Conversa
de Sábado à Noite – 11/12/1982 – sábado
– [AC V ‑ 82/12.16] .
Conversa de Sábado à Noite — 11/12/1982 — sábado — [AC V ‑ 82/12.16]
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Que forma de união ter com o Fundador? * À medida em que a união se estabelece num nível de alma mais alto, ela se torna mais profunda * Apesar das formas de diferença que existam entre os súditos e o Fundador algo os chama a uma união que paira por cima dessas circunstâncias * A união de alma que há entre os revolucionários e que os difere profundamente de nós * “Nunca se viu povo nenhum ou corrente nenhuma na história tão da raça da serpente quanto o pessoal da Revolução” * Não havendo tibieza a união que deve existir entre os contrarrevolucionários apesar das diferenças que existam * A união de alma com o Fundador consiste em perceber esse “quid” da Contra‑Revolução e aderir * A missão especial da Sra. Da. Lucilia em ajudar‑nos a carregar a cruz que o Sr. Dr. Plinio nos apresenta; “são missões complementares” * Para saber tratar aqueles que Nossa Senhora lhe deu como filhos a recordação de como a Sra. Da. Lucilia lhe tratava em menino * “Tudo quanto eu possa dar, ainda não completa aquilo que ela dá” * A abnegação impensável da Sra. Da. Lucilia: para não incomodar ao Sr. Dr. Plinio morreu sem mandar chamá‑lo * “Eu não cheguei a ver o nome do Padre dela”; “eu queria ver o ato de Fé”
Índice
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Como estamos numa reunião, formalmente, vamos rezar um Memorare, pelo menos.
Então meus caros, sei que hoje foi um dia muito meritório, para meus “enjolras”, de um lado para outro…
(Sr. João Clá: Não assistiram à Reunião de Recortes.)
Bom, isso é verdade. Está aí um tema para tratar na perspectiva da reunião agora à noite no auditório. Entre o tédio e a fadiga, qual é a coisa mais fatigante. O tédio seria a Reunião de Recortes…
[Exclamações]
A fadiga seria a deambulação pelo pátio de Nossa Senhora da Glória.
Bem, quem é o pergunteiro, é você meu Marcos? Onde está o coronel, o Guerreiro Dantas?
(Dr. Marcos [Marcos Ribeiro Dantas ?]: O coronel ficou retido lá no Buissonnets, mas jantamos juntos, de maneira que teria uma pergunta: é um pouco puxada, um pouco objetiva.)
Qual é a pergunta? Diga lá.
* Que forma de união ter com o Fundador?
(Dr. Marcos [Marcos Ribeiro Dantas ?]: A união da Sra. Da. Lucilia com o senhor foi no mais alto grau possível ou nós seríamos chamados a uma união ainda maior? Seríamos chamados a uma união com ela no mesmo grau que o senhor?)
São perguntas com todos cabimento, tem todo cabimento. Agora, não são perguntas fáceis de responder, exigem um pouco de reflexão, porque eu nunca me pus essas perguntas.
A complicação do problema está, em geral como em todos os problemas, quando a gente não sabe responder, é porque alguma premissa para a gente não está clara. E para mim, eu consegui vislumbrar o ponto da premissa que não estava claro para mim, que é o seguinte:
Se se pode dizer que uma união… o que quer dizer quando se pergunta se uma forma de união é maior ou menor do que outra. Porque, como é em torno disso que gira a pergunta, o pressuposto é que se tem uma idéia exata do que são as modalidades de união, ou se existe uma só modalidade da qual se pode dizer que ela é mais profunda do que outras que seriam degraus dentro dela.
* Devido à riqueza de predicados e aspectos da alma humana o tipo de união pode variar
E a gente chega à seguinte conclusão: a alma humana é riquíssima em predicados, em aspectos, etc., e que de predicado e predicado ou de predicado, de aspecto e aspecto, o tipo de união varia. De maneira que por isso, dizer que uma união é absolutamente mais profunda do que uma outra, é uma coisa difícil e chega‑se a perguntar se existe um tipo de união absolutamente mais profunda do que a outra. O que torna embaraçoso responder a sua pergunta porque eu sou tendente a achar que os tipos de união são vários conforme o ponto da alma que a gente tenha a união.
Imagine, por exemplo, uma coisa que pode haver uma verdadeira união: tomar duas pessoas que se conheceram, mas naturalmente, nem é concebível nos dias de hoje, a gente deve imaginar isso, pelo menos no século XIX, ainda no bon vieux temps, os homens com as barbas assim… calmos, etc., etc., dois homens de uma cidadezinha média do interior de uma país qualquer da Europa ou da América, que entraram em relações, porque ambos são colecionadores de selos. E são excelentes colecionadores de selos e conversam muito sobre isso, trocam idéias, etc., etc…
Pode‑se conceber que eles se estimem e se considerem muito enquanto colecionadores de selos. Mais ainda, se pode conceber que eles chegam a se estimar tanto que resolvam fundir as suas coleções e se tornarem co‑proprietários de uma mesma coleção. Pode‑se ainda conceber que esta união de alma a propósito da coleção de selo, passe a ser uma união que envolve a alma inteira, eles se respeitam, se querem, ficam amigos, prestam pequenos ou grandes favores um ao outro, conforme as ocasiões, etc., pode‑se até imaginar que a filha de um case com o filho do outro. Quer dizer, a coisa pode‑se imaginar, num desdobrar indefinido de uniões.
* À medida em que a união se estabelece num nível de alma mais alto, ela se torna mais profunda
Mas como essa união se dá nos lados minores da alma, que são aqueles que a coleção de selos põe em movimento, ao menos são habitualmente aqueles que uma coleção de selos põe em movimento, o resultado é que essa união, por mais que nesse gênero seja íntima, será menor do que de dois homens que têm uma mesma idéia sobre um mesmo ponto.
(…)
…anos depois se encontram, se abraçam, “oh!”, etc., etc., etc., e um convida o outro: “Nós estamos passando pela minha cidade, onde eu moro, não quer passar comigo uns dias em casa?”. O outro topa a parada e fica uma daquelas amizades do outro mundo.
Por quê?
Porque o nível de alma em que a união se estabeleceu é um nível de muito mais quilate e se dá uma união muito mais profunda. De maneira que a gente percebe que há modalidades de união, conforme o tema da união e conforme o estilo, conforme a zona da alma, por assim dizer, que o tema movimenta. Depois há uma outra coisa que são as condições de alma.
Por exemplo: dois homens da mesma idade que se encontram e que entram em relacionamento tem um tipo de união.
Se é um homem que viaja num trem, no vagão restaurante do trem e senta‑se na mesa dele um menino que ele não conhece, e o menino puxa prosa com ele e eles vêem que pensam do mesmo modo e que o menino quando ficar mais velho vai pensar como ele, o tipo de união pode ser ou muito maior ou muito menor. Ou forma uma tal relação que ele pergunta para o menino… começa pensar quem serão os pais daquele menino, pergunta: “Quem são teus pais?”. O menino diz: “Ah!…” O homem diz: “Então vou falar com eles para adotar você, e nasceu uma união de alma fabulosa, como pode a distância das idades funcionar em sentido diferente: “Oh! Menino…”, e compra um pacotinho de balas para o menino, o menino pega as balas e não pensa mais no caso.
A diferença de idade joga conforme a circunstância, a favor ou contra. Não sei se está claro a apresentação do assunto?
* Outros fatores que podem condicionar as formas de união: diferença de sexo, de países, raças, etc.
Depois também o que põe em jogo a forma de união é o fato da pessoa, do sexo da pessoa. Não tomando nenhum pouco questões sexuais, não é isto que está em jogo, o feitio de alma da senhora é o feitio de alma diferente da do homem. E se um homem é muito unido ao rei que tem, desde que ele tenha a felicidade de ter um rei e um rei a quem possa unir‑se, ele, se for igualmente unido com uma rainha reinante, não é o mesmo tipo de união. E também aí as diferenças de alma jogam de um modo diverso.
Ele pode, por exemplo, se ele for um súdito de Maria Antonieta, a fragilidade dela inspirar a ele uma dedicação épica. Mas pode ser, pelo contrário, que se ela não estiver em ocasião de apuro, ele julga ela, tem tendência a achar mais ou menos “póca”, baixa de nível, meio bibelot. Encantadora, “bá, bá, bá”, mas queria um rei de tutano! E a união inteira: vassalo—suserano, rei—súdito, etc., etc., se dá de outro modo.
Assim também nos países, a forma de compreender a união de alma é muito diferente. E há países que entendem a união de alma de um jeito e outros de outro. Eu não vou exemplificar aqui onde, mais ou menos, todos os países do globo e todas as raças estão representadas. Mas falávamos disso há pouco, no automóvel. Existe isso.
Então, há uma tal variedade de uniões que a gente quase não, não… qual é o tipo mais profundo?
Para uma união se tornar profunda, entram tantos aspectos, que se fica com muita dificuldade, em tese, de lançar uma afirmação.
A gente dirá: “Não, Dr. Plinio, existe a união da Fé”.
Mas a Fé é mais vasta que um universo sideral e tudo o que ele contém. E por outro lado, ela é produto da graça e se apresenta à alma não com variedades de conteúdo, mas de aspectos e de graças tão diferentes que, mesmo aí, a gente não sabe bem qual é o ponto.
Então, daí viria: qual deve ser a união de alma entre nós? E depois a outra pergunta. Como de costume… os “enjolras” estão mais ou menos habituados a isso, é uma longa introdução para depois entrar uma tentativa de solução da questão.
* Apesar das formas de diferença que existam entre os súditos e o Fundador algo os chama a uma união que paira por cima dessas circunstâncias
Bem, eu creio, — é uma coisa delicada para dizer, não é uma coisa fácil de entender, mas é assim — eu creio o seguinte: que apesar de haver entre nós todas as formas de psicologia pessoal diferentes, possíveis, de todos os países, raças, tudo o mais, as mais diferentes possíveis, não tenho dúvida nenhuma, há qualquer coisa que nos chama a uma forma de união que fica por cima dessas circunstâncias.
Isso em virtude de uma coisa muito misteriosa que é a seguinte: há uma união de alma entre os revolucionários que ainda não se viu; é diferente de toda união de alma que a gente tem visto até aqui. E portanto, uma união de alma dos contra‑revolucionários na mesma linha. E essas duas uniões a que você aludiu há pouco, são uniões que se fazem “in CR” e portanto, participam disso.
* A união de alma que há entre os revolucionários e que os difere profundamente de nós; é uma outra raça espiritual
Assim vamos lentamente escalando a montanha.
Qual é a união de alma dos revolucionários?
É uma coisa curiosa, mas eles conservam entre si a diferença de raça, etc., etc., conservam, mas há um determinado ponto em que eles são um, e que pode ser de que maneira for, eles são unidos naquela coisa. Qual é a coisa? Também não é fácil de definir. Mas é uma certa, um certo cone por onde eles vêem o universo que é: igualitário, anárquico, “tá, tá, tá”, debochado, freudiano e sensual.
Bem, todas essas coisas juntas, delas se desprende com matizes diversos, o mesmo mal odor. E há um unum nessas coisas todas que faz com que, em face de nós, eles são diferentes, são unidos entre si, mais do quaisquer membros de quaisquer família ou de quaisquer nação. E em face de nós, eles são mais diferentes do que a raça mais diferente do mundo está da outra raça que esteja no extremo oposto.
Por exemplo, vamos dizer, um revolucionário no que diz, propriamente um revolucionário. Dois revolucionários, um é, por exemplo, norueguês ou sueco e outro é calabres ou siciliano, eles são os mais deferentes que se possa imaginar. Da facundia calabresa ou siciliana até o plácido sueco e norueguês, há léguas! Está bem. Eles se entendem!
Se puser esse norueguês ou sueco com um contra‑revolucionário norueguês não se entendem. Um calabres com um calabres contra‑revolucionário não se entendem, sai facada.
Por quê? Porque é outra raça espiritual. É uma coisa espiritual que funciona à maneira de todas as diferenças e sobrepuja. É a raça da Virgem e a raça da serpente.
* “Nunca se viu povo nenhum ou corrente nenhuma na história tão da raça da serpente quanto o pessoal da Revolução”
E nunca se viu povo nenhum ou corrente nenhuma na História, — não quero dizer homem nenhum porque houve Judas — mas nunca se viu povo nenhum ou corrente nenhuma na história tão da raça da serpente quanto o pessoal da Revolução. Quer dizer, é uma raça carregada na sua tinta. E é uma raça de alma, não é uma raça de corpo, é uma raça de alma. O que não se deve entender que, por isso, é uma coisa mais débil, mas é uma coisa muito mais forte do que a raça humana.
Um por exemplo é, não sei, chinês e, outro afegã. Não é isso não. É inteiramente diferente. É de uma natureza muito mais densa, colhe mais, arrasta mais, divide mais. E é uma incompatibilidade perfeita, por todos os flancos total. Porque São Luís Grignion de Montfort argumenta muito bem: é a única inimizade feita por Deus, mas tudo quanto Deus faz é perfeito. Logo, esta é a inimizade perfeita! Inimizade arquetípica é essa. Mas que faz entre eles aquela solidariedade.
* Não havendo tibieza a união que deve existir entre os contra‑revolucionários apesar das diferenças que existam
Infelizmente, exatamente, a tibieza leva‑nos a não ver isso, a não perceber isso, mas quando nós não somos tíbios é o que nós sentimos. Tendo um irmão na Contra‑Revolução, por mais que sejamos diferentes dele em coisinhas, não ligamos: aquele é da Contra‑Revolução e aquele outro é da Revolução.
E então a união de alma entre nós é a união de alma [in contra‑revolutionem], e aquele que possua mais intensamente o espírito da Contra‑Revolução no qual a união de alma deve‑se realizar imbricando os outros.
Olha, era bom fechar essas janelas! Eu estimo muito que os contra‑revolucionários sejam difíceis de se resfriar. Eu não sou.
* A união de alma com o Fundador consiste em perceber esse “quid” da Contra‑Revolução e aderir
Bem, então, no que consiste a união de alma comigo?
É em perceber esse quid da Contra‑Revolução, esse unum e aderir.
Agora, esse quid, esse ponto, que é o ponto de reluzimento chave…
Eu gosto muito de brincar com uma pedra que tem aqui, essa aqui… Eu me lembro muito desse ponto, da estrutura do espírito revolucionário ou contra‑revolucionário quando eu considero essa pedra vista desse ângulo. Há um ponto aqui, ela é lapidada em cone, no lado que segura aqui. Aqui é o lado para aparecer, aqui é o lado para não aparecer. Mas aqui há um ponto que a gente movimentando vê mil e mil facetas e aspectos dentro da pedra. E eu me lembro do quid do espírito contra‑revolucionário e da “polipartição” dele.
Aqui, esse quid, esse ponto, esse “x”, é o ponto no qual todas as facetas convergem e se unem e, através do qual devem ser vistos. Esta é o tipo de união de alma que deve haver entre nós. Mas é uma união que deve ser assim: ela é da família dos contra‑revolucionários? É da raça dos contra‑revolucionários? É. Mas é de uma família dentro dessa raça.
Nós não podemos pretender que a raça dos filhos de Maria sejamos só nós. Ao longo da História, que caudal gloriosa e enorme dos filhos da Virgem! Não somos só nós.
Mas como fomos suscitados em face da pior das Revoluções, no pior dos seus estados, oxalá nós sejamos dignos do que vou dizer agora, mas eu tenho a impressão de que fomos suscitados não para estar aqui, mas para estar aqui…
Bem, agora…
(…)
* A missão especial da Sra. Da. Lucilia em ajudar‑nos a carregar a cruz que o Sr. Dr. Plinio nos apresenta; “são missões complementares”
…precisa ter um apoio firme e, ao mesmo tempo um sustentáculo dulcíssimo para completar aquilo que era a ambientação própria do espírito humano. Sem isso temos a orfandade. E Deus quis assim que a santidade d’Ele mesmo fosse representada por esta forma. E muitas coisas… olhe que o Evangelho nos faz conhecer Nosso Senhor Jesus Cristo com aquela plenitude que é própria ao Evangelho. Mas se Ele não nos falasse de Maria e nós não tivéssemos toda a Mariologia, apesar de todo o Evangelho, alguma coisa nós não acompanhávamos. E alguma coisa de indispensável para o surto normal da alma católica.
Compreende‑se portanto, que o plano, que a situação se repita em outros planos e que…
(…)
Atraente pela forma, mas também que eu estava tornando atraente o sacrifício que eu pedia.
Agora, pode‑se conceber outra pessoa que tenha conosco a missão mais especial de, não trazer a Cruz e de apresentar, mas de ajudar a carregar a Cruz. São missões complementares.
(…)
Como qualidade. Eu já notei o que você é muito meticuloso nas suas perguntas. E, neste sentido, insaciável. Querendo perguntar mais qualquer coisa, eu tomo muito a bem.
(Dr. Marcos [Marcos Ribeiro Dantas ?]: Então vamos aproveitar.)
Só que os “enjolras”, entre os quais seus dois filhos, andaram e marcharam…
(Sr. –: Não.)
…pelo pátio. Você vai sair daqui meio froisser com o João, mas ontem dez horas.
(Sr. João Clá: O que precisam agora é espairecer.)
[Exclamações]
Em pé ainda mais, coisa bárbara. E ao lado de tanta afirmação de força deles, a afirmação de minha franqueza… estou morrendo de fome… e não é fácil comer fazendo conferência. Mas me diga qual é a pergunta que eu respondo com muito gosto.
(Dr. Marcos [Marcos Ribeiro Dantas ?]: …[inaudível …])
(…)
* Para saber tratar aqueles que Nossa Senhora lhe deu como filhos a recordação de como a Sra. Da. Lucilia lhe tratava em menino
…preenchia todo o papel em relação aqueles que eu levava. Porque uma coisa é ser um chefe político, etc., outra coisa é convidar uma pessoa a fazer aquilo que, por força de convocação eu convido: quer dizer, sair totalmente do seu contexto e serem inteiramente da raça da Virgem e só! Que é uma coisa muito especial. É de fato assumir uma paternidade ampla, de uma amplitude extraordinária e que exigia, para, — não me queiram mal — mas para a debilidade das gerações que me sucederam, exigia uma outra assistência.
Então eu comecei a me lembrar, — mas isso foi muito mais nítido em mim, começou um pouco bem antes dela morrer, mas foi muito mais nítido em mim depois que ela morreu — comecei me lembrar de como ela me tratava em menino e como eu deveria ser com aqueles que Nossa Senhora me tinha dado como filhos. De onde uma forma de afabilidade, de bondade, etc., que pode ser que não vá tão longe quanto deveria, mas em todo caso, vai muito mais longe do que o comum dos tratos, mas tão mais longe que eu acho que não tem comparação. Não deixando de ser o que está na natureza das coisas ser: um trato de varão a varão. Mas dentro desse trato, entrando muitas coisas que são maneiras dela, são reminiscências dela, são branduras dela, bondades dela, perdões dela, afabilidades dela, concessões dela, com uma firmeza que também era dela. Porque ela era dentro de toda essa bondade, muito firme! Mas muito firme, isso ela era!
Uma firmeza que não tinha um pingo de carranca, um pingo de cólera, da doçura de um cordeiro, mas era inflexível. Se poderia dizer que a inflexibilidade residindo num cordeiro dá no que era ela, porque era inflexível. E devia ser. Do contrário não é virtude. O que não é inflexível, não é virtude, é porcaria.
* “Tudo quanto eu possa dar, ainda não completa aquilo que ela dá”
Agora, bem entendido, tudo quanto eu possa dar, ainda não completa aquilo que ela dá. E ela dá nessa linha o que se recebe no cemitério da Consolação.
Não sei se agora conseguir responder bem.
Bem, meus caros: per factum! Os senhores gostam de etimologia. Querem com certeza um pouco de etimologia. Per factum: factum per. Perfeito. Feito completamente, acabado, completado.
Então se Dr. Marcos disse que está perfeito, é porque está completado.
[Vira a fita]
* O convite do Sr. Dr. Plinio a se combater hábitos inveterados de décadas; “a esse eu peço muito, eu dou muito!”
Os senhores imaginem uma criança ou moço, um homem feito que foi educado numa residência tão baixa que ele não conseguia erguer completamente o tronco, de maneira que se habituou a andar com o tronco inclinado. E portanto, ele também não tem facilidade de olhar para as estrelas, ele não tem facilidade para olhar para os horizontes largos, e ele se habituou, tornou segundo a natureza dele fazer do panorama dele um círculo no qual estão os pés dele e os pés dos outros que andam de um lado para outro, porque ele se habituou a andar curvado.
Imagine que chegue um homem e lhe dê uma coisa magnífica, é a descrição de como é o panorama de quando ele levanta o busto. Ajuda‑o a levantar o busto e lhe dá o gosto desse panorama. Depois ele pede uma coisa: “Meu filho, você quer combater este hábito de vinte anos, de trinta, de quarenta anos que vai para os cinqüenta, de andar curvado para baixo? É duro, é duro, é duro! Mas a condição para eu continuar a lhe falar das estrelas é ter vontade de olhar para elas”.
[Exclamações]
Bem, a esse eu peço muito, eu dou muito!
Não está certo meu João? Então está feito o negócio.
(Sr. João: Falta dar a segunda volta na fechadura?)
Ih! Onde é que vai isso? Diga meu L. F. [Luís Francisco], mas você me garante que essa é a última chave, em nome dos seus irmãos de vocação e seus?
* A abnegação impensável da Sra. Da. Lucilia: para não incomodar ao Sr. Dr. Plinio morreu sem mandar chamá‑lo
(Sr. L. F. [Luís Francisco]: Fatinho da morte, aquilo que o senhor pediria a ela e que ela não pediu ao senhor.)
Uma coisa incalculável: ela no estado de semilucidez que ela estava, tudo indica que ela morreu tão lúcida quanto estava habitualmente, tudo indica isso. Ela foi se sentindo progressivamente pior e estava ajudando a ela o Dr. Duncan. E eu tinha… do que eu vou dizer agora, ela tinha uma noção confusa que eu estava doente e que eu tinha passado por uma operação muito séria do pé. De fato eu tinha feito uma amputação de uma parte do pé e por isso eu me movia com dificuldade.
Eu ainda não estava usando muletas porque não andava ainda de um quarto para outro, mas eu me apoiava nuns paus quaisquer para entrar no quarto dela sem ela perceber que eram muletas. E pela disposição dos lugares no quarto, os senhores conhecem o quarto, ela não olhava para quem entrava, a porta é aqui… a cama é aqui… De maneira que era possível eu ir me equilibrando até a outra parte da cama. Aí eu me apoiava e, andando até ela, me apoiava na parede, — ela não percebia — me sentava ao lado dela e conversava.
Mas ela tinha idéia que o conjunto disso era uma coisa complicada. E ela tinha idéia também de que eu, estando doente, não convinha me incomodar. Ela foi se sentido pior e morreu sem me mandar chamar.
É propriamente, como abnegação, é impensável! Mas é subir ao alto do monte. E ela tinha tanta noção de que ela estava morrendo que na hora de morrer ela fez aquele grande nome do Padre antes de morrer.
* O reflexo de nada pedir a não ser Fé em Deus, na Igreja e retribuição para com o carinho dela
Tomou extrema‑unção no dia anterior, ela sabia como estava.
O dia anterior, eu passei o dia inteirinho ao lado dela. Inteirinho. Tal seria!
Ela estava vendo, — depois ela me conhecia de há sessenta e tantos anos — ela via que eu transbordaria para estar presente ali, mas era de tal maneira o reflexo dela de nada pedir; ela não pedia nada! Só pedir retribuição. Ela só pedia Fé em Deus e na Igreja e retribuição para com o carinho dela, mais nada. Que ela morreu sem pedir isso.
Eu considero que em matéria de amor materno é propriamente sublime. O que eu acho que estava no espírito dela é que ela sabia as coisas de coração como são e que bem podia ser que fosse melhorando, piorando, melhorando, piorando, ainda melhorasse. A última hora ela viu que era a morte, fez o nome do Padre e morreu. É como eu interpreto.
Mas ela se sentindo bem pior, era natural que me chamasse. Ela sabia que eu iria com transbordamento. Ela talvez não tenha calculado que eu carrego até hoje o pesar de não a ter visto morrer. Mas como doação, eu não sei de alguém que pudesse ir mais longe. Aí está.
Meus caros, eu creio que agora…
* “Eu não cheguei a ver o nome do Padre dela”; “eu queria ver o ato de Fé”
(Dr. Edwaldo: O senhor tinha pedido ao Sr. Duncan que chamasse o senhor caso notasse que ela piorasse. E a coisa correu de tal modo, que ele propriamente não notou.)
Foi. Ele, à última hora veio me avisar. Estava para morrer. Eu não cheguei a ver o nome do Padre dela. Que é o que eu queria ver. Eu queria ver o ato de Fé.
Bem, meus caros, conversando com muito comprazimento para mim. Agora vamos dormir.
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