Conversa
de Sábado à Noite ─ 14/3/81 ─ Sábado.
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Conversa de Sábado à Noite ─ 14/3/81 ─ Sábado.
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Desde a mais tenra infância o Senhor Doutor Plinio foi acostumado a aceitar os revezes que a vida lhe apresentava * Muitos dos revezes pelos quais o Senhor Doutor Plinio passava não eram percebidos inteiramente pela Senhora Dona Lucilia * A devoção da Senhora Dona Lucilia a Nossa Senhora * A idéia de honra estava sempre presente na formação dada pela Senhora Dona Lucilia a seus filhos * A Senhora Dona Lucilia era a síntese das tradições católicas da família, mas muito mais embebidas de Fé do que em seus antecessores * O afeto da Senhora Dona Lucilia pelo Senhor Doutor Plinio vinha em larga medida por ver os lados bons na alma dele * A mentalidade na qual formou-se a Senhora Dona Lucilia não facilitava ver nele a vocação profética * Para o espírito “hollywoodiano” o homem vale pelo que ele faz e não pelo que ele é
* Desde a mais tenra infância o Senhor Doutor Plinio foi acostumado a aceitar os revezes que a vida lhe apresentava
…porque você me disse qualquer coisa de passagem que era uma referência à possibilidade de você trabalhar ainda com o MV na sexta-feira que vem, donde deduzi que você iria provavelmente no sábado. Você me tinha dito já que não há vôo todo dia, que é uma linha… Então pensei que a distribuição dos vôos fosse essa.
(Sr. M. Navarro: Infelizmente é sexta-feira.)
Bem, então é o último sábado, mas uma vez que… você introduza o tema derradeiro.
(Sr. M. Navarro: O que o senhor achou das reações do auditório na Reunião de Recortes?)
Eu julgo que havia um ligeiro comecinho de brilho, mas um brilho que não prometia ser muito maior, não era portanto o começo de uma escalada, qualquer coisa, não é isso. É uma coisinha que se acendeu e que não havia nas reuniões anteriores. Nas reuniões anteriores havia uma tristeza de ter que reconhecer, sem gáudio, portanto, que as coisas eram como estava dito. Na reunião de hoje havia um pouco de entusiasmo, um pouco de contentamento com aquilo por dois lados:
Primeiro por hábito mental, elogio de um santo mártir… eles estão ultra-habituados ao tema. É mais ou menos como quem tem uma pedra preciosa, e vem um joalheiro e lustra a pedra preciosa, então eles se sentiram lustrados nesse ponto. Outro ponto é que de algum modo significava o que eles estão fazendo e dava também um paralelo que ajudava um pouco em concreto a se mexerem, etc., etc.
Para andar um pouco mais no caso há aí um protement, há uma fricção entre eles e eu; porque eles quereriam muito e não ousam dizer, fatos concretos e que fosse mais aos problemas de vida espiritual deles. E um dos problemas concretos meus é ajudá-los de maneira a não saírem do concreto. De maneira que há uma fricção.
Eu tenho certeza que muitos, às vezes pensam: “Porque Doutor Plinio diz isso, mas isso fica há 3 metros acima do lençol de água no fundo do qual eu estou”. Eu digo: “Está bom, então suba! Vá à tona. Eu te ajudo, mecha um pouco a cabeça para sair do mero concreto”. Não quero dizer isso assim porque eles desanimam, o horror que eles têm do abstrato é uma coisa piramidal. AS pirâmides do Egito são caixas de fósforo em comparação com o tamanho do horror que eles têm ao abstrato.
(…)
(Sr. M. Navarro: O senhor imagina ─ digo com todo respeito aos mártires ─ mas o senhor imagina ter que nesta fase da… [falta algumas palavras que não vêm no texto microfilmado] …que contar a história de São Vicente para mover as almas?)
Não, por duas razões.
Eu não imaginava que a vida de São Vicente fosse como é, não me espanta, mas eu não conhecia, de um lado. Depois, num segundo lugar, eu não imaginava que eu devesse vencer esse tipo de resistência.
(Sr. M. Navarro: O senhor tinha idéia de assim próximo da “Bagarre” o Grupo estaria diferente do que é hoje?)
É, eu tinha. Esse pretérito imperfeito refere-se a que época? É preciso bem ver.
(Sr. M. Navarro: Até uns dez anos atrás.)
Há dez anos atrás, absolutamente, estava pronto para qualquer coisa.
(Sr. M. Navarro: Mas há uns vinte anos.)
Vamos dizer, na época do Legionário, antes da [reboldose??], se você quiser, no tempo de D. Duarte eu não imaginava.
(Sr. M. Navarro: Mas uma vez que o senhor conheceu o Grupo, o senhor já se preparou para tudo.)
Não chegou tão longe, a questão é que a pergunta “o senhor não imaginava”, têm na nossa linguagem corrente não só no Grupo mas no português comum, um pouco mais do que isso, “o senhor reputava imaginável?” Aí, eu não imaginava ainda, mas já reputaria imaginável. Quando morreu D. Duarte e que houve a [reboldose??], eu reputava imaginável.
(Sr. M. Navarro: Nesse momento o senhor fez um ato de aceitação disso ou o senhor já tinha feito antes mesmo sem ter imaginado.)
A aceitação era prévia para o que desse e viesse, sem imaginar isto, aquilo, aquilo outro. Mas eu não imaginava que viesse isso, vindo isso… não foi necessário, graças a Nossa Senhora, um ato especial de aceitação. Das mil coisas… a vida, ao menos para mim, uma torrente de coisas não desejadas, não queridas e próprias a fazer sofrer etc., etc. De maneira que… estávamos já em altas águas.
(Sr. M. Navarro: A aceitação disso já era então uma segunda natureza.)
É, graças a Nossa Senhora sim.
(Sr. M. Navarro: Desde menino isso é assim?)
É, é porque Nossa Senhora me deu a noção bem exata de que mereço, de que acontecendo isso acontece com toda justiça e está bem, que aliás, Deus é infinitamente sábio, eu não sou. Ele portanto sabe o que faz, Ela pede por mim o que cabe, se não deu certo não deu certo, para mim… etc., etc.
De maneira que, por exemplo o Desastre, me deu perplexidade quanto à interpretação da graça de Genazzano, não quanto à aceitação. A pergunta é: até que ponto essa graça é válida uma vez que aconteceu o Desastre? Mas é quanto à autenticidade da graça. É válida, é autêntica. Só. Isso, graças a Nossa Senhora, não.
E, já desde menino fui muito habituado a isso; aceitar os revezes mais tristes e mais inimagináveis. Quer dizer, eu nunca reputei o agradável coisa provável. O que não condizia com o modo de formar no meu tempo, mas acho que cada vez condiz menos. Tenho a impressão de que cada vez, cada geração nova que vem reputa mais que o agradável é provável.
(Sr. Poli: E isso é torcida, porque não é verdade.)
Não é verdade. Depois, outra coisa, é preciso ver bem, nós somos filhos da luz e quem está com a preponderância são as trevas. De maneira que nós apanhamos mesmo. Não tem conversa.
Por exemplo, um filho que eu tenho, chamado Mário Navarro, que vai para Washington, se ele está imaginando que o prédio é bom, que não bate sol de manhã, que não tem uma buzina que faz “fuahnnnn” na hora em que ele está deitando, que ele não vai implicar com o Merisaldes por causa disso ou daquilo, e que ele não vai ter tais decepções: ele está redondamente enganado porque vai haver tudo! Tudo, tudo, tudo vai haver. É claro!
O que é, meu Fernando, que me olha tão sibilinamente?
(Sr. Fernando Antúnez: Estava pensando no papel da Senhora Dona Lucilia nestas fases, do outro lado da medalha, como ela alegrava o senhor.)
* Muitos dos revezes pelos quais o Senhor Doutor Plinio passava não eram percebidos inteiramente pela Senhora Dona Lucilia
Ela não era desse relacionamento comum mãe-filho, você sabe bem como eu a queria bem enquanto minha mãe, mas não imagine por exemplo, ela chegar para mim e dizer alguma vez: “Meu filho você deve estar sofrendo com tal coisa…”. E eu: “Mas meu bem, a senhora também…”. Nunca, nunca. Havia de parte a parte uma espécie de pudor nesse ponto. É, nunca, nunca absolutamente nunca. A única coisa que tinha é que a presença dela me era muitíssimo suave. E eu percebia como ela agüentava as coisas dela e isto me ajudava a entender o que eu devia fazer de mim para eu agüentar as minhas. Mas eu acho que a maior parte dos meus revezes ela não percebeu. Estavam inteiramente fora do ângulo de visão dela. Mas inteiramente!
(Sr. Poli: Mas ela percebia?)
Ela qualquer coisa percebia muito que eu não sei bem o que que era.
(Sr. Poli: Ela percebia o rumo geral das coisas e como era contra o senhor.)
Percebia, mas eu não sei se ela tinha toda idéia do que efetivamente se fazia, nem do que era, nem nada. Porque a vida dela era uma vida de tal maneira segundo outro estilo e sem possibilidade de compreender certos problemas, que nem sei o que dizer.
O meu Martim Afonso! Bons olhos o vejam! Você está chegando de Changai ou Mato Grosso?
(Sr. Martim Afonso: Mato Grosso.)
Ah, está bom. Senta um pouco aí.
Mas, vamos dizer, por exemplo…
(…)
…mas é uma distância, se quiser até carinhosa, porque são tendentes a isso, mas cerimoniosas. E de se abrir para uma confidência, nunca! Mas nessa cerimônia, assim… Por exemplo, “eu estou sofrendo, há isso, aquilo…”, absolutamente nunca.
(Sr. Poli: Isso é próprio da família.)
É um modo de ser, não fazemos isso.
(Sr. Poli: Isso é peculiaridade ou o ideal?)
Não o ideal não digo, nem sei se para isto há um só ideal, não sei se não há vários modos igualmente excelentes de ser, eu de momento sou mais pendente a isso.
Mas, em parte é porque todos entre si se comunicam muito sem falar…
(…)
…desde que não lhe atrapalhe, não lhe canse ou sobrecarregue.
(Sr. M. Navarro: Obviamente não quero monopolizar as perguntas.)
Não, não, mas lhe dou todas as preferências.
(Sr. M. Navarro: …na família da Senhora Dona Lucilia havia alguma devoção especial a Nossa Senhora da Penha ou outra invocação de Nossa Senhora?)
* A devoção da Senhora Dona Lucilia a Nossa Senhora
Não, na família dela havia devoção a Nossa Senhora e devoção a Nossa Senhora da Penha, mas não me consta que Nossa Senhora da Penha fosse a Padroeira da cidade de São Paulo.
(Sr. M. Navarro: Talvez aquele santuário tenha sido feito posteriormente.)
É muito posterior à fundação da cidade, aquela igreja, mas era tida como uma espécie de santuário e único em São Paulo tido como mais ou menos milagroso. Tinha Aparecida para o Estado de São Paulo, mas para a Capital, Santuário da Penha. E, em caso de aflição ou coisas assim, quando eu era pequeno, era muito freqüente exclamarem “Nossa Senhora da Penha!” A Penha era muito visualizada quando eu era pequeno e até mocinho, promessas faziam-se de ir a pé até a Penha. Eu fiz uma promessa de ir a pé à Penha etc., etc.
Por exemplo, na família do Martim Afonso que em boa parte é daqui também, você talvez tenha pegado restos…
(Sr. Martim Afonso: Nunca ouvi falar.)
Nunca?!
(Sr. Martim Afonso: Não.)
Que coisa curiosa, Dona Dulce tão chegada a Dona Jejéca e por aí a meios de igreja, me espanta.
Bom, é verdade que Dona Dulce era pouco mais velha do que eu e que minha geração já não transmitiu, recebeu da anterior e já não transmitiu isso.
Mas mamãe tinha muita devoção à Nossa Senhora da Penha, foi em moça, casada mas moça, mais de uma vez à Penha, tudo mais. E ela tinha muita devoção à Nossa Senhora, mas bastante devoção a Nossa Senhora. Mas essa devoção tornou-se muito mais saliente a medida que eu, assim gota a gota, fui passando, para ela a doutrina da Mediação Universal de Nossa Senhora e outras coisas desse gênero. Então tornou-se, sobretudo rumo ao fim da vida, muito mais saliente do que era. Mas ela toda a vida teve muita devoção a Nossa Senhora.
(Sr. M. Navarro: O senhor falou sobre o Tratado com ela?)
Sim, falei. A escravidão não. Eu falei de consagração a Nossa Senhora etc., etc., escravidão eu não falei, porque é dessas coisas que vocês custarão a compreender, mas ela não entenderia. É, a diferença de meridiano entre uma geração e outra é enorme!
Por que você ri, meu filho?
(Sr. Fernando Antúnez: É que se compreende perfeitamente.)
Você compreende?
(Sr. Fernando Antúnez: Perfeitamente.)
Por exemplo, escravidão, para ela escravidão era, primariamente, escravidão dos negros. Contra a qual o pai dela lutou porque era um abolicionista, depois o João Alfredo libertou os escravos, Princesa Isabel porque é uma eminente personagem, libertou os escravos etc., etc., etc.
(Sr. M. Navarro: Esse relacionamento do senhor com ela até que ponto era normal na geração ou até que ponto era específico do senhor com ela? Porque nossas mães se preocupam se o filho escovou os dentes etc…)
Ah, mas isso ela muito! Enormemente.
(Sr. M. Navarro: Mas não do modo como as mães se preocupam hoje, modo biolátrico.)
* A idéia de honra estava sempre presente na formação dada pela Senhora Dona Lucilia a seus filhos
Ah, não. Ela tinha uma preocupação biolátrica, era no sentido de que ela por experiência própria sabia quanto a má saúde faz sofrer a alma. E para evitar esses sofrimentos ela queria a boa saúde. Claro, também, que ela teria sofrido enormemente se minha irmã ou eu tivesse morrido. Teria sido para ela uma coisa lancinante.
Ela contava com todos os pormenores possíveis e como um drama, ela ainda vivia aquele drama. E depois, o momento em que a coisa teve seu desenlace e que portanto passou o perigo, como ela agradeceu, o que é que ela rezou e tudo mais.
(Sr. Fernando Antúnez: Essa parte de como ela agradeceu etc., o senhor não contou.)
É, eu também não me lembro como era, mas ela contava que ela agradeceu muito, porque ela tinha pedido antes, porque não sei mais o quê… Não me lembro dos pormenores, mas lembro que ela dava os pormenores.
Ela tinha um cuidado enorme em que nós, por uma questão de honra, mas uma questão de honra em face de nós mesmos e também de Deus, não dos outros, fôssemos ─ minha irmã e eu ─ pessoas comme il faut, quer dizer, como se deve ser. E isso ela cuidava muito. Então dentes, o asseio em geral e isso, aquilo entrava nessa preocupação. Alguma preocupação de saúde, mas sobretudo a idéia de honra, é preciso, por honra, ser-se assim. O que é uma idéia católica, mas que era uma tradição-ambiente no tempo dos pais dela. Você toma, por exemplo, o quadro da mãe dela, você vê que a idéia de honra, e da honra pessoal, da pessoa perante si mesma, está presente naquele quadro. E está presente menos, de modo menos saliente, menos brilhante sobretudo, nos outros quadros. E era do tempo.
(Sr. Poli: O senhor explicitando isso a gente vê claro agora como em todas as fotografias dela aparece muito isso.)
Muito.
(Sr. Poli: Vê-se a preocupação de honra por onde tudo…)
Isso ela tinha muito. Antes de tudo a conveniência, mas segundo determinadas regras que tornam as pessoas dignas de serem prezadas aos seus próprios olhos e aos olhos de Deus. Os outros se virem bem prezarão, se não virem bem não prezarão. Não é em torno disso que gira a questão, a questão gira em torno de Deus e dos próprios olhos. E isso ela tinha muito empenho, tanto quanto no que diz respeito à minha irmã e no que diz respeito a mim.
Naturalmente ela cuidava de alguns aspectos disso com minha irmã, que era menina, mocinha, tudo isso toma um outro matiz, é natural,, é a ordem das coisas. Num homem passa-se tudo isso de outro modo. Mas ela tinha muito essa preocupação.
Depois, questões por exemplo, da hora da refeição, hora de chegada, hora de saída, ela acompanhava muito toda a minha vida, sabia como é que estava, onde é que eu estava, quais eram os meus horários, como era… Sem ar de fiscalização, mas com um olhar muito atento. Não tanto vigilante, se quiser sem nenhuma nota de vigilância, mas muito nota de atenção. Aí atenção extrema! [Inaudível] …pormenores, depois na roupa e tudo mais, acompanhava ponto por ponto.
(Sr. M. Navarro: Qual a diferença disso com as outras famílias da época?)
* A Senhora Dona Lucilia era a síntese das tradições católicas da família, mas muito mais embebidas de Fé do que em seus antecessores
Ela tinha, por alguns lados ela era uma síntese das tradições da família, por outros lados ela era um renouveau de uma porção de coisas que ao longo das gerações foram sofrendo um processo de modernização e portanto se alterando. Nessas matérias ela era…
[A gravação ficou muito ruim, algumas palavras mal se entendem, texto, portanto, não juramentável…]
…ela comunicava ─ se quiserem usar a expressão ─ uma mensagem inteiramente diversa. Nas outras matérias ela era propriamente a tradição.
(Sr. M. Navarro: Quais as matérias em que ela colocava uma nota nova?)
O essencial da nota é o seguinte: [trecho ilegível devido à péssima microfilmagem.] …pessoas foram sensíveis ao processo de modernização por… [ilegível] …da verdade absoluta, do bem absoluto, do eterno, imperecível, valem perante Deus, era muito mais tênue do que o dela. De maneira que eles não se opunham, em princípio, a nenhuma modificação. Eles iam acompanhando numa linha conservadora, mas iam sempre acompanhando. Enquanto ela se opunha, “isso não pode ser. Há aqui um princípio, há um modo de ser, há uma tradição imutável da qual eu não abro mão, as coisas são assim”.
De maneira que se você quiser, você imagina, por exemplo, uma família que tem um mobiliar antigo e bom, mas ao longo dos tempos fosse vendendo um pouco os velhos e [substituindo] por objetos modernos.
[Longo trecho ilegível] …mobiliário da família. Portanto algo que é familiar [ilegível] …dualmente, numa posição conservadora em relação a muitíssimas outras famílias, mas deixando. Enquanto ela não deixava.
[Trecho cortado no microfilme.]
…conservar essas tradições mas muito mais católicas, com muito mais Fé do que tinham os antecessores. Eu não quero dizer que não tivessem Fé, uns tinham outros não tinham, mas não tinham a Fé que ela tinha.
(…)
* O afeto da Senhora Dona Lucilia pelo Senhor Doutor Plinio vinha em larga medida por ver os lados bons na alma dele
…eu tenho a impressão de que dentro das coisas que ela não via, dentro de minha vida, porque ela era de outra época, a minha alma como é, ou, por outra, como deveria ser, digamos assim, os lados bons da minha alma ela via muito bem! É que o afeto dela comigo era largamente mãe-filho, mas era muito largamente também por isso. Mas muito largamente. Muito largamente.
(Sr. Poli: Ela queria bem ao senhor debandadamente, inteiramente.)
É, mas a palavra “debandado” não tem a retenue, a dignidade. Nela nada era debandado, mas podia ser com uma intensidade inteira.
Meus caros, às vezes o relógio debanda… mas eu estou com umas saudades antecipadas do meu Mário Navarro, de maneira que vou atormentar com a minha presença mais um pouco. Depois a gente vai dormir.
Meu Mário, você está fazendo um questionário tão a propósito, mas você me pergunta o que quiser.
(Sr. M. Navarro: Como explicar que ela intuísse mais e visse menos e não procurasse explicitar mais?)
* A mentalidade na qual formou-se a Senhora Dona Lucilia não facilitava ver nele a vocação profética
Entendi… Há um pressuposto que não é bem apanhado na sua pergunta. Não é dizer que ela não quisesse saber, ela pensava que sabia tudo; porque, a vida mudou tanto e ela era de tal maneira de uma época em que se media muito mais os homens pelo que eram do que pelo que faziam, que ela com o pouco do que ela sabia que eu fazia, ela achava a minha vida justificada.
(Sr. M. Navarro: Mas o profetismo de acordo com “Réfutation” ela não via.)
Não. Mas eu acho que entrava, em algum modo, mais consciente ou menos, não posso dizer, a preocupação, também, de não engrandecer o que era dela. Que ela tinha em mim. E portanto de não me ver maior do que eu era e que estava na proporção do universo que ela conhecia, porque para a mentalidade dela e para tudo mais, um profeta era diretamente Isaías, os homens do Aleijadinho, daí para fora. E era preciso ter conhecido o desvario de hoje para compreender a necessidade do profetismo no sentido Réfutation da palavra, tudo isso.
(Sr. M. Navarro: Mas ela vendo as coisas de hoje e tomando conhecimento disso não se espantaria?)
Não, eu não creio que no Céu tenha tido surpresa. Isso eu não creio.
(Sr. M. Navarro: Apenas uma explicitação que faltava, a estruturação ela já tinha.)
Eu acho que sim.
Era preciso vê-la, por exemplo, era uma coisa fantástica na geração dela, mas sobretudo na geração que precedeu a ela ─ eu já disse várias vezes que ela vivia mais na geração anterior do que na dela ─ com que gratuidade a pessoa se apresentava como sendo isto ou aquilo, tento feito muito pouco nessa direção. Mas apenas por aquilo que era ou que queria dar a impressão de que era.
(…)
…por exemplo, aqui, essa Duquesa de Nemours, é noutro nível, não tem comparação com o meu nível, não tem comparação. mas olha ali o jeitão dela, a gente tem a impressão de que ela reinou sobre Paris, que ela lançou decretos, que ela vai enfrentar multidões. Ela era uma alemãzona, de Mettrenburgo, um daqueles ducados assim, que se casou com o Duque de Nemours. Quando se casou o pessoal, na oposição lá em Paris satirizou muito, “que vinha todo o grande ducado em alguns ônibus…” Era ônibus a cavalo, ainda. Que vinha todo o grão-ducado assistir o casamento, era um grão-ducado minúsculo. Quer dizer, ela era uma princesa autêntica, mas pouco importante. Olhe o jeito dela. Ela era assim pela expressão, acabou.
* Para o espírito “hollywoodiano” o homem vale pelo que ele faz e não pelo que ele é
Bem, na minha geração, por efeito do norte-americanismo, quebrou isto. “Ou você apresenta uma folha de serviços, ou você não é ninguém! Por mais respeitável que pareça não se toma em consideração, não se vê sua respeitabilidade. Conte o que você fez!” E desde logo diz o seguinte: “Se o que você fez foi na ordem intelectual, você é um sub-homem!”
(Sr. M. Navarro: …quando entrei no Grupo a concepção era essa, o senhor era tido como começando a mexer nas engrenagens do Brasil, com a fundação do Grupo etc.)
É, o anterior não se contava porque era um fracasso.
(Sr. M. Navarro: E isso era doutrina oficial implícita).
Ah, era. E eu não podia trabalhar contra isso, mesmo porque não compreenderiam! Tem mais isso, não compreenderiam.
(Sr. M. Navarro: Não estou me isentando disso, porque aderi.)
Você aderiu não porque encontrasse isso no Grupo, só, mas porque o mundo era assim! Você estava no mundo, você trouxe isso para dentro do Grupo onde encontrou outros que também tinham trazido. Então o mundo! “O que você fez? Tenha a bondade de dizer!” Conforme fosse a coisa, a coisa agora não vai.
(Sr. Poli: … uma certa auréola do senhor era a amizade com D. Pedro Henrique e D. Mayer e D. Sigaud.)
Imagine! Eram amizades que me honravam, a de D. Mayer e D. Pedro Henrique ainda me honram, mas nunca julguei medir-me através disso.
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