Conversa
da Noite ─ 30/10/82 ─ sábado .
Conversa de Sábado à Noite ─ 30/10/82 ─ sábado
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Duas formas de silêncio: o silêncio de quem não fala e o silêncio de quem não serve de eco * Um princípio de D. Chautard interpretado falsamente: padre santo, paróquia fervorosa; padre fervoroso, paróquia correta etc * A batalha que existe num auditório entre os tiroleses e os não tiroleses condiciona o que vai dizer o conferencista * “Quem não é capaz de desafio não é capaz do nosso apostolado” O maior fautor de silêncio que o Senhor Doutor Plinio encontrou foi a HB. * Uma análise politico-diplomática da situação do Brasil sob o paternalismo norte-americano: Seria pior se dependêssemos da Rússia
Então, meus caros, quem é o pergunteiro? Fiúza, Edwaldo, o João? Fernando, onde está o bom Guerreiro?
(Sr. F. Antúnez: Alagoas.)
Quem sabe se mandam um aviso a ele.
Então vamos ver.
(Sr. J. Clá: O senhor falou no Santo do Dia dos ofícios do silêncio. Como a TFP faz o serviço oposto a este?)
* Duas formas de silêncio: o silêncio de quem não fala e o silêncio de quem não serve de eco
Eu faço com gosto. Quer dizer, o estudo bonito, o estudo grande do assunto do silêncio comportaria a seguinte distinção: o silêncio na Sagrada Escritura ─ digo esse mau silêncio não é o silêncio dos contemplativos, dos camaldulenses, bem entendido ─, mas o silêncio nas Sagradas Escrituras é uma coisa, o silêncio na História é outra.
Na História nós poderíamos pôr mais uma divisão: na história da Igreja e depois na História da Cristandade. Depois um capítulo inteiramente secundário, o subúrbio do tema, seria nas lutas [dos] pagãos entre si, etc., etc., se o silêncio representa um certo papel. Mas isso seria um subúrbio do tema.
Agora, o oposto do silenciador é ou o indivíduo que fala ou o indivíduo que serve de eco. Porque há duas formas de silêncio: o silêncio do que deveria falar e não fala e o silêncio daquele que deveria servir de eco e não serve de eco. São duas formas distintas, entra pelos olhos.
No silêncio do que fala, existem mil modos de silenciar o indivíduo. Mas, depois, como é que se silencia quem serve de eco e qual é a distinção entre os que servem de eco e os que têm por missão falar? São coisas diversas.
Depois há eco e eco. Há aqueles que têm… Por exemplo, na TFP: concebe-se um membro da TFP que tenha a missão de servir de eco, ou servir de eco é apenas fora da TFP? O que vem a ser o eco? Nós chegamos à conclusão de que há elementos que, dentro da TFP, devem servir de eco, mas que a TFP no conjunto é uma grande falação para fora. E o indivíduo que deve servir de eco dentro da TFP, nem por isso é chamado a servir de eco fora. Em princípio o da TFP fala! Não se compreende o da TFP que não fale. Se ele não fala, se ele é mudo diante dos outros: fora.
Em princípio, salvo circunstâncias muito excessionais, muito pessoais, e que precisa, portanto, entender sempre restritivamente, o da TFP que não fala é por encarangamentos de timidezes e amor-próprio onde o amor-próprio é a causa da timidez.
* “Eco fidelíssimo da Igreja”. “Eu nunca recebi um elogio que me desvanecesse tanto”
Mas há uma coisa curiosa: a TFP é um sistema de eco e falança. Se se considera do começo até o fim, eu nunca recebi um elogio que me desvanecesse tanto quanto dizer que eu sou eco da igreja. “Eco fidelíssimo” da Igreja. Eu nunca recebi um elogio que me desvanecesse tanto. Porque minha missão na Igreja, a missão propriamente de ensinar é da Igreja, é da hierarquia. Nós devemos servir de eco ao que a hierarquia ensina. Eco no seguinte sentido: devemos aprender o ensinamento, devemos fazer aplicações desse ensinamento na nossa vida prática que, muitas vezes, a hierarquia pode não ter tido, não é necessário que não tenha tido, mas pode não ter tido ocasião de aplicar e nós podemos até excogitar um desdobramento de princípios ensinados pela hierarquia e que nós deduzimos do que ela ensinou.
Mas mesmo nesses três casos nós somos eco dela. Portanto, enquanto aquilo que nós dizemos é dito por nós ad referendum dela, imaginando as condições normais da vida da Igreja, imaginando essas condições normais, nessas condições, o fiel fala sempre ad referendum da Igreja, sujeito a alterar, caso os poderes competentes de hierarquia pensem o contrário.
E, portanto, o que ele está falando é pelo menos com presumível consentimento dela, e enquanto tal, eco dela. Então a palavra é dela e a nossa palavra não é silêncio mas é um eco dela. E, portanto, qualificar-nos de eco fidelíssimo da Igreja é definir-nos por aquilo que nós devemos ser, o que não pode deixar de nos agradar porque cada um deve procurar ter como definição aquilo que deve ser. Se se define pelo que deve ser, está em paz, está tranqüilo diante de Nossa Senhora, diante e Deus, Nosso Senhor, acabou-se.
Isto posto, dentro da TFP é assim também. Quer dizer, não há identidade, mas não é sem alguma analogia, a situação dos que pertencem à TFP comigo. O que eles falam tem a mesma relação, deve ser eco do que eu digo.
Mas, eu tenho certeza que se não fosse minha convicção que graças a Nossa Senhora me perpasso de um lado ao outro da alma de que esse é meu dever em face da hierarquia, e se não fosse meu propósito firme de proceder assim com a hierarquia ─ entendida a hierarquia como deve ser entendida, quer dizer, uma hierarquia verdadeiramente católica da Igreja verdadeiramente católica ─ porque esta é a minha convicção, as minhas palavras portam longe.
Se não fosse essa minha convicção e se não fosse esse meu propósito, elas não portariam longe. Eu estou me exprimindo com cuidado: não quero dizer que basta ter essa convicção e este propósito para a palavra portar longe. É preciso, para que ela porte longe, que a pessoa que vai proferi-la pense no que vai dizer, que deite todo seu senso católico no observar, no elaborar, etc., etc., e que ele, portanto, leve os desdobramentos que ele tem a fazer da doutrina da Igreja e as aplicações a essas ou aquelas situações concretas, ele leve até onde pode levar. Isto é a missão dele.
Mas, tudo isso, por mais bem feito que seja, se não tiver esta convicção e este propósito, não portará. O elemento principal é esta convicção e este propósito.
Assim também dentro da TFP. Aqueles que dentro da TFP têm o propósito de serem ecos, são aqueles cuja palavra mais porta fora da TFP. À medida que a convicção e o propósito do eco declinam, nessa medida o alcance da palavra morre.
Bem, isso não se dá… porque as disposições da Providência a nosso respeito são disposições muito especiais, não são simples, é preciso saber analisá-las. Isso não se dá no seguinte sentido: basta um de nós querer falar e deitar o verbo que deita. “Sou muito obediente, agora vou falar”, e sai. Não. É preciso que a Providência tenha criado nele as condições por onde ele nos diga uma coisa que vale a pena ser dita.
Quer dizer, vamos dizer, o eco, o eco não tem um papel puramente passivo. Depende das condições da parede, do som e das condições do muro, do obstáculo e qualidade do eco que ele manda de volta. E também assim depende da pessoa que profere a palavra e do estado de alma e das condições várias, inclusive de discernimento, de inteligência, graças, etc., etc., da pessoa que serve de eco. Não basta, portanto, ser muito obediente. Mas, se não for muito obediente, aquilo não adianta de absolutamente nada.
Quer dizer, é estritamente igual a zero!
Nessas condições…
Oh, meu Guerreiro! Chega aqui. Como vai você, meu filho? Senta aí.
Nessas condições, entretanto, não basta para que a palavra e o eco repercutam. É preciso que aqueles a quem, em última análise, a palavra que bateu no eco é destinada, que aqueles queiram recebê-la.
* Um princípio de D. Chautard interpretado falsamente: padre santo, paróquia fervorosa; padre fervoroso, paróquia correta etc.
É um modo simplificado de ver as coisas o seguinte: quando o apóstolo… O Chautard diz uma coisa muito verdadeira na Alma de Todo o Apostolado, mas essa coisa verdadeira é interpretada por gente simplista e dá uma coisa falsa. Ele diz: a padre santo corresponde paróquia fervorosa; a padre fervoroso corresponde paróquia correta; a padre correto corresponde má paróquia. É para indicar que o fiel está sempre um degrau abaixo daquele que faz apostolado.
Bem, isso exprime uma verdade preciosa no seguinte sentido: é muito raro, não é de acordo com o operar normal da graça que a paróquia valha mais do que o padre, ou que a ovelha valha mais do que o pastor. Não é o operar normal. O pastor é uma condição preciosa para o desenvolvimento das ovelhas, mas não se pode entender assim que o padre santo tem necessariamente a paróquia fervorosa. Isso não. Ou que o padre fervoroso tenha necessariamente uma paróquia boa; ou que o pároco correto tenha necessariamente uma paróquia má. Não! Essas são regras de normalidade, mas não é necessariamente assim.
Porque, em situações anormais, o padre mais esplendorosamente santo não pode alcançar que a paróquia se modifique se ela não quiser. Porque os paroquianos continuam dotados de livre arbítrio e, se não fosse assim, nós diríamos que o povo de Israel não se converteu por culpa de Nosso Senhor. Se toda paróquia que não se converte é por culpa do padre, então Israel não se converteu por culpa de Nosso Senhor. Entra pelos olhos. Ora, não se pode pensar nisso, é uma blasfêmia. Logo, não é verdade isto assim.
E, portanto, pode acontecer que, por exemplo, os da TFP dos últimos tempos sejam muito bons, muito fervorosos, muito isso, muito aquilo, pode acontecer. E pode acontecer, entretanto, que ninguém ouça a eles. Por quê? Porque o povo, quando não quer ser bom, é ruim. Está acabado. Ninguém escapa disso.
* A batalha que existe num auditório entre os tiroleses e os não tiroleses condiciona o que vai dizer o conferencista
Bem, agora é preciso portanto que nossa palavra encontre condições de sonoridade. E às vezes há isso de engraçado, que entre a pessoa que fala e a colônia tirolesa de um auditório há uma batalha. Batalha invisível, mas real. A pessoa que fala pode deitar todo empenho em despertar o interesse, etc., etc., etc.. mas pode ser que, por um jogo de influências dentro do próprio auditório, um determinado dia, entre os que costumam não ser tiroleses, algumas influências anti-tirolesas sejam mais fracas. Nesse dia o tirol se expande mais. E, nesse dia, acaba sendo que a falta de reação do auditório tira a ocasião do conferencista dizer o que ele diria.
Bem, aí os senhores compreendem o seguinte: estão ouvintes… Aqui, por exemplo, eu estou diante de um contexto de ouvintes. Esse contexto de ouvintes tem uma influência por assim dizer ─ a palavra é um pouco rebuscada ─ policrômica, de várias cores, uns sobre os outros. E depende até da posição em que uns e outros estão colocados. Por exemplo, eu não conheço tiroleses aqui dentro, eu conheço todos os que estão aqui dentro. Ainda quando eu não saiba o nome, aqueles que eu não sei o nome sabem que eu os conheço muito bem. Na hora de me olharem, eles se sentem indentificados. Nenhum do Grupo padece crise de identidade diante de mim. Um nome pode me escapar. São tantos que eu confesso que pode me escapar, ou às vezes eu custo para aprender certos nomes. Mas não é porque… [Exclamações.] não esteja em identificado para mim. Eu sei quem é.
Bem, mas enfim, vamos imaginar num outro auditório, portanto. Não estou fazendo aqui alusões. Vamos dizer que os que não são tiroleses, mas representam a linha suficiente, mínima, do calor, pode ser que, para certos dias, convenha ao não calor que eles estejam agrupados num canto da sala. E em outros dias convém que eles estejam dispersos pela sala.
E, em geral, não se trata de tiroleses, eles entendem o que é melhor fazer. É curioso, mas é um tal instinto que leva as coisas… eu fico quieto, não comento. Por exemplo, nunca comentei com o João a disposição de pessoas entre nós nos auditórios do Praesto Sum. Auditório São Miguel, às vezes, mas muito raro, muito raro.
Meu João, vem o meu lanche?
(Sr. J. Clá: Sim.)
Fico com pena, o lanche tem de vir lá do fundo, da cozinha, dá um trabalhão, etc., etc. Para o fugit não vir logo o meio que eu tenho é esse.
Bem, há certos dias… ─ por isso que eu digo que são os ouvintes que fazem a conferência ─, há certos dias que vem uma graça sobre um certo tema. Eu não vi ainda vir uma graça sobre um certo tema sem que houvesse uma certa disposição prévia na sala. Eu não vi ainda. Em geral é quando a sala tem certas disposições [que] a graça baixa sobre um determinado tema que se vai dizendo, de repente o tema se ilumina. E todos têm uma forma de interesse que os senhores sabem como é.
Bem, nesse momento, nessa ocasião, a gente percebe que baixou uma graça. A gente deve continuar a tratar do tema, ir desenvolvendo. Se as pessoas continuam interessadas, é porque aquele tipo de graça está presente. Então, tanto quanto seja sensato, porque a graça verdadeira nunca trabalha contra o bom senso. Tanto quanto seja sensato, se deve continuar no tema e depois passar para um tema análogo, etc., etc., para dar à graça ocasião de operar com aparência de naturalidade. É o hábito da graça. E isto forma o vaivém de nossas reuniões.
* As condições de sonoridade de um auditório podem ser notadas também em determinadas zonas do Estado de São Paulo
E isto forma também ─ é uma coisa curiosa ─ isto forma também com zonas de um país, zonas de um estado dentro do Brasil in concreto, e forma depois também com cidades dentro dessa zona.
Lembro-me no tempo que eu andava fazendo conferências aí por esse interior, largamente, largamente eu percebia certas graças pairando mais em certas zonas. Eu naturalmente conheço mais o estado de São Paulo, onde eu fazia minha propaganda, etc., etc., mas por exemplo, quantos são paulistas aqui, levantem o braço…
(Sr. J. Clá: Só tem italiano!)
Ahahahah! Eu estava pensando isso. Eu acho que os italianos são muito mais numerosos que os paulistas. Porque há italiano em Minas, há italiano no norte do Paraná, há italiano por toda a parte.
[Orações para o início do lanche.]
Mas, por exemplo, quand même, os ítalos-paulistas conhecem ─ eu presumo um pouco o que vou dizer, a zona norte do estado tinha todo um resto ─ os senhores sabem assim quando acaba uma cerimônia religiosa numa Igreja e fica o resto de perfume de incenso, o resto não só de perfume, mas umas névoas de incenso durante um pouco de tempo ainda ficam ─ havia algo disso no antigo Brasil da Igreja unida ao Estado pairando sobre a zona norte do Estado de São Paulo. Donde a oratória para essa zona devia ser de um determinado modo.
Agora, em outras zonas, pelo contrário, a trepidação do progresso tinha entrado muito, e a gente encontrava o seguinte: quando a gente ia para a zona tradicional, a gente podia ligar os registros da tradição. Mas quando a gente ia para as zonas novas, havia oposição contra o registro da tradição. Então a gente deveria primeiro fazer preceder o criar um ambiente de impulso e de categórico quando falava, para depois tornar claro que a gente estava falando em nome da tradição. Tornando claro assim que a tradição é algo de vivo e que vai para a frente.
Isso dependia das várias zonas assim.
Zona, por exemplo, meu bom Edwaldo de Ribeirão Preto, não gostava de orador com ar tristonho. Tinha de comparecer com ar alegre. Mas, em Ribeirão se apreciava a euforia do prazer, da alegria e a euforia do trabalho. Em outras zonas, só se apreciava a euforia do trabalho e no ar de boa disposição que o orador tinha de dar de si quando aparecesse, devia transparecer qualquer das coisas assim, para o público sentir sintonia desde o primeiro momento. Senão…
É muito delicado, é muito delicado.
* “Quem não é capaz de desafio não é capaz do nosso apostolado”. O maior fautor de silêncio que o Sr. Dr. Plinio encontrou foi a “HB”
Agora, tem uma coisa que faz parte das condições da sonoridade de nossa voz e é o seguinte: quem não é capaz de desafio, não é capaz de nosso apostolado. Mas desafio que vai de ponta a ponta do desafio, de maneira que aquele junto a quem se faz apostolado, a gente pode ser o mais gentil, o mais paciente, mais amável, mas é preciso que ele sinta no fundo que se ele fizer qualquer coisa, ele recebe um desafio daqueles. Senão, nosso apostolado agúa.
Agora, qual foi o maior fautor de silêncio que eu encontrei em minha vida? Os senhores pensarão que será o progressismo, será a esquerda católica… Não! [Foi] a “heresia-branca”, mestra no operar o silêncio, os silêncios cúmplices, os silêncios ofídicos. A “heresia-branca”!
Ela vela uma parte, ela põe em silêncio uma parte da doutrina Católica. E nisso já ela é uma silenciadora de primeira ordem. Foi contra ela que nós organizamos no “Catolicismo” uma seção que existiu durante muito tempo superiormente bem promovida pelo Dr. Castilho ─ era o encarregado da seção ─ e que eram as “Verdades Esquecidas”. Porque aquelas verdades se cravavam na cabeça do “heresia-branca” ainda que ele não quisesse, porque punham a nu tudo aquilo que a “heresia-branca” silencia quando ela fala de piedade, quando de todas as virtudes, ou expõe essas virtudes unilateralmente, de maneira que a gente não entende bem qual é o papel daquela virtude no conjunto da vida moral, ou ela deforma a virtude, unilateralmente.
Numa época como a nossa, cheia de ecumenismo, a gente dizer: “Ah, quem conquista tudo é a caridade! Sem o amor não conquistará.” É verdade, mas apresentado como se entende hoje, está silenciada toda uma coisa, porque a caridade quer dizer, amor de Deus. É claro que sem o amor de Deus não se consegue nada. Caridade não quer sempre dizer paciência e tolerância com o próximo. Às vezes a caridade leva à vindita! E por isso os senhores cantam tão adequadamente Deus ultor afulge.
Nada disso a “heresia-branca” quer. Os senhores sabem bem tudo quanto ela silencia, mas é o silêncio a la silenciador ofídico, porque ela silenciando afirma uma série de outras coisas.
Eu me lembro que um do tempo da “heresia-branca” me dizia:
─ Dr. Plinio, o senhor não trata o senhor arcebispo com respeito com que devia tratar.
─ Olha, as regras de educação que eu aprendi, eu emprego todas com ele muito escrupulosamente. Quem sabe se há regras que eu não conheço e que se deva empregar com ele. O senhor agirá com muita bondade se me contar essas regras. O senhor quer me ensinar?
─ Dr. Plinio, salta aos olhos!
─ Como assim?
─ A começar pelos olhos. Quando a gente fala com o senhor arcebispo, a gente fala o tempo inteiro de olhos baixos. O senhor não só fala com ele de cabeça em pé, mas o senhor olha dentro dos olhos dele!
─ Meu caro Sr. Fulano, pela educação que eu tive, a gente fala até com o maior rei do mundo olhando dentro dos olhos. Faz parte dos direitos humanos. É uma interlocução, eu devo captar tudo quanto ele queira me dizer, quer pelas palavras, quer pelos olhares. A análise do rosto da pessoa com quem falo não é um elemento para a intelecção do que ele está me dizendo? Não diz coisas mais imponderáveis, mas sutis, do que a própria palavra? Eu tenho direito de recusar alguma coisa que ele quer me dizer? Eu chamo isso de falta de educação. Nunca me passou pela cabeça que fosse falta de educação olhar. Não olhar, me pareceria falta de educação.
─ É, Dr. Plinio, é Dr. Plinio… O senhor quer dar a entender com isso que é de uma família ilustre, tradicional…
Eu não estava dando a entender.
─ Nós, pobrezinhos, não empregamos o mesmo sistema.
Era uma farpa para me chamar de orgulhoso.
Eu disse: “Olhe, francamente, se o senhor me der outros argumentos a favor do que o senhor está dizendo, eu de bom grado mudo. O senhor não me dando argumento, é um direito humano, não posso mudar de convicção. Dê-me um argumento.”
Silêncio. Com certeza depois o comentário: “Dr. Plinio raciocina muito bem, mas nem sempre ele raciocina segundo as vias da humildade…”
Não sei se estão vendo quanto silenciamento de verdade há em torno disso. Não há mentira, há silenciamentos de verdade, uma porção de verdades que ele nega, que ele omite, esses são os silenciadores.
Bem, o silenciamento faz-se até sob a forma de fingir que não percebe.
Eu passei, creio bem que, uns 50 e tantos anos de minha vida sem ter automóvel. Que idade eu tinha quando me compraram o primeiro Mercedes?
(Sr. –: [Foi em] 66.)
58 anos. Compraram um automóvel, mas de uma vez um automóvel magnífico.(…)
Façam-me mais uma pergunta. Uma pergunta que eu possa responder em cinco minutos.
(Sr. Guerreiro: Uma notícia.)
Está bom. Notícia é uma muito boa coisa.
(Sr. Guerreiro: Tudo o que o senhor levantou como hipótese da Reunião de Recortes, baseado no que dizia uma “x” pessoa, até mesmo contra a opinião dos jornais, o Sr. Mário Navarro grafonemou, sem saber da reunião, contando que teve um contato com altas personalidades de Washington e confirmam inteiramente a coisa.)
Eu sei que equação é essa.
Então, para terminar, eu digo aos senhores o que eu não disse hoje à tarde, mas… [Exclamações.] Pode dizer ao Júlio Loredo.
* Uma análise político-diplomática da situação do Brasil sob o paternalismo norte-americano: Seria pior se dependêssemos da Rússia
A ponta de trilho desse negócio, eu receio, não tenho certeza, mas receio, é o seguinte: que o Reagan peça como contrapartida uma mainmise dos empresários norte-americanos no parque industrial brasileiro, de maneira que grande parte das fontes de produção brasileiras e das atuais indústrias brasileiras fiquem debaixo da direção americana. O que significará que o Brasil será mais feudatário dos Estados Unidos economicamente do que era antes. E coloca o seguinte quadro ─ isso é o quadro para quem é bobo, porque tem outro quadro por detrás ─, o quadro que vem à primeira vista é esse: o Brasil do renque de palmeiras era um Brasil latino, católico e que aspirava a ser independente da Inglaterra de então. Foi posto debaixo do guante da Inglaterra. D. João VI, um rei pamonha ─ meus bons portugueses não me queiram mal, mas é o que ele era, mas um pamonha de primeira ordem. Não sei como se ensina em Portugal. Hein, meu Eurico! Como se ensina lá em Angola?
(Sr. Eurico: Quem mandava nele era a mulher, uma espanhola…) [Risos.]
É uma coisa que não ousaria dizer… [Risos.] Mas sobretudo não ouso negar, porque… [Risos.]
(Sr. J. Clá: O senhor entendeu o que estava por detrás?… Que quem mandava nele era a espanhola. Portanto, todo o mal da humanidade era a espanhola…) [Risos.]
Não foi o que ele… nem de longe! Eu entendi inteiramente o que ele quis dizer… [Risos.]
Mas eu estou vendo… então fica o Brasil de hoje, que deveria ser independente da Inglaterra. D. João VI o colocou e Portugal já estava bem na canha dos ingleses, mas muito mais ainda colocou-nos D. João VI. E, durante toda a monarquia o Brasil dependeu da Inglaterra.
Com a república, o Brasil começou a depender dos Estados Unidos, pior ainda. E agora nós ficamos numa alternativa: ou depender muito mais ainda dos Estados Unidos, perder muito mais ainda nossa independência ─ é uma saída ─, ou romper com os Estados Unidos, mas aí ficamos dependendo do apóio russo.
E o 7 de Setembro, a data da independência fica cada vez mais tênue, cada vez mais uma mera formalidade, porque se o Brasil recusar o apóio norte-americano, tem de aceitar o apóio russo.
Agora, o senhor veja como é que se passaria de um modo infeliz a situação se o Reagan fizesse a exigência, o Figueiredo não quiser aceitar, e o Reagan disser: “Ou é assim ou não tem nada.” E o Figueiredo então, num assomo de patriotismo sublime… dizer que ele não sabe o que vai ser do Brasil, mas colônia norte-americana, não!
E volta o Reagan para os Estados Unidos. Eu acho que no Brasil todo mundo bateria palmas a isso. Todo o mundo! Bem, uns seis meses depois, se veria que não tem jeito senão aceitar o apóio russo. E com essa aparente inabilidade, os Estados Unidos perderiam um aliado e o Brasil perdia um patrão. O Brasil ficava como escravo e não como empregado mais, e os Estados Unidos estavam sem influência na América do Sul inteira.
Bem, e aí a TFP se fizesse contra a influência russa a sapecada que fez lá com o Gaultieri na Argentina, a TFP ficava com ar de quem estava favorecendo a escravização aos Estados Unidos.
Então é para espremer a TFP e a TFP não ter saída. Não sei se me exprimo bem. Pode contar ao Júlio Loredo que é uma suposição, mas é uma suposição que tem suas aparências de verdade.
Com isso, meus caros, fugit e vamos andando.
Bem entendido, eu vou apertar a mão de todos na mão do João. [Exclamações.]
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