Conversa
da Noite ─ 20/11/82 ─ sábado .
Conversa da Noite ─ 20/11/82 ─ sábado
Muita gente gostaria de conviver com seu Anjo da Guarda em seu aspecto bondoso e protetor, mas não em seu aspecto grandioso * Quando alguém considera a grandeza de um modo superficial, nos primeiros contatos há um encanto, mas depois sacia-se da grandeza * A ordem de coisas inaugurada com a Revolução Francesa tende a eliminar o respeito e fazer com que as pessoas se sintam mal diante da grandeza * As nossas relações com o Senhor Doutor Plinio, de pai para filhos, deveriam evoluir sem, entretanto, excluir a grandeza * Se queremos nos preparar para a “Bagarre”, devemos pedir a Nossa Senhora que nos dê o amor à grandeza
Meus caros, estamos aqui. Os pergunteiros… Perguntem, os pergunteiros.
(Sr. Guerreiro: O tema do Santo do Dia agora à noite…)
Aliás, preciso dizer aos senhores uma coisa, parece que eu falei com um timbre de voz particularmente alto, não é?
(Sr. –: Estava magnífico.)
Disse-me o João Clá que estava um timbre de voz altíssimo.
(Sr. J. Clá: Mais forte do que os Santos do Dia anteriores, mas não altíssimo.)
Mas é porque eu desliguei o aparelho e quando desligo o aparelho o timbre de voz sai mais alto.
Bem, vamos para a frente. Diga, meu Guerreiro.
(Sr. Guerreiro: Talvez o senhor continuar o tema do Santo do Dia. Pareceu-me tão importante…)
Não sei, você veja aí o que acha.
* Muita gente gostaria de conviver com seu Anjo da Guarda em seu aspecto bondoso e protetor, mas não em seu aspecto grandioso
(Sr. J. Clá: Dentro do tema do Santo do Dia, como se processará isso no “Grand-Retour”: voltarmos a amar a majestade e a dor, pois é o que ao entrar no Grupo se ama e é o que atrai.)
Eu, muito de passagem, procurei deixar claro que a bondade ou a paternalidade, isoladas da majestade estão fora do seu campo, estão expatriadas. Eu não deveria dizer “isoladas da majestade”, [mas sim] exiladas da majestade!
(Sr. J. Clá: O que seria o Grupo com o amor a esses valores levados ao auge?)
Sim, pode-se tratar.
Durante o jantar nós estávamos conversando ─ o João, o Fernando e eu ─ sobre uma coisa e outra. [Risos] Tratou-se uma coisa um pouco diferente, análoga, mas com uma metáfora diferente, só, mas acho que a metáfora serve. Eu ia empregar hoje à noite a metáfora, mas pela falta de tempo não empreguei.
É a respeito dos Anjos. Toda iconografia corrente sobre o Anjo da Guarda apresenta o Anjo da Guarda sob o aspecto de uma proteção, tutela de uma criança, etc., etc. E eu acho legítimo, eu não quero dizer que toda essa iconografia seja de bom gosto, mas a idéia de apresentar assim o Anjo da Guarda eu acho uma coisa legítima.
Houve uma santa a quem apareceu o Anjo da Guarda, ela dobrou o joelho, pensou que fosse Deus. É tal a majestade do Anjo da Guarda, tal a grandeza! Porque ele é dos menores na natureza angélica, mas é tal a natureza angélica que ela se pôs de joelhos. Essa [é] a grandeza da majestade, e isto ninguém representa.
Eu estava dizendo que com aquele Anjo naquele aspecto de socorrer, de proteger, etc., etc., é certo que muita gente gostaria de viver com ele. Mas se ele aparecesse na grandeza dele, muita gente não gostaria de viver com ele. E isso completa o que nós estávamos dizendo ─ o João, o Fernando e eu ─ durante o jantar. E o Gugelmin, meu bom Gugelmin…
[Nota do dt.: Quando o Senhor Doutor Plinio citou pela primeira vez essa conversa no jantar houve risos, porque todos sabem que os outos ouviam e não emitiam as altas considerações a que ele se refere. Nesse sentido o Sr. João disse que o Sr. Gugelmin também estava presente, quando não estava, para gracejar quanto à presença deles na conversa. Então aqui o Senhor Doutor Plinio responde ao filial gracejo.]
* Quando alguém considera a grandeza de um modo superficial, nos primeiros contatos há um encanto, mas depois sacia-se da grandeza
Agora, acontece que há dois modos de o homem gostar de uma coisa: um é o modo superficial por onde ele vê, gosta, mas não demora muito no convívio da coisa. E outro é o modo profundo pelo qual ele vê e gosta e quanto mais vê, mais gosta; quanto mais, gosta mais quer ver.
Eu creio que já contei aqui uma história que São Pio X contava, uma anedota de um vigário lá nos Alpes italianos, Tirol, naquela zona. Panorama lindíssimo! O bispo foi fazer visita pastoral e o vigário disse a ele que queria mudar de lugar. Ele ficou assim… deixou a coisa no ar. Depois disse ao vigário: “De manhã me acorde a tantas horas que eu ouvi dizer que a essa hora o sol aparece de modo lindíssimo. Eu quero ver.”
O vigário acordou-o. No dia seguinte de novo, no dia seguinte de novo. O bispo disse a ele: “Sr. Vigário, eu não vejo porque o senhor quer mudar, é um panorama tão bonito!”
No outro dia de manhã o vigário: “Sr. Bispo, o sol, etc.” O bispo disse: “Olha, eu já vi esse panorama. Agora me deixe dormir na cama, que negócio é esse!” Ele disse: “Sr. Bispo, como eu na minha paróquia, eu também já vi o meu panorama.”
A coisa é engraçada, é espirituosa, é cheia de propósito. Mas é de um vigário que não é uma alma de um grande artista. Se ele tivesse uma alma de grande artista, ele queria ver o panorama a vida inteira, ao menos se ele tivesse uma forma artística habituada àqueles esplendores, ele quereria ver os esplendores a vida inteira. No máximo que se compreende é que ele dissesse o seguinte: “Sr. Bispo, eu gostaria de ser removido para um lugar onde esses mesmos esplendores ainda se vejam mais magnificamente. Porque eu não me sacio deles.” Era no máximo o que se poderia compreender…
Assim também a grandeza. Acontece que com o primeiro vôo contra-revolucionário a gente faz o que o revolucionário não faz: o contra-revolucionário vê a grandeza e se encanta com ela. Mas depois sacia-se como o vigário sacia do panorama. E isso é porque ele é superficial, aquilo deu nele, na parte epidérmica da alma ele realmente gostou; mas depois, até fazer daquilo o seu habitat, até se transformar ele mesmo num outro “eu mesmo” da majestade, absolutamente a pessoa não quer.
* A ordem de coisas inaugurada com a Revolução Francesa tende a eliminar o respeito e fazer com que as pessoas se sintam mal diante da grandeza
Por que não quer? Porque quando a pessoa está voltada para a majestade, ela tem uma atitude de alma parecida com a de um homem que está de pé com o corpo inteiro. Ele ereto e com o corpo todo numa posição ereta. Se ele for um homem adequado a isso, ele pode fazer hora de guarda assim e gosta. E ou está deitado ou está numa posição ereta.
Eu já contei aos senhores que antigamente as pessoas educadas não se encostavam nos encostos de cadeira como eu estou encostado. O encosto de cadeira era para o caso de dar uma fraqueza para a pessoa, mas a pessoa usava a cadeira como se fosse um banco e não encostava no encosto nunca. E passava a ser natural para essas pessoas.
Há uma fotografia, tirada na Índia, de pessoas da família real britânica, da corte inglesa, promiscuamente com marajás. Os da corte inglesa estão tesos, os marajás estão escarrapachados. Eles vivem em cima daquelas almofadas, daquelas coisas, foram se sentar nas cadeiras do vice-rei, estavam achando escabelos infames. Naturalmente ainda mais se eles tivessem de ficar tesos nem compreenderiam. Eram homens educados na moleza.
E a alma gosta de se pôr nessa moleza como o corpo mal habituado gosta de se pôr como nós estamos. E o igualitarismo evidentemente convida para essa moleza de modo eminente, porque dá em igualitarismo, é igualitarismo. O que dá ao homem vontade de estar ereto e teso é a contemplação de algo superior. Sem respeito não há atitude tesa do corpo, não há olhos levados para cima. É única e exclusivamente a posição da alma diante do que é superior que a põe nessa atitude. E por causa disso nos ambientes onde desaparece o respeito, os corpos vão amolecendo e as almas vão gostando do que é trivial. É forçoso!
E, portanto, a ordem de coisas inaugurada pela Revolução Francesa ─ eu não falo aqui das formas de governo, mas falo do ambiente psicológico, cultural, etc. ─ toda esta ordem de coisas é uma ordem de coisas fundamentalmente tendente a eliminar o respeito. E, portanto, a fazer com que a pessoa se sinta mal diante da grandeza.
Por causa disso os senhores estão vendo que os corpos ao longo dos séculos da Revolução vão se tornando cada vez menos tesos. E depois os senhores estão vendo que as pessoas vão tomando fobia da grandeza e os que têm grandeza vão se tornando cada vez menos dotados de grandeza. E no fim, no fim, eles têm horror à grandeza. E até não há quem tenha mais horror à grandeza do que quem a possuiu outrora.
É o que explicará aos senhores o ardor, a sequiosidade com que os padres da era pré-conciliar se jogaram na vulgaridade da era conciliar. A batina ─ que tinha uma certa compostura ─ era uma forma, e uma forma augusta, de grandeza que eles não levavam tão longe quanto podiam levar, mas o traje e toda a legislação da Igreja, doutrina, levavam a isso. Agora mesmo nós fomos ao Coração de Jesus e vimos entrar dois eclesiásticos, dois salesianos, tarde da noite. Notou como estavam sem grandeza?
(…)
Não ocorreria a idéia, não é?
Meu Z., que Nossa Senhora o ajude!
* As nossas relações com o Senhor Doutor Plinio, de pai para filhos, deveriam evoluir sem, entretanto, excluir a grandeza
Bem, mas se a pessoa não tem essa grandeza, não pode querer ver num outro porque toma como uma censura. Não tem por onde escapar!
E por causa disso, vem esse sofisma miserável da Revolução: o homem que tem grandeza é mau. Por quê? Porque o censura.
Sem tomar em consideração que censurando-o faz-lhe um bem. E que o homem que censura meus defeitos é bom, não é mau. Esse é o meu amigo, censurou os meus defeitos.
Então nós deveríamos nos perguntar até que ponto nós amamos a grandeza.
Há uma evolução das relações entre nós que eu preso muito num sentido da palavra, é que essas relações vão se tornando cada vez mais de pai para filho. Eu estimo muito isto e acho que deve continuar, não tenho nenhuma restrição a opor a isso. Eu volto a dizer: deve continuar. Continuar para frente, não é continuar como está. Dentro do propositado, do ordenado, deve continuar para a frente.
Mas, eu acho que no início da vocação nós apreciamos muito mais a grandeza da TFP, depois isso de algum modo vai cedendo lugar a essas relações e aí eu não aprecio. Porque eu não vejo razão porque essa boa evolução exclua a grandeza. Eu não vejo razão. Eu acho, pelo contrário, que assim como legitimamente se tem um desejo cada vez maior de uma proteção paterna, de um amparo ─ eu acho excelente, eu volto a dizer ─ também se deve ter cada vez mais gosto pela grandeza.
E, vamos dizer assim para sermos amáveis, alguns dentre nós podem esquecer a grandeza obnubilados pela bondade. E eu não desejaria isso. Por quê? Porque aí a bondade fica uma espécie de refúgio em relação à grandeza. Não está bem. Não está bem.
O que dizer a isso? Eu deixei bem claro hoje que nós não nos preparamos para ser os combatentes…
(…)
* Se queremos nos preparar para a “Bagarre”, devemos pedir a Nossa Senhora que nos dê o amor à grandeza
… minha idéia daquilo era mostrar muito a coexistência no Santo Sepulcro de Nosso Senhor Jesus Cristo, da majestade com grandeza. E para os senhores terem bem uma idéia disso bastaria que os senhores tomassem a Santa Face do Santo Sudário ─ se aquilo não é majestade, eu não entendo o que é majestade, aí estaremos irremediavelmente falando de coisas diferentes ─ e imaginassem Nosso Senhor, naquela face, na expressão de suas maiores doçuras. Seria de uma ternura ─ proporcionada àquela majestade ─ uma ternura inimaginável! Mas que cessada a ternura entra naquela majestade.
A consideração disto faz o herói e o batalhador. O resto não tem! Os senhores podem imaginar Godofredo de Bouillon com vontade de conquistar o Santo Sepulcro sem amor à grandeza? Não se compreende. Podem imaginar Carlos Magno sem amor à grandeza, os seus pares sem amor à grandeza? Ou São Gregório VII ou qualquer santo sem amor à grandeza?
Os senhores dirão: “Não, Dr. Plinio… [Há] Santa Teresa do Menino Jesus e a pequena via…”
Digo: está ótimo. Com uma ressalva, é que ela era tão majestosa que o pai dela chamava-a ma petite reine, “minha rainhazinha”. E no processo de canonização está que o jardineiro fez uma deposição a favor dela. E perguntaram:
─ Foi ela mesma que disse isso ou fez isso?
─ Foi.
─ Mas pela sua narração o senhor a viu de costas nessa ocasião, como é que sabia que era ela mesma?
Ele deu essa resposta: “Majestade como ela ninguém tinha no convento”.
Isto devia ter uma raiz na mentalidade dela.
Então, então, se nós nos queremos preparar para a Bagarre, nós devemos pedir a Nossa Senhora, Mãe de Misericórdia, nossa vida, doçura, esperança, etc., que Ela nos dê aquele amor à grandeza que conjugado ao amor à paternalidade, à bondade, etc., nos faça pensar nos horizontes de nossa alma. E nos dê o amor à grandeza. Sem isto não tem nada feito.
Bem, meus caros, é o que eu tinha a dizer. Mas eu proponho aos senhores uma combinação: eu me vejo na contingência de ponderar que amanhã os senhores vão ter de levantar cedo e que está por demais tarde…
(Nããããoo!!…)
Então sugiro aos senhores a melhor das combinações, que é a seguinte: eu me despeço individualmente dos senhores terminado o lanche e cada um vai para o seu lado. Isso prolonga um pouco, com alegria para mim, o nosso convívio e me dá ocasião de, num espaço de tempo relativamente curto, ter cumprimentado a todos os senhores. Se houver reciprocidade nesse prazer… [Risos] todos sairão contentes. E eu percebi que minha sugestão lhes agradou. De maneira que assim nós podemos encerrar.
Diga, meu Guerreiro.
(Sr. Guerreiro: Se o senhor encerrar já, eles não vão conseguir dormir de decepção. Amanhã vão estar cansados e sem os “flashes”…)
Eu compreendo que o senhor diga isso.
(Sr. Guerreiro: Quem sabe se os que quisessem pudessem ir dormir e…)
Nós ficávamos… Vamos para a Rua Alagoas e continuamos lá. Está combinado…
Vamos rezar para encerrar o lanche.
Ave Maria…
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