Conversa
de Sábado à Noite (Êremo de São Bento) –
28/3/1981 – Sábado [RSN 021] – p.
Conversa de Sábado à Noite (Êremo de São Bento) — 28/3/1981 — Sábado [RSN 021]
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Conferido com 81/03.28 e 29. Avelino
Proposta do tema: como o ritmo contra-revolucionário cria condições para as más tendências se manifestarem * A palavra tem uma continuidade, mas na frase produz descontinuidade, que deve ser disfarçada o mais possível para dar ilusão de continuidade * A dicção cantada, oposta ao ronco de motor, pode exprimir o estado de espírito que quer externar, o que sente em si face ao que diz, e o efeito que quer causar no interlocutor * As inflexões de voz formam toda uma geografia sonora que a palavra humana põe sem a monotonia do motor * Também a vista exige continuidade, pois o espírito humano tem horror da interrupção que deve ser suavizada — Exemplo do pára-vento do quarto * Toda impressão nova produz descontinuidade no homem e provoca susto por ser inopinada — Exemplificando com os arcos do claustro * Na raiz da temperança está o equilíbrio entre continuidade e descontinuidade e entre intensidade e não intensidade — Isto se reflete até nos mares e fica registrado no livro da vida * A hereditariedade biológica dá o ponto da partida para os sismógrafos da alma, bons ou maus, e a graça convida para um equilíbrio fundamental — A Revolução quer quebrar isto * Não confundir um revolucionário agitado com os peregrinos medievais, menos ainda os trovadores e cavaleiros andantes * O fundo do pólo de nossa estabilidade é crer na Bagarre, saber que ela pode chegar a qualquer momento e desejá-la * A Oração da Restauração, a exemplo de Nossa Senhora na Encarnação, pede a harmonia entre Bagarre e vitória
* Proposta do tema: como o ritmo contra-revolucionário cria condições para as más tendências se manifestarem
Então, senhores da Rua Alagoas, o que é que perguntam, afirmam, dizem? Força!
Meu Fernando, você está esboçando uma pergunta!
No conselho de Luís XIV falavam primeiro os mais moços.
(Sr. –: Aqui está cheio de mais moço.)
Não, não, não. conselho são dos que estão sentados.
(Sr. F. Antúnez: Eu ouvi, muito de passagem, o Sr. João me andou contando que hoje na hora do chá o senhor estava falando um pouquinho dos ritmos revolucionários e também…)
Os senhores vejam as inconveniências do corre-corre. É tal o hábito de passar diante das coisas sem fixar nem olhar, que agora estou me dando conta do que estava aqui.
Diga lá.
(Sr. J. Clá: É uma reunião que os senhor fez para os camaldulenses de Amparo, e que o senhor hoje no chá, por estar o Sr. Armando dos Santos, comentava um pouco com ele, e eu pude assim pegar fiapos. O senhor antigamente tratou do tema enquanto ritmo e melodia, mas não foi esse.)
Isso foi muito antigamente.
(Sr. J. Clá: O que hoje o senhor dizia era de ritmo. Não ritmo de música ou coisa que o valha, porque de fato a própria natureza tem ritmo. A gente olha um… os vários ritmos, os mares, etc., todos eles têm um ritmo. Mas o senhor falava mais propriamente dos ritmos enquanto manuseados pela Revolução para criar tendências, para produzir tendências, e anteriores até ao próprio temperamento e à própria tendência. E, pegando o assunto assim no ar, o Sr. Armando dos Santos dizia que o senhor tinha usado em Amparo para com eles camaldulenses.)
É, em Amparo, eu disse uma coisa sobre isso.
(Sr. J. Clá: É , o senhor disse, e deu como exemplo o próprio fumar, o vício do fumo. O senhor dizia que era muito mais utilizado enquanto um prazer. Aliás, ao invés de utilizado por prazer, havia algo mais profundo que era o fato de o sujeito que está fumando estar participando e participa do ritmo revolucionário. Até foi levantado o problema de que a Sra. Da. Lucilia criava um ritmo onde estava, e um ritmo que era contra-revolucionário.
Eu me lembrava dela na sala de jantar, às vezes com a porta um pouco entreaberta, o senhor fazendo sesta, todo o primeiro andar tinha um ritmo muito benfazejo vendo-a contemplando a Praça Buenos Aires, etc.
E o senhor dizia que ela agia de uma forma muito “sui generis”, ela não podia ser comparada com um violino tocando no meio de uma baderna, no meio de uma bagunça, mas onde ela entrava, se houvesse sensibilidade, a baderna era colocada para fora e ela introduzia toda uma orquestra harmoniosa. O senhor dizia também que se entrasse alguém que se fechasse ao ritmo e que fosse contrário ao ritmo dela, ela como que se dobrava como as pétalas de uma flor sobre si, e se recolhia em si, mais por harmonia e por boa paz, do que por qualquer outra razão.
E como o chá foi um tempo ultra-fugaz e num ritmo muito… eu estava comentando com o Sr. Fernando que talvez se o conselho de Luís XIV achasse… talvez o senhor pudesse mostrar como é que é o ritmo revolucionário e como é que é o ritmo contra-revolucionário, criando condições para as tendências se manifestarem.)
Está perfeitamente bem expresso. A questão é encontrar as metáforas para dar o coisa dentro de um tempo hábil, porque vai alta a lua no solar da vida… De maneira que nós temos que… vamos dizer o seguinte: começar assim pelo andar térreo do assunto e ir depois construindo as conclusões. É talvez o melhor.
* A palavra tem uma continuidade, mas na frase produz descontinuidade, que deve ser disfarçada o mais possível para dar ilusão de continuidade
Se tomarmos a palavra humana — por exemplo, eu estou falando e os senhores estão me ouvindo — notamos que ela tem uma certa continuidade e uma certa descontinuidade. A continuidade está na palavra.
Se eu disser, por exemplo, uma palavra longa do português, constitucionalmente, se eu disser constitucionalmente, essa palavra se compõe de série de sílabas contínuas. Depois, para marcar que uma palavra cessou e começou outra, em qualquer língua do mundo se põe uma pequena descontinuidade. Como no papel, entre uma palavra e outra, uma pequena descontinuidade, e depois continuam as palavras também.
Essa palavra, portanto, enquanto contínua ou descontínua, produz sobre o ouvido humano uma série de impressões que poderiam ser comparadas um pouco aos sinais do telégrafo morse.
Os senhores conhecem os sanais de telégrafo, não é? Cada letra é simbolizada ou expressa por uma pressão. Às vezes a pressão é mais curta, às vezes a pressão é mais longa, às vezes são duas ou três pressões sucessivas que interrompem a corrente elétrica e se fazem sentir naquela agulhazinha. E por esta forma a pessoa capta a mensagem telegráfica.
Nós temos assim no ouvido uma espécie de telégrafo pela continuidade ou descontinuidade das palavras. Mas sobre essa continuidade e descontinuidade — vejam bem, é curioso esse trabalho da obra de Deus, é muito bonito —, o idioma, a linguagem humana, a dicção humana trabalha de tal maneira que faça tanto quanto possível não sentir as descontinuidades e, pelo contrário, sentir as continuidades.
De maneira que se alguém falasse qualquer língua com intervalos marcados demais entre as palavras, ter-se-ia a impressão de haché, que dizer, picado à machadinha.
Os senhores sabem carne quando se pica assim, há uma coisinha para o cortar carne, fica picadinha, quando se faz aquilo com a carne. A gente tem a impressão de que a linguagem apresenta essa descontinuidade penosa.
O bonito é que a interrupção, indispensável para a intelecção, fique de tal maneira que de algum lado a gente a sinta, mas de outro lado a gente não a perceba.
Aqui há um jogo que não é um jogo vão de palavras, é um jogo que tem seu sentido, para se sentir e perceber. A gente sente, o ouvido registra, mas o espírito percebe apenas o indispensável para diferenciar uma palavra e outra.
O que quer dizer que as descontinuidades são necessárias dentro da ordem natural, mas de outro lado devem ser tão disfarçadas quanto possível para darem a ilusão da continuidade.
Elas não são um mal necessário, mas elas são à maneira de um mal, um pouco parecidas com um mal necessário. O espírito humano não gosta das descontinuidades.
* A dicção cantada, oposta ao ronco de motor, pode exprimir o estado de espírito que quer externar, o que sente em si face ao que diz, e o efeito que quer causar no interlocutor
Por cima disto que é mera palavra, a dicção da palavra, entra a fonação da palavra. A pessoa fala mais alto, mais baixo, comunicando um outro sentido à palavra que não é o sentido próprio da palavra.
Qual é o significado que acompanha a palavra no modo de ela ser cantada?
O significado é como o ronco do motor: é cheio de interrupções, tem todos defeitos da dicção péssima o ronco do motor. E a civilização moderna é cheia de ruídos assim porque é uma dicção péssima, não se fala assim. Nem para roncar se ronca desse jeito. Todos os defeitos do ronco do motor jorram, agridem, em virtude dessa descrição.
Pelo modo de cantar a palavra, a pessoa dá a entender três coisas ao interlocutor. Vem tudo misturado e o interlocutor entende. Dá a entender:
O estado de espírito em que ela está e que ela quer que o interlocutor conheça, ou o estado de espírito em que ela quer que pense que está e não está. Portanto, psy canta a palavra, mas de fato não é como ela está.
Depois como é o estado de espírito dela em face daquilo que ela está dizendo? Não é o fundo do quadro, mas é em face do que ela está dizendo.
Em terceiro lugar ela manifesta um certo receio que o interlocutor não aprecie bastante ou entenda mal o que ela está dizendo e, à vista desse receio, ela acentua as palavras. Por exemplo, se ela receia que [o interlocutor] seja meio preguiçoso, não presta atenção no que ela diz, ela moderará o que diz de um determinado modo. Se ela receia que o indivíduo seja um espírito por demais lógico e ela está falando de um tema sentimental, ela ajeitará. Se, pelo contrário, é um homem por demais sentimental e ela está falando de um tema lógico, ela amoldará.
Quem fala não se dá conta, mas está fazendo toda uma análise do interlocutor sobre o modo de falar. No modo de falar, ela faz um análise. Para ela subconsciente. Mas basta apagarem a luz e ela perder a visão do interlocutor que o modo de falar muda. Ela não está acompanhado, acompanhado, acompanhado.
* As inflexões de voz formam toda uma geografia sonora que a palavra humana põe sem a monotonia do motor
Agora, se os senhores vêem essas inflexões, elas procuram ocultar a interrupção também. Elas fazem longas guirlandas de sons que, através das interrupções das palavras, formam movimentos, colinas, montes, vales profundos. Como eu dizia há pouco, guirlandas. É toda uma geografia sonora que a palavra humana põe a nu sem a monotonia do motor.
Os senhores estão vendo como o motor… o motor passa descompostura quando o solta o escapamento. O resto do tempo ele resmunga.
Vejam como é gostoso: a única coisa que o motor tem de gostável é quando ele faz silêncio. É um alívio. Tem-se a impressão de que um pesadelo passou. Ao menos… é como eu sinto.
Por exemplo, agora eu disse “ao menos”. Eu noto que pus instintivamente um pequeno espaço e disse “é como eu sinto”. Para dar liberdade aos senhores de não sentirem.
Os senhores percebem, é instintivo, todos nós fazemos isso.
Então os senhores estão vendo mais um modo de marcar a interrupção necessária, fazer as continuidades convenientes.
* Também a vista exige continuidade, pois o espírito humano tem horror da interrupção que deve ser suavizada — Exemplo do pára-vento do quarto
Isso que com o ouvido funciona tão bem, nós poderíamos falar com os outros sentidos também.
A vista com as distâncias. No fundo toda distância é até certo ponto uma interrupção, mas em todo quadro bem composto a interrupção não é brusca e ela procura disfarçar-se a si própria.
Por exemplo, no lindo pára-vento que eu tenho aqui no meu quarto, se fosse de duas folhas só, em ângulo reto, ele ficaria feio. Ele é assim para disfarçar a forma mais brutal de interrupção que é o ângulo reto. A palavra francesa canta a coisa: o ângulo reto é uma brisure, é uma ruptura. E o homem por natureza — em latim que fica bonito dizer aborret — tem horror à brisure, ele gosta das continuidades. Então ele faz um pára-vento cuja sinuosidade dá uma idéia de continuidade, dentro das descontinuidades necessárias.
Aquilo é um biombo, o biombo tem continuidade. Ali a descontinuidade é necessária. Ele procura driblar, um pouco a la João. Ele procura driblar artisticamente, elegantemente, sorrindo, e deixa a coisa bem posta, porque é exatamente como deve ser.
Que dizer, o espírito humano tem horror da interrupção. Ele tem necessidade de interrupção, a ordem universal tem necessidade de interrupção, ela é feita de interrupções. Mas na vista, por exemplo, o que interrompe, o que corta, desagrada. Por causa disso, ou com uma brisure a gente rompe, ou coloca junto alguma coisa que adoça.
Olhem, por exemplo, essas janelas, essas portas. Na janela está mais característico. Há uma ruptura para instalar a janela. Não tem propósito fazer vidros tão grossos quanto é a parede. Resultado: dentro tem uma coisa bonita que consola o espírito da ruptura.
É bem feito, bem pesado, é bem contado.
Na Itália os senhores vêem uma coisa de deixar cair o queixo. O João já viu, o Fernando já viu. É uma coisa de deixar cair o queixo. São os mosaicos.
No Vaticano, por exemplo, nos retábulos dos altares, pelo que eu me lembro, há poucas imagens. Existem, isso sim, mosaicos. Que dizer, imagens de escultura, poucas. Mosaico.
Os mosaicos sãos feitos de pedrinhas justapostas. E cada cor tem sua… cada pedra tem sua cor própria. Não é pintado em cima. Os senhores já sabem muito bem.
De tal maneira são unidas aquelas pedras, que não se tem a impressão das descontinuidades, e a gente tem a ilusão de uma pedra natural que tem todas aquelas cores. É uma obra‑prima o encaixe daquelas pedras!
Exprime mais uma vez o horror do espírito humano às descontinuidades. O espírito humano quer as continuidades.
* Toda impressão nova produz descontinuidade no homem e provoca susto por ser inopinada — Exemplificando com os arcos do claustro
As épocas. Um grande número de sustos que o homem leva, são por causa das descontinuidades que se apresentam. Não é tanto porque a coisa é ruim, mas é porque ela é inopinada e marca uma descontinuidade. O homem que gosta da vidinha, no fundo tem preguiça de agüentar o impacto das descontinuidades, e gosta de viver naquela vidinha cujo encanto para ele é a continuidade. Ele acaba se viciando em continuidade, a tal ponto o espírito humano tem o gosto da continuidade.
Isto está bem claro ou não?
Sobre esse fundo, acaba acontecendo que toda a impressão nova que o homem tem, porque é nova, por mais disfarçada que seja, produz, como a palavra, uma descontinuidade dentro dele.
Vamos dizer, estamos aqui todos conversando. Imaginem que entrasse agora aqui, de repente, por exemplo, Dr. Luizinho, que ninguém está supondo. Dr. Luizinho entrando aqui…
Eu dou um exemplo melhor.
Os senhores imaginem que nós estamos conversando aqui e saímos todos para passear no claustro aqui ao lado. E os senhores percebem de repente — é a primeira vez que estão entrando no claustro — que um dos arcos do claustro, se quiserem o arco central, é um arco muito mais alto do que os outros arcos. Ainda que seja para marcar uma certa simetria, pode ser que seja uma coisa artística, o fato daquele arco ser muito mais alto, quando a gente olha e vê a cara do que nota o arco mais alto, quando ele olha o arco mais alto, aquela diferença de arco produz nele uma certa impressão.
Aquela impressão é ligeiramente descontínua com a impressão que a sucessão dos arcos iguais estava dando a ele e produz, sem que ele perceba, uma pequena descontinuidade. E é dessas descontinuidades das coisas, junto com as continuidades e o desejo da continuidade. Depois, quando a pessoa se encontra numa continuidade muito grande, a monotonia e o desejo de uma descontinuidade bem calçada. Às vezes o desejo até de uma descontinuidade brusca e o gosto da aventura, o heroísmo e o gosto da aventura.
É por um equilíbrio próprio a cada um, entre o gosto da continuidade e da descontinuidade, cada um tendo uma certa proporção de gosto de continuidade e gosto de descontinuidade, e tendo horas em que gosta de um modo, ora de outro, anos da vida que gosta de um modo, anos da vida que gosta de outro. É de uma certa proporção assim que se faz uma das características mais fundamentais, ou talvez a característica mais fundamental do homem.
Essas descontinuidades e continuidades, pedaços de continuidade assim, com descontinuidades assim; ou descontinuidades assim com pequenos blocos de continuidade flutuando dentro, depende muito do modo de ser de cada um. É do pôr isto ordenadamente, segundo alguma regra da ordem do universo — portanto, da estética do universo e, portanto, também da ordem do homem —, é em pôr isto bem que está um dos elementos fundamentais ou o elemento fundamental da harmonia da pessoa humana. E eu não hesito em dizer: até do equilíbrio da pessoa humana.
Não sei se eu estou continuando claro.
Bem, qual é a prova disso?
Não tem prova. Ou a pessoa sentiu ou não tem prova. Essas coisas não têm prova.
Eu estou dizendo e alguém pode dizer: “Está bem, eu não sinto assim!”.
Eu digo: “Meu caro é uma descontinuidade. Sente e vamos continuar! Não tenho nenhuma prova do que eu estou dizendo”.
Se digo que estou apalpando esta bengala, alguém me diz:
— Prove!
— Para mim está provado. Se não está para você, não vamos brigar por causa disso. Eu estou apalpando a bengala, estou persuadido disso. Embora você ponha em dúvida, eu estou apalpando a bengala, está acabado.
* Na raiz da temperança está o equilíbrio entre continuidade e descontinuidade e entre intensidade e não intensidade — Isto se reflete até nos mares e fica registrado no livro da vida
Então há na raiz da virtude da temperança… lembra-se que falamos de têmpera, temperatura, temperança, etc., e que eu tive ocasião de fazer aos senhores o elogio da temperança. Na raiz da virtude da temperança está esse equilíbrio entre continuidade e descontinuidade e, portanto, entre intensidade e não intensidade. Porque se for uma intensidade o tempo inteiro, fez-se a continuidade. A descontinuidade não é só descontinuidade de durações, mas de durações do quê? De durações de intensidades! Essa é a substância.
Eu não sei se eu continuo claro.
Há qualquer coisa no homem que é assim, mas, curioso, é assim — para usar linguagem da reunião da qual nós estamos vindo — de acordo com os mares em que o indivíduo nasceu. Há um modo de continuidade Báltico e há um modo de continuidade Mediterrâneo, para me exprimir assim. Como haverá um modo de continuidade antilhano e, portanto, mexicano, que não é de nenhum modo a continuidade da orla de cá do Atlântico, portanto, brasileiro. E assim a coisa vai por vales e montes.
Por exemplo, entre os chilenos e argentinos, a diferença das continuidades é flagrante, mas é flagrante! Cada nação tem sua continuidade própria e característica.
E se a nação é temperante, depois a família é temperante, o indivíduo é temperante. Isso produz contrastes muito harmoniosos. Se é intemperante, produz o choque.
E a causa, a meu ver, mais profunda dos pecados, como das guerras e das heresias, muito piores do que todas as guerras e todos os outros pecados, das modalidades da arte, das pulsações da história, está nessa espécie de máquina registradora interna, se quiserem.
Não sei como chama aquela agulhinha de telégrafo… como é que chama aquela história para medir terremotos?
(Sr. –: Sismógrafo.)
Sismógrafo.
Sismógrafo interno que todos nós temos e que, se andar bem e segundo os mandamentos de Deus, o amor de Deus, a graça traça sobre o papel.
Qual é o papel?
Sou eu mesmo, em que eu escrevo a minha própria vida, e a minha primeira biografia é de mim para mim em mim! É natural! Todos nós somos assim. Querendo ou não querendo, todos nós estamos escrevendo nossas biografias. Não tem conversa! E depois no juízo é aberto o papel e é lido. A coisa é do outro mundo, é do outro mundo!
O fato é o seguinte: lê-se na cabeça do indivíduo toda a sua vida. Olha para ele e… lá vai, lá vai, lá vai!
Então eu dizia que nesta espécie de sismógrafo que existe dentro de nós, existem em movimentos que vêm do fundo do fundo. E quando são bons, conforme o mar, são de um modo no Báltico e outro modo. Por exemplo, para dar um extremo geográfico oposto, outro modo no litoral sul-americano do Pacífico. E de outro modo já no litoral nipônico do Pacífico. Para falar em termos de mares e não de raças, o que é pouco simpático. Como isso muda, e muda e muda, e muda e muda.
* A hereditariedade biológica dá o ponto da partida para os sismógrafos da alma, bons ou maus, e a graça convida para um equilíbrio fundamental — A Revolução quer quebrar isto
O equilíbrio fundamental aqui dá o ponto da partida para todos os movimentos bons de alma, como todos movimentos ruins da alma. Esta é uma coisa que marca o homem desde que ele começa a existir e já vai preparando para a Revolução ou a Contra-Revolução, às vezes pelos pecados ou pelos atos de virtude da própria família.
Quer dizer, já os pais transmitem aos filhos uma hereditariedade biológica carregada de virtudes ou de defeitos, e o filho recebe boas propensões neste sismógrafos ou propensões defeituosas. E a educação desde o primeiro carinho até a primeira repreensão se exerce nesse sentido, ladeira acima ou ladeira abaixo. A pessoa vai recebendo essa carga e quando aparece pela primeira vez o problema Revolução e Contra-Revolução, encontra pressupostos estabelecidos.
Eu não sei se eu continuo a me exprimir bem.
E a resultante, o que há de comum nos sismógrafos daquela família, marca o ambiente na casa. e o sismógrafo da gente se põe a trabalhar até tomar o hábito, para o bem ou para o mal.
Turismo! É o gosto da fazer flanar os sismógrafos internos.
Nós temos isso que a graça convida continuamente nosso sismógrafo ao ponto de equilíbrio. E em todas as coisas onde nos aparece alguma coisa católica, boa, direita, nós temos um convite para ir mais além e tonificar o lado bom do nosso sismógrafo, que é nosso papel no sismógrafo. O papel no sismógrafo registra.
Cada convite que nós temos para um lado ruim convida o sismógrafo a registrar loucuras dentro do papel. E este é o ponto de partida, creio eu, primeiro na revolução tendencial.
Dando um salto que o relógio não deu, porque o relógio foi andando metodicamente e cobriu trinta e tantos minutos nesse solilóquio, dando um salto acontece o seguinte: é que um mundo de coisas da vida moderna, a gente explica por aí.
Por que é que a Revolução organiza uma série de interrupções cacofônicas, disparatadas assim, na vida moderna? Por exemplo, o telefone. O telefone opera eminentemente sem transição. Um dos senhores está, vamos dizer, aqui, vem de repente um telefonema da família daquele pobre coitado que morreu lá em Singapura, pode vir contando que o homem deixou uma coleção de livros em português que eles querem nos mandar, etc.
A gente passa daqui para Singapura, faz todas as distâncias mentais para conversar com a Singapura. A gente não tem idéia de tudo quanto girou no sismógrafo, tudo quanto marcou o sismógrafo nessa transição brusca. A gente não tem idéia.
Desliga o telefone e diz: “Ah! afinal, etc. Na Polônia está acontecendo tal coisa assim”.
Não sei se percebem quantos pára-ventos em ângulo reto, com uma folha só.
O indivíduo vai de automóvel daqui, por exemplo, até aos Buissonets, durante o dia — para não falar da noite, que é mais tranqüila, durante o dia. Quantas impressões diferentes, de bairros diferentes, de pessoas diferentes, de automóveis diferentes que nós vamos olhando. A gente tem a impressão de que não está prestando atenção em nada. É uma ilusão! Tanto é que se nos oferecessem de vedar as vidraças do automóvel, nós não quereríamos.
Quer dizer, algo, sem perceber, nós estamos pescando. Quanta coisa passa e vai alterando malucamente os sismógrafos, vai marcando doidices. Quantos cacoetes isso dá.
Bem, muda de casa, muda de emprego.
O Dr. Mário Navarro estava me contando essa coisa curiosa:
O Dr. Merizalde disse a ele que agora em julho havia férias nos Estados Unidos, e que nos Estados Unidos faz isso, quando há férias: as pessoas que vão sair de férias, muito freqüentemente desalugam o local onde estão instalados, e quando o voltam se instalam num outro local porque assim eles economizam um mês de aluguel.
Os senhores imaginem o que é que significa isso! Uma família que tem férias duas vezes por ano e muda de casa duas vezes por ano? Todas as descontinuidades que isso significa, onde é que batem no fundo, e a gagueira que uma coisa dessas pode dar.
Não sei se o exemplo é frisante. Eu o imagino frisante.
Os senhores tomem a sucessão dos empregos, depois as pessoas que nos empregos mudam, hoje é um empregado que está aqui, outro lá, outro acolá. O trânsito interno nos Estados Unidos é fenomenal. Está todo mundo a toda hora mudando de cidade, mudando de emprego, mudando de tudo. Todo mundo mudando continuamente. Os sismógrafos amalucados que vão se agitando por aí por fora.
É descontinuidades que criam condições para o pecado. Quer dizer, é a Revolução.
* Não confundir um revolucionário agitado com os peregrinos medievais, menos ainda os trovadores e cavaleiros andantes
Alguém dirá: “Mas, Dr. Plinio, eu sou diferente. Eu sou como os trovadores, os cavaleiros andantes da Idade Média que gostavam de mudar de lugar em lugar, os peregrinos que iam fazer longas peregrinações a Santiago de Compostela”.
Eu digo:
— Meu caro, me desculpe, me desculpe, mas eu não acho. O senhor se ilude a respeito de si mesmo. Por que é que o senhor se ilude a respeito de si mesmo? Por causa do seguinte: se o senhor fosse verdadeiramente contra-revolucionário, o senhor desconfiaria que em si tem alguma coisa de revolucionário, e o senhor ao menos se poria em estado de perguntar se o senhor é um pseudo-peregrino da Idade Média ou é um agitado revolucionário. Se o senhor tem certeza de que não é um agitado revolucionário, está provado que é um agitado revolucionário, porque quem não desconfia de si é um revolucionário. Portanto, o senhor é um agitado. Não atribua à peregrinação o que já está diagnosticado. Não é. Mude de idéia logo de uma vez. Em segundo lugar, os trovadores e cavaleiros andantes não eram o que a Idade Média tinha de melhor. Os cavaleiros que iam combater na Idade Média, nas cruzadas, iam com o gosto da cruzada, mas dilacerados de deixar o seu lugar local. Eles tinham muito arraigamento na terra, não era absolutamente os nômadas que nós imaginamos. E os peregrinos? Iam em espírito de penitência. Não era turismo! Turismo é um conceito que não havia. Ainda mais nas péssimas condições de estrada naquele tempo, não havia isso!
— Bom, mas tinha os estudantes que perambulavam de universidade em universidade.
— Estão na linha dos trovadores e dos cavaleiros andantes.
Quer dizer, poderia ser legítimo, etc., poucos, raros, excepcionais, então inteiramente legítimo, é verdade, com as gamas intermediárias é verdade também, mas o modo de viver de uma sociedade antigamente não era esse.
(…)
Então vamos nos despedir. Vamos rezar três Ave Marias e vamos andando.
(Sr. João Clá: Sr. Poli, Dr. Edwaldo, Sr. Fernando talvez teriam perguntas para fazer.)
Você?
É, não têm. Está vendo pelo silêncio amável e embaraçado que eles estão com pressa de ir embora.
(Dr. Edwaldo: A vida do Grupo de deve à estabilidade do senhor.)
Isso eu nunca analisei.
* O fundo do pólo de nossa estabilidade é crer na Bagarre, saber que ela pode chegar a qualquer momento e desejá-la
(Dr. Edwaldo: É fundamental. Quem vai para uma reunião, quem vai para um encontro com o senhor sabe que vai encontrar estabilidade, embora não tenha explicitado isso. Sabe que vai encontrar e vai com toda naturalidade. Se alguém fosse procurar um outro, já iria num estado de inquietação que não prepararia para nada. só para a desordem.)
Eu tenho a impressão que na medida que haja uma estabilidade assim, eu creio que algo disso há.
Por aí os senhores vêem como nossas atenções e a nossa vontade de saber é precária.
Nós assistimos essa conversa com atenção. Terminado, queremos mudar de assunto e não temos mais vontade de entrar nesse assunto, como se fosse um copo onde se tivesse tomado uma gole e depois não se quer tomar, beber a taça até o fim. O que é um erro contra a estabilidade.
Eu não sei como louvar bastante o ambiente do São Bento e depois o ambiente do Praesto Sum, como uma espécie de nobre desdobramento, pela estabilidade que o prédio tem, que a correspondência à graça comunica. Mas tudo aqui é estável na linha do que eu quisera. E o cerimonial e o passar a vida em cerimonial é um elemento para a estabilidade magnífico.
Agora eu vou indicar o fundo do pólo da estabilidade para nós, aqui já do lado sobrenatural por causa da vocação. A primeira parte da exposição que fiz é uma exposição natural. Agora olho a vocação.
O fundo do pólo para nós qual é?
Se nós in concerto quisemos ser estáveis:
I- Creiamos sempre na Bagarre;
II- Consideremo-la como podendo arrebentar de um momento para outro, por menos provável que pareça, porque é possível que ela faça como a morte: vem de surpresa;
III- Desejemo-la com toda alma. Se nós tivermos isto, o thau toma toda a luz.
A lamparina acesa junto ao thau é o desejo da Bagarre, mas com estas circunstâncias que eu acabo de dar. Afastem isto, a coisa degringola. Pelo contrário, isto estando presente, a estabilidade se compõe.
* A Oração da Restauração, a exemplo de Nossa Senhora na Encarnação, pede a harmonia entre Bagarre e vitória
Na Oração da Restauração, quando se diz “recomponde em mim o amor a vós, aquilo que desabrochava em mim”, e mais adiante “fazei luzir aos meus olhos aquilo que pelo esplendor de vossa graça eu amara tanto e tanto”, no fundo [é] a recomposição da desordem agitada, que deixa de ser uma água troublée, para ser um espelho ordenado. O brilho que não é à maneira daquelas soldas ontogênicas, mas tem a luz da solda em continuidade… como uma estrela posta na terra, isto é esta impostação.
Portanto, liguemos isso muito à devoção a Nossa Senhora.
Ela que julgava tão próximo o Messias que queria ser escrava da mãe d’Ele, mas julgava ser tão distante que nem lhe passava pela cabeça ser a Mãe do Messias. Os senhores estão vendo a harmonia que não é uma descontinuidade, é uma linda harmonia.
Como Ela esperava para logo aquilo que parecia mais distante do que nunca, porque a promessa do Deus feita na origem da história dos homens vinha se perdendo com o tempo e apagando, estávamos na pior meia-noite do aparente apagar dessa promessa quando nasceu o Messias, assim também a Bagarre. Então, Bagarre, Bagarre, Bagarre.
Alguém dirá: “Bagarre, vitória”.
Eu digo: “É verdade, mas diga mais forte Bagarre do que vitória. Porque vitória qualquer um quer, a questão é querer a Bagarre”.
Meus caros, vamos andando. A senhora do quadrinho me chama.
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