Conversa
de Sábado à Noite, 30 de janeiro de 1982 .
Conversa de Sábado à Noite — 30/1/1982 — Sábado
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Os pormenores quando estávamos doentes * Afetos da Sra. Da. Lucilia para com o Sr. Dr. Plinio * Requinte no saber agradar da Sra. Da. Lucilia: na bagatela o requinte do esmero * A hora do lanche * Uma música de conselhos, de gestos, de afagos * Quais as coisas em que estávamos em desacordo? * O modo da Sra. Dona Lucilia presentear o SDP por ocasião de seu aniversário. A caixa de gravata * Em que proporção se deve pedir a ela, em que proporção se deve pedir à Nossa Senhora? * Uma espécie de “catena áurea” de intermediações * Nossa Senhora quer essa intercessão para nos atender. Se não houvesse essa intercessão, não nos atenderia * A Providencia quer que a gente peça por meio de mamãe * O gosto de fazer bem feito * Se a intercessão dela for bem vista e bem usada, conduz ao afervoramento na devoção à Nossa Senhora * Pode pedir que ela reze o Rosário conosco aos pés de Nossa Senhora * Uma espécie de MNF em clave feminina, sobre mil e mil e mil coisas. * Ela falava a respeito de tudo * Uma idéia mítica repassada de afeto a respeito da Família * Muito atrativo por tudo quanto é beleza natural porque essa conduz a Deus * Uma diversidade de diapasão em algumas coisas * Qual é o papel da doçura e da compaixão da SDL na vocação do Senhor e o no Reino de Maria?: Uma apetência e uma tendência para o absoluto * O modo do Sr. Dr. Plinio pedir a Nossa Senhora * O Senhor via esse absoluto na Sra. Da. Lucilia? * O ponto monárquico da alma dela, que é inteiramente idêntico ao ponto monárquico de minha alma, mas que eu não sei exprimir como é * Mãe é isso! * Uma doçura [da SDL] que se exprime, por exemplo, pela idéia que ela fazia do Sagrado Coração de Jesus: era um modo de ser essencial, nela, desse ponto monárquico
“Lo que se dice”, no sentido mais… Eu via, por exemplo, bem, que ela queria capitalmente que eu fosse um homem probo, direito, reto, um católico, tudo o mais, eu vejo bem. Mas, ela não fazia uma coisa assim: você está com dor de garganta e, portanto, em conseqüencia, vou te tratar porque você é bom filho. Ou, você está com dor de garganta, vou te tratar porque é meu filho. Se fosse um outro eu não me incomodava. Não! Ela trataria com muita bondade também um outro, menos do que um filho dela, mas não menos bondade, é menos efusão de bondade. Porque bondade se propagava geralmente. E isso é o próprio da bondade.
E também se eu fosse — que Deus me livre — mau filho, ela seria igualmente boa e trataria minha dor de garganta do mesmo modo. Quer dizer, sem isto, esta relação não está vista.
Agora, é claro que é dada em ordem ao seguinte: a solicitude maior dela, o empenho maior para o qual ela faz convergir o efeito do que tudo faz, é a fidelidade à vocação, para a glória de Deus, é claro
Nas menores, não é? Cada coisa pequena, feita com esmero e uma perfeição que indica o transbordamento da boa vontade.
É isso. “Eu não esperava tanto, não esperava isso”. A gente nunca pergunta porque, porque o homem nunca pergunta isso, porque foi feito o benefício, o homem nunca pergunta. Ele…
(risos)
É. Infelizmente. Mas, quando vem uma dor ele pergunta porque, mas quando vem o benefício ele não pergunta. Nhonhô.
* Os pormenores quando estávamos doentes
Outro dia dei esse exemplo: me lembro, por exemplo, ela entrar no quarto de Rosé ou no meu quarto, quando estávamos doentes, essas doencinhas de crianças, — tive quase todas — ela entrar trazendo — a homeopatia tem um trato que exige muito cuidado. Então, de hora em hora é preciso dar um remédio, às vezes de meia em meia hora. A coisa era feita assim: ela tomava uma folha de papel, de bloco. E, não sei porque, mas ela fazia assim, ela dividia em dois, não rasgava, dividia em dois e depois ia escrevendo: as tantas horas, “dulcâmara”, depois vem “hopatorium”. Ela marcava de hora em hora, à lápis e com uma letra um pouco “soignée”, normalmente, “soignée”, cada coisa inteira, dos dois lados.
Depois então quando estava preenchida essa folha, ela arranjava outra folha de bloco e começava, para ter certeza de que ela não se distraiu nenhuma vez, porque na família dela a distração é freqüentíssima. Ela não era muito distraída até, mas tinha também distrações. A distração é caudalosa. Ou por outra, há pessoas com distrações caudalosas. Eu, aliás, puxei isto.
Mas, ela então, para não faltar um remédio, tomava nota.
Quando chegava a hora, se ela não estava conversando, brincando, nos entretendo, ela entrava. Mas, exatamente naquela hora. Entrava sorrindo, em geral com o copo com o líquido — tido como mais eficaz do que a pastilha — na mão e com um pires em cima. Ela temperava o copo inteiro com várias gotas e vinha trazendo com o pires para não evaporar aquela homeopatia preciosa, e com uma colher na mão.
Ela descobria, dava, mas com tanto carinho, com tanto cuidado, para não pingar… sabem como é menino, menino não está olhando para nada disso, pinga ou não pinga, também não faz muita diferença, é água e quer logo falar com ela. Então aquilo vai de qualquer jeito.
Eu me lembro o jeito, da colher penetrar na boca e entrar com cuidado. Só tirava depois de se ter certificado que eu tinha tomado tudo… um meninão de 7, 8 anos, ainda era isso. Mas ela entrava tão afável, tão bondosa, tão comunicativa, tão carregada de promessas de que o remédio faria bem, que eu nem sei o que dizer. Era esse transbordamento. Se eu fosse mau filho, faria a mesma coisa. Ela não ia condicionar. Se condicionasse, trincava algo. Não sei se minha resposta responde sua pergunta?
* Afetos da Senhora Dona Lucilia para com o Senhor Doutor Plinio
Vamos dizer, por exemplo, os agrados dela. Exceto assim as ocasiões — aniversários, etc., etc. — o normal era como em todos os outros lugares. De manhã eu beijava a mão, beijava o rosto e à noite, antes de dormir também. Só isso.
Mas ela, muitas vezes passava perto, sobretudo depois de mais mocinho assim. Quando era menino tinha a “fräulein” e nós estudávamos, tínhamos nosso quarto — minha prima, minha irmã e eu —, alguma coisa que estava para o andar de cima da casa como a loja está para isso, uma coisa assim, e tinha ali nosso quarto de estudos e de brinquedo, e tal. E a “fräulein” martelando.
Mas depois, quando ficamos mais velhos, a “fräulein” saiu, tudo o mais, eu pus uma mesa de estudos no escritório de papai. E ela, de vez em quando entrava.
O entrar era uma coisa assim — até o 1º, 2º ano da faculdade, uma coisa assim, não desapareceu, mas atenuou — era uma coisa meio para ver se eu não estava perdendo meu tempo — ela sabia que eu estava em casa — se eu não estava perdendo meu tempo fazendo qualquer bobagem que a criança faz para não estudar ou se eu estava estudando mesmo.
Mas, ela não propriamente disfarçava, mas vinha junto com tanta vontade de agradar e tão contente de ter esta oportunidade natural de entrar que ela entrava transbordando de carinho. Eu fechava a porta do escritório — não à chave — a porta do escritório de papai. Papai em geral trabalhando na cidade, alguma coisa e outra. Eu fechava a porta só com o trinco. Ela abria o trinco de maneira inteiramente diferente, de modo inteiramente diferente do meu. O meu era plan‑plan. O dela era devagarzinho, entrava e me dizia alguma coisa. Por exemplo, não sei: “Filhão, você já tomou seu lanche?” Alguma coisa assim da miúda vida cotidiana. Ou então, se não tinha outra coisa, o tempo. “Filhão, como caiu a temperatura”, qualquer coisa do gênero. E ela entrava. Era tão carinhosa e, depois, de tal maneira a gente via que ela queria saber, que ela queria me ouvir falar, queria conviver comigo naquele instantinho, que era uma coisa extraordinária.
Ela era muito ciosa do meu tempo, mas com uma restrição: se eu fazia algum aceno para ela sentar e conversarmos um pouco, ela não recusava. Aí tempo, exame, está bom, coisas muito respeitáveis, etc., etc., mas ela não se impingia nunca, não se impunha nunca. Isso até o fim da vida.
* Requinte no saber agradar da Senhora Dona Lucilia: na bagatela o requinte do esmero
Eu não me lembro uma vez que ela sentasse à minha mesa de estudos ó para conversar, para prosear. Seria uma coisa tão natural numa mãe. Ela podia fazer outra coisa: tem uma coisa particular para falar, chega lá e fala, aí puxava uma cadeira, é uma coisa diferente. Contar um fato de família, uma coisa que precisa resolver, era diferente. Mas, sem isso, nunca!
Mas, a prosa era uma prosinha leve, em que ela ficava tão entretida e tão contente, e agradecida que transbordava. Mas era só notar um pouquinho que a gente estava com pressa no estudo, que ela imediatamente levantava fingindo que não notou. E às vezes até ela dizia: “Filhão, sua avó está esperando lá dentro, preciso entrar, etc.”, alguma coisa assim, mas para não me deixar mal a vontade.
Quer dizer, você está vendo na bagatela o requinte do esmero. Não é propriamente da polidez. Quem reduzisse isso à polidez, baixava o alcance do que eu estou dizendo. É o requinte da vontade de agradar, produzindo uma sensação agradável a todo propósito. Agradar é isso. Mas, isso então a todo propósito.
* A hora do lanche
Vamos dizer, hora do lanche. O lanche se tomava na sala de jantar mesmo. Era raro servirem em bandeja onde a gente estava. E eu era muito assíduo à todas as refeições, não faltava à uma. E um apetite fenomenal. Eu ia lá.
Em geral a sala de jantar nessas casas antigas era o living. A sala de jantar era muito maior do que a mesa e as cadeiras, comportava ternos de couro, outras coisas, era meio um living. E ela estava lá com minha avó e alguma outra pessoa da família. Os adultos não tomavam lanche ou tomavam muito pouco lanche. Ela, às vezes, tomava, mas muito pouco. Os mais moços tomavam lanche. Sobretudo minha prima que era um bom garfo e eu. Minha irmã pouco.
* Uma música de conselhos, de gestos, de afagos
Então sentava na ponta da mesa. As vezes vinha a irmã do Adolpho que era mais velhino do que o Adolpho, vinham outros primos, qualquer ciosa, na ponta da mesa fazíamos uma conversa. E a conversa, naturalmente, era muito mais barulhenta do que a dos mais velhos. E os mais velhos continuavam a conversar do outro lado sem prestar atenção na nossa conversa. Ela não. Sobretudo quando era mais moça e que ouvia mais normalmente, a gente percebia que ela participava da conversa dos mais velhos, mas tinha um ceto ouvido posto na nossa conversa. Se saía qulaquer coisa que não estava bem, à noite, na hora de deitar, isso dava em conselho. Mas um conselho muito afetuoso: “Filhão, sua mãe ouviu você dizer tal coisa assim hoje, mas veja bem que tal coisa tem tal lado, depois tem tal outro”.
“Mas, mamãe!” Sem discussões, exclamações pernambucanas. Mas, mamãe, isso absolutamente não é assim… té,té,té.
Quietinha e me olhando com seriedade. Seriedade afetuosa mas seriedade.
Quando eu terminava, ela dizia — não me interrompia nunca, nunca. As vezes eu interrompia ela, ela não me interrompia nunca. Ela me dizia: “Está bom, mas olhe aqui, veja tal lado, tal outro”… mas o ponto de vista dela firme. Veja tal lado, veja tal outro, veja tal outro, etc.
Mas era uma tal música de conselhos, de gestos, de afagos — não afago pegando, mas assim — que me deixava todo… vocês podem imaginar como eu saía da conversa… todo refeito. E, naturalmente, muita coisa do que ela dizia, depois eu pensava e alguma eu dava razão — não era muita — mas alguma eu dava razão.
* Quais as coisas em que estávamos em desacordo?
Quais as coisas em que estávamos em desacordo?
Em 90% dos casos eram observações psicológicas. Vocês estão vendo: são pessoas que ela e eu conhecíamos e a respeito das quais nossas observações dissentiam.
(risos)
Nem preciso dizer por onde isso entrava. Mas não deixa de ser verdade que saíamos de acordo. Ela saía com os olhos mais abertos a respeito desse, daquele, daquele outro e eu saía reconhecendo que não vinha fora de propósito também notar tal e tal qualidade que ela tinha notado, colocar na balança. Quer dizer, ambos retificávamos um pouco a contabilidade.
Agora, ela não me dava razão explícita. Muito raro. O sinal de que eu tinha razão, na apreciação truculenta das pessoas — então, “le baton haut” — era o silêncio. A batalha, quando ela ia ficando quieta, era um sinal de que ela via que eu tinha razão, porque, do contrário, ela dizia que não tinha. Aí se mudava de assunto porque a gente via que não tinha saída. Mas, se ela achava que eu não tinha razão, ela defendia o réu até o último instante.
(risos)
Mas, quando ela via que o réu era inconfessável, ela ficava mais quietinha, ela ia silenciando assim como quem fosse apagando os holofotes interiores, os discretos holofotes interiores. Estava entendido isso: “Eu sou sua mãe, não posso estar dando razão a você em tanta coisa, mas no fundo eu bem vejo que você tem razão”. “Queira‑me bem e não insista”. Claro, não é? (Claríssimo).
* O modo da Senhora Dona Lucilia presentear o Senhor Doutor Plinio por ocasião de seu aniversário. A caixa de gravata
Eu deixei com o Luizinho uma das mais antigas recordações que eu tenho desse esmero dela: todo ano, por ocasião de meu aniversário, depois Natal, Ano Bom, ela me dava um presentinho, mas muito pouco, porque eu tinha pouco para dar para ela. Ela vivia de uma rendazinha que eu tinha mas que eu dava. Mas ela comprava o melhor que podia. E ela era desse gênero de gente que achava que as coisas tendem ao eterno. Ela não dava, não se dava bem idéia de como os gostos mudam, as coisas mudam, etc., e, em vez de confiar à Rosé a compra da gravata, — presente tradicional, a gravata — ela confiava ao pai, à papai, porque papai era tido, em moço, na família como se vestindo muito bem, Então aquilo ficou assim: João Paulo veste‑se bem.
Naturalmente, papai, os tempos passaram, as modas passaram, não acompanharam, ele comprava gravatas ao gosto do tempo dele, e comprava sem esse esmero, comprava alguma coisa decente, mas sem esmero. Mas ela julgava que estava muito bem comprada, porque “João Paulo veste‑se bem”, é uma coluna cosmovisão dela. Vocês sabem que há muita gente que envelhece assim, com esses paradigmas fixos.
Então ela punha sempre uma palavra qualquer. Nessas caixas de gravata — nem sei se ainda hoje as gravatas tem caixas, devem ser envelopes viralatas, saquinho de plástico, uma porcaria qualquer. Naquele tempo era caixa. E, por cima da caixa, qualquer gravata, estava colado do lado de dentro, uma folícula de papel de seda e depois, em cima, vinha a tampa da gravata. Qualquer gravata. Não precisava ser de muito boa qualidade, gravata comum.
E ela, não sei porque, mas eu respeitava o modo de fazer dela, porque nesse modo de fazer entram os pormenores mais miúdos de uma personalidade, mas que, para mim, no caso dela tinha um sabor, de maneira que eu deixava fazer e fingia que achava tudo inteiramente normal. Ela, em vez de escrever um cartãozinho, ou qualquer outra coisa, ela escrevia nesse papel de seda. Era o hábito.
E uns anos antes dela começar a perder a lucidez — ficou com a lucidez meio trincada, bem prejudicada nos dois últimos anos da vida — antes disso ela tinha catarata e via mal e depois ela não dominava mais bem os braços, dominava normalmente, como uma pessoa velha. Eu passei a lá tufão aqui pelo corredor e a vi sentadinha na minha escrivaninha — ela julgava que eu estava fora de casa e estava então me preparando a surpresa de aniversário, porque, de cada vez a gravata era uma surpresa. As vezes era um abat‑jour, um ou outro objetinho assim. Abat‑jour para meu criado mudo, umas coisas dessas.
E ela estava sentadinha lá, vendo mal, escrevendo ainda com aquelas penas de aço que a gente molha no tinteiro e depois escreve. Caneta tinteiro ela nunca usou. E escrevendo com um cuidado, umas palavras que era, em geral: “Ao filhão querido, muitos beijos e abraços”, coisa assim, a mais sem pretensão possível, mas com um cuidado, um esforço, uma coisa enorme! Ela toda estava empenhada em que aquilo saísse bem feito.
Eu fingi que não notei. Eu creio que ela nem me viu passar. Fui embora. Depois guardei a caixa. Mas, com minha péssima memória, a caixa ficou guardada aí nas minhas lembranças e se evaporou. E a coisa se deu mais ou menos assim, que por ocasião de minha doença, uma coisa ou outra, o Luizinho, mexendo em meu armário, encontrou a caixa e então me pediu a caixa. Eu não dei. Eu disse: “Fica com você”, mas não dei. E ele guardou.
Aí você veria, por exemplo, o esmero dela em fazer qualquer coisinha pequena, pobre até, com um cuidado que era esse carinho envolvente como uma campânula, pega inteiro e que era bem a nota característica do afeto materno dela.
Não me espanta nenhum pouco, portanto, que ao pedir graças, vocês sejam atendidos dessa maneira, não me espanta. É o próprio, é o modo de ser da vida inteira.
* Em que proporção se deve pedir a ela, em que proporção se deve pedir à Nossa Senhora?
Não deveriam abandonar nunca. Há um princípio de São Bernardo que é: “De Mariam, nunquan satis”. Nunca basta, a respeito de Nossa Senhora. E é o único princípio em que eu timbro em ser paralelipedicamente quadrado até o último ponto possível e imaginável. Quer dizer, qualquer forma de devoção à Nossa Senhora que a gente tenha adquirido, seja a que título for ou de que maneira for, não se diminue nunca! Nunca‑nunca, nunca‑nunca, nunca‑nunca.
Agora, em que proporção se deve pedir a ela, em que proporção se deve pedir à Nossa Senhora?
Eu acho que a pergunta varia muito de acordo com a pessoa. Eu, por exemplo, peço enormemente à Nossa Senhora, mais do que a ela, porque me habituei a isso e, “de Mariam nunquan satis”. Isso, nunca. Espero em Deus que me seja mais fácil cortar o pescoço do que acontecer isso.
Agora, eu creio que o recurso a ela deve ser visto como de todas essas outras devoções que não são à Nossa Senhora e a Nosso Senhor Jesus Cristo, naturalmente, que são, tomando em consideração a mediação universal de Nossa Senhora.
Quer dizer, a doutrina católica é que se todos os santos e anjos do Céu…
[Vira a fita]
… e que qualquer santo no Céu — vamos dizer, Santo Antônio de Pádua ou Santa Teresinha do Menino Jesus — qualquer coisa que obtenha de Deus para nós, é porque pediu à Nossa Senhora e Nossa Senhora pediu com ele. De maneira que nesse horizonte da doutrina católica, pode ser que nossa atenção mais imediata esteja posta, por exemplo, vamos dizer, para quem vai a Pádua, na Itália, em Santo Antônio de Pádua. Aquele santuário enorme, aquele movimento e tal, tem algumas imagens de Nossa Senhora pela Igreja, reza‑se diante dessas imagens, mas a atenção principal está posta em Santo Antônio. Está direito. No firmamento da doutrina católica, Santo Antônio não obteria nada se não fosse por meio d’Ela, de Nossa Senhora.
* Uma espécie de “catena áurea” de intermediações
Muito “a fortiori”, com as almas que a Igreja não canonizou — se tem certeza que são almas amadas, e tal — mas que estão nessas condições. A gente deve pedir. Se obtém, deve agradecer, mas certo de que , quando a gente pede, Nossa Senhora pediu, e quando a gente obtém, Ela pediu também. Senão essa alma não obteria nada.
Agora, pode ser que, por desígnios da Providência, nossa atenção mais assídua esteja concentrada, de imediato, nela, pode ser, mas é com esse fundo de quadro. Que aliás, se repete em relação à Nosso Senhor Jesus Cristo. Porque Nosso Senhor Jesus Cristo disse isso: que o mediador entre o Padre Eterno e os homens é Ele. Nossa Senhora obtém porque pede por intermédio d’Ele. Se Ela pedisse desligada d’Ele, muito mais a “fortiori” do que no caso d’Ela conosco, Ela não obteria nada. Porque Ele é a pedra de ângulo, enfim, é tudo.
Há, portanto, uma espécie de “catena áurea” de intermediações. Não sei se está claro?
* Nossa Senhora quer essa intercessão para nos atender. Se não houvesse essa intercessão, não nos atenderia
(Dr. Marcos: E a atitude de discreção que o Sr. falou na última reunião?)
No sentido de que está nos planos d’Ela glorificar, por esses atendimentos, uma pessoa a quem Ela quer glorificar. E, portanto, Ela não dispõe as coisas de maneira a atrair a atenção, muitas e muitas vezes, diretamente sobre si mas sobre essa alma da qual a fé nos manda acreditar que obteve porque Ela pediu.
(Sr. Poli: Pedindo à ela, estamos pedindo à Nossa Senhora. E o Sr. manifestava que a Sra. Da. Lucilia para nós, dava especialmente a virtude da bondade…)
Dessa bondade, não de qualquer bondade. Portanto, uma bondade contra‑revolucionária.
(Sr. Poli: Então, o pedido à Nossa Senhora, dessa bondade, significa pedir à Sra. Da. Lucilia.)
A gente pode fazer o seguinte: pedir à Nossa Senhora em união com ela, pedir que ela peça.
(Sr. João Clá: A gente vê que a preocupação de todos é mais justificar aquilo que já se faz do que iniciar uma coisa que não se fez.)
Eu vejo sim, que é bem essa preocupação, noto bem.
Mas eu acho que aqui não está claro e que eu deveria esclarecer, é o seguinte: isso não quer dizer que o papel dela seja um papel automático e que a alma de mamãe seria, portanto, um botão que a gente aperta e leva postalmente um pedido à Nossa Senhora. Há muita coisa que nós, pedindo por meio dela, obtemos de Nossa Senhora e que não pedindo por meio dela não obteríamos.
Quer dizer, não é, portanto, uma coisa assim, uma coisa expressa assim. É uma coisa que depende de nós obtermos a intercessão dela, porque Nossa Senhora quer essa intercessão para nos atender. Se não houvesse essa intercessão, não nos atenderia. Isso é muito importante notar.
* A Providencia quer que a gente peça por meio de mamãe
(Dr. Edwaldo: O caso do rei da França que tocava os escrufulosos e que ficavam curados. Se não estivessem ali para serem tocados pelo rei não seriam curados).
Vamos dizer que o escrufuloso dissesse o seguinte: “O rei me cura pela graça de Deus. Muito melhor do que ser tocado pelo rei é melhor eu ser tocado pelo Ssmo. Sacramento. Então não quero ser tocado pelo rei e vou comungar”. Não sarava da escrúfula dele.
Ele tem razão, é muito melhor comungar do que ser tocado pelo rei, mas para obter aquela cura, era desígnio de Deus glorificar o rei. E, portanto, fazer a cura só pedindo ao rei. E se o rei, por exemplo, por preguiça, zupasse um, pode ser que aquele não curasse porque o rei não quis curar. Quer dizer, não entra automatismo nisso.
Eu avento a hipótese de preguiça porque as vezes chegava a 1500, 2000 escrufulosos ou mais, vindos da Europa inteira. É uma doença local, não é geral, mas um lugar onde a pele fica em estado muito repugnante. E o rei tinha que tocar. Ele dizia, aliás, uma fórmula que exprimia bem o pensamento: “Le roi te touche, Dieu te guerrièe”. Tocava e muitos saíam de lá dizendo que estavam curados.
Então aí a gente compreende bem o que há nessas mediações que não tem nada de automático. Nós estamos tão viciados na automação que, temos uma tendências a imaginar o automático.
Compreendo então que uma alma aflita que tenha conhecimento que Nossa Senhora quer, a Providencia quer que a gente peça por meio de mamãe, se agarre com mamãe, porque ela tem a convicção confusa de que ela, com isso, faz o plano da Providencia. Não é que ela esteja passando por cima da Providencia, ela está obedecendo a Providencia.
* O gosto de fazer bem feito
(Sr. Guerreiro: Pelo modo como ela tratava o Sr., a gente percebe como ela nos tratará ao pedirmos a ela. Uma eficácia extraordinária.)
E com um prazer de ter feito bem feito, de maneira que a coisa vem… vamos dizer o seguinte: Em certos aniversários, ela fazia o bolo. Ela fazia aquele bolo ultra cuidadoso, bem enfeitado, às vezes até com aquelas bolinhas prateadas, aquelas coisas todas, pelo gosto de fazer bem feito.
* O “espere um pouquinho” que convidava a ficar ali perto e junto dela
Agora, eu estava pensando: isso se desdobra em comentários colaterais que não acabam mais. Por exemplo, eu vi, mais de uma vez, pessoas, homens e senhoras que, quando deitam todo empenho em fazer alguma coisa, ainda que seja fazer uma coisa caligraficamente bem feita, toma uma atitude assim: “Agora não me interrompa, não faça nada, etc., etc., porque vou fazer tal coisa”. Se eriçam para fora e se aplicam dentro.
Não é nenhum pouco o modo dela se aplicar, nenhum pouco. A gente poderia interrompê‑la na coisa mais especial que ela estivesse fazendo que ela era absolutamente a mesma. Interrompia, ou então dizia: “Sua mãe agora não pode atender, espere um pouquinho”. Mas, um “espere um pouquinho” que convidava a ficar ali perto e junto dela. Quer dizer, um modo de ser especial.
Quando ela queria fazer as coisas bem feitas, não eram perfeiçosa. Porque a perfeiçosa tem qualquer coisa sem fôlego, respirante, ofegante. Ela não. Era uma coisa em que ela sempre tinha fôlego, embora a gente visse que ela estava indo além das forças dela. Era muito… tudo isso tinha uma doçura que eu não sei descrever, é só olhando para o Quadrinho.
* Se a intercessão dela for bem vista e bem usada, conduz ao afervoramento na devoção à Nossa Senhora
(Dr. Marcos: Uma pessoa que estivesse fazendo uma trezena à Santo Antônio, por exemplo, e que tivesse acesso ao que está sendo dito aqui. A tendência seria de parar a trezena e começar a pedir à Da. Lucilia)
Ah! podia ser. Por que não?
(Risos)
Conforme o movimento das almas. Isso é uma liberdade dentro da Igreja. Por exemplo, se eu comecei uma novena à Nossa Senhora e, de repente, me ocorre de começar a pedir a Santo Antônio de Pádua, pode ser que eu não faça mal, pode ser que seja uma prova de inconstância, uma coisa não bem feita, mas em outras circunstâncias não é. Eu conheci pelo movimento da graça que aquilo calha melhor. Porque não?
(Sr. Poli: Não seria uma atuação de Santo Antônio levar a pessoa a ouvir essa conversa e daí passar à ela.)
Depois, essas coisas são assim: uma conduz à outra. Se a intercessão dela for bem vista e bem usada, conduz ao afervoramento na devoção à Nossa Senhora. Se a devoção à Nossa Senhora for bem feita, conduz muito facilmente e sem — vou dizer uma coisa meio de brincadeira, não ponho a menor ironia nisso — sem alfândegas à devoção à ela, ao recurso a ela. Essas coisas são livres como o ar.
Na Igreja, o que não é matéria de pecado — matéria de pecado tem a barreira que sabemos — o que não for pecado, há muita liberdade, conforme os sopros da graça, há muita liberdade. Para meu foro interno, é certo esse ponto: diminuir a devoção à Nossa Senhora, nunca! Isso não!
Por exemplo, eu ficaria apavorado se alguém diminuísse o Rosário para rezar mais à mamãe. Não. Adquiriu esse hábito, vai até morrer!
Querendo, por exemplo, entre uma Ave‑Maria e outra interpor uma jaculatória e ela, está perfeito, mas é o Rosário.
* Pode pedir que ela reze o Rosário conosco aos pés de Nossa Senhora
(Sr. Guerreiro: Pode‑se pedir a ela que ofereça à Nossa Senhora aquelas orações.)
Pode. Pode pedir que ela reze o Rosário conosco aos pés de Nossa Senhora, pode pedir, por que não? São coisas, coisas e coisas.
(Sr. Poli: O fato do Sr. começar a dizer isso para nós, não é uma outra era na história do Grupo? Do mundo?)
Quer dizer, na nossa, na evolução, no progresso de nossas almas, oxalá que Nossa Senhora se sirva disso para esse efeito, eu ficaria muito contente. Daí, para a história do mundo é uma passo muito grande. Vamos andar com a prudência que ela punha nas coisas.
* Uma espécie de MNF em clave feminina, sobre mil e mil e mil coisas.
(Sr. Guerreiro: Quais eram os temas, os assuntos que, mais habitualmente ocupavam a atenção dela? Em torno dos quais ela mais comentava com o Sr.? A vida do espírito dela?)
Ela tinha, interiormente, uma espécie de monólogo que ela guardou consigo e que está expresso aí no Quadrinho. É mesmo o grande mérito do Quadrinho exprimir esse monólogo. Quer dizer, uma longa elucubração — se você quiser, uma espécie de MNF em clave feminina, portanto, não doutrinária — sobre mil e mil e mil coisas.
* Ela falava a respeito de tudo
Agora, isso era de um lado.
De outro lado, a conversa assim, que se ouça, para conversar, era uma conversa a mais geral que se possa imaginar. As conversas que naquele tempo era uma conversa de casa de família muito movimentada e que entra “pell‑mele” — o pessoal de manhã lê o jornal, inclusive as notícias estrangeiras, muito pouco o noticiário de política nacional, muito pouco.
Entrava, portanto, misturados, fatos da casa, fatos da família, fatos que aconteceram, não sei, na rua se houve uma trombada; depois fatos internacionais, entravam na conversa geral, ao sabor dos temas e das associações das imagens.
Eu tenho a impressão de que, nas casas de família onde se conversa ainda hoje, a conversa é ainda muito mais restrita. A televisão mata tudo, mas onde há conversa, tenho a impressão de que é isso, muito mais restrita.
Então, isso vem aflorando e, absolutamente não é considerado desatencioso, ou grosseiro, nem nada, mudar de assunto. A coisa, tendo um certo nexo… às vezes pode‑se até dizer: “Mudando um pouco de assunto, tal coisa”… desde que não seja uma torção violenta, pode‑se dizer isso perfeitamente.
Bom, assim ela falava a respeito de tudo. Então um gabinete que subiu na Inglaterra, uma tia que está doente, uma conferência que houve na Academia Francesa de Letra, ou o vagãozinho aéreo do Pão de Açúcar que encrencou, podem entrar em qualquer ordem dentro da conversa que não tem importância.
Agora, o que interessava mais?
Nas duas guerras mundiais, era a guerra. Não a guerra do lado militar. O Von Rommel fez isso… Era como uma senhora entende. O lado militar da guerra, ela tinha uma idéia muito vaga. Mas, estão ganhando, avançaram, recuaram, essas coisas, acompanhava. É como era a conversa dela.
* Uma idéia mítica repassada de afeto a respeito da Família dela
(Sr. Guerreiro: E o monólogo interior? O gosto que ela tinha em estar com o Sr., dá a impressão que era algo por onde essa fabulação dela, ela encontrava no Sr. uma pessoa que sentia afinidade com tudo isso. Com padrão para os filhos, a gente vê que ela quereria muito isso para os filhos. O Sr. não poderia falar desse monólogo?)
A gente via que ela, menina mocinha, moça, ela formou uma idéia da vida, das pessoas e das coisas que correspondia à mitologia do século XIX. Eu não sei se eu ouso fazer referência ao fato, mas digamos que eu ouse. A gente vê na correspondência de Santa Teresinha, que ela tinha uns parentes, um tio, M. Guèrin, casado com uma tia, e o M. Guèrin ela tinha loucura pelo M. Guèrin. Era um católico praticante, mas não correspondia à visão que ela tinha, senão numa medida fraca. M. Guèrin, por exemplo, em certo momento — eles eram pequena burguesia, mas burguesia arranjadinha — M. Guèrin recebeu uma herança e ficou riquinho e perdeu a cabeça, comprou um castelo e começou fazer papel de castelão, para o qual não era chamado nenhum pouco. E aí ficou meio mundano. Sem diminuir propriamente a piedade, desviou o eixo.
Me lembro de uma carta de Santa Teresinha em que ela dizia para o M. Guèrin, ou ela comentava um outro, que “oncle” tal era “un saint”, mas um santo correspondente um pouquinho aos mitos no bom sentido da palavra, do bom tio, do bom católico do século XIX, etc., etc.
M. Martin, o pai dela, talvez tenha sido um verdadeiro santo. A Madame Martin morreu muito cedo. Me dá impressão de boa senhora mas muito menos boa do que o pai. Ela conserva recordações, etc., etc., a gente vê que era uma tendência do século XIX, não sem fundamento na realidade, porque ainda no século XIX os mitos viviam nas pessoas, mais do que hoje em dia. De maneira que não era sem algum fundamento na realidade. Tinha certo fundamento na realidade.
E ela, se fez uma ideia mítica, antes de tudo do pai que eu não conheci e depois da mãe e de toda parentela, etc., etc. E essa idéia mítica repassada de afeto.
Com o tempo, ela foi vendo as não correspondências, em parte que ela estava iludida, em parte que as pessoas iam degringolando com o século, porque obviamente essa degringolada moral foi arrastando as pessoas, as pessoas foram piorando no curso do tempo.
O que ela não compreendia bem se ela se tinha enganado ou se as pessoas tinham piorado, ficava assim. E a gente vê que isso fazia nela um longo monólogo interior sobre a dureza da alma humana e o que é o homem no fundo. O homem em tese, o que é, a natureza humana, como decepciona, etc., e como aquilo que é o próprio da vida, que é a gente estar juntos, olhar‑se e querer‑se bem, como isto era um mito para a maior parte das pessoas.
Então, o que é a vida? Uma visão religiosa da vida, isso cabe.
* Muito atrativo por tudo quanto é beleza natural porque essa conduz a Deus
Agora, um refúgio curioso de ver que esta reta orientação dos homens que não existia, existia na natureza. Então um muito atrativo por tudo quanto é beleza natural porque essa conduz a Deus.
* Uma diversidade de diapasão em algumas coisas
Mas, uma certa dificuldade — não em admitir — mas sem concentrar a atenção no que a beleza artística conduz a Deus, embora ela fosse muito sensível a todas as artes, mas esse vínculo ela fazia pouco. E, muito menos ainda, formas de governo, problemas sociais, etc., como é que isso conduz a Deus, muito menos.
Donde uma espécie de impossibilidade de diálogo entre ela e eu. Nós nos sentíamos muito, menos do que conversávamos, porque toda minha alma é voltada para o outro lado. Aprecio bem as coisas da natureza, mas vêem que uma coisa que é obra do homem e que exprime a alma do homem, fala muito mais à nossa vocação do que uma coisa de uma ordem inferior à uma ordem humana, que é uma planta, que é um bicho, uma cascata, sei lá o que.
(…)
Então eu concluo: da parte dela e minha, não uma incompreensão mas uma diversidade de diapasão em algumas coisas que, nem de longe era uma oposição mas, se quiser, seria como uma espécie de vedação de vidro entre pessoas que se querem muito mas cuja comunicação fica um pouco dificultada.
(Dr. Edwaldo: Compreende‑se que um mundo se tenha derivado do outro, de certo modo).
É. Tome, por exemplo, um caso, eu rezando, ela rezando.
Nunca rezamos o Rosário juntos. Muitas vezes rezamos ao mesmo tempo, nunca rezamos juntos. É que o diapasão é diferente.
Meu Rosário deveria ser, não sei se eu consigo que seja, mas é rezado a lá heróica, pensando em batalhas, isso, aquilo, aquilo outro.
Aquela forma especial de doçura dela não concatenava com meu Rosário, embora eu me maravilhasse com essa doçura.
[muda de fita]
* Qual é o papel da doçura e da compaixão da SDL na vocação do Senhor e o no Reino de Maria?: Uma apetência e uma tendência para o absoluto
(Sr. Fernando Antúnez: Queria fazer uma pergunta.)
Pode.
(Sr. Fernando Antúnez: …na CSN passada o Senhor disse que ela para o Senhor teve um papel enorme no lado da compaixão, o Senhor disse inclusive que ela para o Senhor era quase como uma pessoa, como Nossa Senhora Auxiliadora, no sentido daquela graça. Qual o papel dessa doçura, dessa compaixão na vocação do Senhor e o no Reino de Maria?)
Está no meu feitio — cada um é feito de um determinado modo — está no meu feitio que eu tenho uma apetência e uma tendência para o absoluto. Que tal coisa só é tomada a sério se pode se reportar ao absoluto, se não puder reportar ao absoluto eu não tomo a sério, é bagatela, eu toco prá frente, não me interesso, eu poderia tratar com polidez, etc., mas no fundo está liquidado.
E, um dos pontos onde a alma humana quer notar o absoluto é no desinteresse do afeto de que ela é objeto. Ela pede para ser querida pelas razões adequadas, sem vantagem para ela e sem vantagem para quem a quer. E, de um modo absoluto, quer quero, vai até o fim do caminho.
Foi o que eu notei no como que olhar da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora naquela ocasião. E foi o que me tocou. Quer dizer, eu sou como Nossa Senhora. Engraçado, a criança mesmo sem noção clara da hiperdulia entende perfeitamente a excelsitude de Nossa Senhora, inteiramente.
Agora, ver que aquilo está naquele píncaro e com aquela virtude, aquela virtude, etc., condescende em querer de tal maneira bem um “sacratapa” é porque é uma tal bondade que é o absoluto.
Alguém podia dizer: “o Senhor não é sacratapo”. Todo homem é. Seria mais ou menos como se um Himalaia olhasse para um formigueiro um pouco grande, dessa altura assim(…) e dissesse: “Que montanha, hein!”, para agradar o formigueiro. Para o Himalaia, um centímetro a mais ou a menos no formigueiro é absolutamente nada. Assim somos nós perto de Nossa Senhora. E a comparação é poca, enormemente poca, Nossa Senhora é muito mais do que isso, a desproporção… Ela só não é infinita!
Bem. A gente compreende bem que ver uma tal Senhora ter uma pena, uma compaixão que envolve tudo, até aquele que A ofendeu, enquanto ofendeu, indiscernidamente e dá qualquer coisa que seja pedida. Isso quer dizer muito, toca no absoluto.
* O modo do Sr. Dr. Plinio pedir a Nossa Senhora
Uma vez o AX me fez uma censura, naqueles paroxismos de indignação e de revolta que ele tinha as vezes, ele me fez uma censura: “o Senhor tem uma piedade que eu não compreendo, para o Senhor é pedido, pedido, pedido. Eu não sou assim, eu me porto com desinteresse diante de Nossa Senhora, não peço a Ela, eu conto a Ela como eu quero bem a Ela, como eu gosto d’Ela, agradeço a Ela, digo a Ela o que quero, eu converso com Ela. O Senhor não, a oração é sempre um pedido, a gente fala em oração o Senhor fala em pedido”.
Realmente nos atos de culto o pedido vem em 4º lugar, mas você põe uma pessoa — todos nós — que Nossa Senhora sabe bem que está num estado de naufrágio permanente no meio dessa luta e é essa a tônica da vida espiritual? É claro que a oração, quer dizer o pedido, é um pedido de virtude, um pedido que diz respeito à glória d’Ela e quando é para “curar dor de garganta” ainda é tendo a intenção de tornar a vida um pouco mais respirável para nós com intenção última de prosseguirmos essa vida, seguir a virtude. De maneira que enfeixa tudo isso, não exclui. Eu não pude dizer a ele, porque…
(Sr. João Clá: Ele continua falando, até hoje…)
É, deixa. Nem cogitemos dele.
* O Senhor via esse absoluto na Sra. Da. Lucilia?
(Sr. Fernando Antúnez: o Senhor via esse absoluto na Sra. Da. Lucilia?)
Não. Esse absoluto eu não via. Por mais que eu tivesse — vocês estão vendo bem as minhas disposições com ela até onde iam e vão — eu sentia e notava bem que no rigor dos rigores rigorosíssimos, primeiro: ela era incomparavelmente menor do que Nossa Senhora; segundo lugar: que em rigor ela era pecável. Nossa Senhora, não.
Em toda veneração que eu tinha para com ela e tudo mais, mas eu sentia a alma que está em via, que está crescendo, que está melhorando, portanto… Nossa Senhora não se pode falar de “melhora de Nossa Senhora”. Nós não temos nenhuma idéia de como foi Nossa Senhora.
O formigueiro leva a conceber o Himalaia como um formigueiro maior e é um irremediável erro de ótica. Irremediável erro de ótica, a coisa não é assim.
Ela é concebida sem pecado original, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Escolhida, prometida na ocasião do pecado original para todos os homens como a porta da salvação. Olha! Nós não temos idéia.
* O ponto monárquico da alma dela, que é inteiramente idêntico ao ponto monárquico de minha alma, mas que eu não sei exprimir como é
(Sr. João Clá: Há qualquer coisa entre Ela e o Senhor e o Senhor e Ela que está além…)
Bom! Meus caros, fugit irreparabilis tempus, os enjolrinhas estão pulando na ponta dos pés.
(Sr. João Clá: Dormindo todos)
Mas diga lá!
(Sr. João Clá: Além do que o Senhor disse a gente vê algo mais profundo, um relacionamento que se punha além do relacionamento natural e que era um cruzar de vocações: história, Bagarre, Reino de Maria. Havia algo na vocação dela que ela só pode compreender plenamente quando chegou no Céu, hoje ela tem uma visão da vocação que ela teve como da vocação que o Senhor tem, como ela não possuía na terra)
Aí que está, “não possuía” é um pouco radical demais; ela possuía, vislumbrava. Vislumbrava, no Céu ela tem claro.
(Sr. João Clá:… por detrás de tudo isso a gente vê que está uma vocação até para fora do tempo, na eternidade, tem suas decorrências no tempo, aí então relacionada com os dias de hoje, a decadência da Cristandade, com relação a Contra‑Revolução, à Bagarre, ao Reino de Maria. Em que o Senhor hoje vê ainda melhor do que quando ela estava em vida).
Também é, e não é.
(Sr. João Clá: Então o que é esse é e o que é esse não é a esse respeito? O que ela vê no Senhor hoje e não via tão claramente quando em vida e o que o Senhor vê nela hoje e que via em vida?)
Eu via… Falamos da última vez, que Deus se exprime inteiro pelo paterno‑materno, a que Ele quis que os que O seguissem, nesta… — um verdadeiro exodus que nós fazemos no mundo de hoje. Vocês já calcularam, nós estamos à 7, 8 metros abaixo do 3º andar, mora uma judia velha que toca piano. Vocês já imaginaram que dois mundos diferentes essa conversa e a judia velha? Mais adiante mora o desembargador…
(Sr. João Clá: Pode por todos os andares de uma vez…)
Quer dizer, aqui no mesmo prédio! Nós vivemos diferentes e separados de todos mais do que os judeus estavam longe dos egípcios na peregrinação do exodus. Era muito bom que houvesse esse afeto materno, etc., etc., que não cabem no pai. Era muito bom.
(Sr. MP:…o Dr. Marcos dizia que Dona Lucilia é também nossa medianeira porque ela foi exímia naquilo que nós, em relação ao Senhor, deveríamos ser e não fomos).
Não, eu entendi o Marcos dizer — muito amavelmente — outra coisa, é que aquilo que não está na minha natureza da minha vocação pessoal dar ela dá. Eu acho que é verdade.
(Dr. Marcos: Isso também, mas um pouco mais, eu acho muito lindo a Providência ter suscitado uma “campânula de doçura” — como o Senhor definiu muito bem — para pessoas que sem isso teriam uma dificuldade enorme de seguir).
Ah, eu acho que sim, uma dificuldade imensa, mas imensa! Quase intransponível. Quase.
(Sr. MF: Mas o Senhor tratando do assunto a gente vê que o Senhor tem isso também)
Bem! Eu não entro na análise, eu só digo isso, que ia responder a pergunta do João — creio que do João, eu estou embaralhando um pouco — até o fim, para responder a pergunta até o fim o seguinte: eu sentia que havia qualquer coisa no fundo da alma dela, que era o ponto monárquico da alma dela, que é inteiramente idêntico ao ponto monárquico de minha alma, mas que eu não sei exprimir como é que é. Mas, ainda uma vez entrava o comum e o não comum aí. Porque eu sentia isto, mas, embora — se vocês me permitam, eu quase não conheço as mães de vocês…
* Mãe é isso!
(Sr. MF: órgãos de pais vivos…)
Bem, eu não analiso. Eu diria o seguinte, não vou compará‑la com nenhuma, mas digo isso: eu sabia bem que todas as outras mães que eu conhecia naquele tempo — não as que conheci posteriormente… — mas todas as mães que eu conhecia naquele tempo estavam a uma distancia dela… enorme! Eu sabia bem disso.
Não sei como, se formava na minha cabeça, que toda mãe com o filho, no fundo, tinha essa união. Depois, com o tempo, vi que não era de nenhum modo, que era uma ilusão fenomenal. Mas simplesmente fenomenal.
A questão é que é tão natural, tão profundo, tão primévo. Aquela cena que já contei, mais de uma vez, eu minúsculo, sai da cama, ao lado da cama dela, sentei‑me em cima do peito dela e abrindo os olhos com a mão e ela me atendendo com aquela bondade, com aquela coisa. Mãe é isso!
Do “mãe é isso” vinha meio logicamente a conclusão: mãe é isto com eles!
Vocês vem, “cotoyent”, ombriando uma coisa com a outra, impressões muito… Bem meus caros!
* Uma doçura [da SDL] que se exprime, por exemplo, pela idéia que ela fazia do Sagrado Coração de Jesus: era um modo de ser essencial, nela, desse ponto monárquico
(Dr. Marcos: A última pergunta… ah,ah,ah. … o Senhor mesmo suscitou a última dúvida, o Senhor disse que o ponto monárquico dela afinava inteiramente com o do Senhor. Então se ela era uma campânula de doçura, o seu ponto monárquico seria… pelo menos… afinava muito com isso. E na intimidade nós sentimos muito isso. Haveria uma afinidade de doçura aí, é isso?)
Não. A questão é um pouco diferente, é que essa doçura dela era realmente a nota constitutiva, por assim dizer, da pessoa dela, mas era uma doçura que era modelada e ajustada segundo uma concepção muito elevada e muito especial da qual é a virtude humana, de qual é o papel dessa virtude junto aos homens, como foi Nosso Senhor Jesus Cristo como Rei modelo de tudo isto, como era Nossa Senhora, etc., etc. E que se exprime, por exemplo, pela idéia que ela fazia do Sagrado Coração de Jesus e daquela imagem que está no quarto dela: é um misto de gravidade, de seriedade soberana — no sentido que se possa dizer de Deus — majestosa. Ao mesmo tempo defluente, larga, etc. De que ela tinha uma noção — eu quase ousaria dizer um “fillling” — muito preciso que tomava a alma dela inteira.
Este era o ponto monárquico. A doçura era um modo de ser essencial, nela, desse ponto monárquico. Você vê por exemplo, aqui no Quadrinho, é uma Senhora que não está nenhum pouco em batalha com ninguém, mas se faz respeitar. Com uma suavidade enorme, com uma bondade enorme, mas não sei se vocês notam que ela se faz respeitar. Quer dizer, qualquer desatenção a ela… muita bondade poria nos pontos. Nos pontos. O que ela aliás fazia — não com ela porque não tinha ocasião comigo de fazer isso — mas com a mãe dela. …
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