Conversa
de Sábado a Noite – 1/10/1983 – Sábado [AC
VI - 83/10.02] .
Conversa de Sábado a Noite — 1/10/1983 — Sábado [AC VI - 83/10.02]
O Reino de Maria tem que ser uma reparação por onde tudo quanto é mau que foi praticado anteriormente deve ser destruído e queimado por um bem oposto ao mal que se fez * Terá um esplendor maior do que teria se não tivesse havido a Revolução e será provavelmente uma arqui Idade Média * A Sra. Da. Lucilia “levava na sua alma desejos, anseios, ideais, não inteiramente definidos, mas intensamente vividos, que teriam o que ver com o Reino de Maria” * Seria inteiramente segundo uma determinada ordem de coisas que os anjos da guarda dos religiosos fossem, por sua essência, sujeitos ao arcanjo do Fundador, tendo uma relação como tem o Fundador e os súditos * Numa determinada Ordem religiosa chamada para o heroísmo de combates que não são propriamente bélicos, um religioso pode ser colocado no filão São Miguel Arcanjo * O encanto das coisas de Deus transcendem — Mas só pega bem o encanto, quem estudou bem a linha reta * O distintos modos do Sr. Dr. Plinio tratar as pessoas: do imperador do Japão, aos de dentro e fora do Grupo * As pessoas da graça nova sentem que o Sr. Dr. Plinio é capaz de quebrar aqueles que as quebram * Para o trato ser saboroso é preciso ter sempre alguma coisa que seja um pouco velado na psicologia da pessoa com quem se trata * Num trato protocolar com a rainha da Inglaterra, o Sr. Dr. Plinio teria um trato com misericordioso respeito, mas na intimidade a trataria mais duramente * O desapego da Sra. Da. Lucilia às criaturas foi caminhando por etapas: primeiro às coisas más do mundo, depois às boas, finalmente às excelentes
(Sr. João Clá: […] O Reino de Maria será um resumo da História. O que ele terá do Antigo Testamento, da Cristandade, e de novo?)
* O Reino de Maria tem que ser uma reparação por onde tudo quanto é mau que foi praticado anteriormente deve ser destruído e queimado por um bem oposto ao mal que se fez
Eu tenho impressão de que o Reino de Maria deve ser fundamentalmente o seguinte: nós poderíamos conceber o progresso da Igreja, através dos séculos, na linha [do] que foi das catacumbas — para me exprimir de algum modo — ao românico, do românico ao gótico. O florescimento externo da Igreja foi se aprimorando, mas não sem um certo fundamento de um progresso interno também.
Agora, tudo isso foi uma continuidade. Não houve tragédias, não houve dramas que opusessem uma época da Igreja a outra. As várias épocas foram se sucedendo mais ou menos como num bambu as várias partes, com naturalidade, com continuidade. Definidas, mas com continuidade.
Depois, a História da Cristandade — não a da Igreja, mas a da Cristandade —, quer dizer, dos povos, das nações cristãs sofreu a ruptura brutal da Revolução e começaram, então, as três Revoluções.
O Reino de Maria tem que ser uma reparação, fundamentalmente, por onde tudo quanto é mau que foi praticado neste tempo deve ser destruído e queimado por um bem oposto ao mal que se fez. E por esta forma deve ser reincaixado à Idade Média, deve ser a continuidade da Idade Média. Então, com isso o bambu continua a se desenvolver normalmente.
Mas no ponto em que houve o reencaixe, pode-se dizer que nasce um bambu de ouro. Porque o nascer assim da luta e da dor e desenvolver-se depois, em algum sentido destruindo o mal feito e fazendo o bem não feito, para depois partir para novos rumos — não depois cronológico, mas depois lógico —, nascer para novos rumos, é uma coisa tão esplendorosa e representa uma vitória tão maior do que a derrota que fica esmagada, que isso fica como uma espécie de anel de ouro a partir do qual o bambu continua a crescer [normalmente].
* Terá um esplendor maior do que teria se não tivesse havido a Revolução e será provavelmente uma arqui Idade Média
Eu não saberia dizer, por exemplo, o seguinte: se não tivesse havido a Revolução, quando é que teria nascido o Reino de Maria. É uma linda questão, mas eu não tenho elementos para resolver essa questão. Porque teria sido extraordinariamente bonito a gente imaginar o seguinte: quando a gente toma o começo da Idade Média em que ela começa a cair, tem-se a impressão que o gótico chegou mais ou menos ao seu fim, que os outros elementos da Idade Média chegaram até seu fim. Se não houvesse a queda não teria havido ali o começo do Reino de Maria? É uma pergunta que se poderia fazer. Não sei.
Mas, quem sabe se o Reino de Maria deveria fazer-se uns 400 ou 500 anos depois da Idade Média… Seja como for, ele só pode ter um esplendor maior do que ele teria se não tivesse tido a Revolução.
Então, nós temos que imaginar estilos artísticos, etc., tudo no espírito da Idade Média, mas evidentemente diferente da Idade Média. Diferente como? Eu acho que era um auxílio possante, especial da graça, nós não podemos nem prever. De tal maneira se fica sem saber o que dizer.
No que é que dá, então, a coisa?
Nós mais temos desejo de uma arqui Idade Média, do que qualquer outra coisa dentro da alma. Como é esse desejo? Também não sabemos dizer. Eu sei que quando chegar a ver, nós diremos: “É isso que eu desejava”.
Sejam como for, o Reino de Maria, por ser Reino de Maria, tem todas as excelências próprias que diz São Luís Grignion. E como tal, tem que ser muito melhor do que foi a Idade Média, que não foi um Reino de Maria.
Ora, tudo quanto é de Nossa Senhora é superexcelente, Deus acumula ali todas as excelências que Ele dá. Então, o Reino de Maria tem que ser uma coisa supermaravilhosa. Agora, como é essa supermaravilha? Nós não sabemos também. Eu não sei, eu fico na dúvida.
É uma resposta um pouco sem graça, mas é a resposta que cabe, que eu sei dar. Quem sabe se o meu imaginoso João Clá tem ideias sobre o Reino de Maria.
* A Sra. Da. Lucilia “levava na sua alma desejos, anseios, ideais, não inteiramente definidos, mas intensamente vividos, que teriam o que ver com o Reino de Maria”
(Sr. Carlos Antúnez: Que relação tem a Sra. Da. Lucilia com isto que o senhor falou?)
Talvez se possa dizer, que o ponto para onde ela olhava na vida dela, seria um ponto indefinido que tinha um vislumbre de Reino de Maria. Por mais que ela fosse aderente aos aspectos bons do século dela, não deixa de ser verdade que a gente vê que o olhar dela fitava uma coisa extratemporal, mas que não era, talvez, uma coisa inteiramente extraterrena. Quer dizer, ela levava na sua alma desejos, anseios, ideais, não inteiramente definidos, mas intensamente vividos, que teriam o que ver com o Reino de Maria. Muitas fotografias dela me dão essa impressão, pelo gênero do olhar, etc… Isso se poderia admitir.
En avant mes chers!, porque o tempo está fugindo. Eu preciso lembrar aos senhores, que às duas e meia em ponto eu me retiro. Porque é a nossa velha tradição.
* Seria inteiramente segundo uma determinada ordem de coisas que os anjos da guarda dos religiosos fossem, por sua essência, sujeitos ao arcanjo do Fundador, tendo uma relação como tem o Fundador e os súditos
(Dr. Edwaldo Marques: […] A relação entre o anjo da guarda de cada um e o anjo da guarda do Fundador.)
Eu acho muito bom fazer reflexões dessas, mas elas devem ser sempre acompanhadas de um grão de sal no seguinte ponto: como essas ordenações se referem a uma ordem muito superior a nossa, entra também uma sabedoria de Deus muito mais difícil de alcançar por nós. De maneira que aquilo que nós julgamos muito razoável — e que é muito razoável —, talvez seja excedido nos planos da sabedoria de Deus por uma outra forma. Eu dou um exemplo e o senhor vai ver.
É melhor eu primeiro responder à sua pergunta e depois mostrar como, segundo eu imagino, isso pode não ser assim.
Os anjos estão divididos em coros. E tudo leva a crer, que assim como um coro superior e um coro inferior há determinadas relações, essas relações não sejam apenas de coro a coro, mas sejam também de anjo a anjo. Não sejam de unidades coletivas a unidades coletivas, mas sejam de anjo a anjo.
E que essa diferença de natureza, por onde o anjo de um coro mais alto é essencialmente mais do que o anjo de um coro menos alto, essa diferença de natureza se reflita intensamente na relação entre eles. E como os anjos mais altos se servem — pelo menos, muitas vezes, ou sempre, não sei — do ministério dos anjos menos altos para fazer as coisas, é natural que os anjos mais altos — arcanjos — tenham servidores entre os anjos para executar o que eles querem. E eles, arcanjos mesmos, estão seguindo ordens que receberam de outros anjos. E que isto vai até Nossa Senhora, Rainha dos anjos e Senhora do universo. Depois d’Ela com Deus, nem se fala.
Então, seria razoável que havendo uma relação assim, parecida com essa, entre Fundador e religiosos, seria inteiramente segundo uma determinada ordem de coisas que os anjos da guarda dos religiosos fossem anjos, por sua essência, sujeitos ao arcanjo do Fundador. E tendo uma relação assim, como tem o Fundador e os súditos.
* Numa determinada Ordem religiosa chamada para o heroísmo de combates que não são propriamente bélicos, um religioso pode ser colocado no filão São Miguel Arcanjo
Agora, eu vou mostrar o por onde talvez não seja: por exemplo, não está provado que São Miguel Arcanjo tenha sido o mais alto dos anjos. Mesmo dos anjos da grande maioria angélica que remanesceu fiel, não está provado que ele seja o maior. Uma coisa que se pode admitir, etc.,o papel dele na repressão à revolta dos anjos dá uma impressão que conduziria para isso, etc., mas uma certeza não se pode ter.
Pode ser que ele, entretanto, por causa daquele gesto que teve naquela ocasião e daquela convocação que ele fez a todos os anjos, para que os anjos se apresentassem para lutar, etc., que por causa disso, certo tipo de apostolado dependa dele e não de um anjo mais alto. Eu acho que pode ser.
E que, portanto, o cordel — se eu pudesse me exprimir assim — de anjos pára nele e passa através dos anjos mais especialmente sujeitos a ele para aquele gênero. Então, que, por exemplo, numa determinada Ordem religiosa ou congregação — não chamada para o heroísmo do combate, mas para heroísmo de combates que não são propriamente bélicos, para heroísmo todos são chamados — um religioso chamado para aquilo seja ele colocado no filão São Miguel Arcanjo.
De maneira que há combinações possiveis que excedem a nossa imaginação, nossa concepção. Nós devemos dar margem a isso, não devemos imaginar que o que nos parece razoável é por isto necessariamente assim. Me parece um pouco prematuro.
* O encanto das coisas de Deus transcendem — Mas só pega bem o encanto, quem estudou bem a linha reta
Mas é muito bom imaginar como é que seria numa ordem parecida com a ordem humana, para depois nós admirarmos melhor — se eu pudesse me exprimir assim — os ziguezagues de Deus.
Vamos imaginar, por exemplo, um caminho em linha reta. Dizem os doutores em banalidade, é o caminho mais curto entre dois pontos. Basta ter uma ideia muito vaga do que seja uma linha reta que salta aos olhos. E ela tem, seu dúvida, no traçado de uma rua ou na alameda de um jardim, ela tem sua beleza própria.
Mas um ajardinamento ou um arruamento feito só de linhas retas, se torna monótono e pede umas surpresas. Às vezes um caminho de cabra feito na encosta de uma montanha é mais pitoresco do que uma linha reta. Ruazinha torta de cidade velha tem um não sei quê de saboroso, de interessante, que a linha reta bairro de Higienópolis não tem. O bairro de Higienópolis foi arruado na adoração [da] linha reta. Monótono, perfeitamente monótono. Nenhum dos senhores… acho que nem perceberam, que o bairro de Higienópolis é arruado com linha reta: tan, tal! Chega num lugar sai noutro, tá tá tá!
Assim também, pode haver por cima da ordenação, que é a primeira que ocorre — porque na ordem prática a primeira que ocorre é sem dúvida essa —, pode haver outras razões que sejam mais altas que nós não pegamos bem.
Eu me lembro de um verso francês: Le charme, plus beau que la beauté - O encanto mais belo do que a própria beleza… O encanto dessas coisas Deus põe de cá e de lá e que transcendem. Mas só pega bem o encanto quem estudou bem a linha reta. Quem está compenetrado do gosto da linha reta. Esse é que se eleva depois a outros gostos.
De maneira que a pergunta é muito cabível, muito boa.
Meus caros, vamos ganhando tempo.
(Sr. João Clá: [Inaudível].)
[Falta a página 5 no microfilme.]
* O distintos modos do Sr. Dr. Plinio tratar as pessoas: do imperador do Japão, aos de dentro e fora do Grupo
… fazer sentir ao imperador do Japão o seguinte: que eu não era senão o que São Francisco Xavier era na ordem temporal do Ocidente, quer dizer, um bom espécime de uma coleção que tem coisas muito melhores. Mas que já aquilo traz consigo uma forma de superioridade que todo aquele Oriente não conhece. Na linha da distinção, da finura, do requinte. Que assim eles não conhecem. E no modo de tratar, muito amável, [mas] tsiu! tsiu! tsiu! E uma conversinha ou outra, assim, durante a conversa, havendo jeito, etc., “os inimigos seus, etc., tão poderosos, é preciso que Deus lhe ajude, etc… Bata em sua porta de vez em quando, etc…”.
Mais adiante um pouco: “O rei do Portugal pretende que as suas naus venham aqui com freqüência para tomar contato com seu poderoso império. Também com seus vizinhos, são nações irmãs… nós também queremos conhecer. Aqui no Japão há tanta coisa bonita para conhecer, provavelmente na China. Que grande raça é a raça amarela, deve ter produzido coisas lindas na China, parece que o império lá é muito grande também, não é? Leva-se tempo para ir daqui para lá ou de lá para cá? …”. Amável, amável, amável… psiu! psiu! psiu!”.
Depois de ter quebrado uma certa carapaça, aí chegaria a hora do afeto cristão. Aí com toda dedicação, com todo desinteresse, com todo respeito, com tudo que se possa imaginar, chegando até extremos. Mas é depois de quebrada a carapaça.
Mas isso seria um modo de fazer que as circunstâncias de hoje docilmente permitem. Mas é isso.
(Sr. Nelson Fragelli: […] De outro lado, aquelas expressões deles, “o primeiro sorriso de uma criança; os primeiros raios do sol”, etc., pareceu-me muito bonito e de acordo com o senhor. E é um lado que o senhor não pode manifestar tanto hoje em dia.)
Hoje em dia é impossível manifestar. É só dentro do Grupo. Porque as pessoas não entendem e são levadas a desprezar.
Agora, o senhor precisa aqui tomar em consideração uma coisa, é que eu estou falando do imperador do Japão, de um pagão, mas eu me dou conta agora, não tinha [me] dado conta há pouco… estou imaginando o imperador do Japão um homem intoxicado da Revolução. E não era propriamente isto. Ele era intoxicado de paganismo, se quiser, até de um culto pelo menos implicitamente satânico, mas não era a Revolução. E a Revolução é pior do que isso.
Portanto, certas hirtezas e durezas que eu acabo de descrever, eu talvez com ele adaptasse mais. Porque isso que acabo de descrever é mais próprio para povos que têm a mácula da Revolução do que para povos que de um modo ou doutro estão num outro filão. O revolucionário é tal, que ele não nos vê sem odiar e nos desprezar. E não é assim, um comum como um de nós, ser desprezado por um potentado como é o imperador do Japão. Não é isso não. É o revolucionário que vê o imperador do Japão, se o imperador do Japão é um contra-revolucionário, ele odeia e despreza.
Então, essa técnica de quebrar no revolucionário a arrogância por onde ele se poderia presumir superior, essa técnica foi a que descrevi. Isso ajuda bem a compreender.
Num pagão, sensivel entretanto ao “sorriso da criança”, e a “mandar organizar um pátio com cerejeiras em flor quando é a época, para que os diplomata passem por lá e tomem aroma… das laranjeiras — quero dizer — em flor, etc… Tudo isso é uma coisa que um revolucionário não faria e desprezaria. Isso [é] certo.
O revolucionário por excelência será, por exemplo, aquele sujeito… Oscar, não é? Niemayer, que construiu Brasilia. Um revolucionário tout court! de mão cheia. Esse tipo, por exemplo, não compreenderia uma coisa dessas, ele é feito em oposto. Ou a gente quebra assim, ou não tem nada feito.
Mas é também um sujeito que quando vê, por exemplo, Versailles ou Trianon, pensa por dentro: “É preciso quebrar isso”. Então, ele tem que sentir no meu olhar: “Não, é preciso quebrar você!”.
O imperador do Japão eu precisaria conhecer, mas certamente em atenção a alguns traços desses, eu teria um dedilhado mais suave. Em alguns pontos.
É também a razão pela qual, mutatis mutandis, eu sou um com os contra-revolucionários e sou outro para fora. Não vou me pôr para fora numa intimidade que eu ponho aqui. Não tem nenhum perigo, a coisa vai ali!
Os senhores dirão: “É por isso que eles não gostam”. É claro, não é feito para eles gostarem. É feito para quebrar umas cascas neles, por detrás das quais talvez se libere algo por onde eles possam gostar. É arrombar as portas de ferro do gostar, para que depois talvez possam gostar. Mas ele tem que sentir antes o pulso: “Não senhor!”.É ali! Feito isso, “se quiser, vamos conversar”.
Aqui precisa melhor a nossa posição.
Meu Luiz Antônio Fragelli, uma pergunta!
(Sr. Luiz Antônio Fragelli: O senhor analisaria o imperador já à distancia…)
Ah! sim, claro, claro! Você pode imaginar, gravados, descrições, o que fosse. E pode imaginar entrar na sala, o olhar nele. Quer dizer, disfarçado, não ia olhar assim… para ele, ia olhar como a educação manda. Mas não resistiria de procurar ver logo quem é o homem. Isso é liquidíssimo. Todos nós faríamos isso. [Risos]
Como se eu fosse imperador, eu quereria ouvir a música que eles tocavam enquanto caminhavam para o palácio, para ter uma ideia do que eles pensavam da mensagem deles. Porque isso transparece de algum modo. Nesse mundo tudo é significativo, é só a gente saber conhecer o alcance da significação, a interpretação. Mas tudo é significativo, não tem conversa!
* As pessoas da graça nova sentem que o Sr. Dr. Plinio é capaz de quebrar aqueles que as quebram
(Sr. Nelson Fragelli: […] As pessoas da graça nova, elas não se sentem quebradas pelo senhor no primeiro impulso?)
Não, mas elas sentem que eu sou capaz de quebrar aqueles que as quebram.
(Sr. Fernando Antúnez: Disso elas têm a prova.)
É, de algum modo, confusamente, sentem. Nelas tudo é meio subconsciente, mas sentem. E depois tem fatos, contam para eles fatos de nossa vida, tudo mais.
No contato eles percebem, com muita amabilidade. Um dia que houver reunião com gente da graça nova, vale a pena o senhor estar presente para ver como é. Eu trato com muita afabilidade. Muita!
(…)
* Para o trato ser saboroso é preciso ter sempre alguma coisa que seja um pouco velado na psicologia da pessoa com quem se trata
… é claro que as coisas têm conta, peso e medida. É bom que saibam.
Aqui eu tenho uma teoria que talvez não seja senão o reflexo do meu modo de ser. Sua pergunta é por mim…
Eu acho que os modernos têm uma idéia errada de afabilidade, como tem uma idéia errada de intimidade.
Intimidade é algo por onde uma pessoa dá a conhecer todos os desvãos de sua alma, sem nenhuma — dizem eles — restrição. E afabilidade é algo por onde o indivíduo a quem a gente trata afavelmente, sente que pode impunemente fazer contra nós o que quiser.
As duas coisas, a meu ver, tornam o trato insipido. Para o tratar ser saboroso, é como a comida, precisa ter um pouco de sal. Então, precisa ter sempre alguma coisa que seja um pouco velado na psicologia da pessoa com quem a gente trata. Senão, fica conhecida, a gente não olha mais. E precisa ter também qualquer coisa que contenha um pouco, ainda que a relação seja muito grande. Porque é assim, com essas distâncias que o trato tem sabor.
Não sei se concordam comigo?
(Todos: Sim).
Mas eu sinto isso assim.
Aliás, meu caro Calders, eu tenho impressão que este é um modo de ser dos latinos que os anglo-saxões nem sempre interpretam bem. Eles pensam que porque nós falamos muito, nos damos a conhecer nossa alma inteira. E que com isso nós nos barateamos. E que como nós tratamos os outros muito intimamente, nós não guardamos os freios, por onde se pode brecar o outro. Então, uma certa estranheza quando alguns — não o meu Calders — anglo-saxões em contato conosco, sobretudo quanto tem aqui espanhóis, olham assim… e não mudam de atitude. Mas eu julgo perceber o que é que está dentro da cabeça, o seguinte: “Se eu for fazer — pensa ele — assim, aonde é que eu vou parar?!”.
Mas é por causa de uma questão de interpretação. A gente pode falar muito, ser muito afável, tocar até castanholas, mas saber manter a distância. É questão só de técnicas fisionômicas diferentes. Mas um dia valeria apena explicar, sobretudo para inglês. Saber explicar isso para inglês. Esse trechinho levar para a Inglaterra não seria vão. Para explicar para ingleses, eu acho que é precioso.
Eles pensam que isso é… quando, de fato, no jeito latino, se pode com muita flexibilidade fazer funcionar a mesma coisa.
Bem, meus caros! Meu, Nelson Fragelli, meu Luiz Antônio Fragelli, Calders, que eu tenho visto menos, Paulo Henrique que está chegando de Roma…
* Num trato protocolar com a rainha da Inglaterra, o Sr. Dr. Plinio teria um trato com misericordioso respeito, mas na intimidade a trataria mais duramente
(Sr. Nelson Fragelli: Num contato que o senhor tivesse com a rainha da Inglaterra, esse quebrar a castanha seria necessário, não é? Porque ela é revolucionária.)
Há duas coisas diferentes: se fosse um trato puramente protocolar, não. Ela está tão quebrada, que o interesse da Causa seria em que ela sentisse o amparo quase misericordioso, cheio de uma respeitosa misericórdia. Se deveria ter com ela. Ou de um misericordioso respeito. Seria qualquer coisa assim. Com que se trataria, por exemplo, um rei machucado.
Agora, no trato pessoal, eu tenho impressão que ela é inteiramente outra, que é apimentada. É pessoa de bons costumes, mas com uma tolerância com a Margareth, que eu não compreendo, e talvez “dizedora” de ditos apimentados e outras coisa assim. Portanto, devendo ser tratada desse jeito.
(…)
Certo, certo!
(Sr. Nelson Frageli: Esse quebrar, é um bem em vista a terceiros ou em vista da própria pessoa quebrada?)
Eu acho que é para a própria pessoa. Porque quebrar o mal é construir o bem. É mais ou menos como, por exemplo, dar uma injeção. Pergunta-se: “Furar a pele não é um mal para a pessoa?”. Sim. Mas para introduzir ali o remédio não.
Ali também. Vale apena. Se ela sair simplesmente com esta idéia: “Estes homens latinos católicos, ainda mais gente de Brézil, e que chegam aqui e que acabam se impondo assim…”. Porque é o que ela tinha que sentir, é isso, é que se ela passasse de um determinado limite, dava um desentendimento feio. E que não é negócio para ela ter esse desentendimento.
Não quer dizer o seguinte: eu sou mais do que ela. Não é isso. Mas é: “Custa-lhe caro. Tende, que verá que lhe custa caro”.
O sair com essa convicção, instila um bem para ela, que é uma coisa… Um católico ser assim, mas é um bem incrível!
Bem, meus caros, agora fugit irreparabile tempus. Os senhores calculem que eles têm que levantar amanhã às oito e meia.
(Todos: Nãoooo!)
E por isso, meu bom João, você vai me trazer a cadeira e nós vamos rezar.
(Todos: Fatinho! fatinho…)
Mas fatinho… cem mil fatinhos já foram contados. Meu Carlos Antúnez.
* O desapego da Sra. Da. Lucilia às criaturas foi caminhando por etapas: primeiro às coisas más do mundo, depois às boas, finalmente às excelentes
(Sr. Carlos Antúnez: […] Em 1967, indo para o Giordanno, o senhor disse que quando olhava a Sra. Da. Lucilia , o senhor via que cada dia que passava a fisionomia dela ia se preparando para quando se encontrasse face a face com Deus.)
É verdade, eu achava isso. Hoje não diria isto, naquele tempo eu disse.
(Sr. Carlos Antúnez: Como o senhor via essa preparação?).
Eu definiria assim: é um desapego… vamos dizer que o desapego tem duas etapas: numa a gente se desapega do que é mau, noutra a gente se desapega do que é bom, no fim a gente se desapega até daquilo que é excelente. O desapego [chega] a esse ponto.
Uma coisa que eu soube dela… eu até já não me lembro bem, foi alguém da família que me contou, não me lembro bem quem. Contou quando ela tinha falecido, senão me engano, eu não me lembro bem, mas me está como certo contato por alguém da família.
Que ela contou, que ela…
(…)
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