Conversa
da Noite ─ 26/3/83 ─ Sábado .
Conversa de Sábado à Noite ─ 26/3/83 ─ Sábado
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Desde muito jovem, o Senhor Doutor Plinio sentia-se chamado a uma grande missão, mas estava à procura de alguém que o liderasse * Conversa com D. Mayer em que o Senhor Doutor Plinio explicitou o aspecto profético de sua missão * Por não pensar em si, o Senhor Doutor Plinio demorou a explicitar o caráter profético de sua missão * Nosso estado de espírito habitual deve ser o que se tem em uma cerimônia * A Senhora Dona Lucilia era eminentemente uma mãe de família, mas suas cogitações e tudo quanto fazia vinha de muito alto * As cascatas do caminho de Santos lembravam ao Senhor Doutor Plinio as cogitações da Senhora Dona Lucilia * Bondade e proteção da Senhora Dona Lucilia para com a empregada Olga * O Senhor Doutor Plinio comenta a imagenzinha de Nossa Senhora do Bom Sucesso ornada para a Semana Santa * O “voile” na imagem, uma idéia do Senhor Doutor Plinio
Então meus caros, quem é que tem uma pergunta a fazer, quais são os problemas? Não está aqui o nosso querido João Clá e também não o outro “pergunteiro” que é o Guerreiro Dantas. Então, Paulo Henrique, Poli, Edwaldo, Fernando Antúnez, fazem a pergunta.
(Paulo Henrique: Como a certeza profética se manifestou ao longo da vida do Senhor?)
* Desde muito jovem, o Senhor Doutor Plinio sentia-se chamado a uma grande missão, mas estava à procura de alguém que o liderasse
Eu respondo com muito gosto.
Durante muito tempo, mas muito tempo, houve uma espécie de coexistência pacífica, mas não fusão, entre as minhas certezas como pessoa e como católico, portanto também, e a certeza do profetismo. No seguinte sentido que desde menino eu percebia que havia uma tarefa assim a realizar. Como eu de um lado me sentia veementemente atraído para que a realizasse, a conseqüência era que eu vislumbrava que eu deveria realizá-la.
Mas isso era um vislumbre, aqui não havia uma certeza. Era certo que eu deveria dedicar-me a essa tarefa, isso era uma certeza; mas agora, que eu deveria dedicar-me a vida inteira também era uma certeza, mas em nível de direção, em nível de impulso não. Por uma razão muito simples, é que eu, graças a Nossa Senhora, tive toda vida uma alma muito propensa a admirar. Alegrando-me muito sempre que encontrasse algo para admirar. E por causa disso era muito propenso a encontrar alguém que dirigisse essa luta e a quem eu pudesse dirigir toda minha admiração. E, por causa disso, as minhas preferências eram encontrar um profeta ─ que eu nem sequer sabia que era para chamar de profeta ─ um homem que fizesse essa tarefa.
De outro lado eu me sentia tão impetuosamente chamado para realizá-la e eu via o estado do mundo de tal maneira que eu tinha uma certa dúvida se encontraria tal homem. De maneira que no meu espírito ficava assim tudo isso mais ou menos, sem uma definição.
Quando eu entrei para o movimento católico foi muito definido que eu deveria entrar. Mas também era muito definido que eu ali deveria dedicar minha vida, que era o começo da tal tarefa. Mas ainda aí se eu encontrasse uma liderança a quem eu pudesse confiar-me, de maneira que eu tivesse certeza de que a nossa causa seria levada a bom termo por pessoa mais capaz, eu exultaria de entusiasmo.
E as viagens que eu fiz à Europa em 50 e 52, foram não só para encontrar eventuais bases, mas o meu desejo mais acalentado era de encontrar alguém que pudesse assumir essa direção.
(…)
…só tomou corpo quando se tornou claro que eu não encontraria ninguém. Isto quando foi? Eu posso dizer que talvez ─ não tenho muita certeza, eu não tenho boa memória ─ mas talvez depois do Concílio isso tenha tomado inteiramente corpo. É fácil imaginar porque depois do Concílio, nem tenho que explicar. Aí eu compreendi que era isto.
* Conversa com D. Mayer em que o Senhor Doutor Plinio explicitou o aspecto profético de sua missão
Agora, a palavra profeta resultou de uma conversa com D. Mayer de que ele diz que não se lembra mais. Em minha casa, estávamos almoçando, era um dia que mamãe estava doente ─ mamãe não tinha falecido ─ mamãe doente e não estava à mesa, portanto, estava no quarto dela; e conversando só ele e eu, ele me disse isto: “Vocês estão tomando um tal papel e consideram de tal maneira o papel de vocês na Igreja que eu custo a compreender como é que, uma vez normalizado a situação na Igreja, vocês possam caber dentro dela. Porque normalizada a situação da Igreja, não se vê que leigos possam fazer tudo quanto vocês fazem na Igreja. Então não se vê o que é que vocês devem fazer”. O que equivalia um pouco a dizer que nós éramos uns intrometidos de primeira ordem.
Eu disse a ele que o que eu achava a respeito, quer da Igreja, quer do Estado, da sociedade temporal, é que era nossa obrigação estudar os rumos da história da sociedade temporal e dizer à Igreja quais eram as nossas opiniões a esse respeito. Se Ela quiser seguir, o poder de resolver o rumo era d’Ela, não era nosso. Se Ela quisesse seguir, Ela seguiria; senão quisesse, não seguiria. Ela ajustasse conta com Deus pelo fato de não ter seguido. Mas nós não teríamos nenhum poder diretivo, poder diretivo é d’Ela. E, portanto, eu não vejo o que é que representa a dificuldade para nós de caber dentro da Igreja.
Do mesmo modo com a sociedade civil. Um chefe de Estado, nós poderíamos dizer a ele: “Nós achamos que as coisas rumam para tal lado e que as medidas para evitar são essas ou aquelas. Aqui estão”. Agora, o chefe de Estado resolva como quiser, não é nosso o poder de resolver.
E ele estava assim mexendo uma chicarazinha de café e ouvindo com muita atenção o que eu dizia. Ele interrompeu e me disse: “Então é um papel como o dos profetas no Antigo Testamento”.
A comparação nunca tinha me ocorrido. E aí eu peguei num relance a coisa e disse: “Descontado o fato de que eles tinham o profetismo oficial, nós não temos, é uma situação análoga a essa”. E aí a palavra profetismo, na hora, veio definir uma situação que era essa.
Essa é a marcha da idéia e como ela foi se pondo no nosso espírito. Não sei se está claro.
(Todos: Claro!)
(Sr. Paulo Henrique: No lançamento do “Em Defesa” o fato de o senhor procurar antes os aplausos prévios para depois lançar na livraria, há aí uma tática de sabedoria superior?)
* Por não pensar em si, o Senhor Doutor Plinio demorou a explicitar o caráter profético de sua missão
Vamos ver se repito para ver se está claro.
Portanto você acha que aquela jogada, por exemplo, manifesta uma destreza de ação que sem um auxílio especial não se teria. Ora, eu deveria ver bem que isto era um auxílio especial. E portanto, independendo desta conversa que posteriormente eu tive com D. Mayer eu deveria ver que eu tinha luzes proféticas a esse respeito. Foi essa sua pergunta, não é?
Eu percebia que eu recebia graças para isso, mas é preciso distinguir. Eu percebia que eu recebia graças na questão da previsão dos acontecimentos que iam se dar. Isso eu percebia. Nossas jogadas assim eu não percebia que houvesse graça. A graça na previsão dos acontecimentos eu percebia porque eu achava que era tão, tão acertada a previsão, em tão longa medida, que sem o auxílio da graça um homem não prevê. Mas daí eu pensar em profetismo nem me passou pela cabeça.
Por que razão? Pelo hábito da idéia de que o profetismo estava encerrado com os profetas do Antigo Testamento, com Nosso Senhor que profetizou e executou as suas profecias. E depois disso não havia mais profetas. É uma idéia errada mas muito espalhada por aí e que eu tomei como estava no ambiente onde eu fiz a minha formação religiosa. Foi só quando D. Mayer falou de profetismo que eu vi que essa graça podia ser qualificada de profética.
Agora, a graça das jogadas destras eu julgava que era habilidade natural. Eu concordo com o senhor que tem ares de não ser, mas eu julgava que era habilidade natural, “jeito”, e está acabado.
Havia algumas pessoas destras na minha família e o jeito delas jogarem era meio parecido com esse. De maneira que eu entendia que isto era um prolongamento daquilo que eu tinha aprendido na família. Vejo hoje que não era, mas era como a coisa se apresentava a mim.
O senhor nota nesses equívocos ou nessa lentidão em ver a respeito de minha própria missão, o senhor nota a minha preocupação de não ver mais a respeito de mim mesmo do que seria estritamente necessário. É claro. Mas era uma obrigação.
Depois, admitido o profetismo na previsão, eu percebi que muitas jogadas ─ não em todas ─ entra qualquer coisa de profético. Não sei se está claro.
(Todos: Sim.)
Não sei se o senhor quer me perguntar mais alguma coisa. Meu Poli, meu Edwaldo, meu Fernando Antúnez, meu caro Duca que está lá, ou o Paulo Roberto.
(Dr. Edwaldo: Em relação ao estrondo que o senhor prevê, toda a questão de seitas, etc., o que o senhor imagina que será e como devemos nos preparar?)
* Nosso estado de espírito habitual deve ser o que se tem em uma cerimônia
Isso é evidente, está em vista uma batalha para esmagar.
Agora, a julgar segundo os critérios de análise comuns, parece ─ pode ser que amanhã os jornais já estejam desmentindo isso ─ parece ─ com tudo quanto há de incerto na palavra “parece” ─ mas parece que se dá o seguinte: de imediato a ofensiva esteve muito mais próxima do que está no momento. Quer dizer, a ofensiva imediata, não para o grande estrondo, mas para um estrondo médio, porque vários estrondos médios preparam o caminho para o grande estrondo. Essa ofensiva imediata me parece que está menos presente.
A preparação é indispensável, porque o estrondo grande despenca sobre nós na primeira ocasião. E é um estrondo de esmagar. E a preparação consiste exatamente na reunião de hoje à tarde. Quer dizer, em se dar bem conta do papel que tem dentro da problemática a questão da convicção absoluta do sim e do não. É o ponto chave por excelência, primeiro ponto.
O segundo ponto é de nós fazermos uma análise daquelas várias mentalidades que eu descrevi e perguntarmos a nós mesmos até que ponto existem traços dessa mentalidade em cada um de nós. Eu acho provável que em muitíssimos de nós haja traços dessa mentalidade. E esses traços precisam ser radicalmente extirpados.
Oh, meu Guerreiro, como vai você? Está bom?
(Sr. Guerreiro: [Inaudível].)
Sente aí.
Era preciso extirpar os traços.
E quando eu falei hoje à noite na fisionomia, os senhores entenderam bem aonde é que a coisa… Quer dizer, a pessoa que não tenha na alma nenhuma concessão àqueles pontos, tem toda facilidade para se fixar estavelmente na posição de que eu falei. Se pelo contrário a pessoa tem concessões naqueles pontos, a pessoa não se fixa no estado de espírito próprio ao cerimonial.
Então, eu estava dizendo para os rapazes com quem eu voltava de automóvel… [Risos]
Realmente, estava com três deles no automóvel, eles me perguntaram e eu disse que para tirar da alma aqueles traços seria preciso um trabalho especial. Eu imagino ─ mas improvisei a idéia ali na hora…
(…)
…depois quiseram que eu inalasse. Era um resfriado. Disse: “Não, nada disso, meu nariz é feito para respirar; para inalar nada. Não pensem nisso.” É esquisito mas é razoável. Foi um trejeito de menino, porque se é preciso vai ali. Quer uma coisa mais esquisita do que injeção, uma agulha que entra no homem e que introduz no sistema circulatório dele um líquido alheio ao corpo! Que coisa fenomenal! Bom, mas é preciso, lá vai a agulha, pronto! Está acabado. É como nós raciocinamos. Ninguém vai deixar de se anestesiar para uma operação sob pretexto de que é esquisito e agüentar a operação no duro.
Eu não sei se cada um de nós aqui presente está inteiramente persuadido de que o estado de espírito que nós temos durante as cerimônias é o estado de espírito normal do homem. Não é uma torre onde a gente sobe para fazer uma proclamação e depois desce. Mas até dormindo o homem deve ter esse estado de espírito. Esta era a impostação dos homens antes da influência revolucionária entrar. E que isto é a Contra-Revolução.
Agora, quantas vezes nós, não estando persuadidos disso, a nossa alma vai atrás de bagatelas, pensa em coisas completamente sem importância e tende a conversas que são no fundo “conversotas”.
Eu nunca perguntei ao meu querido João Clá como é um Vacare Deo no São Bento, ou no Praesto Sum. Não me digam sim nem não, mas eu tenho certeza de que o problema deve existir. Chega a hora do Vacare Deo é uma ponta de brincadeirinha, uma ponta de coisa leve, etc., etc.
O Vacare Deo é Vacare, e portanto não é estar fazendo filosofia o tempo inteiro, vejo bem. Compreendo até que se possa gracejar um pouco numa ocasião dessas. Mas das várias atitudes do homem a mais próxima da Revolução é o gracejo. Eu não quero dizer com isso que todo gracejo é mal, mas todo gracejo facilmente se torna mal. Nós somos bastante contra-revolucionários para fazer só gracejos não revolucionários? Aí seria muito bom até o gracejo, tem seu papel também, é um estado de espírito possível para o homem e tem seu papel no convívio humano. Mas, como é que isso…
Então, isso vem daqueles pontos que eu li hoje no auditório e que representam a tendência ao relativismo, hábitos mentais relativistas.
Eu sei que é sumamente árido o tema, mas é isso. Alguém dirá: “Mas isso eu não agüento”. Eu digo: “Peça a Nossa Senhora. Não agüento é uma expressão que só usa o homem que não tem Fé, o homem que tem Fé agüenta tudo. Portanto agüenta isso também. Peça a Nossa Senhora que nos dê força, porque a posição normal da alma do homem é essa”.
Modos de ser subconscientes em que por hábito a pessoa vai resvalando para o rés-do-chão: brincadeira, etc., , etc., etc.
Eu tenho certeza de que os dois êremos são os lugares do Grupo onde isto menos desce. Mas trata-se de não descer nunca, de subir sempre.
Aliás, o valor curativo da camáldula em parte está nisso: é aquele perpétuo silêncio. Ainda é mais útil do que a perpétua escuridão, porque o homem não falando acaba entrando numa reflexão. E fantasia, gracejo, brincadeira, bobagem, sai da cabeça dele.
Meu Guerreiro, você ainda não pôs uma pergunta. E o tempo está correndo, são cinco para as duas e nós já temos hora marcada para terminar as nossas conversas aqui à noite, parece-me que é às duas e quinze, não é?
(Sr. –: Amanhã não tem “Praesto Sum”.)
Como não tem “Praesto Sum” amanhã?!
(Sr. F. Antúnez: O Sr. João Clá viajou.)
Depois lhe digo uma coisa.
Diga, meu caro Guerreiro. Sobre esse ou qualquer outro tema.
(Sr. Guerreiro: Cheguei atrasado. Se o senhor pudesse continuar a tratar desse tema.)
Bom, alguns dos senhores tem mais algo a perguntar sobre esse tema?
(Sr. F. Antúnez: O senhor disse que a Senhora do Quadrinho tinha muito isso.)
Eminentemente.
(Sr. F. Antúnez: O senhor poderia contar alguns fatos?)
* A Senhora Dona Lucilia era eminentemente uma mãe de família, mas suas cogitações e tudo quanto fazia vinha de muito alto
É sempre preciso voltar ao ponto de partida de que ela era uma dona de casa. No plano humano não era mais do que isso. E não é pouco ser uma dona de casa, mãe de família, não é pouco. O Joseph de MaÔstre, uma senhora que queria escrever um livro perguntou a ele alguma coisa, ele disse: “Minha senhora, a senhora quer escrever um livro? Faça muito melhor, tenha um filho! Quem é o escritor que escreve uma coisa que tem o valor de um filho? A senhora tenha seu filho e está acabado, assim se vive”. É a glorificação da mãe de família.
E ela sabia, como verdadeira dona de casa, mãe de família, tudo mais… A conversa dela com freqüência, mas com muita freqüência, entrava pelos fatos miúdos disso. Entre os fatos miúdos da vida ela tinha um talento como eu nunca vi em ninguém nada de parecido para tratar com criança. Como ela sabia acariciar a criança, como a criança se ligava a ela e ficava intusiasmada com ela, etc. É uma coisa única. A inocência sabe ver a inocência.
Dentro disso e, portanto, volto a dizer, tratando de mil fatinhos, mil fatinhos, mil fatinhos da vida, ela nunca perdia um certo fundo de seriedade por onde se via que aquilo era visto de um ângulo muito mais alto, por uma pessoa habituada a impostar o espírito muito mais alto do que aquilo. Ela não estava, portanto, continuamente falando.
Por exemplo, eu nunca a vi ler um livro de História Universal ou de história do Brasil. E mesmo leitura. Ela lia livros de piedade. Em moça, antes de se casar, ela leu alguns livros de literatura. Estava no ambiente do tempo. Mas com o progresso dela na vida espiritual, tudo mais, ela encostou os [“Shaekispeares”?] dela de lado e deixou isso completamente.
Mas ela tinha o hábito de elevar o espírito dela muito alto como se vê olhando para a fotografia. E sabia tratar de todas essas coisas com uma seriedade, uma dignidade, uma doçura, que vinha do alto, mas completamente do alto. Me lembrava um pouquinho as cascatas que eu via no caminho de Santos.
* As cascatas do caminho de Santos lembravam ao Senhor Doutor Plinio as cogitações da Senhora Dona Lucilia
É pena nós não podermos um dia ─ quem sabe se isso se faz ─ descermos ─ eu também não sei se isso ainda se conserva. Mas, qual é a época do ano em que florescem os manacás?
(Sr. –: Amanhã, na Semana Santa.)
Mas acho que sim, que chama até quaresmeira. Não, quaresmeira é outra árvore. Mas então a quaresmeira da Sede de Reino de Maria não deu esse ano? É tão bonito, eu não me lembro de ter visto essas flores lá. E vou perguntar ao Arbex. [Risos]
Não vão me atormentar o Arbex com isso, hein.
Mas quem sabe se a gente conseguisse… [Vira a fita]
…ao menos no tempo que eu freqüentava, eram montanhas enormes, aquilo passava embaixo e a gente via as montanhas cobertas de manacás. Quaresmeiras não me lembro, mas de manacá… Sabe como é manacá, não é? Uma florzinha redonda, azul e branca. Como é que chama isso, por Minas, meu Paulo Henrique?
(Sr. Paulo Henrique: Não conheço.)
Tem lá sim, tem outro nome.
No Paraná?
(Sr. –: Manacá.)
Manacá?
Bem, é uma beleza o manacá.
E descermos ali. O trem anda devagarzinho porque anda preso por uns cabos de metal, porque do contrário despencaria, a locomotiva não basta. Então desce bem de vagarzinho e a gente vê aqueles penhascos enormes. De vez em quando cessa a floresta ─ a floresta virgem, mas de ter onça, de ter tudo que havia no tempo de Anchieta ─ cessa a floresta porque aflora ao solo a pedra.
Então, naturalmente, não cresce nenhuma vegetação, então ficam aquelas lajes enormes que tomam a montanha quase que de alto até embaixo, escorrendo cascatazinhas límpidas. E por incrível que seja, elas correm devagar e formando babados brancos, assim, de vez em quando. E chegavam até embaixo. Embaixo elas iam irrigar tal plantinha, tal outra plantinha, dar água para tal bichinho.
Descidas de tão alto elas iam prestar os servicinhos pequenininhos que a água presta quando ela se espalha entre os homens. Me faz lembrar as cogitações dela.
Mas fatinho concreto não me lembro, era nas menores coisas, eram assim. E era um dos encantos que eu tinha no convívio com ela era exatamente observar isto.
Eu, toda vida, detestei certo tipo de intelectual que à força de ficar intelectual só sabe conversar “intelectualidades”. Eu gosto de conversar sobre coisinha, sobre pequeno fato, gosto de observar uma coisa dessas que cai, gosto da vida do que ela tem de concreto, não sou um “teorizador” apenas. E ela era eminentemente assim.
(…)
* Bondade e proteção da Senhora Dona Lucilia para com a empregada Olga
…que batia nessa mulheraça do mar Báltico de surra. E ela aceitava. E tinha uma cara sofredora. E arrastava atrás de si uma filhinha assim, no começo de uns nove, dez anos chamada Gertrudes. E foi parar assim, sofredora, em nossa casa como empregada.
E logo de início eu vi que Mamãe tinha arranjado um lugar para a Gertrudes dormir também, em vez de mandar a Gertrudes para um colégio. E que mamãe tinha tomado a tal Olga sofredora debaixo da proteção dela. Ela não disse, mas eu percebi por cem pequenos arranjos que ela tinha tomado a Olga sob proteção dela.
Aliás, é preciso dizer, a Olga foi de uma dedicação exímia para ela, esteve empregada com ela até pouco antes de eu adoecer de diabetes, é que a Olga saiu porque se casou. O marido morreu, ela casou com outro alemão aqui do ABC, pequeno industrial. E aí mudou-se de casa, foi tocar a vida dela.
Por exemplo, eu sei meticulosamente, posso contar ainda hoje, todos os pormenores da ansiedade da Olga, ansiedade materna da Olga. Porque a Gertrudes ia estudar datilografia e a Olga ficava. Quando a filha se separava dela mamãe contava que a Olga começava a ficar agitada, incerta, etc., e pensando na hora da filha voltar. E mamãe observando o manejo. Vira e mexe a Olga deixava o serviço ─ por instantes ─ ia olhar daquele terracinho que tem na cozinha, em casa, atrás, ela ia olhar pela Angélica se a Gertrudes estava passando. Se acontecia de a Gertrudes estar passando, ela descia correndo, pedia licença a mamãe, descia correndo, ia esperar a Gertrudes embaixo para beijar a Gertrudes, festejar a Gertrudes, levar a Gertrudes para cima. Enfim, dar lanche para a Gertrudes e tudo mais. E mamãe embevecidíssima vendo o jeito da Olga com a Gertrudes. Ela me contou mais de uma vez pequenas cenas assim.
Agora, o que entrava de compreensão do amor materno, do pitoresco dessa cena, de uma mulher atormentada, abandonada, mas que tem uma filha, que põe na filha todo o afeto. E que tem a sua ansiedade materna. Como o amor materno é bonito! Sem ela dizer, no modo de contar, tudo isto vinha narrado. Mas eram fatinhos, eram coisas da vida de todos os dias que ela narrava com esta despretensão, essa simplicidade, etc. Tão simples que eu nem sei bem a que propósito entrou isso na conversa. Mas, enfim, aí está.
Meus caros, tem mais alguma coisa? Vamos andando porque vai fugindo, vai fugindo.
(Sr. Guerreiro: A imagenzinha de Nossa Senhora do Bom Sucesso preparada para a Semana Santa e o cavaleiro com o estandarte, [com] o Coração de Jesus.)
* O Senhor Doutor Plinio comenta a imagenzinha de Nossa Senhora do Bom Sucesso ornada para a Semana Santa
Eu toda a vida gostei enormemente. Tudo muda. Eu não sei qual é o nome desse tecido hoje em dia, no meu tempo se chamava tule ou gaze, não sei se ainda chama isso. Mas eu toda a vida gostei enormemente disso, porque rodeia a coisa de uma atmosfera de irreal, super-real. Quer dizer, a Imagenzinha vista através desse gaze violeta, e violeta por causa da paixão que nós estamos entrando, na semana da Paixão; essa imagenzinha fica… ela se move, ela existe numa atmosfera diferente da nossa, a gente tem impressão que é um outro mundo dentro do qual ela está. Que é o mundo violeta, que é próprio a ela. E que a tristeza da Paixão não quebra nela o radioso do triunfo da rainha vencedora. E que as duas impressões se somam, do triunfo da rainha vencedora e da tristeza da Paixão. E que fica muito agradável de olhar.
Já ontem no altar lá no Auditório São Miguel estava essa imagenzinha em cima e muito, muito bem. Talvez pudesse ser um pouco mais iluminada, porque de longe ─ ao menos para minha vista ─ ficava um pouco difícil de ver, talvez fosse só para minha vista. Mas, de si, para vê-la como ela está aqui, está um verdadeiro encanto.
E exprime um pouquinho o que eu tenho dito da pessoa viver dentro de uma cor, o que é que é isso. Ela está ali dentro de uma cor, dentro de uma atmosfera.
Mas depois também esse gaze muito transparente, muito delicado, assim, dá impressão que é algo que a circunda e que a trata com os mil respeitos, delicadíssimos e filialíssimos que ainda são muito poucos em relação ao que ela é.
* O Senhor Doutor Plinio comenta os cavaleiros em miniaturas que ele tem no São Bento
Agora, com os cavaleiros aqui eu faço uma confidência só para o senhor ouvir, e depois eu digo a parte pública. A confidência só para o senhor ouvir e que me confidenciou o Sr. João Clá… É que esses cavaleiros são muito bonitinhos, mas estão perdendo espadas e perderam a bandeira também, porque tem dedos que vão contemplar a coisa…
Mas nem tudo vale a pena a gente contemplar com os dedos, os olhos são muito menos demolidores do que as mãos. Mas, parece que…
Então um bom número de espadinhas caíram e para remediar… a bandeira, deve ter sido o setor artístico daqui que fez essa bandeira, mas fez para eu ver e me pergunta o que é que eu acho.
A idéia da bandeira com o Sagrado Coração de Jesus não podia ser melhor. Já os chouans lutaram com a bandeira. Agora, me parece que o fuste é um pouco alto demais para o tamanho dos cavaleiros e que, em conseqüência, também esse pano branco fica um “panão” um pouco grande demais; dá quase uma impressão de um lençol que foi amarrado numa bandeira. A bandeira não é propriamente isto, deveria ser um tanto menos. Para analisar implacavelmente.
E eu sou da opinião de que analisar implacavelmente é uma expressão que não se deveria usar porque é redundante. Uma análise ou é implacável ou não é análise.
Então, para fazer a análise implacável, a idéia é muito boa, mas a bandeira precisava um reajuste. Eu não sei se o nosso setor artístico fará as espadinhas, se fizer eu já recomendei ao João Clá ─ mas vi que ele não gostou muito ─ de pôr uma redoma de vidro em cima disso. Não sei se se encontrará uma redoma com essa forma. Mas é muito bom.
Aliás, eu não sei se os senhores já viram, porque não se usa mais hoje, redoma de vidro em cima das coisas. É um encanto. É como uma caixa transparente de vidro de todos os lados. Mas não é caixa, é meio arredondado. E dentro se forma uma coloração também especial pela redoma. No Brasil não, mas em certas regiões da Europa usavam cores de redoma encantadoras, para colocar em cima da lareira.
Por exemplo, em certos casais ─ mais camponeses ─ colocar na sala de estar da família, na lareira, debaixo da redoma, o véu de noiva da dona de casa. A idéia é um pouco “biriquina”, mas é encantadora: a família inteira ser educada junto ao véu de noiva da mãe de família, é uma idéia encantadora. Em outros já vi redomas assim funcionando relógios preciosos, dentro.
Podia-se pôr uma redoma em torno desses cavalinhos, ficaria muito bem e os dedos podiam bater na redoma sem inconvenientes, não iriam mais longe do que isso. Essa seria minha reflexão.
Bem meus caros, o tempo vai andando, vai andando, às duas horas e vinte cinco eu preciso me retirar, são duas e quinze. Mais alguém tem alguma coisa a dizer? Eu estou à disposição.
(Paulo Henrique: Essa idéia de “voile” na imagenzinha, é uma idéia nova, nasce do profetismo, como nasce isso no senhor?)
* O “voile” na imagem, uma idéia do Senhor Doutor Plinio
Aqui se aplica um pouco o Joseph de MaÔstre. É muito bem a gente fazer uma coisa boa, coisa melhor ainda é a gente ter filhos que façam coisas boas. Há nisso uma certa paternidade espiritual.
Eu não sei quem teve essa idéia, porque não foi minha, mas eu endosso como inteiramente consonante com meu modo de ser e de ver as coisas. Com uma restrição que eu devo enunciar, depois eu avanço a dificuldade, eu mostro como se resolve a dificuldade.
Eu não acho que na Semana Santa bastasse pôr esse véu em todas as imagens, porque aquela capa posta nas imagens exprime uma espécie de horror do santo que está ali contra o crime que vai se praticar, ele se retira da Terra. E fazer transparente aquele pano indica um horror relativista.
Agora, com esta imagem, por ser cópia insigne de uma imagem insigne, que nos está visitando e que amanhã pode não estar conosco, e porque o bem que ela faz é todo visual, ela faz um bem enorme mas todo visual, compreende-se uma exceção. E a exceção não me poderia parecer mais bem expressa do que essa, porque tem toda graça, toda leveza possível.
Agora, quem pensou nisso? Não fui eu.
(Sr. Paulo Campos: Na época da SI, ela aqui na Semana Santa, o senhor disse que a face dela era tão sagrada que não poderia cobrir inteiramente, precisaria pensar em algo que deixasse transparecer a fisionomia dela. Aí foi colocado o tule e o senhor disse: esse é o ponto.)
Não sabia. Me tinha escapado da memória, completamente.
Ah, então fui eu! [Risos]
Meus caros, eu vou lhes propor uma coisa. Nós encerramos agora, mas eu terei o gosto de cumprimentá-los.
O que é que nós costumamos rezar, três Ave Marias, não é?
(Sr. –: Oração da Restauração.)
Ah!
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