Conversa de Sábado à Noite – 14/11/1981 – [AC V ‑ 81/11.12] . 10 de 10

Conversa de Sábado à Noite — 14/11/1981 — [AC V ‑ 81/11.12]

Comentários à foto de Nossa Senhora de Fátima: “Ela tem um ar como quem diz: o braço de Nosso Senhor caiu!” * A impressão de que na “Bagarre” poucos se salvarão pela dureza de alma para com Deus * Um critério de diferenciação e um modo de apalpar o que se entende por dureza; Sr. Lúcio Timmy Chao: ex. de uma alma não dura * As almas duras para com a Contra‑Revolução são moles para com a Revolução e reciprocamente * Uma forma de dureza para com o Sr. Dr. Plinio: “A coesão do Grupo lucrou pelas conversas que houve durante esse seu período de ausência” * Preocupações que têm constantemente a “Bagarre” e o Reino de Maria como fundo de quadro * Mater Divinae Graciae no Praesto Sum transmite mais um estado de espírito de Nossa Senhora do que as fotografias da Sagrada Imagem * “A imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso exprime muito mais a personalidade total de Nossa Senhora do que a Sagrada Imagem”

Índice

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Então, vamos fazer funcionar os nossos pergunteiros?

Primeiro os titulares da reunião. Meu Guerreiro, tem alguma pergunta?

(Sr. Guerreiro Dantas: Creio que o Sr. João já preparou alguma pergunta para ser feita. Estamos sequiosos…)

Não, não! Vamos dar as precedências adequadas. O senhor faz uma pergunta, outros titulares da reunião. Está faltando um que é o nosso coronel que está rachado em Ponta Grossa durante, mais ou menos, um mês. Mas o senhor faz uma pergunta, os senhores fazem uma pergunta e depois eles fazem uma. Assim temos nosso plenário.

* Comentários à foto de Nossa Senhora de Fátima: “Ela tem um ar como quem diz: o braço de Nosso Senhor caiu!”

(Sr. Guerreiro Dantas: Reunião da tarde, mais a reunião da noite, em que o senhor falou de Nossa Senhora, a eminência, o significado que as fotografias trazem para o Grupo, por assim dizer a embaixada d’Ela nessa vinda, que a “Bagarre” é essa princesa que vem, etc., etc., se sente a emergência da situação em que se vive, apreensão pelo que está para acontecer, a inadequação nossa diante do panorama, traz um conjunto de apreensões não pequenas. Se o senhor pudesse comentar um pouco mais todo esse quadro.)

O fundo daquelas fotos acaba sendo que Nossa Senhora nos diz o seguinte:

Eu sinto que estou… [inaudível] …conseguindo ainda, durante algum tempo, manter o braço do Meu Divino Filho antes que Ele caia. Mas sinto cada vez mais que vossos pecados tornam impossível carregar esse braço. Em determinada… daquelas fotografias, Ela tem um ar como quem diz: “Caiu!”.

* A impressão de que na “Bagarre” poucos se salvarão pela dureza de alma para com Deus

Mas nesse “caiu”, há uma espécie de contradição, porque de fato ainda não caiu. Ela manda uma fotografia que diz: “Caiu!”.

Mas de fato ainda não caiu. Estamos aqui sentados conversando numa aparência de paz material e paz externa completa, etc., etc., portanto não caiu.

Então daí a pergunta: o que está se passando? Como explicar essa contradição?

Evidentemente quer dizer: “Veja como será quando tiver caído, veja quando, de fato, estiver caído, o que haverá”. Mas algo que eu não sei bem como exprimir me leva à seguinte idéia: São Pedro diz que no Dilúvio muitos se salvaram por causa do terror das águas, etc., etc… Eu tenho a impressão de que na Bagarre poucos se salvarão. Eu não tenho certeza disso, mas tenho a impressão de que poucos se salvarão, a coisa virá com uma garra, que encontrará, entretanto, as pessoas endurecidas. E que as pessoas durante a Bagarre se endurecerão ainda mais.

* Um delírio de dureza no qual se pode participar em graus diversos e que pode contagiar

Quer dizer, elas estão com uma forma e um grau de apego tais, que elas não querem, absolutamente deixar, não adianta, não muda de idéia. E isso é assim.

E que isto é um delírio de dureza de alma, do qual delírio a pessoa pode participar em graus diversos. Uma coisa é o pecado, outra coisa é a dureza de alma do pecador no pecado. São coisas diferentes. E pode haver, pode ser que pessoas em graus de estados de pecados muito desiguais, tenham uma participação, portanto, em ordens desiguais também, numa mesma dureza. E eu tenho o receio de que essa dureza, se nós não reagirmos muito, atinja também a quem for indiferente e a quem se deixe ensebar pela realidade cotidiana, de maneira que não se impressione, se deixe levar. Por isso que eu disse aquelas palavras finais, realmente muito duras, em relação a quem deixar passar aquilo sem olhar, sem se incomodar, sem olhar para mais nada. É terrível mesmo!

* Seremos julgados de acordo com aquelas fotografias que nos convidam a deixar nossa dureza

Mas acaba sendo que nós seremos julgados de acordo com aquelas fotografias, porque nós, naquelas fotografias, somos convidados a deixar a nossa dureza. E nós podemos endurecer‑nos diante daquelas fotografias e, com isso, adquirirmos uma dureza maior do que antes de termos visto as fotografias.

De maneira que as fotografias são para nós uma visita de salvação, mas nós as podemos transformar numa visita de condenação.

E eu não estou dizendo nada de difícil de alcançar, isto é obviamente assim, isso é obviamente assim. A nossa dureza é muito, muito grande! E isso eu digo até para ver se nós tratamos de combater mais essa nossa dureza.

* Um critério de diferenciação e um modo de apalpar o que se entende por dureza; Sr. Lucio Timmy Chao: ex. de uma alma não dura

Eu comentava com o Fernando Antúnez, que uma alma que não é dura, convivendo com algo de maravilhoso, quanto mais convive, tanto mais penetra, tanto mais admira, tanto mais — por assim dizer — se transforma naquilo. A alma dura é aquela que convive com algo de maravilhoso, mas se torna indiferente porque já viu muito. Aqui está um critério de diferenciação e um modo de apalpar o que se entende por dureza, no caso concreto, pode‑se apalpar de um modo bastante prático.

Eu dizia ao Fernando Antúnez, no automóvel na vinda para cá, imagine, por exemplo, um chinês, — meu caro Timmy — um chinês assim de legenda, desses que a gente pinta em porcelana e que, ao morrer deixa um soneto, uma coisa qualquer, com aqueles caracteres, aquilo tudo, em que ele canta o seguinte: “Viveu a vida inteira junto a uma árvore que ele considerou cada vez mais bela e que ele, ao morrer, deixa uma ode cantada àquela árvore”.

Eu não sei se ele é um grande poeta ou não, porque eu não estou imaginando aqui qual é o nível da poesia dele. Pode ser uma produção muito boa, pode não ser boa, mas ele tem uma grande alma de poeta, porque conviveu ao lado de uma coisa que não era evidentemente bela, era uma coisa bela, mas não era, vamos dizer, uma árvore com folhas douradas, prateadas, não era uma árvore de sonho, não era uma árvore que se impunha a ele, mas era uma árvore cuja beleza tinha que pesquisar, tinha que analisar. E pesquisando cada vez mais, ele foi amando cada vez mais.

Essa é uma alma que não foi dura em relação àquela árvore.

Os senhores podem fazer um exercício modestíssimo disso, porque, quem mora em São Paulo não tem árvores bonitas a conhecer.

[Risos.]

* Exemplos de dureza e não dureza de alma ao se comtemplar ou desprezar uma bela árvore

Podem fazer um exercício modestíssimo disso com uma árvore que eu gosto de olhar, que é lá na Rua Itacolomy, no fundo do cemitério da Consolação, tem um encontro de ruas informe e disforme, que não sei se chamará larguinho ou o que é aquilo. E tem um gramadinho e, no centro uma árvore.

É uma árvore comum, tem isso de bonito que ela tem uma fronde, uma copa colossal que, a bem dizer, ameniza aquele larguinho que é uma coisa qualquer, ameniza aquela larguinho porque a fronde é bela, a folhagem é agradável, mas sobretudo por causa de um equilíbrio muito elegante entre o tronco e a fronde. O tronco não é muito grande, ele é mais bem pequeno em relação à galharia, mas ele carrega aquela galharia com uma nobreza, um aprumo, uma distinção extraordinária. Extraordinária não está bem, é verdadeira, não é extraordinária.

Se fosse extraordinária, estaria fora do que eu quero dizer, mas é verdadeira.

E uma pessoa que morasse naquele larguinho, vamos dizer que aquele larguinho fosse transformado em ilha, morasse naquele larguinho e, durante cinqüenta anos vivesse ao lado do larguinho e, ao morrer pudesse dizer: “Meu Deus, eu Vos dou graças por ter posto aqui essa árvore, porque tem isso, aquilo”… ele aprofundou a árvore e lhe vieram idéias à mente, etc., etc., etc., este não foi duro para com um dom de Deus.

Agora, tomem o contrário, ali perto há um certo momento do ano em que aqueles — dentro do cemitério — em que aqueles “ipezeiros”, de repente, estouram em dourados. Os senhores olhem a indiferença das pessoas que passam por lá. Não é nada. São almas duras.

Aí está bem entendido o que eu designo como mole, qualifico como mole e qualifico como duro.

* As almas duras para com a Contra‑Revolução são moles para com a Revolução e reciprocamente

Agora, neste sentido, nós somos almas facilmente duras e é essa dureza que é uma participação que nós temos na dureza da Revolução. E por isso não queremos ver, não queremos ponderar, não queremos olhar, etc., temos o espírito minguado, que o mocinho bonzinho que mora… preservadinho, que tem uma vidinha tão boazinha, tão bem arranjadinha, mas que não quer ser herói por nenhum preço, — e essa ainda é uma boa hipótese, ainda é uma boa hipótese — isso tudo vai ser colhido. E esses são os avisos, essa é a hora.

É curioso o seguinte: não se trata de dizer que são almas duras para Revolução e a Contra‑Revolução, porque isso supõe uma neutralidade impossível entre a Revolução e a Contra‑Revolução. A verdade é outra: as almas duras para com a Contra‑Revolução são moles para com a Revolução. E reciprocamente.

Aquele episódio que contei hoje aos senhores, da saída do barbeiro, episódio impressionante, minúsculo, mas característico, aquele episódio diz bem a coisa como é. Quer dizer, não tem nem direitos humanos, nem [é] capaz dessa consideração mínima que se tem para uma pessoa que sofreu um infortúnio, não se tem quando é um contra‑revolucionário. Tem‑se, isso sim, quando é um revolucionário.

Então, por exemplo, se um terrorista viesse fugindo para dentro de meu automóvel e eu recusasse abrigo a ele no meu automóvel, dissesse a ele: “Não senhor, o seu lugar é na mão da polícia, pule daqui para fora para a polícia te pegar…” os senhores sabem que seria uma indignação geral.

Mas um automóvel quase me atropelar porque está com pressa quando sou eu que estou atravessando a rua nas minhas presentes condições, isto não tem nada. Vejam, portanto, como é a dureza. No fundo, a dureza tem ares de indiferença, mas é ódio.

* Nossa dureza é antipatia; ex. uma atitude antipática diante das fotografias da Sagrada Imagem

E na nossa dureza, é triste dizer, mas tem ares de moleza, mas é antipatia. É triste dizer, mas é. Por exemplo: como é que se poderia ter antipatia para com aquela imagem, aqueles fotografias da Sagrada Imagem? Como é concebível uma tal antipatia?

Quem olhar para aquilo e se tornar indiferente, no fundo diz o seguinte: “Fique a Senhora sabendo que eu não estou disposto a levar uma vida nessa Sua clave. Essa sua consideração séria das coisas é para mim um desmancha prazeres e eu não afino com sua tristeza. Arranje‑se! Se a Senhora está triste, arranje‑se como puder, porque eu tenho diante de mim um bocado bom para comer e este eu ainda comerei. E a Senhora irrompeu na minha vida com sua mensagem e suas lágrimas para me estragar o prazer. Para a Senhora, porta na cara!”. No fundo é o que quer dizer.

Dizer que a gente mete isso no sebo da indiferença, etc., etc., é um modo amável de dizer o seguinte:

A gente tem antipatia, a gente não quer concordar. É dureza e muita dureza!

Não sei meu caro Guerreiro se eu me exprimi bem, se minha resposta respondeu sua pergunta. Mas aqui está dito o fundo do quadro.

* Uma forma de dureza para com o Sr. Dr. Plinio: “A coesão do Grupo lucrou pelas conversas que houve durante esse seu período de ausência”

Me lembro que uma ocasião eu fui, fiz uma viagem mais ou menos longa, há muitos anos. Quando cheguei, alguém do Grupo fez‑me esse comentário sobre a vida do Grupo enquanto eu estava fora. Comentário amável, pessoa educada, fez comentário num tom muito amável. Comentário seguinte: “Você sabe que o Grupo teve muita vitalidade enquanto você esteve fora? Nós nos reuníamos aqui toda a noite e não tínhamos as conversas que você promove, é bem verdade, mas conversávamos sobre pequenos fatos da vida de todos os dias, sobre as coisas que aconteceu a um, a outro, ao primo de um, ao tio do outro, pequenos comentários do jornal, algum contava alguma recordação pitoresca do próprio passado, etc., era uma coisa que se tocava na religião, tocava às vezes por alto, mas havia tanto sossego, tanto bem estar, nós nos sentíamos tão bem juntos um com outro e tão amigos como você não imagina!

A coesão do Grupo lucrou pelas conversas que houve durante esse seu período de ausência”.

* Uma dureza de alma que rejeita as altas cogitações para viver num nível inferior

Ora, isto é no fundo uma forma de dureza. Equivale a dizer exatamente o que eu estou dizendo a respeito da Sagrada Imagem. Quer dizer: “Você, com suas cogitações, continuamente levadas para o alto, você torna monótono, porque nós não gostamos disso. Nós gostamos de viver num nível que é mais de acordo com nossa estatura distendida e ociosa e nós nos sentimos bem assim, e você nos importuna com sua constante solicitação para nós ampliarmos vôo”. É isso, é dureza!

Bom, agora, deixe‑me ouvir um “enjolras”.

Vou fazer uma pergunta antes. Meu lanche não vem não?

Ah! Estão esperando fazer o tempo, é isso? Então vamos esperar, eu não olhei para o relógio. Eu consultei o tempo da fome… mas mande vir, diga que estamos bem dentro do tempo.

Diga!

(Sr. Luís Francisco: O senhor comentou o que a fisionomia da Sagrada Imagem quer dizer, como Ela tem um misto de promessas, um misto de ameaças…)

Ela traz implicitamente uma ameaça, Ela não tem explicitamente.

(Sr. Luís Francisco: E com isso o senhor pode dizer uma série de coisas que não poderia dizer se não houvesse essas fotografias.)

Isso é certo. Quer dizer, essas fotografias ilustram de modo magnífico a reunião de hoje à tarde.

* A mensagem das fotografias ao Sr. Dr. Plinio: “um misericordioso auxílio ao esforço que a vocação me pede continuamente que faça”

(Sr. Luís Francisco: Não sei se se poderia pegar o tema por outro lado e o senhor comentar um pouco o que as fotografias, o que a Sagrada Imagem nessa terceira fase, diz ao senhor no fundo da alma do senhor. Para nós significa ameaças e promessas. Para o senhor, o que significa?)

É uma pergunta…

Para ser bem, bem franco, eu vejo na Sagrada Imagem assim, um misericordioso, — no fato d’Ela ter‑se deixado fotografar assim — um misericordioso auxílio ao esforço que a vocação me pede continuamente que faça. Porque sem que eu me mostre triste ou desolado, ou qualquer outra coisa assim no trato com os senhores, os senhores vêem entretanto que eu vivo nesse estado de espírito, e o que eu tenho em mente dia e noite, desde que acordo até o momento em que adormeço, é o fundo de quadro da Bagarre.

Ainda que eu esteja tratando da coisa mais contingente, menor que possa haver, vamos dizer: há algum tempo atrás eu comentei que esse xale, sempre primorosamente bem guardado, bem mantido, estava um pouco fundo na caixa e que era preciso, portanto, pôr algo que suspendesse o xale, eu tinha por objeto, por finalidade fazer com que as coisas estivessem segundo sua ordem. Mas essa extremidade a que nós chegamos, não autoriza a que nos estejamos preocupando com coisas dessas, mesmo num objeto que eu respeito tanto quanto esse xale. Eu só o fiz porque isto me punha na obrigação, para oscular o xale, de fazer uma inclinação que era uma inclinação pouco própria, pouco agradável de ser vista, o que poderia impressionar mal os que vissem. E portanto, com a intenção de não causar essa má impressão, para que as boas impressões que Nossa Senhora me ajude a causar permanecessem mais para que a luta para a Bagarre fosse mais definida.

* Preocupações que têm constantemente a “Bagarre” e o Reino de Maria como fundo de quadro

Quer dizer, qualquer coisa.

Esses couraceirozinhos encantadores que mes fils en France me deram. Eu gosto de olhar para eles, mas enquanto rutilação, cintilação de uma forma de heroísmo que eu imagino desencadeada na Bagarre. E não imaginem, em nenhum momento, que eu estou olhando para aqui e me lembrando das reminiscências históricas que isto pode trazer, a não ser em função da Bagarre. Quer dizer, tudo tende para a Bagarre.

E a própria História para mim seria um necrotério se não fosse a esperança da Bagarre e do Reino de Maria. Não é nada.

Pensar que homens com uniformes assim, sem o menor protesto interno de suas almas, desfilam diante do Mitterrand e prestam continência, o que é isto aí? Isto aí está morto. Mas… o brilho que uma vez brilhou sobre essas couraças, nesse momento brilhou mais do que o sol. Alguma coisa ficou que voltará.

Daí para fora, tudo. Gosto de ver Leão e Castela representados aqui nesse pano de Lísio. Esta bem. Porque gosto de ver Leão e Castela representados aqui? Eu já estive em Castela, não senti em Castela nem no ar nem na “aerologia”, nem em nada, o heróico que esses sinais heráldicos representam. Eu senti a modernização entrando aos borbotões de todos os lados, de tudo jeito, foi isso que senti, não senti outra coisa. Mas isto brilhou uma vez na vida e no Reino de Maria isto brilhará. É uma esperança no Reino de Maria que está aqui presente. Daí para fora.

[Orações para o início do lanche.]

Então continuamente, continuamente. Por exemplo, essa xícara. É uma muito bonita xícara, de muito boa qualidade que o desvelo do meu João Clá me arranjou. Está perfeito.

Bem, eu gosto da xícara porque ela é bonita. Mas sobretudo, pelo que eu vejo nela de protesto contra a Revolução. Daí para fora, a perder de vista, mas a perder de vista! É assim que eu gosto das coisas. Bagarre, Bagarre! Reino de Maria, Reino de Maria!

Os senhores nunca me viram, por exemplo, interessado especialmente na vida do faraó [Amenotep II ?]. Eu até compreendo que se faça um museu de egiptologia, guarde tudo, compreendo. Mas esse estudo para mim é completamente desinteressado a não ser num ponto:

É que eu sei que o [Amenotep ?] humilha o orgulho contemporâneo, na expressão mais banal desse orgulho que é — expressão moribunda desse orgulho, o orgulho não está moribundo, mas a expressão dele está moribunda — o orgulho da máquina, orgulho da técnica, orgulho do dinheiro…

[Amenotep ?] ignora tudo isso e desdenha. E o sujeito pode desdenhar a máquina que ele nem imaginou, mas o homem da máquina não pode desdenhar o [Amenotep ?], não tem perigo. Há nele algo por onde não é possível desdenhá‑lo, ele é grande, está acabado.

Então, é desse lado que ele me interessa. Agora, saber como é que se comia carne no tempo de [Amenotep ?]… necrotério!

Mas quando se trata da Civilização Cristã não. É sementes de esperanças, de toda ordem.

Então, meus caros, se há mais uma pergunta, vamos lá.

* O nexo entre a Sagrada Imagem e as aparições de Fátima; venerando‑a como o véu de Nossa Senhora

(Sr. A. M. [Andreas Meran ?]: Analisando as fotografias, como o senhor entrou mais na alma d’Ela?)

Quando a Sagrada Imagem veio cá, eu não esperava nenhum pouco encontrar o jogo fisionômico que apareceu. Eu a venerava como imagem profética, era minha idéia que, Nossa Senhora tendo feito profecias em Lourdes [ou Fátima] e tendo Ela se servido dessa imagem para produzir o fenômeno da lacrimação, isto estabelecia um nexo entre essa imagem e as aparições de Lourdes. Um nexo que fazia com que essa imagem tivesse, em determinado momento, sido objeto de uma ação especial de Nossa Senhora. E era, por exemplo, como se, numa outra ordem de idéias, fosse o véu de Nossa Senhora.

Se me dissessem: “Na sala ao lado está o véu de Nossa Senhora” eu não terminaria de pronunciar a palavra que estou pronunciando. Eu iria imediatamente venerar o véu. Mas, eu não ia me perguntar de que cor é o véu nem nada. Eu ia visitar o véu com a idéia seguinte: “Nossa Senhora tocou nele! Aí está tudo dito, Nossa Senhora tocou no véu, está tudo acabado, não tenho mais nada o que dizer”.

Eu tive, portanto, quando constatei as modificações de fisionomia, muita surpresa.

* A imagem não transmite as fisionomias todas de Nossa Senhora mas uma determinada atitude que é de um determinado estado de alma

Mas desde aquele tempo até hoje eu acho, a respeito da Sagrada Imagem, uma coisa: é que ela não transmite as fisionomias todas de Nossa Senhora. Ela transmite uma determinada atitude que é de um determinado estado de alma e mais nada. O resto fica no mistério.

Não se vê d’Ela, mais ou menos como certas luzes que são projetadas numa câmara escura e a gente vê só aquele fio de luz que sai, atravessa o furo e ilumina todo espaço, assim também a luz que sai da Sagrada Imagem não é uma luz que nos dê entender toda a Nossa Senhora como era, Ela nos dá a entender como é que Ela, do Céu olha para a Terra como são as coisas. Nem sequer a gente chega dizer bem que toda a santidade d’Ela se reflete ali naquela consideração. É só neste ponto, é a mensagem de um ponto, mais nada.

* Mater Divinae Graciae no Praesto Sum transmite mais um estado de espírito de Nossa Senhora do que as fotografias da Sagrada Imagem

De maneira que há imagens que transmitem mais o conjunto do estado de espírito de Nossa Senhora, — por exemplo, para não ir mais longe… estado de espírito digo mal, da personalidade de Nossa Senhora — a imagem de Nossa Senhora das Graças na entrada do Praesto Sum transmite mais um estado de espírito de Nossa Senhora, do que as fotografias que vimos hoje. Muito mais expressivas, mas aquela imagem do Praesto Sum espelha uma psicologia inteira. Ao menos é essa minha impressão.

E já, pelo contrário, na imagem, nas fotografias que vimos é um determinado estado de espírito: suma apreensão materna, mais nada. Quer dizer, nesse sentido, por assim dizer, não se pode fazer psicologia na Sagrada Imagem. Apenas o que tem e está presente ali é uma pureza alcandorada e uma superioridade em relação a qualquer coisa terrena, total! Mais nada.

Não sei se sentem isso assim, mas é uma observação curiosa que a Sagrada Imagem expressa.

* “A imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso exprime muito mais a personalidade total de Nossa Senhora do que a Sagrada Imagem”

Por exemplo: há imagens de Frá Angélico representando Nossa Senhora, o que querem ver. Por exemplo: imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso exprime muito mais a personalidade total de Nossa Senhora do que a Sagrada Imagem. Eu acho isso.

A seu modo, a imagem de Nossa Senhora de las Lajas, exprime muito mais. E assim outras. Foi desígnio d’Ela que as coisas fossem assim. Não sei meu A. M. [Andreas Meran ?], se sua pergunta está respondida.

(Sr. D. [Dustan Miranda ?]: Numa das fotos de Nossa Senhora no Santo do Dia de hoje o senhor comentou que parecia ter diante d’Ela uma cena horrorosa e então externava toda a recusa d’Ela. Agoras por outro lado, na Semana Santa, em Jasna Gora uns dois anos atrás, o senhor disse que a situação do Grupo era tal, que para sacudir o Grupo uma graça que poderia ser era a Sagrada Imagem se apresentar com a fisionomia da Sagrada Face. Agora, essa recusa que a Sagrada Imagem, nas fotografias recentes tem apresentado, não é um começo da realização dessa fisionomia da Sagrada Face na Sagrada Imagem? E qual seria essa manifestação se fosse plena, que estado de espírito, que mentalidade, como seria a recusa dela?)

O senhor no mesmo diapasão poderia fazer a pergunta seguinte: se é intenção de Nossa Senhora por meio da Sagrada Imagem, comover e atrair, porque Ela não se apresenta mais inteira?

(…)

* O ponto aonde a frieza pode conduzir as pessoas no trato com o que é sagrado o qual julgariam indispensável se não houvesse

é o que você acha. Eu não sei se é bem verdade, porque você, se não conhecesse a Sagrada Imagem e imaginasse ter esse recurso, você se julgaria salvo. Está aí o recurso e você não se salva. Quem é que me garante que, com mais do que isso, você se salvaria?

No Santo Sudário, o que se poderia chamar a psicologia de Nosso Senhor, está por inteiro. Se nós pusermos uma reprodução do Santo Sudário em qualquer lugar, ao cabo de algum tempo está banalizado. Se não houvesse Santo Sudário, a gente dissesse: “Ah! Se Ele se revelasse aos homens por meios, ‘tará, tá, tá’”. Então? Então nada. Então o quê? É isso.

Nós não temos noção, mas não temos noção, simplesmente do que: do ponto aonde a frieza pode conduzir as pessoas no trato com o que é sagrado.

Eu termino contando dois fatinhos.

* No pranto de São Pio X e no de Pio XII duas atitudes totalmente diversas

Os senhores sabem, na história de São Pio X contada pelo cardeal Merry del Val, toda a angústia que São Pio X teve quando percebeu que ele ia ser eleito Papa e como ele chorou, o que aconteceu. E quando a eleição tomou um caráter em que ele percebeu que iria ser eleito, o cardeal Merry del Val foi encontrá‑lo na capela Sistina, onde estava o Santíssimo Sacramento, ajoelhado e chorando. A capela estava inteiramente vazia e o cardeal Merry del Val, que não era cardeal nesse tempo — era monsenhor — teve pena dele e percebeu porque estava chorando. Ajoelhou‑se ao lado dele e disse: “Eminência, tenha coragem. A Providência…”. E depois fez a pergunta: “Cardeais tais, tais e tais outros querem saber se V. Ema., eleito, aceitaria”. Ele então, chorando disse que aceitaria.

Não me lembro se foi o próprio geral da Congregação do Verbo Divino ou se foi D. Sigaud que me contou, que Pio XII era muito chegado a ele — mas era ainda cardeal, Cardeal Pacelli — e tinha sido núncio apostólico em Munich e, com isso, falava muito bem alemão, etc., etc., e muita entrada com todo clero alemão residente em Roma, e esses padres do Verbo Divino são todos alemães.

Então contou que Pio XII uma vez entrou na sala do geral e disse: “Padre Geral, estou desolado, não imagina o que está me acontecendo, etc., etc., e se pôs a chorar. O geral disse a ele: “Mas, Eminência, o que há? No que posso consolá‑lo?”.

Ele disse: “Pio XI vai nomear‑me Secretário de Estado e é uma coisa irrecorrível, vou ser Secretário de Estado”.

Diz o geral: “Mas, eminência, é uma grande ocasião para prestar grandes serviços à Igreja”.

Pio XII: “Não, isso é uma cilada dos meus adversários. Sabem que o Cardeal Secretário de Estado forma muitos inimigos, e eles então querem que eu seja eleito Secretário de Estado para eu depois não ser eleito Papa… E com isso, é a tiara que me escapa”.

E chorava amargamente por não poder ser Papa.

Os senhores vêem as duas atitudes totalmente diversas, mas totalmente diversas.

Que grau, que senso de responsabilidade tem um homem que, no risco de ser Papa, e vendo o que poderá ter de responsabilidade, fica nessa tristeza?

Um de nós poderia querer ser Papa? Eu acho que, tendo certeza de ser inteiramente um contra‑revolucionário, deveria querer ser Papa, porque saberia quanta coisa haveria para alterar e como deveria alterar. Mas deveria, ao mesmo tempo, ter isso na dor e no pânico, porque qualquer coisinha, por menor que fosse, era ocasião para ele se responsabilizar a si mesmo das piores coisas. É claro! Um Papa, é um lugar de martírio.

O sujeito forma uma tal crosta em torno de si que disputa um cargo desse. Onde é que a gente vai chegar? É uma coisa tremenda.

Meus caros, vamos nos despedir.

[Orações finais do lanche e da conversa.]



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