Conversa de Sábado à Noite (Êremo de São Bento) – 21/8/1982 – [AC V ‑ 82/08.26] – p. 17 de 17

Conversa de Sábado à Noite (Êremo de São Bento) — 21/8/1982 — [AC V ‑ 82/08.26]

Nome anterior do arquivo: 820821--Conversa_Sabado_Noite__b.doc

Com o “pacinismo” o fim dos homens‑símbolos e a era dos homens que simbolizam a massa * O simbólico de nossa época é não haver homens que se destacam da Massa mas gurús que captem o que ela quer; ex. de Kennedy e Roosevelt * A “cegueira” preternatural com que as pessoas consideram as grandíssimas proezas do Sr. Dr. Plinio * Contradições criadas pela Revolução para tornar antipática a maneira de ser do Sr. Dr. Plinio * A Sra. Da. Lucilia com seu simples modo de ser destrói as aparentes antíteses que a Revolução gosta de jogar contra a Contra‑Revolução * Analisando seu interior o Sr. Dr. Plinio encontra no carisma profético a explicação de sua superior inteligência * A instabilidade das pessoas na devoção à Sra. Da. Lucilia pelo espírito de auto‑suficiência * A implicância do auto‑suficiente com a Sra. Da. Lucilia porque ela oferece uma superabundância de bondade, de carinho e de proteção * A auto‑suficiência em relação ao Sr. Dr. Plinio Sendo * obrigado a morar fora de casa como o Sr. Dr. Plinio se despedia da Sra. Da. Lucilia todas as noites pelo telefone

Índice

* _ * _ * _ * _ *

* Com o “pacinismo” o fim dos homens‑símbolos e a era dos homens que simbolizam a massa

Então, quem é o pergunteiro da noite, Sr. Carlos Antúnez? Qual é a pergunta?

Entra meu Paulo Henrique, chega aqui! Nossa Senhora o abençoe meu filho!

(Sr. Carlos Antúnez: …o senhor falou do homem símbolo na História: Carlos Magno. O senhor poderia falar agora do homem símbolo contemporâneo?…)

Antes de tudo meus cumprimentos pela sua perspicácia, porque eu ajeitei tudo para falar a respeito de Carlos Magno, mas não cheguei a pronunciar o nome dele porque me escapou, e o senhor percebeu e está mencionando, até julgou ter ouvido de mim, quando de fato não falei. Estou gostando de ver.

Quanto a homem símbolo contemporâneo, a matéria é complicada… pela seguinte razão: é que junto com o “pacinismo” e a era Roosevelt‑Kennedy, etc., etc., foi‑se formando a idéia não de que não houvesse mais homens‑símbolos, mas os homens simbolizavam a massa.

O senhor analisando por exemplo Carlos Magno, seria chocante até comparar Carlos Magno com Roosevelt e Kennedy, é uma coisa que é chocante, mas enfim, como instrumento de trabalho pode‑se comparar um micróbio com o Pão de Açúcar, pode‑se comparar. E um micróbio malfazejo e o Pão de Açúcar podem ser comparados.

* As três qualidades que fizeram de Carlos Magno um homem símbolo

Mas enfim comparando: Carlos Magno é um homem que nos aparece um colosso porque ele reagiu contra tudo que havia de ruim na sua época e fez prevalecer algo que havia de bom, mas que ele levou — na pessoa dele o que havia de bom — à perfeição.

De maneira que o que havia de bom naquilo ele foi a figura da perfeição disso que havia de bom. E isso ele fez vencer.

Então ele fez essas coisas: ele primeiro contrastou, foi o contrário do que havia de ruim. Segundo, ele personificou ou simbolizou. Terceiro, ele levou à vitória. As três qualidades dele.

Mas em que a gente percebe que continuamente ele está tendo uma ação individual oposta em algum sentido, ou pelo menos quando não oposta, diferente na ação dos outros.

Quando ele contrasta é evidente, mas quando ele personifica, aquilo ficaria um magma sem personificação na expressão, senão fosse ele. E quando ele leva à perfeição, percebe‑se que historicamente aquilo não teria alcançado sua perfeição se não fosse ele.

Ele portanto indica aos outros aquilo para que os outros sem perceber tendem. Ele é, por assim dizer, a explicitação dos ideais dos outros.

Não sei se estou me exprimindo adequadamente?

* O simbólico de nossa época é não haver homens que se destacam da Massa mas gurús que captem o que ela quer; ex. de Kennedy e Roosevelt

Agora, na nossa época o que é simbólico de nossa época é não haver assim, não haver homens assim, porque esses homens se destacam da massa, constituem sobre a massa uma influência e um poder. E eles têm às vezes um mero poder de fato, que se transforma num poder de direito. Às vezes é um poder de direito que eles levam até a sua mais alta expressão.

Kennedy e Roosevelt não, eram homens que personificavam o que todos queriam, não lutavam contra ninguém, mas entravam em acordo com todos para que o que os americanos queriam e que os outros contrários aos americanos queriam também, entrasse numa composição para um mundo futuro.

Eles portanto, em vez de serem batalhadores eram fabricantes de acordos que estariam implícitos na alma de todos. Portanto eles seriam profetas do ecumenismo? A resposta: sim! Mas é um tipo de profetismo em que o profético é a massa, eles são o guru, o médium que capta o que a massa quer e executa. E não os grandes homens que se destacam da massa e a levam. Não são os chefes.

* A distinção entre o santo católico e o médium espírita na direção de uma nação

Aí o senhor tem, por exemplo, uma distinção entre o santo católico e o médium espírita. O santo católico faz na ordem que lhe for própria, — às vezes é uma ordem puramente espiritual, Santa Teresa de Jesus; às vezes é a ordem espiritual‑temporal, pode ser também numa ordem meramente temporal — ele faz um trabalho parecido com o de Carlos Magno.

O guru não, o espírito aparece para ele e ele diz o que o espírito disse, mas ele não se transforma em nada, é um telefone do espírito, ele capta a mensagem e transmite, mas ele não a simboliza, não a personifica e não incita os outros a seguirem, ele apenas diz: “Eu ouvi dizer isso, um espírito me disse tal coisa”.

Isto era em relação às aspirações do norte‑americano daquele tempo, era o Roosevelt, depois o Kennedy e de todos os homens da boa‑vontade. Era uma sociedade secreta que havia, espalhado pelo mundo e que queria o ecumenismo, o pacifismo, etc… Então era inteiramente diferente.

* Homens célebres de nossa época: “não símbolos” ou “símbolos do não”

Então, nossa época não engendrou homens célebres que fossem outra coisa senão “não símbolos”, ou “símbolos do não”.

(Sr. Carlos Antúnez: Sim, do lado da Revolução.)

Do lado da Revolução, mas nossa época não teve celebridades, no sentido pleno da palavra, do lado da Contra‑Revolução.

[Risos]

(Sr. João Clá: É certo que não teve.)

Não teve, nem tem.

[Exclamações e risos]

Por mais que os senhores queriam ver até os seus últimos confins o alcance da “Mensagem”, o que é a celebridade mundial de um Kennedy, de um Roosevelt, uma coisa fenomenal!

(Sr. Carlos Antúnez: …naquele texto lido na Reunião de Recortes, vê‑se que o comunismo atua em função do senhor que é adversário dele.)

Não foi bem, eu compreendo que o afeto filial possa levá‑lo a pensar isso, etc., etc., são os louváveis exageros do afeto filial, mas não foi bem o que eu disse, eu disse uma coisa diferente, eu disse que ele adotava exatamente a visão panorâmica interna e teoria da ação dentro da Igreja, ele tinha naqueles tópicos idêntica a nossa.

E que a descrição que ele vê dos nossos problemas era surpreendentemente verdadeira e confirmativa do que nós pensamos. Isso é verdade. Agora eu não disse que aquilo tinha sido pensado em função de mim, embora seja fácil me colocar naquele plano porque eu sou — nós somos — um fenômeno, nós somos um fenômeno típico dentro da Igreja.

Que é exatamente quando as melhores intenções da Providência refluem sobre poucos. E a esses poucos cabe démarrer. Mas que eles tivessem essa intenção eu não disse. Quer dizer, o senhor terá concluído, terá… mas eu não disse nem insinuei.

(Sr. Carlos Antúnez: Isso é certo.)

Ah! Bom! Isso é sua convicção, isso é outra questão.

Eu sei que estou antipaticíssimo, mas o que [é] que eu posso fazer!…

Sozinho o Sr. Dr. Plinio detectou e denunciou o governo secreto montado pela Revolução desde a década de 40

(Sr. Carlos Antúnez: …o senhor dizia no almoço de ontem que um homem que funda uma família de almas, que personifica toda uma nova era, é o símbolo disso.)

Símbolo sim, que eu seja símbolo da Contra‑Revolução, sim, mas símbolo célebre, por enquanto, na História não.

[Exclamações]

Eu nunca imaginei que as aclamações do auditório resultassem num tal desacordo aqui, mas…

Mas eu vou dizer ao senhor, para o senhor ficar vendo que eu não estou fazendo aqui “modestosa”, que é a coisa que eu mais detesto, eu vou dizer ao senhor e na intimidade desse punhado de filhos que estão aqui; eu vou dizer ao senhor uma reflexão que cabe, mas que não é uma reflexão que corresponda à celebridade, é uma coisa muito diferente.

É senso comum que para planejar o que a Revolução fez de 1940, digamos, para cá mais ou menos; para planejar isso nós devemos imaginar um governo secreto prodigiosamente bem organizado, dotado de homens extraordinariamente capazes e dotado de agentes de informações, de apresentadores de dados, de coordenação, extraordinários.

A tal ponto, que nós várias vezes temos conversado como é que seria suposto que esse governo esteja no Tibet e há razões para simpatizar com essa hipótese, como é que seria nos antros do Tibet esse governo, etc., etc., etc…

Todo mundo toma isso como líquido e entra na conversa desde que aceite a existência desse governo secreto.

O problema com gente de fora não seria de discutir que tamanho teria o governo secreto, o problema seria de persuadir que o governo secreto existe.

Persuadido que o governo secreto existe, é de tal maneira de bom senso que isto deva ser como estou dizendo, que ninguém discutiria. E eu penso que aqui na sala ninguém discute.

Agora, eu creio, — está de acordo estritamente com o que eu escrevi no “Réfutation” e foi aprovado por Dom Mayer — eu creio que é uma coisa que excede os limites da inteligência humana, mesmo muito bem aparelhada e que se dedique com muita atenção a isso; que o que seria preciso um tal aparelhamento, — vamos dizer, contando pelo menos com uns dois mil a cinco mil funcionários — um tal aparelhamento para conceber e montar, que um só na leitura dos jornais tenha percebido no primeiro momento e visto ponto por ponto, ele sozinho, eu creio que isto excede ao limite do talento humano e é uma verdadeira proeza. Mais do que uma verdadeira proeza, nem sequer é uma grande proeza, é uma grandíssima proeza!

Para o senhor ver que eu não estou fazendo “modestosa”. Eu estou portanto, ajudando os senhores a considerarem uma coisa que para a própria formação dos senhores é útil. Porque podem não ter explicitado, podem não lhes ter ocorrido esta forma inteiramente ordenada de ver uma coisa que grosso modo se vê.

* A “cegueira” preternatural com que as pessoas consideram as grandíssimas proezas do Sr. Dr. Plinio

Eu creio também que há uma coisa interessante no seguinte: que as pessoas a quem digo isso, — aqui por exemplo eu estou dizendo — eu já disse mais ou menos coisas parecidas, falei do acerto dessas conjecturas no nosso trabalho, e mostrei que era extraordinário, etc., e disse que eu achava que graças a Nossa Senhora, graças a Deus, eu tenho uma boa inteligência, mas que o que [foi] feito excede à minha inteligência. E as pessoas aceitam de boa mente.

Mas há um “anticorpo” qualquer por onde as pessoas não se perguntam o seguinte: excede de quanto? Quer dizer, está bom, excede…

(…)

… “modestosa”. Eu estou fazendo uma coisa singularíssima, os senhores nunca me veriam fazer, é a apologia de mim mesmo.

Bem, esta cegueira dos outros ainda é outro fenômeno. O que [é] que se passa em torno de mim para que a meu respeito se seja tão cego. E a cegueira não é… — vejam bem, hein?! — é muito menos dos meus inimigos do que dos meus amigos. O que [é] que se passa?

Há uma coisa que também não está de acordo com as regras de psicologia e que portanto, não está também na linha do natural, é agora o preternatural. Porque é claro que isso é assim. Está na linha do preternatural.

Agora, uma pessoa em torno da qual de tal maneira jogam as luzes do sobrenatural e as penumbras poluídas do preternatural, esta pessoa não está nos planos de Nossa Senhora num lugar todo especial?

* Os que nada vêem de extraordinário nos dons do Sr. Dr. Plinio acham razoável entretanto que ele se sujeite a exames de consciências brutais

Em função disso eu conto de vez em quando a esse ou aquele propósito, exames de consciência severíssimos que eu faço a meu respeito.

As pessoas que não vêem nada de extraordinário no que eu acabo de contar, acham entretanto a brutalidade desse exame de consciência inteiramente razoável. Embora esse exame de consciência só se explique à vista de uma situação especial que eles não admitem, para [a que ?] [o qual] fecham os olhos.

E aí eu poderia multiplicar o número dos non sense em torno de mim, mostrando que eu sou obrigado a caminhar numa labareda de luz e de confusão, um pouco parecido com a coluna de fumaça e de luz que precedia o povo eleito no deserto.

Há fumaça e luz, eu não sei qual é o simbolismo disso, eu não fui procurar isso no bom [Cornélio] a Lápide, etc., etc., a metáfora me ocorre aqui no momento e eu estou a dando como ela aparece no meu espírito, eu não quero prejulgar como ela deva se entender segundo uma exegese científica, mas eu dou uma metáfora que eu uso familiarmente aqui, mais nada do que isso.

Isso não espanta as pessoas de nenhum pouco.

Então a coisa assim…

(…)

* A atitude desconcertante e faltosa de reconhecimento dos membros do Grupo para com o Sr. Dr. Plinio

são facilmente presas do messianismo, era um messianismo que o Grupo tinha.

A gente diz: “Mas não é uma coisa meio singular que o messianismo se realize?”. Diz a pessoa: “Eu não nego, — não diz que afirma — eu não nego, é singular, mas se você toma o todo dos acontecimentos, desde o momento em que no seu espírito germinou uma esperança assim e que você comunicou aos seus, até o momento em que a ‘Mensagem’ saiu e se divulgou, você vê que ponto por ponto tudo tem explicação. Logo o conjunto não pode ter qualidades diferentes das partes, o conjunto tem uma explicação”.

A gente dirá: “Tenha paciência! Mas não é como se raciocina, quando se sabe que Deus existe e que um determinado conjunto de coisas inteiramente imprevisíveis e improváveis que se realizam [de maneira] inteiramente surpreendentes, diz‑se que ali está a mão de Deus. É o hábito mental tradicional nos católicos, velho como tudo”.

Você o que me diz a isso meu Carlos Antúnez? Você está prestando atenção em outra coisa, a prosa morre.

Bem, esta conduta é uma conduta ela mesma estranha também. Quando ela é de gente que entretanto anda conosco. Porque se é inimigo… está bem, mas quando é de gente que anda conosco é também desconcertante.

Essas coisas são coisas todas elas extraordinárias, nós poderíamos, — aos poucos, não de uma vez numa enxurrada — mas aos poucos ir mencionando outras. Mas a nossa história está cheia de coisas assim.

Isto deve nos animar muito mais do que a celebridade. E nós portanto não precisamos imaginar uma celebridade que temos apenas germinando, apenas aparecendo no firmamento de celebridade, com a celebridade já consumada e que tenha chegado ao zênite prodigioso. Os senhores hão de reconhecer que a causa está bem advogada.

Mas eu acho que nós não devemos passar a noite inteira em torno de um só tema, podemos variar.

* O modo combativo de ser sincero e afetuoso do Sr. Dr. Plinio e a falsa amizade do pacifista

(Sr. Carlos Antúnez: Falta um ponto: o papel da Sra. Da. Lucilia nos símbolos da Contra‑Revolução.)

Eu estava dizendo hoje à noite no auditório o seguinte, que o meu modo normal de começar a reunião — se eu não me coibisse para não repetir sempre a mesma fórmula —, seria por exemplo essa: “meus caros, meus caríssimos, meus filhos”. E isso era assim e tinha poder de comunicação e de convicção porque eu era um homem combativo. Porque há certas formas de sinceridade e de intensidade de afeto que é só dado aos combativos ter.

E eu não acredito na amizade do pacifista. Ele se põe como amigo de todos, mas bem precisamente o que ele não é, porque o homem que não quer brigar com ninguém não é amigo de ninguém.

Por quê? Porque ele pelo modo de ser dele já dá a entender o seguinte, na primeira versão — que se houver injustiças na presença dele, toda injustiça se resolve mediante um diálogo pacifista e que, portanto, ele não precisa [punir], porque essa injustiça se resolve.

Mas se a gente apertar a gente dirá o seguinte: “Está bom, mas eu quero saber o seguinte: fulano me caluniou, eu provo que aquilo é uma calúnia. Não se trata de fazer um diálogo para saber se eu sou inocente, ele é calunioso.

Nem basta que alguém que tenha dito que eu sou, não sei, um vendedor de tóxico, para automaticamente ser verdadeiro que eu um pouco sou e um pouco não sou, e que existe um resíduo de verdade no que ele diz como no que eu digo.

Que é uma posição que não é possível! Eu portanto tenho razão, eu não sou um vendedor de tóxico e provei. Agora eu quero que ele se desdiga, eu tenho direito a isso.

Tenho dois direitos: um direito é porque eu tenho direito à minha reputação, outro direito é porque eu tenho direito de vê‑lo punido.

Se ele fosse meu amigo ele se associava a ambos os meus desejos e punia o outros. O “pacinismo” não faz isso, entre o caluniador e o caluniado ele mantém, “arranja e coisa etc., etc., etc.”, onde o caluniado no fundo tem que ver a impunidade da calúnia feita contra ele.

E a gente percebe na conduta dele que se a gente quiser forçá‑lo a uma atitude lógica, ele briga conosco, mas com o caluniador ele não briga. Quer dizer, eu não acredito nele. Essa é uma das mentiras da Revolução.

* Contradições criadas pela Revolução para tornar antipática a maneira de ser do Sr. Dr. Plinio

Outra mentira da Revolução é a seguinte: todo mundo que tem certa elevação na ordem das coisas, por certa distinção, certa linha, não tem pena dos que não têm a mesma elevação, distinção e linha, e faz sentir essa superioridade por uma razão de falta de misericórdia. Logo, espírito hierárquico e bondade são incompatíveis. E a bondade consiste no igualitarismo. É uma coisa corrente.

Outra é: intransigência e bondade são incompatíveis, porque a intransigência faz sofrer, o próprio da bondade é ter horror ao sofrimento, logo o próprio da bondade é ter horror à intransigência.

Eu poderia apresentar ainda outras contradições desse mesmo gênero. Os senhores podem ter certeza que essa contradições têm um peso enorme para tornar antipática a causa da Contra‑Revolução. Mas um peso enorme!

Vamos dizer, por exemplo, a gente nota isso quando vai ver os preconceitos que circulam sobre Maria Antonieta: “Não era boa, porque era rainha; era orgulhosa porque era rainha e porque era bonita…”.

Porque segundo essa escola não se pode ser muito bonito, porque não se pode ser muito nada, porque a gente sobressai em relação aos outros e faz os outros sofrerem, daí para a frente.

Bom! Como eu devo simbolizar a Contra‑Revolução acontece que facilmente eu me exponho que se diga isso a meu respeito, e inclusive no subconsciente de gente que me é muito cara, algo disso existe com certa freqüência. Não nos iludamos!!

* O modo de ser da Sra. Da. Lucilia provava que várias dessas “pseudo‑contradições” não existiam

Bom, qual é o papel de mamãe?

É o modo de ser dela prova que várias dessas “pseudo‑contradições” não existem. Então tomem, por exemplo, a ação dela sobre as almas é uma ação a mais materna possível, mas é uma ação intransigente. Quer dizer, ela conduz ao cumprimento dos Mandamentos e a fidelidade à Providência, e se não for isso a gente percebe que há uma ruptura com ela, com todas as bondades ela é intransigente.

Tomem o Quadrinho, o Quadrinho reluz bondade…

(…)

[Blackout no São Bento que deixa a reunião às escuras]

Hummm!”.

(Sr. João Clá: É o ódio do demônio. Tocheiros.)

Mas é em todo prédio que fechou a luz, não?

(Sr. João Clá: Acho que é no bairro.)

Olha um pouco pela janela para ver se as janelas do bairro estão acesas ou não.

(Sr. João Clá: É no bairro sim.)

Ah! Porque se não fosse no bairro era o caso de mandar fechar as portas com muito cuidado e isso está feito, não?

(Sr. João Clá: Não. Quem tem as chaves das portas?)

Aqui no São Bento só há duas portas, não é João? Ou três?

(Sr. João Clá: Duas.)

Mas não tem a porta da cozinha?

(Sr. João Clá: Ah! Sim, três.)

* A Sra. Da. Lucilia com seu simples modo de ser destrói as aparentes antíteses que a Revolução gosta de jogar contra a Contra‑Revolução

Pois bem, outro lado, o modo dela se apresentar e de ser é inteiramente o modo de ser de uma senhora da elite no tempo dela e portanto, a léguas do padrão democrático hoje em dia em vigor. Mas por outro lado, transluz de bondade.

Quer dizer, uma porção de aparentes antíteses dessas, que a Revolução gosta de jogar contra a Contra‑Revolução, ela destrói simplesmente pelo seu ser, sem mais nada, apenas porque ela é, porque ela está presente, ela provoca essa destruição.

E debaixo desse ponto de vista ela ajuda a que os membros do Grupo me compreendam um pouco, porque está na ordem das coisas, eles percebem através dela como essas coisas que levam muita gente a pensar que eu sou um Ferrabrás, um tirano, etc., etc., como é que essas coisas são na realidade. Aí esta o papel dela.

Meus caros, os senhores conhecem uma frase que começa com a palavra…

(Todos: “Nãooooo!”.)

Nem querem ouvir a palavra…

(Sr. João Clá: A palavra é: “summus in aeternitatis…)

Ah! Sei… Fugit! Não é?

Nelson Fragelli, você ia fazer uma pergunta, meu Nelson?

* Analisando seu interior o Sr. Dr. Plinio encontra no carisma profético a explicação de sua superior inteligência

(Sr. Nelson Fragelli: Todo homem percebe mais ou menos o alcance de sua inteligência, se ele é levado a fazer algo muito além tem uma surpresa. O senhor teve essa surpresa?)

Em alguma medida sim. Quer dizer, foi uma surpresa, mas não foi um choque. Alturas tanta ou quantas dessa caminhada… até a coisa foi assim, eu comecei a ouvir elogios à minha inteligência dentro do Grupo à propósito do acerto de certas previsões. Elogios até enfáticos.

E eu me perguntei a mim mesmo, quando ouvi assim os elogios, eu tive a sensação de que algo não correspondia bem à realidade, mas não dei maior importância e pensei: “Quando eu estiver só eu vou pensar nisso”. Depois só eu pensei, digo: “Vamos ver um pouquinho como é que é”.

E achei no estilo dos elogios algo que não me descrevia: “O Plinio com um golpe de vista de águia pegou tal coisa”. Golpe de vista de águia, está bem, mas vamos um pouco devagar, porque eu não sou de golpes de vista bruscos, vai ver que é “pseudo‑brusco”, foi precedido por um cúmulo de impressões muito longo, muito ordenado, em certo momento fez‑se uma sucessão de imagem, fez‑se o raciocínio e o fiat lux. Mas não é isso.

Assim umas outras qualidades que me eram atribuídas, mas que não me descreviam. Então, disso: mas como é que eu sou? E olhei para meu interior com a naturalidade com que todo homem olha para o seu quarto de dormir, quer dizer, é meu interior! Para cada um de nós seu próprio interior não tem nada de extasiar, é o eu mesmo.

Aí eu me disse: “É verdade que isto representa o trabalho de uma inteligência superior, mas até lá eu percebo que eu não chego, embora saiba que sou bem inteligente, até lá não chego”. Aí que me veio a idéia: bom, mas então quem é que faz a diferença, quem é que cobre a diferença?

Então, ao me lembrar de mim mesmo raciocinando sobre tal ponto, sobre tal outro, etc., etc., eu não senti nenhuma ação direta da graça, mas senti — percebia, rememorando‑me — que nada contradizia essa hipótese. Então, se nada contradizia e razões muito sérias indicam, eu a tomo como verdadeira.

Se a Igreja admite que até o carisma de curar pode cair sobre um desses curandeiros baratos que está aí, porque o carisma profético — que é um carisma como outros — não podia cair sobre mim? Eu não sou tão menos do que um curandeiro barato.

Mas tudo isso foi feito com muita calma. Depois ainda pensei: “Mas a conclusão é grande demais para que eu admita como verdadeira sem mais nem menos, vou submeter isso a crítica depois”. Várias vezes submeti a crítica depois disso: “Não, não tem nada!”. Aí comecei a dizer: é assim, etc., etc., etc…

Depois, quando afinal o Átila começou a estudar o profetismo, com os estudos do MNF, mas coincidindo um tanto com o… [faltam palavras]. Estando em Paris, verificou‑se que toda minha observação era inteiramente conforme os dados teológicos do caso. Então escrevi na “Réfutation”. Ainda pensando: “Se houver, talvez, algum erro nisso e que alguém refutar, eu digo: com todo gosto eu reformo o que eu disse, se for doutrina da Igreja”. Não refutaram.

* Desde a infância sabendo deduzir os limites de sua pessoa e o papel da graça; ex. das brigas de menino

(Sr. Nelson Fragelli: Na infância do senhor já havia esse acréscimo?)

Não, é onde esse acréscimo fica mais claro, porque eu tinha momentos da graça da inocência, que eu percebo que me preparavam para… [falta uma palavra] …, em que eu tinha descortinos colossais, mas na ordem da “transesfera” e outras coisas assim, colossais! Ao par de em outros campos limitações violentas, até inferiores à media. O que me levava a deduzir bem os limites meus e o tamanho da graça.

Vou até dar um exemplo entre cem outros:

O senhor conheceu… [faltam palavras] …a passou de quem vou falar: o Fábio. O Fábio tinha um esprit de repartie muito mais leve, muito mais alígero e muito mais incisivo do que o meu. Ele não tinha a profundeza do que eu penso.

Eu queria muito bem a ele, mas é uma coisa notória, não tinha a profundeza que eu penso. Mas esse esprit de repartie, vivaz, mordaz, “espadachinesco”, sempre me faltou desde pequeno nas brigas de menino. Eu fui educando a minha lógica com o tempo, com um porrete, preparando a duras penas para a luta. Mas o senhor vai ver, todo artigo meu, tudo que eu escrevo, é uma coisa ordenada, não tem…

[Vira a fita]

as limitações. E portanto o que não é limitação.

* A instabilidade das pessoas na devoção à Sra. Da. Lucilia pelo espírito de auto‑suficiência; “é preciso ser um só com ela”

(Dr. Marcos Ribeiro Dantas: Gostaria que o senhor aprofundasse mais esse assunto da influência da Sra. Da. Lucilia em nos tornar menos influenciado pelo contexto de fora.)

O que eu tenho notado muito é o seguinte, no caso dela, é que há um grande número de pessoas que se encontram nesse caso: recebe graças pela intercessão dela. Enquanto dura a lembrança dessas graças uma posição muito comovida e muito fervorosa, depois isso se esvai.

No esvair‑se é a fraqueza humana que não sabe ser grata, nós já temos dito que a gratidão é a mais frágil das virtudes humanas e portanto, etc… Mas outra questão diversa é a seguinte:

É que em geral as pessoas nas quais se esvai, sem culpa delas, a lembrança viva dessas graças, revelam uma espécie de recalcitração em voltar a apelar para ela e pedir para ela, que vai muito além da aridez, que fica no limite do inexplicável, roça por uma espécie de incompreensão e antipatia. Não uma antipatia militante, mas uma coisa assim amuada: “Não quero pedir!”.

Até que, pela intercessão dela, a pessoa de repente, não sei o que é que se dá, que em certo tipo de apuro é levada a pedir alguma coisa a ela. Pedindo obtém, e volta a ação daquele enlevo daquela consolação.

Até que desapareça nesse gênero de almas um certo gênero de obstáculo interior em ser um só com ela e, vamos dizer, simpatizar com ela veementemente e estavelmente.

Ora, é o que manifestamente ela parece pedir nas graças que ela confere, porque enquanto a pessoa está sob a ação de uma graça recebida por ela, a pessoa compreende perfeitamente certas coisas.

Por exemplo: compreende perfeitamente a sua insuficiência, o mito da auto‑suficiência, — muito revolucionário e espalhado nem sei em que proporções — o mito da auto‑suficiência se desarma e desaparece. Então a simpatia, a propensão por alguém que nos ama, que nos quer, mas que nos vê com uma certa compaixão um pouco sorridente e que nos promete seu afeto; isto volta à tona.

Quando as pessoas esquecem o estado de espírito de auto‑suficiência, reaparece e a pessoa não quer ser objeto de tanto carinho nem de tanta amizade, porque quer abrir [por se ?] seu próprio caminho.

Eu suponho que eu esteja sendo bem entendido!?

* A auto‑suficiência como pressuposto da doutrina comunista e sua relação com “orfandade e neurose”

Já está muito tarde, os senhores todos estão sentindo isso, mas é preciso notar o seguinte, que a auto‑suficiência é o próprio pressuposto tanto da doutrina liberal como da doutrina comunista.

Na doutrina… na idéia dos cidadãos livres e iguais o que está é que como são todos iguais cada um se basta a si próprio, porque se houver alguns que precisam de outros a desigualdade desaparece. E desaparece em rigor da justiça, porque se alguém deu e o outro recebeu, ficou obrigado. O modo pelo qual a gente agradece é: “muito obrigado”.

Quer dizer, estou obrigado a algo em relação a aquele. É isso que quer dizer. Remercie, remercier, estou à sua mercê pelo que você me fez. O vínculo por assim dizer feudal vai se impondo, enquanto na auto‑suficiência não: cidadãos livres, iguais, que todos votam, cada um deposita o voto na urna e vale tanto quanto o voto do outro e a soma aritmética do que foi apurado é o caminho a seguir.

É uma coisa curiosa que o hábito da auto‑suficiência constitui uma espécie de orfandade, fonte de quantas amarguras interiores eu nem sei quantas dizer, quantos isolamentos, quanta coisa.

Eu creio que entre a auto‑suficiência, orfandade e neurose, há uma relação muito próxima, muito próxima. Muitas, muitas, muitas vezes eu me pergunto se eu não tivesse tido pairando sobre mim o afeto de mamãe, se eu seria um homem calmo como eu sou.

E se eu teria tido a facilidade de compreensão e a apetência da devoção a Nossa Senhora que é isso levado a um grau “super”, enfim, no nível de hiperdulia.

Eu percebo, entretanto, que essas situações falsas criam uma espécie de apego, porque o homem é uma criatura muito esquisita e é cheio de posições paradoxais.

E quando ele tem um paradoxo bem besta, ele adora o paradoxo dele. A genialidade dele está no paradoxo besta. E ele ao mesmo tempo que sofre de tormentos da auto‑suficiência, não gosta de ser ajudado porque “ele resolve”.

Eu não sei se estou me exprimindo!?…

(Todos: Sim!)

* A implicância do auto‑suficiente com a Sra. Da. Lucilia porque ela oferece uma superabundância de bondade, de carinho e de proteção

Não vou perguntar aos senhores quem dos senhores conhece gente auto‑suficiente, que levante o braço, porque eu sei que é uma floresta de braços.

Esta posição leva a pessoa a implicar com ela, porque ela oferece uma superabundância de bondade, de carinho, de proteção, mas em que a dependência aparece e a auto‑suficiência leva à breca.

O indivíduo não pode ser o grande homem que ele queria ser aos seus próprios olhos, o dono de sua própria vida e que resolve porque ele é um grande homem… e pelo contrário tem que reconhecer que foi porque houve em relação a ele uma coisa chamada misericórdia, compaixão, dada por quem não tinha obrigação, que ele foi tratado como filho por quem não era mãe, que isto foi inteiramente gratuito e que lhe deu em abundância o que ele não podia esperar, acompanhado da sensação de que ele não vive sem isso. Isto, nas hora que não está presente, leva‑lhe esta esperança tonta: “Eu agora quero ver se eu vivo sem ajuda dela”.

(Sr. –: Que horror!)

É, algum dos senhores exclamou “que horror!”, exclamou bem, é um horror! Mas por isso mesmo provável. Há o provérbio espanhol: “piensa mal y acertarás!”. E as coisas são essas, não são de outro jeito.

* A auto‑suficiência dos leprosos do Evangelho que não agradeceram a cura a Nosso Senhor

Por exemplo os dez leprosos do Evangelho, nove não foram agradecer. Por quê? No fundo auto‑suficiência: “Ele nos curou, mas de fato dizem que quem bebe água de tal riacho assim…”, lá vem a coisa.

Mas por quê? Porque ele que encontrou o riacho, que bebeu, não teve um poder superior a ele que lhe deu aquilo. Se os leprosos fossem falar com Nosso Senhor, Nosso Senhor os receberia transbordando de bondade, mas o mito de que eles resolveram o caso deles desaparecia.

E o senhor está vendo bem que esses leprosos andaram “megalando” que eles tinham se curado desse jeito ou daquele, enfim… o senhores estão vendo, não preciso demonstrar isso, é tão próximo da evidência que não vou perder tempo.

Eu acho que o vício, — há um provérbio português, a menos português do Brasil: “o uso do cachimbo faz a boca torta” — o vício da auto‑suficiência cria a pessoa [para] não [querer] receber socorro. Mas é, volto a dizer, um vício profundamente revolucionário!

O senhor vê bem quanto o espírito revolucionário se atenuaria se esse vício diminuísse! O senhor vê bem como ela atua profundamente no sentido contra‑revolucionário! Mas as pessoas não querem ver!!

Então…

(…)

é uma pergunta que fica como uma resposta à sua pergunta. Vem tarde. Meu coronel, você quer perguntar algo?

(Coronel Poli: …)

Meu bom Edwaldo?

(Dr. Edwaldo Marques: …)

Meu Fiúza?

(Sr. Marcos Fiúza: …)

Meu caro Paulo Henrique?

* A auto‑suficiência em relação ao Sr. Dr. Plinio; a situação de um bispo que recebesse seus conselhos

(Sr. Paulo Henrique: No nosso relacionamento com o senhor creio que o pecado maior é o de auto‑suficiência, porque está ligado ao pecado de orgulho.)

É diretamente isso. Quer dizer, o que dava às pessoas um repelão é a auto‑suficiência. Às vezes é uma comparação, mas o mais freqüente é auto‑suficiência.

Uma pessoa me disse isso assim: “Você se queixa de que esses ou aqueles bispos não ouvem a você, eu acho que os planos que você dá a eles são magníficos, mas você procede não sem uma certa ingenuidade em relação a eles, porque você aconselha a eles colocado na sua posição de leigo, aconselhando a eles que são bispos.

Você não se dá conta que o bispo a quem você aconselha, — vou dizer como ele me disse — muitas vezes não tem capacidade para executar esse plano a não ser se ele pedir o seu apoio. E eu compreendo, porque se eu fosse bispo eu seria assim de nunca aceitar um plano que dependesse do apoio seu, para nada!”.

E completou o pensamento que rumava para o seguinte: “Você leva a causa à vitória na diocese, mas o bispo está aniquilado, porque depois basta você brigar com ele por uma questão qualquer de amor próprio, que ele estará entalado numa política da qual você sabe sair, ele não sabe sair”.

Não foi um eclesiástico que me disse isso, mas você vê o que há aí de auto‑suficiência. Quer dizer, se ele fosse bispo, ele colocado para levar uma diocese para Nosso Senhor, encontrando um homem de fidelidade comprovada — porque não é um tonto qualquer — com quem ele pode utilizar para levar, ele prefere não levar a Nosso Senhor para ele poder fazer o que ele entender.

Agora, os senhores não acham que haveria muita gente que colocado como bispo agiria exatamente assim!?

(Sr. –: Todos!)

De cara, diretamente!

Então também nunca os reis teriam grandes ministros, nunca os generais teriam grandes chefes de Estado Maior, nunca haveria grandes conselheiros, nunca haveria nada! É o mandão.

Está bem, mas na esfera privada, pequena, não é isso também? E quando eu engajo uma pessoa a entrar numa certa linha de ação na esfera privada, e que a pessoa percebe que para seguir isso precisa meu apoio, também não tem o mesmo repelão? É obvio!

Não é meu Paulo Henrique?

(Sr. Paulo Henrique: Perfeito!)

Meu caro Guerreiro Dantas?

(Sr. Guerreiro Dantas: Eu sairia do tema…)

Fugit!… Bem, diga!

(Sr. Guerreiro Dantas: O tema que queria perguntar não é muito harmônico com o fluxo do assunto, deixo para outra ocasião.)

Deixo a seu critério.

Se os senhores encontrassem uma pessoa com os olhos meio mortiços, com um deles meio vermelho, muito cansada, porque o trabalho moeu a pessoa durante o dia; os senhores fariam uma pergunta a essa pessoa? Não fariam, não é? Então…

[Risos]

Então eu sugiro que nós encerremos.

Meus caros, com muito pesar para mim o cumprimento não vai ser individual a não ser para os titulares da reunião.

(Sr. –: Fatinho!)

(Sr. João Clá: Se o senhor podia contar…)

É heróico isso, ouviu, tal o cansaço em que ele está…

(Sr. João Clá: Eu?!)

É! É meu andaluz!

(Sr. João Clá: Não…)

Você está desfeito de cansaço, diga!

(Sr. João Clá: O senhor podia contar como se despedia dela à noite, e como ela entrava no quarto, etc… O senhor contou um vez muito vagamente.)

Ahah!”. Contei há pouco tempo meu João!

(Sr. João Clá: Não, é pergunta… [inaudível].)

[Exclamações]

Isso é demagogia da mais pura…

(Sr. João Clá: Os espanhóis não sabem.)

[Exclamações]

Eu tenho impressão que quem ouvisse da rua nossa reunião pensaria que o Grupo está numa grande cisão.

[Risos]

Eu vim as três hora da manhã salvar o Grupo de um naufrágio, infrutiferamente.

[Risos]

* Sendo obrigado a morar fora de casa como o Sr. Dr. Plinio se despedia da Sra. Da. Lucilia todas as noites pelo telefone

Então eu conto rapidamente, eu conto um gênero de fatos, mais rápido possível, no tempo em que isso se dava mais caracteristicamente.

Houve um tempo em que ela tinha uma casa que estava alugada por um preço miserável, era uma casa de bom tamanho, podia render um bom aluguel, estava alugada por um preço miserável. E nós fizemos uma ação de despejo do inquilino, — eu fiz com procuração dela — do inquilino, alegando o direito que o proprietário tinha de pedir a casa para residência própria ou de seu filho e dizendo que eu ia morar lá.

Era uma casa que não era num bairro residencial, nenhum pouco, mas eu fiz a ação. Mas depois havia pena de dois a três anos ou cinco anos de prisão se o proprietário não ocupasse a casa de onde tinha desalojado o inquilino, e tinha que ocupar durante um ano.

De maneira que mais ou menos durante um ano eu tive que dormir fora do teto dela.

(Todos: “Nooosssa!!!”)

A tal casa ficava no atual bairro de Santa Efigênia, mas próxima à Rua Santa Efigênia, próxima à Avenida São João, num ponto de movimento, era uma boa aplicação de capital e não valia a pena vender e nem podíamos.

Imaginem os senhores que o prédio era vinculado, quer dizer, por disposição testamentária não podia ser vendido sem autorização do juiz e portanto, era preciso pagar um imposto muito maior do que os outros prédios, e esse imposto não podia ser tirado do preço da casa e eu não tinha dinheiro para pagar o preço, de maneira que não podíamos vender.

O único jeito de resolver a questão era eu ir morar um ano lá. Mas era próximo da nossa casa, do apartamento da Rua Vieira de Carvalho.

Então eu expliquei a ela e disse:

Meu bem, não tem remédio, terminado o jantar eu digo boa‑noite para a senhora e vou para a Congregação de Santa Cecilia, para o ‘Legionário’, depois no da seguinte vejo a senhora”.

E notei que ela ficou muito triste, porque durante um ano ela ficava privada dessa despedida. Mas por outro lado, pela disposição das ruas e dos lugares, era mais ou menos impossível eu ir vê‑la ainda à noite, terminado o serviço, etc…

Então combinei com ela que toda noite eu daria um telefonema a ela dizendo boa‑noite. Eu ia sempre a uma confeitaria, “Confeitaria Elite” — já fechou — na Rua Sebastião Pereira. De lá, quando eu terminava, já tinha então passado de meia‑noite, havia o jejum eucarístico, pagava a conta, depois da meia‑noite parava de comer, — a meia‑noite e seis e meio, que era o limite canônico adequado — depois ia para o telefone, falava com ela, depois ia para casa.

Às vezes não dava jeito de falar lá da “Elite”, tinha outros clientes falando, eu telefonava de uma garagem de automóveis que havia em frente a essa casa onde eu estava morando e conversava com ela e depois ia dormir.

* Ela esperava rezando sentada junto ao telefone

Ela esperava — me contou o papai — toda noite, sentada junto ao telefone, na hora. Não propriamente numa torcida, porque ela sabia que eu ia telefonar, mas num receio de que aparecesse [algum] obstáculo e ela não tivesse aquele telefonema.

E algum tempo antes da hora provável já ela estava sentada nessa poltrona, que é uma daquelas poltronas do meu salão. Enquanto não telefonava ela não saia de lá, podia eu ter o atraso que tivesse ela ficava sentada lá, rezando, pondo em dia as orações dela, rezando, rezando, rezando!

Quando eu telefonava era sempre o telefonema:

Então meu bem, como vai a senhora? Minha querida e tal…

Falávamos um pouquinho, etc., e ela depois:

Filhão, Deus te abençoe, etc…

E encerrávamos o telefonema. Mas era absolutamente toda a noite, só não era aos domingos à noite, porque domingos à noite não havia “Legionário”, não havia nada e eu jantava em casa dela e ficava com ela a noite inteira, então para ela era muito melhor que nos outros dias.

* Entrava no quarto do filho para rezar vendo‑o dormir e fazia cruzinhas sobre sua fronte

Afinal passou‑se o tal ano fatídico e eu fui dormir no apartamento dela, mas era um apartamento bom até, de muito boa qualidade, mas pequeno, que tinha apenas dois quartos de dormir; num ficava ela e meu pai, noutro ficava eu. Mas esse quarto de dormir tinha que me servir também de escritório, então tinha uma espécie de sofá‑cama, uma coisa assim, que se removia; durante o dia era escritório e à noite punha aquele móvel e eu dormia lá.

E eu me lembro muito, não sei porque me lembro especialmente naquela época, que ela pegava uma das cadeiras de meu escritório, e quando eu estava dormindo já, porque eu dizia boa‑noite, etc., etc., etc., quando eu estava meio dormindo assim e que papai já estava dormindo mar alto, a casa toda quieta, a Rua Vieira de Carvalho que é uma rua muito movimentada, quieta também, e eu tinha uma certa noção que ela entrava no meu quarto e que ficava na minha cabeceira olhando para mim e rezando.

[Exclamações]

E parece, pela vaga sensação que me ficou, que ela fazia várias pequenas cruzes sobre a minha fronte.

[Exclamações]

Mas não é várias assim não, umas vinte ou trinta, desde que eu não estivesse [virado] para uma posição que ela não alcançasse.

E meu pai me contou que ele às vezes acordava e via que ela não estava deitada, então ele levantava com medo que ela tivesse se deixado adormecer, passava pelo meu quarto para chamá‑la para dormir, e que ela estava ali acordada e rezando e olhando para mim, rezando e olhando para mim.

[Exclamações]

Não escapava disso.

E que depois que ela tinha rezado tudo, que eu não sei o que [é] que ela pedia, mas… só podem ser as melhores coisas, ela então ai tranqüilamente [ia] dormir.

* Antes das viagens e dos exames fazia inúmeras cruzinhas murmurando umas orações baixinho

Ela tinha também o hábito de sempre que eu me despedia para uma viagem ou para qualquer coisa assim um pouco maior, repetir o rito, ela fazia não sei quantas cruzes na minha testa, murmurando umas orações baixinho que eu não chegava a ouvir o que era, e eu percebei que ela não queria que eu ouvisse, então ela falava bem baixinho, ela semicerrava os olhos e repetia aquele número enorme de orações. E era também por ocasião de exames.

Quando [era] o exame para a faculdade, eu dizia:

Mãezinha, eu vou para o exame!

Ela dizia:

Filhão, chega aqui então!

Era o que eu queria, eu dizia para isso. Ela então me fazia todas as cruzinhas sobre a testa.

E eu tinha um primo que não participava em nada das nossas idéias, absolutamente, mas esse primo preparava exames comigo e apesar de não ser filho dela, saia junto e pedia para ela fazer as cruzinhas sobre a testa dele.

Era sobrinho dela, é uma coisa que se compreende, num sobrinho se compreende. E ela então fazia as mesmas cruzes, mais ou menos, — nunca contei o número — sobre a testa dele, mas muito maternalmente, com muita boa vontade. E seguíamos para o exame.

É isso.

[Exclamações]

Três e sete. Vamos andando! É hora de oscular a capa e o manto dela.

[Orações, despedidas]

*_*_*_*_*