Conversa
da Noite - 18/12/82 ─ sábado .
Conversa da Noite - 18/12/82 ─ sábado
Em uma cerimônia, os que dela participam tomam a Deus por testemunha de seus propósitos de realizarem inteiramente o papel que naquele momento representam * Há um “quê” no espírito do Senhor Doutor Plinio com o qual o homem contemporâneo implica profundamente * Até mesmo dos Apóstolos em relação a Nossa Senhora havia uma frieza que só se dissipou com Pentecostes * Quando a implicância é vencida, é naquele ponto que irá o melhor da admiração * A implicância que o homem contemporâneo tem com o Sr. Dr. Plinio está em que tudo quanto ele faz é monumental. No fundo, é o ódio ao maravilhoso * O amor ao maravilhoso e à grandeza será o ponto sensível do Reino de Maria. As cerimônias realizam um primeiro passo nesse sentido * Os obstáculos para a aceitação do Senhor Doutor Plinio são de tal natureza que somente as convulsões da “Bagarre” poderão quebrar * Destruir os efeitos do “pecado imenso” é uma obra de misericórdia maior do que restituir a vista a um cego * Para que as pessoas se abram à “monumentalidade” é necessária uma graça como a de Pentecostes
…é melhor fazer o pergunteiro de hoje D. Bertrand, ah? Quer fazer alguma pergunta meu D. Bertrand?
(D. Bertrand: O simbolismo da cerimônia, e a interrupção entre o Céu e o senhor.)
Como eu não pensei nisso é só D. Bertrand falando.
(D. Bertrand: As palavras do senhor, de que o senhor chamou o Céu em testemunho da autenticidade da obra que o senhor fez. A resposta do Céu em duas ocasiões: primeiro com o incenso cuja nuvem envolvia a imagem de Nossa Senhora e depois numa movimentação muito elegante foi até onde o senhor estava.)
Eu não notei.
(D. Bertrand: O movimento do incenso foi muito bonito, parecia que os Anjos levavam até onde o senhor estava.)
(Sr. J. Clá: Estava inimaginável, o vento numa direção, de repente o incenso se juntou e foi ao senhor.)
Isso eu não percebi.
(D. Bertrand: Depois o tempo, já durante as palavras de encerramento, a trovoada começou, depois chuva.)
Eu não ouço bem, mas a primeira trovoada que ouvi foi aquela, não sei se houve outra.
(Sr. –: Não, foi aquela.)
(D. Bertrand: Pergunto se isso não inaugura um novo relacionamento de Nossa Senhora com o senhor, etc.)
* Em uma cerimônia, os que dela participam tomam a Deus por testemunha de seus propósitos de realizarem inteiramente o papel que naquele momento representam
Eu poderia dizer alguma coisa sobre o relacionamento.
A coisa é a seguinte, eu estava vendo aquela cerimônia, estava magnífica, gostei enormemente, já disse aos senhores; com o João Clá eu comentei várias partes da cerimônia.
Gostei muito das proclamações, gostei do texto das proclamações, depois gostei da cerimônia enquanto cerimônia. Não só muito bem executada, indiscutivelmente muitíssimo bem executada, mas a cerimônia em si muito bem pensada e muito bonita em todos os lados, os últimos pormenores, mas os últimos pormenores eram magníficos.
De maneira que se nós considerássemos esses pormenores ─ o pormenor quando é bem pequeno, bem miúdo, é em comparação à coisa como o pó de uma pedra é para a pedra, a pedra pode destacar um pouquinho de pó de si mesma. Assim é o pormenor. O pormenor dessa aí seria pó de joalheiro, pó de pedra preciosa, qualquer coisa que se se pegasse, assestasse a lupa para analisar bem, era uma pedra preciosa em miniatura. Não havia o que não fosse muito bonito. Para dizer uma coisa, por exemplo, aqueles meninos vestidos de Robin Hood, os da Saúde… [Risos]
Depois, era muito bonito o lado psicológico ─ Para eu poder elogiar alguma coisa, não quero elogiar diretamente os presentes, então tenho que tomar o pormenor e partir para elogio dos ausentes. O que é que posso fazer? ─ era o pormenor muito interessante de eles dando os passos naquela cerimônia; a gente percebia as almas deles que deambulavam inicialmente pela vocação e que eles penetravam nos papéis que eles têm que representar e eram assim, antecipadamente hoje, os homens que são chamados a serem amanhã.
De maneira que a gente via que eles assumiam um papel e realizavam o papel. E no assumir, eles iam se preparando para o papel. Era muito bonito isso.
E quando eu falei da sinceridade, da autenticidade da obra que nós tínhamos feito, etc., etc., etc., eu não desenvolvi tudo porque me pareceu que não era o caso de dar largas à atenção e à análise ali; mas a idéia no fundo é a seguinte: é que o homem diz a Deus uma porção de coisas que não são pela palavra. O famoso caso de Davi que dançou diante da arca. Ele dançou para rezar e ele rezou dançando. Mas não é que ele rezou enquanto dançava, não; ele rezou pelo fato de estar dançando, o ato de dansar era uma oração.
Como é que o ato de dançar pode ser uma oração? É que o indivíduo diz pelos gestos, diz pelas expressões do rosto a Deus determinadas coisas que a boca não diz tão bem. Esse é o fundo da coisa.
Assim também, desfilando assim o que é que os senhores fazem? Os senhores dizem a Deus e tomam o Céu como testemunha quando fazem isso a Céu descoberto, na grandeza da natureza; os senhores dizem a Deus que os senhores entendem o que Ele quer dos senhores e que os senhores de fato vão cumprir aquilo que Ele lhes pede. Essa é a coisa.
E os senhores vivem já lá o papel não de quem está no proêmio, como o novinhos da Saúde, mas de quem já está dando passos largos na autenticidade da vocação, e que tomam a Deus como testemunha de seus propósitos e do que os senhores entendem opor aquilo que os senhores fazem na presença d’Ele, que é uma coisa muito bonita.
* Há um “quê” no espírito do Senhor Doutor Plinio com o qual o homem contemporâneo implica profundamente
Essa cerimônia tem uma coisa que me agrada especialmente. Essas cerimônias em geral, e como essa foi uma cerimônia muito bonita, muito bem executada, naturalmente essa em grau mais alto que as outras. E eu vou tentar exprimir isso da seguinte maneira:
Se a gente procurasse exprimir o estado de espírito que aquela cerimônia desperta ─ todo estado de espírito pode ser objeto de uma descrição psicológica ou pode ser objeto de um julgamento moral; pode ser até objeto de uma coisa e outra. A gente descreve um estado de espírito e depois julga moralmente esse estado de espírito.
Para descrever o estado de espírito daquela cerimônia seria preciso uma longa, longa, longa descrição. Para quem não tivesse visto a cerimônia, ainda que fosse capaz de acompanhar a descrição, e sobretudo quando fosse capaz de acompanhar a descrição, mesmo não sendo membro do Grupo, ficaria implicadíssimo. E mesmo sendo membro do Grupo a descrição provocaria implicância.
Quer dizer, há um “quê” do espírito católico, da doutrina católica, do espírito da Contra-Revolução portanto, e nesse sentido, do meu espírito, uma vez que eu procuro ser filho fiel da Igreja e ter o espírito d’Ela inteiramente, há alguma coisa com a qual o homem contemporâneo implica tão profundamente que são poucos dentre os melhores que em contato com esse aspecto do meu espírito não implicam.
E isso tem seus sintomas: a facilidade de formar nó, a conveniência de tomar um extremo cuidado no modo de tratar para combater essa facilidade de formar nó, tudo isso provém de um fundo de implicância que o homem contemporâneo tem com essa mentalidade.
* Até mesmo dos Apóstolos em relação a Nossa Senhora havia uma frieza que só se dissipou com Pentecostes
Esse fundo de implicância, entretanto, nós notamos alguma coisa assim nos mais excelsos exemplos de que nós podemos encontrar menção na Religião Católica: em Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora.
Eles eram quem eram, mas é uma coisa manifesta que Eles despertavam muito freqüentemente um fundo de implicância, se não era um fundo, era muito mais do que um fundo, porque um fundo era sempre. Não se pode dizer que fosse por defeitos. No meu caso, no caso de algum outro poderia ser defeito; não se pode dizer que fosse por defeitos porque nEles não havia defeitos, só havia, nos graus respectivamente os mais altos que historicamente houve na natureza humana, havia apenas ali virtudes excelsíssimas. Porque o defeito estava em quem tinha a implicância.
Mas os senhores vêm em tudo, tudo, tudo. Ao longo da vida d’Ele, por exemplo, Ele deveria ter despertado uma admiração muito maior. Tanto é que quando Ele morreu e começou depois a expansão da Religião Católica, Ele em outros povos começou a despertar uma admiração que naqueles povos Ele não despertava. É uma coisa patente.
Em Nossa Senhora a gente vê isso de outro lado, é que a gente tem impressão que os discípulos não tinham os olhos abertos para Ela durante toda a vida d’Ele. E não só por um certo desígnio que Ela era tão esplendorosa que eles poderiam ter a propensão a adorá-La se a conhecessem, não só por causa disso, mas é porque havia um frio com Ela. Nós não vemos manifestação de um agrado especial, de uma atenção especial, nem nada em relação a Ela enquanto Ele esteve vivo. E mesmo depois d’Ele morto, até o momento d’Ele ser enterrado, nada!
Concebe-se que os discípulos tenham ido se refugiar junto a Ela, é certo que São João Evangelista, nessa ocasião, já estava inteiramente bem com Ela. Mas a impressão que eu tenho é que esse fundo de implicância só se dissipou com Pentecostes, aí foi que os olhos dos Apóstolos se abriram então para Ela também. É a impressão que eu tenho, eu não posso garantir que tenha sido assim. Mas eu tenho a impressão que se abriram para Ela inteiramente nessa ocasião.
E que aquela chama de fogo do Espírito Santo que baixou nEla para depois baixar para os Apóstolos, aquilo quis dizer em última análise que é na compreensão d’Ela que compreenderiam inteiramente a Ele. Aquilo tem todo o sentido da mediação, Ela é medianeira. Evidentemente. Mas por cima desse sentido eu sou propenso a imaginar ─ a imaginar ─ que o sentido seja esse: que eles receberam nessa ocasião a compreensão d’Ela. Tinha melhorado depois da morte d’Ele e com a Ascensão, etc., etc. Mas não tinha chegado ao auge que chegou com Pentecostes.
E que eles, portanto, em Pentecostes receberam residualmente ─ pelo menos residualmente, pelos menos, pelo menos, se já não em toda a sua plenitude ─ o espírito do Reino de Maria. E o espírito dos “apóstolos dos últimos tempos”.
Vamos dizer, a palavra residualmente não é tão boa quanto a palavra germinativamente, uma coisa que germinaria para dar no resto.
E que aí essa implicância se dissolveu e não só se dissolveu mas foi o ponto da admiração.
Então notem bem: é um véu sistemático e este véu se dissolve e se transforma em ponto de admiração. É o buraco da fechadura tampado que se afasta aquela lingüeta e a pessoa aí, através daquele buraco, percebe a sala inteira, digamos.
* Quando a implicância é vencida, é naquele ponto que irá o melhor da admiração
Agora, eu tenho a impressão, também, de que quando vier a Bagarre, o Grand-Retour e o Reino de Maria ─ o Grand-Retour vai ser a plena aceitação por nós daquilo que nós, de algum modo, já aceitamos e que é esse ponto moral que nós não temos vontade de aceitar. Isso aí, precisamente, nessa ocasião a gente aceitará.
E tenho a impressão que, nesse sentido, nossos hábitos, o ambiente dos nossos dois êremos, sobretudo ─ mas muito mais ─ o desse prédio que tem qualquer coisa da tradição beneditina elevada a um auge extraordinário. Então, deste prédio e as cerimônias, tornam esse ponto de implicância mais diáfano e as pessoas através disso começam a amar aquilo com que implicam.
Ai meu João, você está exausto, hein?
(Sr. J. Clá: Não, estou dizendo que é bárbaro ter implicância com um ponto tão facilmente admissível.)
Mas eu acho que é propriamente isso.
E eu acho que as duas nações com que temos tratado com que esse ponto de implicância está mais áspero, infelizmente são: a França e o Brasil. São os fatos, não adianta vir com conversa, são os fatos.
Vamos dizer, na Mensagem. É uma coisa fora de dúvida de que na Mensagem há um ponto que implica. Não sei se os senhores perceberam isso, mas na Mensagem há um ponto que implica. Muito mais ainda na RCR há um ponto que implica. Como também ─ recorrendo a exemplos excelsos ─ no Tratado da Vverdadeira Devoção de São Luís Grignon, há uma coisa que implica. A prova disso é o tempo inteiro que o Tratado ficou fechado, a implicância de que São Luís Grignon foi cercado a vida inteira. É um ponto que o mal espírito cria especial relutância em ver.
E quando a pessoa se converte é na visão daquilo que a pessoa vê o melhor.
Então, é uma coisa incrível mas é assim, essa relutância traz consigo uma espécie de promessa: se aceitar eu te convidarei.
Mas traz também consigo uma coisa curiosa. Eu não tenho observação de muitos casos de conversão assim, eu tenho impressão que com São Paulo foi isso. A tal história dele de [regimbar??] contra o aguilhão, etc. O [regimbar?] contra o aguilhão era o ponto que ele não queria ver. Bom, caiu do cavalo, etc., etc.
Mas, as vezes que eu tenho visto isso agir é um modo muito curioso: quando Nossa Senhora resolve dissipar esse ponto, Ela entra com uma espécie de realeza em que Ela como que não permite não ver. Essa realeza consiste no quê? Consiste em que a pessoa vê com uma clareza muito grande, sente o poder daquilo que está vendo e não tem vontade de resistir, mas, de outro lado também, é tão atraente que desarma.
Ora, numa cerimônia como a de hoje, no ponto em que essa cerimônia faz este bem ela age assim. Não é possível ver essa cerimônia sem, ou resistir monumentalmente à graça ou compreender que está ali uma coisa que não se ousava ver. E a cerimônia torna isso tão sensível no ponto de vista da Contra-Revolução tendencial, e ao mesmo tempo tão atraente, que a pessoa que ficaria implicada, nesse ponto a sua implicância se transforma em atração, em benevolência, a pessoa concorda contente. Concorda arrastada e concorda contente. E com isso que eu tenho visto as barreiras contra a cerimônia, as mais empedernidas, caírem.
Por exemplo, das primeiras cerimônias do Êremo do Amparo de Nossa Senhora, muita gente foi que não tinha visto ainda a cerimônia, e foi com preconceito. Eu tenho certeza que além de preconceitos, de baixa de nível, havia um fundo de implicância, de não ter vontade de ver isto da TFP que a pessoa não queria ver, sentia que estava mas não queria ver. Mas chegando lá… via e ficava conquistado pela cerimônia.
Então eu conjecturo que é uma ação deste gênero que reluzirá em determinado momento e que levará as pessoas. E a si, coisas como a RCR ou então a Mensagem, que produzem implicância, e é uma implicância do mesmo gênero, a RCR e a Mensagem, sob ação dessa graça, serão lidos sofregamente, aceitos, estudados, e aprofundados, e analisados, e comentados sofregamente.
* A implicância que o homem contemporâneo tem com o Sr. Dr. Plinio está em que tudo quanto ele faz é monumental. No fundo, é o ódio ao maravilhoso
O que é que é esse ponto de implicância?
Eu várias vezes ─ essa foi uma das reflexões que eu tive constantemente durante a cerimônia e é razoável que eu a comunique aqui, estamos comentando a cerimônia.
Meu João Clá está fazendo certo muxoxo, mas é razoável que eu desdobre o comentário.
Qual é o ponto?
A coisa corre por aí: a cerimônia indica um ponto muito alto e desdobra com uma lógica e uma harmonia impecáveis, até os últimos pormenores, aquilo que no ponto mais alto está contido. De maneira que a cerimônia tem não só perfeição, porque com isso assim, simplesmente, as pessoas não implicam, mas tem uma espécie de monumentalidade ─ a cerimônia tem uma espécie de monumentalidade de perfeição por onde se olha, vê, tudo é grande, tudo é admirável, tudo é irrepreensível, tudo se desenvolve incessantemente sem o menor atrito, sem o menor lapso, sem a menor incongruência até os últimos pontos, realizando um pensamento central que a cerimônia quis desenvolver.
E isto, mas então precisamente isto. Isto é o que o espírito moderno odeia quando é apresentado em móvel de monumentalidade.
Eu me dou conta, embora seja o autor dos dois documentos, que os dois documentos: a RCR e a Mensagem, cada qual a seu modo, tem essa monumentalidade.
(Sr. J. Clá: O senhor é autor também da cerimônia.)
Para falar da Mensagem, por exemplo, o tamanho dela, o número de temas abordados dentro dela, o número de aspectos com que cada tema é abordado, a coerência de todos esses aspectos. Depois o desdobramento interno de todas as partes, cada parte repete em si mesma a perfeição da linha geral. E o leitor nota a reversibilidade disso em torno de um unun possante, que diz o que diz.
Aqui, falando entre filhos, eu posso dizer a impressão que me dá a minha própria obra. Ora, isto ninguém elogia, mas eu percebo que produz uma fricção que é o contrário do jornalismo moderno.
Os senhores querem ver a fricção que uma coisa dessas produz. Os senhores imaginem um jornal que em vez de dar a impressão de notícias esparsas, diversas, que não têm nada uma com a outra, e abordadas em estilos literários distintos, por autores inteiramente distintos; fosse um jornal que apresentasse as notícias de cada dia num comentário monumental. Esse seria o jornal perfeito. Esse jornal, eu não sei se numa cidade como São Paulo, chegaria a tirar mil exemplares. Eu ponho as minhas dúvidas.
Por quê? Porque a própria excelência dele, a própria monumentalidade dele, a seriedade, causava arrepio. Arrepio de dois graus: primeiro grau, muita gente não quereria, porque não gosta de ver a vida assim, se lhe apresentarem o dia assim a pessoa fica implicada porque não gosta de ter essa lógica. Isso é um ponto.
Segundo ponto: a pessoa pensa: “Se eu ficar assim eu sei que eu sou expulso do contexto, que eu caio no olvido, porque uma pessoa assim não tem interlocução com ninguém, e eu não quero ser expulso do contexto, então eu não quero ser assim, não tenho coragem de ser assim.”
Um jornal assim eu creio que não tiraria, em São Paulo, a 4ª cidade do mundo como população, em São Paulo eu creio que não tiraria 500 exemplares. E dos 500 que comprassem, uns 300 compravam por equívoco. Mais ainda, eu creio que era duro os da TFP se desabituarem de um jornalismo solto tipo “Folha” e cair no jornalismo monumental. Era duro. De tal maneira o monumental perfeito é o contrário daquilo para o que a Revolução nos faz tender.
Eu estou claro?
(Sim.)
Isto que eu explicito assim aqui, isso eu creio que represente o ponto delicado do homem contemporâneo, daqueles que se pretendem não revolucionários, se pretendem até contra- revolucionários, o ponto delicado deles é este.
Quando eles pegam algo, que eles percebem mais ou menos como é, de um monumento, mas de repente fixam a atenção e percebem que o monumento é tão alto que para além das nuvens emerge uma torre do monumento e que eles não têm vista suficiente para acompanhar a ligação da ponta da torre com o monumento. Uma coisa assim o homem contemporâneo fica implicadíssimo, ele detesta. E é, no fundo, o ódio ao maravilhoso, ao sublime, à grandeza, que por aí se exprime.
* O amor ao maravilhoso e à grandeza será o ponto sensível do Reino de Maria. As cerimônias realizam um primeiro passo nesse sentido
Eu creio também que, entretanto, no Reino de Maria é o que as pessoas vão amar. E elas todas vão tender para isso. E quando elas não amarem isso é porque o Reino de Maria há muito tempo acabou. Quer dizer, eu tenho impressão que vai ser o ponto sensível do Reino de Maria.
E que, provavelmente, o Grand-Retour vai ser a formação íntegra em nossa alma daquilo que nós temos em estado germinativo. E, infelizmente não é só isso, com quantos resíduos de Revolução!
E creio que cerimônias como essa produzem um primeiro passo nesse sentido.
* A indiferença com que a capa e, mais tarde, o hábito foram recebidos pelos membros do Grupo
Daí também a minha curiosidade enorme em saber como é que os nossos símbolos seriam recebidos no público quando nós não tínhamos símbolos ainda claramente aceitos pelo público. Por exemplo, a batalha ─ de que vários aqui se lembram ─ de fazer aceitar a capa pelo Grupo. Os senhores conhecem o fato. A gente pode dizer que a TFP não seria a terça parte do que é, se ela não tivesse a capa para a campanha. O que é que seriam as nossas campanhas sem a capa? Não existiria a saga, o mito da TFP foi criado pela capa.
Mas também é verdade que os ódios que os senhores despertam na rua se dirige na aparência contra o que está escrito, no que os senhores difundem. Mas na realidade se dirige mais contra a capa que os senhores levam. Capa e Estandarte, mais do que todo o resto.
Os senhores sabem como foi lançado pela primeira vez um hábito na rua? Eu tive verdadeira aflição, ou ao menos palpitação na alma, quando nosso hábito ficou pronto para ver como é que repercutia no Grupo. E vi que aqueles que começaram a usar o hábito como que não olhavam para a grandeza do hábito inteiramente: “Muito bonito, tatatá…” acabavam usando o hábito um pouco como se usa a roupa de todos os dias, um pouco como se põe uma robe de chambre. Por falta de coragem de ver o hábito de frente.
Mas eu, quando mandei o primeiro sair na rua de hábito, e que olhei com aquela curiosidade pela janela da Rua Alagoas etc., é que eu tinha receio que provocasse reações extremas, uma ou outra rara reação de entusiasmo: “Quem é você rapaz? Me diga? etc., etc” ou agressão.
Não provocou nem uma coisa, nem outra. Por que eu vi que a atonia tinha chegado a esse ponto, eu comecei a dar os outros passos para lançar o hábito. Mas eu me pergunto como seria o efeito se os senhores saíssem pela Av. Paulista, pela Rua Augusta, ou pela Barão de Itapetininga, ou pelo Viaduto do Chá, nesta formação, em farpa, cantando.
Mas o que é que seria? Seria a contusão deles nesse ponto de implicância. E por aí os senhores podem ver experimentalmente como é que esse ponto de implicância atingiria.
Se esse desfile fosse feito no Viaduto do Chá, vamos dizer, entrando pela Rua Direita e descendo pela Rua Quinze a “nhonhozeira” da Paulista e a da Rua Augusta e Faria Lima fingiria que não soube. Mas teria alguma notícia disso e conjuraria a extinção da TFP de modo furibundo. Se fosse diretamente lá eu estou certo de que sairia agressão. Eu estou certo de que sairia agressão.
E acho que a TFP, nas atuais condições, não é que não resistisse à agressão, nós poderíamos com nossa tática conhecida bradando: “Agressor! Agressor!” etc. Nós poderíamos resistir e ter uma vitória, mas não resistiria o episódio. Quer dizer, era tal o clamor público que qualquer governo, por cima da lei, da Constituição, se sentiria no direito de dissolver a TFP.
Agora o problema: haveria uma zona de indiferentes, que fizéssemos esse desfile e não produzisse esse efeito?
A pergunta aqui se desdobra. Cada um se transponha em espírito para sua própria cidade natal, num giro que vai muito exatamente desde o Ceará, passando por Paris, até o Rio de Janeiro. Bem exatamente isso. Japão, China, Áustria, Lisboa bem entendido, é claro, Madrid, Buenos Aires, África do Sul, Rio de Janeiro. Cada um imagine na própria cidade qual seria o efeito disso.
Eu tenho impressão de que, ao imaginar isso, os senhores ficam muito indecisos. Eu acho que em São Paulo seria essa reação que eu descrevo. Qual seria a reação, por exemplo, em Paris? Haveria indiferença ou haveria uma cólera furibunda?
Meus dois parisienses?
E depois extinção da TFP. Não sei se vocês têm uma idéia ou não têm, Antoine?
(…)
Bem, assim, Madrid, Viena, Lisboa. E meus lisboetas, os há aqui, têm alguma idéia de como seria a reação? Se aparecesse uma manhã a torre de Belém ─ que aliás fica num bairro que acho que hoje não é mais importante em Lisboa ─ mas a torre de Belém lindamente ocupada pelos senhores e saíssem de lá cantando e iniciassem uma caminhada, com uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, outra do Bem aventurado Nun’Álvares, etc. Qual seria a reação? É muito duvidoso, tem qualquer coisa de imprevisto.
* Os obstáculos para a aceitação do Senhor Doutor Plinio são de tal natureza que somente as convulsões da “Bagarre” poderão quebrar
A Bagarre não será uma magnífica revelação disso? Quer dizer, o “ET” não será uma medonha manifestação do anti-isso? Ou não iniciará uma medonha manifestação do anti-isto? E a Bagarre não será então uma espécie de repulsa, de cólera, onde pela cólera se verá como é aquilo que foi ofendido? Vem a… [Exclamações] Ut vincas cum judicaris: “quando tu julgares vencerás”. Pode-se imaginar isso.
Imaginando-se isso, pode-se ter uma idéia muito boa do que será então o esplendoroso depois da Bagarre, quando, à maneira de Fátima, se os Céus se manifestarem à maneira das manifestações do caráter meteorológico que nós vimos numa ocasião no Céu de São Paulo, que seriam um tênue prenúncio de qualquer coisa de inenarravelmente grandioso nesse sentido. E que mudasse as mentalidades e fizesse vencer o estado de espírito oposto.
Quer dizer, no meio das destruições, das convulsões, dos desastres, etc., em certo momento começasse a brilhar, belo, grandioso, fenomenal, e uma coisa diferente começasse a nascer. E aí os espíritos ficassem… Não seria exagerado imaginar que a própria Nossa Senhora aparecesse, aí como o ponto! E que comunicando à TFP a plenitude desse espírito, a TFP pudesse desfilar no meio do mundo em reconstrução incitando para a era nova.
Está aí a reflexão, um pouco longa, e foi o pensamento prínceps que eu tive durante a cerimônia. O tempo inteiro a cerimônia foi alinhando impressões no meu espírito que conduziam para este problema que há muito tempo venho…[me perguntando] qual é esse ponto de implicância.
O senhores querem ver? Imaginem uma cena mais empolgante: uma procissão assim vai atravessando “n” cidades, qualquer cidade, e enquanto ela atravessa e no ponto onde ela está produzindo mais implicância ou mais entusiasmo, a cerimônia pára e produz um milagre.
Por exemplo, um cego desses que não têm olhos. De repente a gente diz: “Aproxima-te dessa imagem, oscula e tu a verás.” Ele oscula, vê e se percebe que ele tem olhos. “Não! São olhos de vidro!” Ele começa: “Ah, você é fulano, sicrano, não sabia como era…” tatatá. Uma porção de coisas. É inegável, inegável, inegável.
A gente diria: “Agora sobe num palanque sobre os ombros de quatro eremitas e proclama a tua cura.”
Se ele tivesse um pouco de dificuldade em subir até o palanque, quando ele estivesse em cima não tinha mais ninguém. O pessoal tinha dispersado.
Mais adiante encontraríamos um carro da polícia: “Ouvimos dizer, por moradores do bairro, que os senhores estão fazendo chantagem. Estão apresentando um sósia do cego como sendo o cego. Então viemos prendê-lo.”
A gente diria ao delegado: “Mas olha, o cego é seu irmão, você não pode ter dúvida nenhuma. Ou é seu primo, foi educado com você, aqui está ele.” E o ex-cego diria: “Eu vou contar uma coisa que você fez e que só eu conheço. Você quer que eu conte aqui? Se você acredita que eu sou mero sósia você não tem medo.” “Cala-te! Cadeia já!”
Quer dizer, é um obstáculo de uma tal natureza que só vence quebrando. Só se vence espatifando, não há outro meio. E, aqui, a Bagarre como castigo fica inteiramente estendida. [Vira a fita]
…do obstáculo psicológico.
Mas com o espatifamento do obstáculo, e castigo portanto, é um triunfo! E é uma misericórdia.
Então, isto que jaz no olvido, nas memórias de alguns e quase de mais ninguém, porque outros nem têm isso em olvido; isto triunfa. Tem misericórdia. Faz-se ver e pune! Com isso triunfa. E é uma misericórdia.
É o que a trilogia: Nossa Senhora do Olvido, do Triunfo e da Misericórdia, me faz entrever.
O que eu teria que dizer, para atender uma pergunta do meu D. Bertrand
Meu Guerreiro, vamos lá, uma pergunta breve. Digo mal, uma pergunta que suponha resposta breve.
(Sr. Guerreiro Dantas: Ainda estou na consideração da cerimônia, do que o senhor acaba de dizer…)
(Sr. J. Clá: O que é misericórdia maior: espatifar isto ou curar a vista de um cego?)
* Destruir os efeitos do “pecado imenso” é uma obra de misericórdia maior do que restituir a vista a um cego
Muito maior, porque cura a vista da alma. Há nesse ponto uma cegueira, uma dureza, uma maldade, que é a maldade da Revolução e que a meu ver é herança do “pecado imenso”, essa implicância é herança do “pecado imenso”.
E se o senhor for examinar, toda a marcha da Idade Média para cá, é uma marcha que exclui a monumentalidade. Mesmo quando não parece excluir.
Mas o senhor toma por exemplo alguma das catedrais góticas ou a Abbaye de Saint Michel e o senhor compara com a igreja de São Pedro em Roma. No sentido minor da palavra, a igreja de São Pedro é mais monumental, mas a Abbaye Saint Michel, por exemplo, para falar dela, tem outra monumentalidade. Outra monumentalidade. As grandes catedrais têm outra monumentalidade.
Basta dizer que a igreja de São Pedro tem uma seriedade…
(…)
…o senhor não pode imaginar na Catedral de São Pedro representando um demônio olhando para fora, nada disso, porque aquela coisa grega, ou clássica, romana…
No medieval, o medieval é tão monumental que o universo inteiro cabe ali.
É claro que, por exemplo, La Galarie des Glaces tem sua monumentalidade. Mas qualquer série de grandes vitrais é muito mais monumental do que aquilo.
O que é monumental?
O monumental verdadeiro é o que abarca e ao mesmo tempo remete para o ponto supremo. Portanto, o que abarca a totalidade e remete para o ponto verdadeiramente supremo, esse atingiu o monumental. Isso os estilos posteriores ao “pecado imenso” não têm.
Então, o “pecado imenso” ─ nós já falamos várias vezes dele ─ é exatamente um fugir da monumentalidade. E, pelo contrário, a punição é arrebentar esta vedação a pauladas. E depois levar…
São Paulo. Em São Paulo a gente vê que naquela cena do cavalo, etc., há um castigo. Mas depois uma misericórdia do outro mundo.
Então aí está a coisa. Não sei meus caros… Daqui há dez minutos eu tenho que me retirar. Não sei [se] há uma pergunta a fazer. Meu Guerreiro, ou um dos outros. Meu Fiúza, meu Fernado, meu João, meu Eduardo, Coronel?
Olá coronel!
(Sr. J. Clá: O Sr. Guerreiro está tímido hoje.)
(Sr. Guerreiro Dantas: O senhor comentou que é necessário…)
Me convide a uma resposta curta…
(D. Bertrand: Há dois anos atrás o senhor usou a expressão “campânula maldita” que cobre as pessoas, pela qual elas se fecham à monumentalidade.)
E uma campânula maldita, eu não me lembrava mais da metáfora, mas é inteiramente adequada.
(Sr. Guerreiro Dantas: A monumentalidade da Causa não atrairia certo filão no mundo… a [sofoclização??] do MNF, foi a cerimônia, isso não quebraria a implicância?)
Eu julgo entender a sua pergunta assim, pergunto se é: se essa ação de Deus impondo o monumental, se esta ação monumental de Deus, impondo o monumental, se esta ação é precedida de uma ação precursora preparando um filão de gente para que esse filão de gente prepare de algum modo o público que deve ser monumentalizado ─ para usar uma expressão inadequada. É essa sua pergunta?
(Sr. Guerreiro Dantas: Sim.)
Então haveria uma ação de graças que suscitaria um filão, este filão suscitaria um primeiro movimento, para que houvesse almas próprias a verem isto e amar, para que então isto venha e a humanidade possa ser salvar. É essa sua pergunta?
(Sr. Guerreiro Dantas: Sim, mas se no primeiro movimento já não deixaria exangue a Revolução, Deus viria depois para a liquidação final.)
* Para que as pessoas se abram à “monumentalidade” é necessária uma graça como a de Pentecostes
Eu tenho impressão seguinte: a monumentalidade é tal que a ação comum da graça não logra vencer a infidelidade do pecado de Revolução. Que a monumentalidade abre uma senda para si na floresta medonha da Revolução, quando muito, dentro da ação aparentemente comum da graça. Porque acho que já entra uma graça extraordinária nisso. E que é preciso para quebrar, destruir a floresta, ou a campânula maldita.
É preciso para isso uma ação extraordinaríssima da graça. Que a ação relevante anterior, a senda anterior prepara, segundo os desígnios de Deus. Mas que é preciso, para que haja aquilo depois, uma ação extraordinária um pouco parecida com a relação da vida terrena de Nosso Senhor Jesus Cristo e Pentecostes.
Nosso Senhor Jesus Cristo, Ele se fez admirar de mil modos, e preparou o povo para Pentecostes, mas sem Pentecostes não teria levado atrás de si. A comparação é adequada.
Por exemplo, Ele manifestou a monumentalidade d’Ele na transfiguração, mas não contagiou. Os próprios três que foram para a transfiguração dormiram no Horto das Oliveiras. Não impressionou.
E eu creio que Nossa Senhora deve ser vista também nessa monumentalidade. E eu tenho impressão que no Reino de Maria Ela se fará ver assim com esplendor enorme!
Alguém dirá: “Mas Dr. Plinio, eu não tenho uma alma assim, eu gostaria de vê-La na casa de Nazaré”.
Eu digo: “Não, você não compreendeu a monumentalidade, porque abarca a Ela na casa de Nazaré também, é claro. Não exclui, do contrário está tudo errado, não se entendeu”.
A pessoa pensa numa monumentalidade assim espetada, tipo tempos modernos, Igreja São Pedro, não é isso! É a monumentalidade gótica, é diferente. Na monumentalidade, por assim dizer gótica, de Nossa Senhora, cabem todos os aspectos. E aí acho que Ela se manifestará de um modo que nós não saberemos o que dizer.
Aqui fica portanto, meus caros, um aperçu quase que assim assestado sobre Nossa Senhora Rainha aparecendo-nos na aurora do Reino de Maria. E sobre os escombros da campânula maldita ─ que D. Bertrand lembrava muito a propósito ─ aparecendo-nos nessa ocasião.
Meus caros, com isso nosso dia foi bem cheio. E nós, eu creio que podemos encerrar. Mas como eu estou muito especialmente contente, eu proponho que para nos regozijarmos nos cumprimentemos.
Então rezemos três Ave Marias de encerramento e depois cumprimentemo-nos.
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