fazendo-o por amor à Igreja * Àqueles que lançam a acusação de culto dentro da TFP, diremos que são homenagens de membros de uma ordem religiosa em vias de se formar em relação a seu fundador * A etimologia da palavra “culto” * O culto civil e o culto religioso * Não só é legítimo, mas corrente, prestar homenagem a alguém enquanto vivo * O culto prestado em razão de suposta santidade — Fatos históricos e concretos * O processo por onde a Igreja reconhece a santidade * Culto público e culto privado
Índice
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* Devido à campanha de calúnias de que está sendo alvo o Grupo, o Fundador pede que as manifestações de gáudio sejam contidas
Espalha‑se pelos ares [algo] — eu não sei que influência demoníaca — por onde tudo fica muito mais suscetível em relação à TFP, tudo muito mais irritável, e todas as objeções, todas as máfias, todas as coisas tomam muito mais calor e se propagam mais.
É como certos dias em que a atmosfera está tal, que os sons se propagam muito mais e vibram muito mais. Assim também em certos dias, em certas épocas, o demônio… a coisa está muito mais assim.
E faz parte de nossa batalha, nessas épocas, saber sentir isso, e encolher um tanto no nosso modo de agir. Mas quando isso passa, nós desatamos mais…
Ora, eu já tenho estado aqui com os senhores à noite, e não tenho levantado o menor obstáculo a que os senhores manifestem os seus sentimentos, no timbre de voz que entendam. Mas, na atual época, a essa hora da noite, embora seja sábado… é mais do que razoável que no sábado se faça um pouco de barulho, a manhã seguinte é de descanso, [mas] não vale contra a TFP.
E como nós temos interesse em não permitir nenhuma coisa contra nós nesse período, eu recomendo aos senhores que as manifestações de gáudio que eventualmente os senhores tenham, sejam manifestações dadas com cuidados a não se ouvirem na vizinha… Está muito bem tonalizado.
Os senhores me dirão: “Mas, Dr. Plinio, o que é que o senhor receia que aconteça?”.
Eu vou dar um mínimo.
Eu percebo que numa vila que me disseram que há por aí, e eu acho que também essas casas aqui no fundo, constituem um corredor de casas intercomunicantes, umas casas neutras, e há duas ou três casas ruins, com gente que recebe incumbência de aproveitar ocasião para nos “mafiar”.
Nessas ocasiões as “máfias” pegam mais e nós constituímos… fica deixado dentro um paredão de ódio contra nós que não passa quando passar a “máfia”, quando passar a campanha contra nós. Então nós temos interesse em não deixar esse paredão de ódio, para o bem da alma deles, para o bem de nossa Causa, para a liberdade de nossos movimentos em épocas seguintes. Então eu recomendo aos senhores que se manifestem no timbre de há pouco.
É sem graça, não é? Nunca lutar é sem graça!
Bem, quem é o pergunteiro? Não há pergunta escolhida?
* Pelo modo de ser contínuo da Sra. Da. Lucilia, todo o aroma e todos os timbres do passado chegavam ao presente
(Sr. Fernando Antúnez: Como a Sra. Da. Lucilia foi um exemplo vivo de antievanescença, sobretudo nos aspectos cerimonial e solenidade?)
Ela era uma pessoa que tinha uma memória muito boa, e era muito contínua em todo o seu modo de ser.
Por um jogo de idades, de gerações, etc., ela era mais para o lado da geração da mãe dela, do que dela mesma. Quer dizer, ela era mais antiga do que muitas senhoras da própria geração dela. Ela tinha muito mais, muito mais o passado dentro do espírito dela do que mesmo as senhoras bem idosas da geração dela.
Isso fazia com que nas conversas dela, os vivos e os mortos se misturassem muito. E [assim] eu fosse nutrido desde pequeno com casos de parentes que eu não conheci. Porque eram tios dela que tinham morrido antes de eu nascer, ou antes de eu chegar à idade da razão, mas com que ela tinha convivido longamente. E até de parentes que ela não conheceu, mas dos quais ela ouviu falar por parentes dela.
No meu salão cor‑de‑rosa há um quadro, em cima de um sofá cor‑de‑rosa. É a minha avó. Depois há do lado direito de quem está sentado um quadrinho bem menor, também de um valor artístico muito menor, que representa a avó de minha avó. Portanto, na nossa linguagem aqui, a minha trisavó. Essa trisavó é do tempo da independência do Brasil, e minha mãe não a conheceu.
Mas minha mãe sabia, pela minha avó que contava a ela casos da avó dela, uma porção de casos dessa senhora. Casos todos eles completamente desemparelhados com a realidade atual, e que conservavam apenas o sabor da tradição.
Eu conto um casinho daqui a pouco.
Mas ela contando tudo isso, todo o aroma, todos os timbres desse passado chegavam muito ao presente por meio dela. E estaria perfeitamente no gênero dela, com toda a naturalidade, contar para o bisneto dela o caso da bisavó dela. O que eu considero uma coisa natural. Embora a bisavó dela — portanto, a minha trisavó — estivesse a quantas gerações do bisneto! Era a sexta geração. Mas ela contaria um caso dessa trisavó com toda a naturalidade para o sexto neto dessa senhora. Ela achava isso perfeitamente normal.
Eu também acho. Porque se ela representa algo para aquele menino, é porque é bisavó dele. Logo, é natural que para ela a bisavó dela representasse alguma coisa. Era natural que ela contasse alguma coisa da bisavó dela, como seria natural que aquele menino contasse o caso que ouviu daquela remota bisavó para o bisneto que ele viesse a ter.
Assim é que se afirma a tradição.
Neste modo de ser, se afirma a continuidade de uma família através dos vários anos, através das várias gerações, e assim é que a continuidade se faz.
* O espírito moderno descarta toda a reminiscência do passado, como também toda alusão a um futuro mais remoto
Mas já no tempo em que eu era mocinho, começou a sair completamente de uso falar das pessoas que tinham morrido. A pessoa morreu, não falava mais. No dia seguinte da morte já não é mais tema de conversa. Dois dias antes estava viva na mesa tomando parte na conversa, morreu, não se fala mais.
Isto é modernismo, que é contrário a toda reminiscência do passado, como também a toda alusão a um futuro mais remoto. É o presente que vale e o futuro imediato, o resto não é nada. É o egoísmo. Se só vale o eu, passado remoto não tem significado. Futuro remoto que eu também não vou conhecer, não tem significado. Eu é que sou a lei das coisas. É o egoísmo.
O egoísmo é diferente, evidentemente da Civilização Cristã, entra pelos olhos.
Agora, com isso, ficavam naturalmente os modos dela, o modo de ser, etc., que mesmo quando as modas passavam e todo o modo de ser passava, ela conservava no seu espírito, na sua mentalidade.
* O modo de ser da Sra. Da. Lucilia era o ponto de partida de um tecido de incompreensões em torno
Então, os senhores tomam, por exemplo, aquela fotografia que está no meu quarto de dormir no São Bento. Considerem aquela fotografia e ponham em confronto com as modas que se usavam no tempo em que ela morreu. Aquilo tudo está completamente fora de uso, porque aquilo é de antes da Primeira Guerra Mundial. Ela morreu bem depois da Segunda Guerra Mundial. Os senhores estão vendo o espaço enorme.
De maneira que os próprios trajes com que ela está, são trajes que não têm mais nada de comum com aquilo.
Está bem, mas aquele estado de espírito, aquela mentalidade, aquele modo de tratar, daquela fotografia, está presente de algum modo no Quadrinho. No olhar, no porte, na atitude, está de algum modo presente. É uma coisa que se pode ver, sobretudo se se tratasse com ela, ver‑se‑ia muito.
Naturalmente com horror para as pessoas modernizadas de minha família. Não gostavam nada disso. Com encantos para mim.
Ela não tinha a intenção de combater nada, ela era como ela era. Mas ela tinha a intenção de afirmar o seu direito de ser como era e de não mudar. Ainda que combatesse. E nisso ela se punha muito direita, com muita força. E que era o ponto de partida de um tecido de incompreensões em torno dela. Esta era a verdadeira coisa.
* Dos fatos com sabor a tradição, nosso Fundador narra o caso de sua trisavó, Da. Nnhanhá, uma senhora de espírito voluntarioso e mandão
Mas isso parece dito… ah, o casinho da trisavó. Eu agora vou exagerar, vou ir mais longe do que minha mãe ia.
Em São Paulo antigo, no tempo da colônia…. essa minha trisavó era do tempo da independência. No tempo da colônia houve antigamente duas famílias, Pires de Camargo [e Ribeiro dos Santos], que se combatiam de morte. Mas assim mais ou menos como na Verona de Romeu e Julieta, os Montaigus e Capuletos, assim…
Nas antigas cidades havia briga de famílias rivais, que eram guerra de casa a casa, eram guerras de morte em alguns lugares da Europa. Isso se passou pelo menos para algumas cidades do Brasil, e São Paulo foi uma delas.
Essas famílias [se] combatiam de morte e de vez em quando havia uma paz entre elas. Como eram famílias ricas, no intervalo de paz se casavam. Depois saía uma nova briga e saía matança.
Essa minha avó era nascida de ambas essas famílias: era Pires de Camargo, casada com um Ribeiro dos Santos. Foi o primeiro que veio para o Brasil. Foi mais ou menos isso.
Bem, essa senhora era uma senhora muito voluntariosa e que mandava inteiramente, fazia como ela queria, e todo mundo obedecia a ela.
* Um sobrinho burro que por sua exigência é aprovado como juiz
Ela tinha um sobrinho que usava o nome de Gabriel — Gabriel qualquer coisa Ribeiro dos Santos, Rodrigues dos Santos, qualquer coisa assim — que era protegido dela e era muito burro. E ela queria absolutamente que esse sujeito fosse aprovado na Faculdade de Direito.
Ela tinha um contraparente que era professor na Faculdade de Direito. Esse rapaz foi se apresentar no exame e o professor viu que, pela prova escrita dele, ele ia fazer uma prova oral a mais nula possível, porque ele era burríssimo. Então ele disse… o rapaz sentou‑se à mesa e ele disse para todos:
— Saiam, porque eu vou fazer este exame sozinho.
A sala esvaziou, mas era contra a lei, porque o exame devia ser público, o exame oral. Põe fora, todo mundo saiu. Ele mandou o rapaz trancar a sala. O rapaz trancou e sentou‑se diante dele na mesa dos exames.
Ele disse amável para o rapaz — o apelido caseiro da minha trisavó era Nhanhá, que era um apelido muito comum no Brasil antigo:
— Como vai Nhanhá?
O rapaz ficou espantado e disse:
— Vai bem! — porque até lá ele sabia…
— Ides dizer a Nhanhá que estais aprovado!
— Muito obrigado! Até logo!
Ele chegou lá e disse para a Nhanhá.
— Nhanhá, estou aprovado! O Prof. Chaves me aprovou!
— Ah! está bom! — tomou com toda naturalidade.
O homem passou, tomou grau na Faculdade de Direito, estava o negócio acabado.
Bem, eram processos despóticos que ela usava.
* A fazendeira rica que se apaixona pelo juiz e o manda raptar
Esse sujeito, muito burro, ela conseguiu — aliás, não fez bem, coitada… — que fosse nomeado juiz de Direito. Como é que podia ser juiz esse homem?! E ele foi nomeado juiz em Santo Amaro, aqui perto. Mas que naquele tempo, como a São Paulinho era pequena, era uma cidade diferente de São Paulo. E ele foi morar em Santo Amaro. Não havia bonde, não havia nada. Levava‑se um tempo enorme para vir a cavalo de Santo Amaro até o largo da Sé, onde moravam as famílias, etc. Era toda uma história.
Bom, ele foi morar em Santo Amaro sozinho. E a Nhanhá, que queria que tudo corresse absolutamente bem para esse burro, restava só… porque tem emprego vitalício, o resto toca o barco, não pensa mais no homem. Um dia ela recebe a mais extravagante das notícias: o juiz tinha sido raptado!
Então ela mandou às pressas a Santo Amaro para saber o que é que tinha acontecido, como é que é essa história. E vieram com a narração mais rocambolesca que se possa imaginar. É apenas crível, mas é isso.
Eu não posso dizer assim: como acontecem a muitos burros, ele era bonito. Mas eu posso dizer outra coisa: como acontece a muitos bonitos, ele era burro! Ele era um muito bonito rapaz, espetacularmente bonito. Mas não tinha descoberto a fórmula, não há remédio.
E uma viúva, em Santo Amaro, uma fazendeira rica — já em Santo Amaro tinha fazendas e tudo — apaixonou‑se por ele. Mas ele não quis casar com a fazendeira. A fazendeira insistiu, ele não quis; insistiu, ele não quis. Ela mandou os capangas entrarem na casa dele à noite, roubar, e levar para a casa dela.
É o único caso que eu conheço de homem raptado por mulher. Eu não conheço nenhum caso em minha vida de homem raptado por mulher. Acho que os senhores nunca ouviram falar também.
Eu acho que ele se deixou raptar de burro!! Ele foi, deixou‑se amarrar e levaram. E parece, eu não me lembro bem do pormenor, infelizmente, parece que ele acabou se casando com a fazendeira.
Se é um caso antiqüíssimo para mim, é quase do tempo de Noé para os senhores, mas que tem seu sabor.
Eu compreendo que mamãe contasse ao bisneto dela! Era o elo que ela assim fazia com os vários fatos, sucessão histórica, etc. Era dessa maneira. Acho que isso era razoável.
Bem, meus caros, vamos adiante!
Não está aí, meu Guerreiro?
Vem cá meu Guerreiro, vem fazer uma pergunta!
Como vai você, meu filho? Qual é a pergunta?
(Sr. Guerreiro Dantas: Uma proposta!)
Uma proposta? Então faça!
(Sr. Guerreiro Dantas: Faz tanto tempo que não venho ao Praesto Sum e depois de tanto tempo… faço uma pergunta…)
Está uma coisa muito amável, muito elegante, mas a questão [é] que acho [que] não combinaram entre si. [O] João está fora… ahahah! Esse é o negócio!
Só se eu designar, atendendo ao desejo do Guerreiro, um pergunteiro assim de improviso.
* Agindo com cuidado com os “sabugos” do demônio, evitamos que peguem fogo, e com isso diminuímos a expansão da ação demoníaca
O Dustan se pôs aqui na minha frente, o fogo vai por cima de você meu, Dustan!
(Sr. Dustan: O senhor levantou toda essa possibilidade de Estrondo, etc., e disse que essa espécie de eletricidade existente atualmente, parte em geral de uma pessoa…)
De um grupinho. Mas não é nenhum grupinho que está na origem visível do Estrondo, é um grupinho de “satanolatras” que está na origem invisível!
(Sr. Dustan: O senhor dizia que só a difusão de um estado de espírito temperante, de calma, faria contrapeso a isso. O senhor poderia mostrar como é que se difunde esse estado de espírito? E como é que isso esmaga o demônio?)
Acontece o seguinte: se nós imaginarmos… Eu vou dar uma comparação tirada da física e, portanto, incompleta. Mas se nós imaginarmos de dentro dessa sala um corpo mecânico qualquer que está impostado em fazer a vibração, em comunicar uma vibração na sala, evidentemente essa vibração pode comunicar‑se.
Agora, se houver um agente qualquer que dê ao ar uma espécie de vibração por onde a vibração não se comunica, ela fica engarrafada e cai. Ela, em bumerangue, volta à sua própria origem.
Não é verdade?
Por causa disso, se, por exemplo, eu sabendo que vão querer comunicar a vibração a essa sala, mando revestir a sala de cortiça, a vibração bate na parede e não ecoa. E ela perde com isso um dos seus melhores agentes de difusão.
Isso pode dar uma idéia de como é que é ação de contra‑som que se pode exercer contra essa ação do demônio.
Quer dizer, se a ação do demônio encontra ambientes elétricos, ele que quer fazer vibrar intemperantemente as coisas, ele encontrando gente que não tem nenhuma reatividade a isto e que recebe a carga dele com toda frieza, ali o ataque dele morre! Como se fosse uma parede de cortiça que liquida a propagação do som. Chega lá e cai, não tem eco.
Não é verdade?
Se nós imaginarmos não mais uma parede de cortiça, mas ao longo da marcha do som colunas de cortiça, é evidente que a própria expansão do som fica muito atada. Não é verdade?
E assim poderíamos, em última análise, imaginar um aparelho — talvez haja — para absorver aquilo imediatamente, e o som não se espalhar.
Agora, acontece que, pelo princípio de sociabilidade, o som quanto mais ele se exerce longe, mais ele vai aumentando; se não há eco, quanto mais ele se exerce longe, mais ele vai morrendo. A grande distância o som morre.
Assim, quando nós tratamos com gente que está a grande distância da máquina que emite o som, nós se estivermos numa ação muito anti‑som, coluna de cortiça ali, o som morre muito antes de ter chegado ao seu fim normal.
Agora, o som do demônio, longe… não é tanto o longe físico, são aquelas que estão mais longe desta ação, porque se deixam habitualmente infestar menos. É a periferia mole, são os “sabugos” do demônio. Se nós agirmos com cuidado com os “sabugos” do demônio, nós evitamos que eles peguem fogo, e com isso nós diminuímos a expansão da ação do demônio.
Não sei se está claro.
* Se um Quadrinho numa sala já atrapalha o demônio, quanto mais a senhora do Quadrinho
(Sr. Dustan: Se o senhor pudesse exemplificar com a Sra. Da. Lucilia, como era a normalidade dela e essa paz de alma que não aceitou a degringolada do mundo…)
Não só não aderia, mas é mais! Ela acompanhava os fatos, com expressões de fisionomia, em que o desejo de conciliar, de pôr elevação no assunto, de pôr racionalidade no assunto, se exprimiam tanto, que por um pouco que a pessoa se deixasse tocar, ela deixava de vibrar.
Os que se deixavam tocar inteiramente eram poucos. Mas ela diminuía muito com isso, nas almas dos que se deixavam tocar, a repercussão.
Porque, o senhor imagina, um Quadrinho numa sala já atrapalha, quanto mais a senhora do Quadrinho! Aí o senhor tem o exemplo.
O senhor imagine, por exemplo, que entrassem… Aquela fotografia que está no meu quarto, aquele fundo de quadro não é real. Os fotógrafos daquele tempo tinham fundos de quadros pintados, e as pessoas tiravam fotografias dentro do fundo de quadro. Portanto, aquele lugar não existe, aquilo é uma pintura.
Mas imagina que existisse, e que ela estivesse num lugar assim. E passando ali, naquela atitude, encontrasse, por exemplo, duas megeras se decompondo. A simples passagem dela por ali, com aquele tule na mão, com aquela cauda, aquilo tudo, desarmava as megeras.
Aí a minha comparação da cortiça não abrange toda a realidade. Porque a cortiça não emite ela própria uma vibração. A pessoa boa pode ter uma comunicação da graça [que] exerça uma ação ativa, calmante, sobre o ambiente. É uma coisa evidente.
Nosso Senhor dizendo: “Sou eu, não temais!”… Bem, Ele era Homem‑Deus. Mas pessoas — ter a vida da graça — podem em alguma medida exercer uma ação análoga.
Então, o famoso violino de São Francisco Solano que aplacava os índios, exercia esse efeito. Os senhores imaginem índios sujos, agressivos, vagabundos, cruéis, que estão fazendo uma briga. Entra no meio da selva o som mavioso dos violino tocado por São Francisco Solano, enlevado, fino, bondoso, os índios ouvem aquilo e as armas caem da mão. Saem correndo para junto de São Francisco Solano. Ele nem muda de atitude, continua a tocar. É natural!
O senhor tem aí um exemplo muito frisante do que eu acabo de falar.
Não sei se algum outro dos senhores tem alguma pergunta para fazer.
* A impregnação da ordem pelo Fundador, tanto pela doutrina, como pela história pessoal, a vida em comum e a comunicação temperamental
(Sr. Luiz Francisco Beccari: Como na ordem religiosa um fundador pode impregnar a ordem religiosa, e quais são todos os efeitos dessa impregnação do fundador?)
O senhor deve procurar naquele material que está preparado para o Estrondo, e que anda sendo preparado sob a direção do João, o senhor deve procurar um trecho da “Alma de Todo Apostolado” de D. Chautard, onde ele descreve o homem de vida interior. E o senhor tem naquele texto isso bem frisantemente escrito, como eu nunca vi descrito em lugar nenhum. É uma verdadeira obra-prima. É pena não termos esse texto aqui. Fazendo aquela leitura, a gente quase sente presente o homem de vida interior.
A gente aí compreende a ação de presença da vida sobrenatural da graça, numa pessoa que a possui densamente, embora eventualmente não seja um santo de virtude heróica, mas é seriamente virtuoso. A ação de presença que isso pode causar.
É claro que isso convém muito ao fundador de uma família religiosa. Porque ele não deve apenas transmitir uma regra de um livro, ele deve transmitir uma tradição viva!
A família religiosa é, para efeitos sobrenaturais, um símile da família. E uma família não é um tratado provando que deve existir família, discriminando os deveres dos cônjuges, dos pais, dos filhos e dos empregados. Não é apenas isso, mas é uma coisa maior do que isso: é também uma tradição viva, que vem desde a Nhanhá e do juiz burro que foi roubado vivo, até o mais remoto descendente que conserve a recordação desses fatos.
Agora, isso que é a tradição viva, deve encontrar no fundador o seu impulso inicial. É como que o molde que se prolonga através de todos os outros…
E isto é exatamente uma das coisas que faz da TFP o gérmen de uma ordem, de uma coisa que seria uma ordem religiosa nova, se a Igreja estivesse em condições de dirigir uma ordem religiosa anticomunista. Como infelizmente não está, ela… nós não tomamos o aspecto inteiro de uma ordem religiosa. Mas nós temos muitos traços disso, porque a gente vê que em determinado momento as circunstâncias nos transformarão nisso.
Por causa disso, nós temos muito e até muitíssimo de uma ordem religiosa, de características carregadas, sem sermos uma ordem religiosa inteiramente.
Ora, entra nisso a nossa doutrina, mas entra largamente a nossa história, entra a nossa vida em comum, e entra uma como que comunicação temperamental que, por exemplo, se exerce nesse momento! E a seu modo existe da parte das pessoas dos Estados mais diferentes do Brasil e dos países mais diferentes do mundo, com hereditariedades que podem ir de um querido filho japonês, até um querido filho árabe, tomando, portanto, a Ásia de ponta a ponta. Por pouco não estaria aqui um africano, europeus e americanos, australianos, o que for! Porque tem essa vastidão natural.
Isto é o próprio de uma família religiosa. E evidentemente isso nos une muito. Não é apenas a convicção, que é realmente o elemento principal da união, mas esse lado vivo é muito importante.
Eu vejo um filho norte‑americano que me olha e que me sorri… Porque sente que isso é assim e fica contente, está alegre que isso seja assim. É o próprio a uma família religiosa.
* Há toda uma formação em nós que nos conduz para uma ordem religiosa de guerra psicológica — Atuar na esfera temporal, em nome dos princípios religiosos
Aliás, não é mau deixar isso explicado aqui. Já tem sido tratado, mas vale a pena dizer:
A TFP seria, normalmente, uma ordem de cavalaria para liquidar com o comunismo. Uma ordem de cavalaria para liquidar com o comunismo, essa seria normalmente a TFP. Agora, quanto a isso que na TFP é claríssimo, alguns obstáculos se levantam, alguns condicionamentos.
Por exemplo, tornou‑se claro que se nós fôssemos simplesmente uma ordem de guerra, nós não derrubávamos o comunismo. Ou nós fazemos a guerra psicológica contra-revolucionária, ou a outra não vale nada. Portanto, não adiantaria nada. Nós temos que ser uma ordem de guerra psicológica também. Não exclusivamente, mas também. O que nos dá com a mentalidade de cruzados, algo da mentalidade dos jesuítas da Contra‑Revolução.
Mas não é só isto! Porque não há sinais… Há sinais de que eles foram extraordinários em muitas direções. Mas não [há] sinais de que eles tenham conhecido propriamente a psicologia da multidão. Eu não conheço pelo menos. E é isso que vem ao caso conosco. Então, há toda uma formação entre nós que conduz para isso.
Mas há mais! É que nós seríamos…
Os jesuítas eram uma ordem eclesiástica, quer dizer, de padres. Nós somos uma ordem feita para atuar na esfera temporal, em nome dos princípios religiosos. Religiosos, não eclesiásticos, para atuar na ordem temporal. Por quê? Porque a guerra psicológica contra-revolucionária deve se fazer na esfera temporal. Não se faz a guerra psicológica dentro da Igreja. A Igreja é santa demais para essa rinha de briga. A gente faz a guerra psicológica na sociedade temporal. E para fazer Contra‑Revolução lá, é preciso pertencer à sociedade temporal.
Nós, portanto, pertencermos à sociedade temporal. Os jesuítas não pertenciam. Isso nos leva a tomar perante a sociedade temporal uma atitude que os jesuítas sistematicamente não tomaram. Podem ter tomado esporadicamente, mas sistematicamente não.
Então, todo o elogio da velha pompa e da velha gala, caberia muito menos nos lábios da preocupação do jesuíta, do que na nossa.
Mas para nós é um elemento capital…
(…)
* “Quereríamos o gládio e temos que manobrar a pena”
Bem, por quê? Porque com o desenrolar da História, a amplitude da luta RCR vai se conhecendo cada vez mais. E conhecendo mais a amplitude, são novas formas de luta. É a vida da História, é a vida da Igreja. Ela engendra isso.
Na nossa época há muitas ordens religiosas de não padres. Opus Dei tem padres secundariamente. O elemento principal da Opus Dei são os civis. É uma ordem religiosa. As ordens de cavalaria antigas, os padres eram elementos secundários. Eram frades os cavaleiros; os leigos os principais. E até hoje na ordem de Malta há cavaleiros leigos, solteiros, muito poucos e muito velhos, mas afinal de contas os há. Os três votos. Chamam‑se frades, frei isso, frei aquilo… e que são leigos, não são padres.
Bem, nós levamos isso mais longe. Não estamos inovando. Há uma porção de ordens religiosas novas, criadas no tempo de Pio XI, Pio XII, de leigos. Bem, os maristas são uma ordem religiosa de leigos, congregação religiosa de leigos. Nós somos isso.
Então, aqui está já uma primeira coisa: nós quereríamos o gládio e temos que manobrar a pena.
De outro lado, nós não podemos lutar, porque o Estado reservou para si a luta. E se nós lutarmos, nos transformamos, ipso facto, em réus e não podemos fazer. O resultado é que os senhores na marcha afirmam nosso desejo de lutar e afirmam a nossa vocação para a luta, mas nós não temos a luta. Não sei se os senhores vêem as circunstâncias como vão nos modelando, por várias formas, não é verdade?
* À objeção que não temos a aprovação da Igreja em nossa luta anticomunista, diremos que estamos lutando na defesa do direito natural, fazendo-o por amor à Igreja
Bem, de outro lado, nós poderíamos perguntar: “Mas se nós na luta anticomunista não temos a aprovação oficial da Igreja, não era melhor que nós não existíssemos?”.
Era uma pergunta que se podia fazer. A essa pergunta se dá uma resposta clara e muito simples. É que os princípios que o comunismo ameaça ou nega, são os princípios religiosos, mas são também os princípios da ordem natural das coisas.
A Igreja ensina que a família é uma instituição natural, criada por Deus; que a propriedade é uma instituição natural, criada por Deus. E estas instituições têm o direito de se defender, sem invocar a licença da Igreja.
Se entra um bandido numa propriedade, o dono da propriedade não precisa pedir licença ao vigário para dar tiro no bandido! Se entra um bandido numa casa de família, o chefe de família não vai telefonar para o vigário: “Sr. Vigário, tem um ladrão querendo entrar aqui, o senhor me dá licença de dar um tiro nele?”.
O vigário dirá: “Não tenho nada com isso, dê o senhor o seu tiro! Porque o senhor pelo direito natural tem o direito de defender‑se, eu não tenho nada com isso. Eu posso lhe responder um caso de consciência, se é lícito. É! Caso de consciência eu posso responder. Mas a licença para fazer, não precisa. É lícito, faça se quiser. Tome as suas responsabilidades”. É o que o vigário vai responder.
Ora, todas as propriedades estão ameaçadas e todas as tradições estão ameaçadas, todas as famílias estão ameaçadas. O país, portanto, está ameaçado. O país não precisa da licença da Igreja para se defender. E se eu como brasileiro não preciso licença de um bispo de fronteira para conter na fronteira o adversário externo que está entrando, eu não preciso licença de um bispo para conter a guerra psicológica que está entrando.
De maneira que nós estamos fazendo a defesa do direito natural.
É verdade que o fazemos por amor à Igreja, mas não precisamos da licença da Igreja para amá‑La. Porque nós temos muito mais do que licença, temos um Mandamento: “Amar a Deus sobre todas as coisas”. Se eu como católico vejo as coisas de Deus ameaçadas…
Vamos dizer que eu vejo um bandido que está roubando o tabernáculo. Eu não posso tocar no tabernáculo sem licença do padre. Mas se o bandido está ameaçando roubar o tabernáculo, eu não tenho obrigação de pedir ao padre licença. E se ele negar a licença, eu do mesmo jeito tenho direito de defender o tabernáculo contra o bandido. Essa é a posição da TFP.
De maneira que a nossa posição — eu estou dizendo para um caso de polêmica — é uma posição muito lícita.
* Àqueles que lançam a acusação de culto dentro da TFP, diremos que são homenagens de membros de uma ordem religiosa em vias de se formar em relação a seu fundador
E na hipótese de um estouro conosco, uma das acusações será exatamente de que os senhores prestam culto.
Essas homenagens que os senhores prestam podem ser consideradas, no sentido canônico da palavra, culto, pode se considerar culto. Nesse sentido, se presta culto ao chefe de Estado, numa monarquia se beija a mão do rei, presta‑se culto ao professor quando se aclama ao professor, etc. Isso se chama culto.
Bem, não é… será mais ou menos, porque os senhores vêem em mim qualidades. É em grande medida por um nexo, que é nexo dos membros de uma ordem religiosa em vias de nascer, em relação ao seu fundador, que está em vias de fundar. E isto tapa a boca de qualquer um.
Eu sei que eles vão pular em cima: “Quem deu ao senhor essa ordem de fundar uma ordem religiosa?”.
Eu respondo o que eu estou dizendo aqui! Eu respondo o que eu estou dizendo aqui, tal qual! E eles não têm o que…
Quer dizer, eu soube que se alegou isso: que quando termina a reunião, os senhores vêm correndo para meu estrado e ficam de joelhos enquanto eu rezo. Então estariam rezando para mim. É uma estupidez! Chegam ali para estarem mais perto de mim, e se põem de joelhos, no fundo, porque vêem em mim o fundador de uma coisa que está nascendo!
Alguém poderá dizer: “Bom, mas qualidades pessoais que você imagina ter, e que eles imaginam que você tenha, essas qualidades pessoais não são alheias a isso. Se você não tivesse essas qualidades, eles não prestavam essas honras a você!”.
É verdade, eles não aceitariam como fundador.
Se soubessem que eu sou gatuno, não iam me aceitar como fundador. Essa já é uma outra ordem de idéias.
Como os senhores estão vendo, nossa defesa está…
Eu sei o que eles vão dizer. Eles vão dizer:
— Por que razão vocês não publicaram isso até agora?
— É para termos que passar pelo dissabor de dizer a vocês a coisa dura que nós estamos dizendo. Vocês estão omissos e nos deviam dar a proteção. Estão não só omissos, mas estão traindo o seu cargo: estão favorecendo o adversário que nós estamos querendo combater. Nós já dissemos uma vez, mas por amor a vocês não insistimos.. Agora que vocês nos impõem deixar de ser ou de dizer, nós repetimos e até bradamos! Se querem, tomem na cabeça!
É muito simples! É muito simples!
Quer dizer, nós estamos… como as garras do leão!
Eu aproveito para dizer essas coisas numa noite de calma, porque durante a batalha isso pode parecer improvisado — durante a batalha — pelas necessidades da luta. Não é? É uma coisa calma, evidente, tranqüila.
O Brasil… nós temos o direito de defender o Brasil no campo civil, até sem licença das autoridades brasileiras. Quer dizer, para fazer a guerra psicológica contra‑revolucionária nós não utilizamos senão as liberdades que a lei brasileira dá a qualquer cidadão. Estas nós a utilizamos. Não precisa pedir licença para isso, porque ninguém precisa de licença para usar a liberdade que está na natureza e que a lei reconhece. Portanto, nós fazemos a favor da Igreja e do Estado uma coisa que a Igreja e o Estado não podem nos proibir.
Voilà! Aliás, boa noite!
(Todos: Não!)
* A etimologia da palavra “culto”
Há um princípio segundo o qual… nós ainda não chegamos lá… Temos tempo para mais uma perguntazinha se quiserem. Talvez expor o que é culto… ou não lhes interessa tanto assim?
(Todos: Sim!)
Pela vaga impressão que eu tenho, os senhores sabem que eu gosto de etimologia, não é? Porque etimologia nos faz conhecer muitas vezes — nem sempre — o cerne de uma palavra, o sentido mais fundo de uma palavra, a etimologia nos faz conhecer. Então, pela vaga idéia que eu tenho, é certo que — isso não é vaga idéia — que a palavra culto vem de colere.
Agora, a idéia que eu tenho é que colere quer dizer cultivar. De onde vem agricultura.
Prestar culto a alguém é cultivar alguém. Ou seja, tratá‑lo de modo favorável, propício, obter as graças dele, relacionar‑se bem com ele.
* O culto civil e o culto religioso
Os tratados comuns de Teologia, consultados em penca, esses tratados dizem que há duas espécies de culto: o culto religioso e o culto civil.
Culto é toda atitude que o indivíduo toma, reconhecendo a superioridade de alguém. Isso é culto. Se nós prestamos culto a um santo canonizado, é uma atitude de respeito que nós tomamos à superioridade dele, heróica e reconhecida pela Igreja. Mas na essência é um ato de homenagem à vista da superioridade moral dele.
Então há um culto religioso que é prestado à pessoa, em relação à virtude que ela tem, ou em relação à dignidade que ela ocupa na Igreja.
Neste sentido, nós podemos dizer que se presta culto ao bispo, que se presta culto ao Papa, ao vigário ou ao padre, nesse sentido da palavra: que eles estando constituídos numa dignidade mais alta da Igreja, se presta uma reverência a eles por causa dessa dignidade. Isso é culto.
Bem, culto é também a reverência que se presta às pessoas vivas pelo fato de se reconhecer nelas algumas superioridades. Qualquer manifestação de reverência é culto.
Culto não é, não se identifica, portanto, com o parar diante de uma pessoa e rezar para uma pessoa. Não é isso, não se identifica com isso. Culto é a manifestação de reconhecimento da superioridade de alguém.
Por isso também há um culto civil, que se presta a pessoas porque elas têm uma superioridade civil especial. Então se presta culto às autoridades civis. Quer dizer, sobretudo como está na índole das repúblicas nascidas da Revolução Francesa que se preste culto às autoridades. Mas nas repúblicas anteriores à Revolução Francesa, tinha‑se culto às autoridades civis: o burgomestre, etc., eram objetos de homenagens especiais, em ocasiões especiais, etc. Isso é culto.
Uma parada diante de um chefe de Estado é um culto, por quê? Porque é uma homenagem que se presta à superioridade que eles têm enquanto chefe de Estado.
Nesse estilo há também — fica entre o religioso e civil — o culto dos pais. A reverência que se presta aos pais, pelo fato de serem pais. A autoridade do pai é uma autoridade natural. A família é uma sociedade natural, constituída com base num sacramento, que é o matrimônio, mas é uma sociedade natural. Então, o respeito que se tem ao pai ou a mãe, é culto.
Assim, o prestar culto a todos aqueles que nos são superiores — por exemplo, em ciência e a qualquer outro título —, este prestar culto faz parte do Mandamento honrar pai e mãe. Que não é só pai ou a mãe, mas são todos aqueles que são superiores a nós, a algum título.
O católico deve amar o prestar culto e prestar a reverência. E por causa disso, de prestar essas homenagens a todas as pessoas que merecem. É o fundamento da sociedade hierárquica. É exatamente este.
Está muito tarde da noite, não sei se está claro.
Isso tudo está nos tratados católicos, nós temos as citações. Não estou aqui compondo um edifício muito lógico, não. São os tratados católicos, é a doutrina Católica.
* Não só é legítimo, mas corrente, prestar homenagem a alguém enquanto vivo
Agora, é legítimo prestar homenagem a alguém, enquanto essa pessoa está viva, por causa de sua virtude?
Não só é legítimo, mas é corrente. Quando, por exemplo, um homem se lança num incêndio, ele dá mostras de uma heróica coragem e salva uma pessoa que está dentro, um bombeiro que salva uma pessoa com o risco de sua vida, etc., ele tem direito a uma condecoração. Essa condecoração é um ato de culto que o Estado presta a ele, pela virtude que ele mostrou salvando aquela indivíduo. Isso… palavra culto. A menos que queiram fabricar um outro sentido, mas não é o sentido, o sentido da palavra culto é este.
Bem, nesse sentido também, na matéria religiosa, se uma pessoa manifesta uma virtude insigne, ainda que não seja necessariamente uma virtude heróica, de canonização, a gente tem o direito e tem, conforme o caso, o dever de prestar culto.
Por exemplo, uma freira que… ou um irmão marista, uma senhora leiga que dirige uma escola católica durante vinte e cinco anos, que dirige com manifestações de virtudes excepcionais, quando ela faz vinte e cinco anos de diretora, ela recebe uma homenagem. E a homenagem é por causa das especiais virtudes religiosas que ela mostrou na direção do cargo. É um ato de culto. No sentido próprio da palavra, é um ato de culto.
Eu volto a dizer, é tudo dos tratados.
* O culto prestado em razão de suposta santidade — Fatos históricos e concretos
E o culto pode ser prestado em razão da gente supor santidade de uma pessoa?
Há inúmeros casos históricos de culto prestado a santos em vida antes de serem canonizados. Os senhores mesmo andaram colecionando esses exemplos, sem conta. Formas de culto até surpreendentes. Eu mesmo fiquei chocado quando eu vi, mas vi. São santos que falam, que elogiam.
Santa Teresa conta, elogiando, os senhores viram essa ficha com certeza, o caso de São João da Cruz visitando um convento de carmelitas e as carmelitas comendo dos restos da comida dele, porque o julgavam santo e achavam que aquilo era relíquia. Ele não estava canonizado, ele estava vivo. Podia até pecar antes de morrer, mas elas formavam uma idéia particular de que ele era santo e prestavam essa homenagem.
Há casos — me contaram, não vi a ficha — de São Vicente Ferrer que o povo arrancava pelos do cavalo onde ele ia montado, para conservar como relíquia. Era culto ao cavalo como relíquia indireta… Nesse sentido pode‑se prestar culto ao objeto que uma pessoa não canonizada pegou. Como se presta culto ao objeto que uma pessoa canonizada pegou.
Bem, o que é esse culto?
Por exemplo, um santo canonizado. Eu diante da imagem dele, o que eu posso fazer para ele? Eu posso prestar um ato de amor, de ação de graças, de reparação e de petição. São os quatro atos de culto.
Ao vivo, ainda que não seja santo, mas que tenha uma virtude um pouco maior, eu posso chegar e dizer: “Fulano, eu lhe quero tanto, porque vejo em você um bom católico” — ato de amor.
Ação de graças: “Você tem dado tão bom exemplo e me tem feito tão bem pela virtude que me tem mostrado a mim. Eu lhe sou grato por isso”. Ação de graças.
Agora, reparação: “Tenho visto que você é incompreendido por causa dessa sua fidelidade à Igreja, e eu tenho procurado reparar essa incompreensão, pelas manifestações publicas de minha amizade. Eu aqui repito essa minha amizade”.
Petição: “Peço a você que reze por mim, porque eu estou numa grande tentação!”.
Não sei se os senhores percebem a facilidade com que se esmaga a objeção do adversário. Mas esmaga!
Agora, isso é proibido? Não! Isso faz parte da vida corrente da Igreja.
Os senhores iam à igreja antigamente, viam a beata cochichar uma ao ouvido da outra, muitas vezes diziam coisas dessas: “A senhora que é presidente do Apostolado de Oração, que é tão da confiança do vigário, é uma tão boa senhora, não quer rezar pelo meu filho que está com uma perna encaroçada, sei lá o quê… com olho torto… não quer rezar pelo meu filho? Eu quero pedir, etc. Eu lhe sou grata por tantas coisas, gostaria de ser mais por isso”.
Depois faz um agradinho, porque ela fez um desaforo com aquela senhora, então ela diz: “Olhe, outro dia eu fui grosseira com a senhora, mas não [me] queira mal”. Tapinha nas costas: “Eu estou confiando na sua amizade. Me perdoe aquilo!”. Reparação!
* O processo por onde a Igreja reconhece a santidade
Então, o que faz dentro disso a canonização? Ou o que faz dentro disso a beatificação?
É um abismo entre o morto não canonizado e o morto canonizado. Um indivíduo que está em vida não é canonizado. Ninguém é canonizado em vida. E o morto [é] canonizado. Está em vida, que pode estar com qualquer manifestação de santidade, contra ele pesa essa hipoteca: enquanto ele viver, ele pode pecar. Com um morto, que a gente acompanhou até o fim e viu que teve uma morte edificante, esse já não pode pecar. É sempre uma diferença.
Agora, entre o que a gente acha que foi santo em vida e que a Igreja acha que foi santo em vida… que a Igreja acha, não: que a Igreja ensina que foi santo em vida. Que diferença há?
É que o que a gente acha que nós podemos estar enganados, a Igreja não. A Igreja move um processo. Já por ocasião da beatificação, depois para a canonização, move um processo para examinar toda a vida da pessoa, todos os escritos da pessoa. Processo exaustivo, profundo, consciencioso, para saber se apareceu alguma coisa contra.
Mas não basta ter aparecido contra, é preciso ter dado provas de virtude heróica. Se deu essas provas, a Igreja — então assistida pelo Espírito Santo, porque na canonização entra a infabilidade — tomando em consideração milagres, etc., proclama oficialmente que aquele está no Céu!
Aí é uma certeza que nenhuma certeza nossa pode igualar. A Igreja proclamou! Está no Céu, acabou‑se!
Não sei se os senhores vêem bem a coisa onde é.
E o resultado é que aos canonizados a Igreja presta culto oficialmente. Aos beatificados a Igreja presta culto oficialmente. É o que se chama culto público.
Eu explico daqui a pouquinho o que quer dizer a palavra público.
Opõe‑se, é diferente do culto privado.
* Culto público e culto privado
O que é o culto público? Não é o culto feito em público. Por exemplo, o culto no cemitério não é culto público. É feito em público!
Eu escrevi no “O Estado de S. Paulo”: “Presta‑se culto”… e ninguém achou ruim. Ninguém em toda face da Terra achou ruim. Eu disse: “Vão lá, rezam, pedem graças”. É culto!
Bem, é culto prestado em público, não é culto público. Qual é o alcance da palavra público aqui? É o seguinte:
Nas Faculdades de Direito há duas partes do Direito: Direito Público e Direito Privado. Direito Público diz respeito ao Estado. O Direito Privado diz respeito aos cidadãos. Os cidadãos são particulares, vivem na vida privada. O Direito que se ocupa deles é o Direito Privado. A vida pública quer dizer que diz respeito à nação, à sociedade soberana. Aí a palavra público diz respeito à sociedade soberana que é o Estado. Esse direito é o Direito Público.
Na linguagem antiga a palavra público era sinônimo de Estado, estatal. A Igreja é uma entidade de Direito Público, porque Ela é, como o Estado, oficial.
Culto público é o culto, portanto, prestado no Direito Público da Igreja, oficialmente em nome da Igreja. E isto só pode ser prestado por um padre. Um fiel nunca pode fazer um ato de culto público, porque lhe falta substância para isso. Quinhentos mil fiéis que sejam, não fazem um ato de culto público, porque não representam a Igreja. Um padre pode representar, fiel não.
O padre não pode prestar um ato de culto em nome da Igreja, ao não canonizado. Porque tendo prestado em nome da Igreja, é culto público.
Ele pode prestar um ato de culto privado, quer dizer, sem solenidade, sem nada do que caracteriza a liturgia da Igreja, fora da liturgia da Igreja. Ele pode prestar um ato de culto privado, ato de culto público não pode.
Neste sentido, o culto público é proibido.
E há gente que confunde o Direito Canônico grosseiramente e pensa que o Direito Canônico é fato: a gente abrindo, ele está proibindo o culto público.
— Ah! Culto público!
— Leia pelo menos um pouco, antes de injuriar… Encontrará que a palavra culto tem outro sentido.
Aí mais uma vez os senhores vêem as garras. Estão abertas.
Com isso, meus caros, nada é bom do que a gente dormir, depois de ter contemplado as garras e dizer que estão afiadas. Vamos rezar…
* “Nunca os senhores me viram contar um fato que prove que ela ou eu tivemos uma virtude heróica”
(Sr. –: Fatinho!)
(Sr. Fernando Antúnez: Algum fato de que o senhor tenha encontrado apoio na Sra. Da. Lucilia para manter aquela normalidade que o senhor disse na Reunião de Recortes.)
Eu vou fazer [de] conta que o senhor fez uma outra pergunta. Eu vou fazer essa pergunta: “O senhor, Dr. Plinio, nas recordações que o senhor conta de Da. Lucilia, ou nas recordações que o senhor conta a respeito de sua pessoa, o senhor dá as provas de que Da. Lucilia teve uma virtude heróica? O senhor dá as provas de que o senhor tem uma virtude heróica?”.
Não dou!
Nunca os senhores me viram contar um fato que prove que ela ou eu tivemos uma virtude heróica. Absolutamente nunca! Os senhores me vêem contar fatos muito bonitos da vida dela. Nunca eu afirmei que ela praticou a virtude em grau heróico, e nunca contei um fato que provasse isso. Nunca contei um fato de minha vida que provasse que eu pratico a virtude em grau heróico. São memórias do tempo de pequeno, memórias interiores, que qualquer menino pode ter.
Eu até não digo um menino qualquer, mas qualquer menino pode ter. Eu não faço, portanto, nem um pouco propaganda disso. É bom isso ficar bem claro.
Com isso, está dado o fatinho. Simplesmente eu quero que tragam a cadeira, porque estou com as pernas cansadas demais para andar. Vou até rezar sentado.
Ah! não, eu vou rezar na capela!
Há momentos minha Mãe…
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