Conversa
de Sábado à Noite (Alagoas, 1º andar) –
27/12/80 – Sábado [AC V 80/12.22] – p.
Conversa de Sábado à Noite (Alagoas, 1º andar) — 27/12/80 — Sábado [AC V 80/12.22]
Nome
anterior do arquivo:
…só o fato do país ser protestante, já se vê. Essa dilaceração. Então a reação sai entre os protestantes e não entre os católicos! São coisas que…
* O que os participantes da conversa poderiam ter lido na fisionomia do Fundador durante a Reunião de Recortes
Quer dizer, agüentar, suportar tudo isso nas costas, com inteira consciência da coisa, não é vidoquinha… O sujeito leva uma vidinha à maneira daqueles indivíduos de Saigon que tinham casa de comércio que na véspera dos comunistas entrarem ainda estavam pintando a casa comercial do lado de fora para atrair, iam beber champagne em club, iam à piscina porque ia acabar tudo. Não é isso!
Para quem quer tomar isso a sério, é terrível.
Quer dizer, vocês me vêem levando a vida de todos os dias, eu agora à noite li um pouco do livro de Maria de Agreda, estou levando a vida de todos os momentos, mas que pesa essa hipoteca tremenda sobre mim, pesa. Como é que não podia pesar? É terrível.
Então me lembro de um versículo do salmo Retribuet, que é um dos cinco salmos do nome de Maria de que eu gosto muito ‑ nosso coro canta, hoje ouvindo no automóvel, me lembrei da fórmula verdadeira: “Adhaesit pavimento anima mea, vivifica me secundum verbum tuum ‑ Minha alma aderiu ao chão, Vós, Senhor, dai‑me vida segundo Vossa promessa”. É isso, adhaesit pavimento anima mea, está no grau chão.
Não acham razoável? Eu acho mais do que razoável. Entra pelos olhos.
Isso tudo… posso dizer isso tudo porque o que está aqui, para mim, é enormemente muito. Amanhã pode estar espandongado, quebrado, jogado no lixo, aqui pode estar funcionando uma repartição pública ou uma delegacia de polícia, já tenho figurado isso várias vezes a vocês. Vocês entram aqui e ainda encontram um quadro desses, mas já pendurado diretamente no prego e não mais no cordão atrás que alguém esqueceu de tirar, e fica um ano empoeirado, sujando aqui. No quarto de mamãe moram o fassur e a fassura que dirigem isso. Por aí por fora, tudo isso pode acontecer. E nós sabemos que pode acontecer, mas nós vivemos como se não pudesse acontecer.
É ou não é verdade?
Podem fazer um incêndio no São Bento, pode ficar reduzido a cinzas, e sobre os escombros, a cópia do trono de Santo Eduardo queimada. Tudo isso pode acontecer. Daí para pior.
O que me impressiona mais aqui não é isso. Eu sei que não é verdade, mas é impressão de que a Providência cruzou os braços.
Porque se se dissesse: “Não, espere, porque de uma hora para outra vem uma ajuda”, vamos esperar, de uma hora para outra vem uma ajuda. Mas a desajuda é enorme! Até quando durará essa desajuda?
* A toda hora a dança macabra em torno de nós continua, mas também nós continuamos a andar
O que me dizem a esse respeito?
(Sr. –: Não será sinal de que está no fim? Porque Nosso Senhor quando chegou na desajuda total, eram seus últimos momentos, estava por vir o triunfo.)
A questão é a seguinte: o fim que nós estamos está para além de tantos outros fins que já houve, que a gente não sabe verdadeiramente qual é o fim terminal.
(Sr. –: Tantas vezes pareceu estar próximo.)
Tantas vezes.
Bem, faça‑se a vontade d’Ela e não a nossa, mas é claro que a gente fica muito preocupado. Como pode não ficar?
Nós naturalmente ziguezagueando. A toda hora também ‑ nesse ponto não há desajuda, no que vou dizer agora ‑ a dança macabra em torno de nós continua e nós continuamos a andar. E nesse ponto não há desajuda.
Mas, fora disso, a perspectiva qual é?
Há algumas ajudas que a gente não sabe o que dizer. Por exemplo, como foi bem recebido o lavar a casa, todo serviço de limpeza e cozinha, eu não tenho palavras para exprimir como isso me alegra.
(Sr. –: Bom, mas também aí seria de nossa parte uma tal vileza, que francamente…)
Meu filho, não me queira mal: era de desclassificar, sim; de excluir, não. Podia acontecer. Um precioso que desse um brado naquela hora e dissesse: “Não! Eu não! Eu, com essas mãos, lavar casa não lavo”, vinha logo um outro e dizia: “Bom, também não lavo porque sou mais precioso que ele”. Direto. E começava a concorrência dos preciosos. Onde é que iria parar?
(Sr. –: Francamente era de desclassificar.)
Era de desclassificar, concordo com você, mas foi uma graça.
Bom, que tenhamos conseguido sobreviver à ruína da CAL, é outra graça. Eu francamente tinha todas as dúvidas a este respeito. E quando a CAL se separou, entrou na concordata, etc., o pensamento que eu tive foi o seguinte: “Se eu for considerar o que vai acontecer, é uma provação tão, tão grande, que eu receio não cumprir bem meus deveres e receio ter um baque de saúde. Então não vou pensar nisso e deixar correr a enxurrada”. Nossa Senhora correspondeu esplendidamente.
Bom, poderíamos dizer outras coisas: tem as camáldulas, tem os enjolras, tem uma porção de coisas, é verdade, mas tomando a situação onde está e como está…
(Sr. –: Sobretudo tem o senhor.)
Ah! Que coisa, que coisa, que coisa! Que dor! Que sofrimento! Que pavor!
* Nas menores coisas, um alfinete em brasa na carnatura de alguém que está com uma lança atravessada no braço ou na perna
As menores das coisas, uma coisinha, por exemplo, um alfinete, mas alfinete em brasa na carnatura de uma pessoa que está com uma lança atravessada no braço ou na perna. Vamos dizer isso: o que o MA disse agora à noite durante a reunião, que ele atesta porque viu, documentos de João Paulo II referindo‑se ao arcebispo de Saigon na titulatura oficial da Igreja como arcebispo de Ho Chi Ming.
(Sr. –: Eu também vi isso.)
Bom, mas você já pensou numa coisa: arcebispo de Satanás? Porque é o Lenin vietnamita. Amanhã você tem o arcebispo de Luiz Carlos Prestes?
É um alfinete em brasa, só, mas que horror! E, depois, se fosse só esse caso! Vocês percebem que ad instar desses tem uma torrente de fatos. Não são um, não são dois, não são vinte: é uma torrente.
Agora, então, abre‑se aquela respiradouro naquela direção. A gente tem quase medo de aproximar a respiração daquele lado e ver que entra pouco ar ou que a gente tem mais que esperar. Porque, que é terrível, é! A gente dá graças a Nossa Senhora, pede a Ela recursos, forças para agüentar, etc., mas que é terrível, é.
Aí está o que poderiam ter lido na minha fisionomia durante a reunião, tudo quanto há de mais razoável.
(…)
(Sr. –: …)
* Sem tratar da Revolução tendencial, faz‑se Contra‑Revolução de gato louco ou de ploc‑ploc
Quer ver uma outra coisa no gênero que pega bem? É a questão decotes e nudismo desse verão. As roupas femininas estão de um colante o mais despudorado que se possa imaginar. Aquilo é quase nudez pintada com cores do lado de fora, é quase isso.
Bem, os decotes ‑ os que tenho podido ver assim, nenhum de nós vai estar examinando, mas o que pude ver assim ‑ acompanham exatamente a linha máxima tolerada por um resto de sensibilidade para não dar escândalo. Mas não vão além desse limite, no propósito determinado de ir apodrecendo inflexivelmente de um modo gradual. Não de um modo torrencial que represente uma invasão e que liquide a situação, está acabado. Cientificamente.
(Sr. –: Só quem vê isso é o senhor. Fora, ninguém vê isso.)
É a tal história, a Revolução tendencial, quem vê? Mas está pompeando por aí, fazendo devastações não sei de que tamanho.
Me lembro aqui de um caso contado pelo Cantoni, de um europeu qualquer que ao ouvir o elogio dele da “RCR”, disse a ele:
— Bom, mas aquilo, a procedência das revoluções, é uma coisa que já tem sido dita.
Diz o Cantoni:
– É, mas a Revolução tendencial ninguém tratou.
O sujeito diz:
— Ah! bom, esse ponto é verdade.
Sem tratar da Revolução tendencial não tem nada feito. Tem Contra‑Revolução do gato louco ou do ploc‑ploc, está acabado.
* Vivemos despreocupados com os acontecimentos como passageiros do Titanic
Bem, nas nossas paredes domésticas, a única coisa que seria razoável é que nós estivéssemos todos como tripulantes de um navio que está para afundar, todos colocados na beira, no parapeito do tombadilho olhando o que está se passando. Não! Um está ligando vitrola, outro está no bar, outro está fazendo sesta, outro está cortando as unhas, um ou outro está pondo a oração em dia para, caso à noite haja joguinho no salão, poder ficar mais tempo no joguinho. É a realidade.
Falamos do Titanic há quantos anos?
— É? Está afundando.
— Olha, a água do mar está entrando no tombadilho!
— É verdade, mas é naquela parte de lá. Seja bem objetivo, o navio está inclinado para cá, como a água vai chegar até aqui? Precisa muito.
— Bom, mas o navio de repente dá uma chacoalhada.
— Deixe chacoalhar e aí me assusto.
É isso.
Vocês sabem que durante muito tempo eu atendi naquela sala do fundo da Martim. Anos depois que eu fui lá tive um sobressalto e um arrepio em todo corpo entrando naquela sala. Porque era tanto que eu tinha sofrido naquela sala que me dava um choque.
* Cada reunião no auditório São Miguel é uma batalha que termina em triunfo por causa da ação do Sr. João
Outro dia, indo ao B. à noite, passei diante do Auditório São Miguel e estava na penumbra, uma luz que não apagam, e não sei porque não fecham à chave. Acho que alguém vai rezar lá, não sei o que é, e fica uma pequena luz ali acesa.
Passei, vi o auditório com aquelas cadeiras todas paradas, aquilo tudo, tive um sobressalto do mesmo jeito.
Porque é uma tal batalha uma reunião e de tal maneira aquela batalha se trava com cada um daquela reunião, olha para cá, olha para lá, olha para acolá, ajeita tal coisa, afivela tal outra, amarra tal outra, tenta agradar com aquela expressão, com aquela outra expressão, e não consegue. É uma tal batalha que é de dar medo.
No fim, por causa da atmosfera soprada pelo João, o assunto termina em triunfo, mas em triunfo porque está a enjolrada e porque atrás da enjolrada está o João. Porque, do contrário, terminava na indiferença mais total e as pessoas que comentam que tal trecho ou tal outro estava ótimo, já ouviram duzentos outros trechos absolutamente análogo e ouviram como quem ouve a goteira cair do telhado, pam, pam, pam, mais nada! Porque a realidade é essa.
E vai daí para fora. O que a gente teria a dizer é fenomenal, é fenomenal.
(Sr. –: O que Nossa Senhora teria a dizer é fenomenal também.)
Me dá medo.
* Dentro da lama da semifidelidade, mistura‑se uma espécie de indiferença para com a vitória, junto com a certeza da vitória
(Sr. –: Isso tudo o senhor vê do lado do senhor. Para nós é bonito ver isso assim, mas faz parte do seguinte: temos na vocação a certeza da vitória, está no senhor, pelo qual não é tanto se preocupar com o navio, mas olhar para o senhor e aí ver o navio. Essa imagem é a promessa da vitória. Se o senhor podia falar um pouco desse lado do problema.)
Ele é irmão do lado do qual acabo de falar. Porque o que nos leva a essa posição é o seguinte: dentro da lama da semifidelidade, mistura‑se uma espécie de indiferença para com a vitória, junto com a certeza da vitória. As pessoas de algum lado intuem que vai haver vitória, mas elas se colocam na seguinte posição: “Esta vitória não é uma vitória minha, é uma vitória desta Causa”.
Se quiserem uma imagem muito prosaica: dois ônibus que estão apostando velocidade, um ganha do outro. A vitória é do chofer que está dirigindo o ônibus, é do fabricante do ônibus, mas é muito menos dos passageiros do ônibus que estão se deixando transportar.
Então pensa no fundo: “Eu sou passageiro do ônibus‑TFP. Eu sei que o ônibus TFP vai ganhar a vitória no fim, mas não é minha vitória, porque sou um passageiro dentro do ônibus. Uma vez que é assim e que eu não estou presente nessa vitória, deixe‑me cuidar de minha vidinha dentro do ônibus. Mando vir um sanduíche, me estendo, me acomodo, enquanto o homem está fazendo tudo. Eu não atrapalho ‑ quando não atrapalho”.
(Sr. –: Mas atrapalha.)
O sujeito acha que na medida em que ele não agride o chofer, ele está ajudando. E aqui começa por haver uma infidelidade gravíssima nesse ponto:
* Se amamos verdadeiramente Nossa Senhora, não podemos nos sentir extrínsecos à sua vitória ‑ Teremos lucrado o mais fabuloso dos destinos, até na ordem do interesse pessoal
É que quando a gente ama verdadeiramente alguém, no caso Nossa Senhora, nós não podemos nos sentir extrínsecos à vitória d’Ela e não seremos. Porque assim como nossos adversários não podem deixar de nos odiar, assim também nossos amigos não podem deixar de nos querer.
E posto que Nossa Senhora venha a ter muitos amigos, nós teremos lucrado o mais fabuloso dos destinos na ordem do interesse pessoal. A coisa vai até lá.
Toma, por exemplo, um dos cinco que estão aqui, seis. Toma um deles e sai à rua. Vamos dizer, meu Mário Navarro, tão bem trajado, sai à rua. Não pode deixar de atrair sobre si determinadas animosidades.
Aquelas pessoas não estão obrigadas pela Providência a odiá‑lo, não é isso, mas uma vez que as pessoas odeiam a Deus, odeiam a Nossa Senhora, vendo o Mário vestido desse aprumo, têm que odiar o Mário, não tem por onde escapar.
Isso é um aspecto da questão.
Agora, o outro aspecto da questão é que as pessoas que têm bom espírito, vendo o Mário não podem deixar de querê‑lo. Se têm verdadeiramente o espírito de Nossa Senhora, não podem deixar de querê‑lo. E o resultado é que a vitória de Nossa Senhora representaria para o Mário uma glorificação, pelo simples fato de se vestir como se veste. Quem o encontrasse na rua, quem o visse, quem o conhecesse, o punha nos cornos da Lua de tanto elogiar e de tanto querê‑lo.
Quer dizer, para o Mário a vitória do Reino de Maria seria a maior das glorificações, seria a maior das carreiras. Isso é com cada um de nós.
* Sem a vitória do Reino de Maria seremos esmagados ‑ Como vivermos num regime comunista sem nos tornarmos mártires ou precitos?
E se não vier a vitória do Reino de Maria, nós vamos ser esmagados como taturanas sob o sapato de uma criança inconsciente. Estoura o bicho, enche o chão daquela gosma nojenta e a criança nem percebeu, já está correndo para cá, para lá. Assim o comunismo pisa em nós e nos liquida.
Não vai adiantar querer arranjar um jeitinho, trabalhinho, etc., porque reconhecerão. E se não reconhecerem e não identificarem, no contacto, ou nós apostataremos ou está tudo acabado. Não tem dúvida.
Vou dar o menor e mais baixo do negócio.
Não pensem que, implantado o comunismo, instaladas as pessoas neste apartamento como este aqui, por exemplo, portanto, apartamentos como há dezenas de milhares, que as instalações sanitárias vão continuar privativas. É aberta para entrar qualquer um a qualquer momento. E encontrando qualquer um que está se servindo delas, não interromper o assunto, tratar do que que queira e ir embora. No mínimo. Se não forem sugestões imundas, propostas imundas.
Agora, quero saber como é que a gente pode viver dentro disso sem se tornar mártir ou precito. Não adianta vir com conversa.
* Para quê estar fazendo carreira ou pensando em ocupar posição?
Então, de que adianta fazer carreira? Tudo vai água abaixo. Tudo vai água abaixo. Fez carreira? O que é amanhã essa carreira?
(…)
… fica com sua cidade natal. Tenho certeza de que se você fosse hoje lá, ao cabo de uns dias você tinha sensação de que o mundo girou em torno do próprio eixo e que já não é a mesma cidade. Pessoas que você conheceu e que você apreciou, umas subiram desmedidamente, outras caíram, afundaram.
Você vai ver as que subiram o que são, não têm o prestígio que tinha uma pessoa da mesma categoria quando você morou ali, tudo mudou, o aspecto da cidade mudou, tudo mudou.
Bem, se você tivesse subido lá, você teria feito papel de quem sobe uma escada rolante que está descendo. Quer dizer, você teria corrido o dia inteiro para não sair do lugar, na melhor das hipóteses.
Então, o que fazer lá? Não há mais nada. Nada é nada. Você se torna estrangeiro na sua própria terra.
Luizinho estava me contando uma coisa que mostra bem como são essas coisas.
Ele era mocinho, vamos dizer, trinta anos atrás, disse que esteve com o pai no Teatro Municipal, uma festoca que havia, e o pai chegou com ele junto a um balaústre do Teatro Municipal, olhou assim e comentou com ele: “Dizer‑se que houve tempo que de um lugar destes a gente via dentro da sala São Paulo inteiro!”.
É verdade. Eu vi isso.
Depois ele acrescentou: “A Renata Crespi ‑ italiana riquíssima que havia aqui ‑ me contou que filhos e netos de imigrantes se metiam no meio desses, mas ninguém nem cumprimentava, que o próprio pessoal da sociedade italiana que vinha aqui hoje não é mais nada, e que dentro da própria sociedade de estrangeiros está já entrando uma gente que é terceira leva, quarta leva, que já não são os primeiros que fizeram fortuna”. É o que a Revolução quer.
E você pega os sírios, por exemplo, da grande época de São Paulo, sabem quais eram? Os donos daqueles casas que têm no Ipiranga, que viraram clínicas, que viraram coisas desse gênero.
Quer dizer, isso há tanto tempo já é assim, para quê estar fazendo carreira, para quê estar pensando em ocupar posição? Não é nada.
* Assemelhamo‑nos aos Apóstolos dormindo no Horto das Oliveiras
(Sr. –: O senhor falava outro dia que a lógica não consegue estruturar mais situações sociais, políticas, enfim, qualquer forma de situação exterior, estruturar isso. Isso nos coloca num reinado de alguém onde sentimos não estarmos vivendo mais em terra firme, mas como se estivéssemos num aquário, tudo se move ao sabor das ondas.)
Aí você entende minhas tristezas, porque me lembro de ter dito essa frase e de ter pensado comigo: “O normal é que eu dizendo uma coisa terrível como essa, me interrompam para tratar só disso”. E eu digo que não há mais lógica para os poucos homens lógicos que eu conheço, e esses homens não se horripilam.
Se eu dissesse que roubaram o automóvel dele que está lá fora, se arrepiariam incomparavelmente mais, nem teria comparação. Mas não é o automóvel deles, é o automóvel do amigo deles, em que eles vieram e que pode dar para eles um problema de transporte para voltar para São Paulo.
Eles não prestam mais atenção na reunião. Tudo o que você queira fariam.
Ilogismo, se vier uma notícia: “Houve um terremoto em Londres, o Palácio Westminster rachou, o palácio de Bunkinghan rachou, a rainha morreu, quase toda cidade de Londres está destruída. Ao mesmo tempo queria avisar a você que quando entrei aqui vi um rapaz futricando com um canivete o pneumático de seu carro e não sei o que terá feito”, o sujeito se levanta imediatamente e vai ver o pneumático lá fora.
Se não aconteceu nada, ele volta perguntando com alguma distância psíquica o que aconteceu em Londres. Senão, o movimento dele é ir ao motorista, trocar pneumático, cobrar um imposto, sei lá, peré, pé, pé, resolver o caso.
Quando voltar, falam de Londres. Ele: “O que houve em Londres mesmo? Ah! me diga o que foi”.
Ora, gente que procede assim é um beócio, para considerar só do lado intelectual. O lado moral nem sei o que é.
Bem, mas não há mais lógica, está acabado.
(Sr. –: E a própria matéria onde a vocação deve agir, que é a opinião pública, acabou.)
Se eu dissesse que trocou a mão da Rua Maranhão ‑ naquele tempo se não me engano a reunião era lá ‑ e que a via de acesso para a sede mudou, causava muito mais impressão.
Vocês se lembram bem de toda metáfora que arranjei, de um teatro clássico grego, para ver se davam importância do Nixon à China, que foi o começo da queda das barreiras ideológicas, etc. Se lembram que falei do gato e todo mundo que resposta me deu: que o gato produziria outro efeito do que o caso Nixon.
Um gato! Comparem um gato com o presidente da república da América do Norte. Claro que um gato vale mais. É por aí.
Se isso não é parecido com o dormir no Horto das Oliveiras, eu não sei o que dizer.
(…)
* Precisamos ter uma adesão completa àquele que personifica nossa Causa, e não somente a doutrinária
… quando encontra S. Martinho de Porres é totalmente diferente. Até julga que está fazendo uma condescendência em conversar com S. Martinho de Porres, é uma extravagância!
Agora, in concreto, nós estamos nessa posição:
Inúmeras vezes, ser‑nos‑ia dado aderir de alma aos que representam autenticamente nossa causa, mas então respeitando‑os, querendo‑os, porque neles mora essa virtude. Não é a virtude descolada deles. Uma vez que eles a praticam, amemos a virtude neles. Do contrário, estamos fazendo um palavrório, porque, o que é tudo isso se é para ficar na pura teoria?
Agora, na verdade nós fazemos essa coisa curiosa:
Nós tomamos uma posição doutrinária, até mais ou menos afirmamos essa posição doutrinária perante os outros, e mais ou menos antipatizados com os outros porque tomam uma posição contrária à nossa. Mas, absolutamente, não temos a adesão também pessoal, neste sentido da palavra pessoal, às pessoas que possuem essas virtudes. Não se incomodam.
Agora, por quê? É preciso reconhecer por quê.
É porque essa virtude nós amamos de um modo, pelo menos muito incompleto. É o mínimo que se pode dizer.
(Sr. –: Como a situação chegou ao paroxismo que chegou, só pode haver uma polarização, só uma atração, não pode haver.)
Não pode, para ninguém. Uma pessoa que tenha boas atrações opostas caminha para a ruína, porque todo o reino que está dividido em si mesmo perecerá.
* Amar o princípio bom e não o homem que o tem, é pecar contra a caridade
(Sr. –: Esse polo condensa todos os panoramas legítimos.)
Não tem meios termos possíveis.
(…)
Era preciso que uns ajudassem a outros a verem quem é assim e quererem nas pessoas que são assim. Não ficar apenas no manual.
No fundo é o seguinte, você poderia formular tendenciosamente um princípio assim: “Eu não devo amar um homem senão por seus princípios”. Isto é verdadeiro, mas eu estou sustentando que devo amar o homem quando os princípios são bons. Mas essa frase contém no bojo, ela é entendida com um sentido que ela não tem literalmente. Quer dizer o seguinte: “Eu devo amar o homem apenas nos seus princípios”.
Isso não é verdade. Senão por seus princípios é verdade, quer dizer, quando tem princípios ruins, não seja dele, deteste‑o; quando tem princípios bons, ame‑o. Aí está bem.
Mas amar o princípio e não o homem que tem o princípio bom, é pecar contra a caridade.
(Sr. –: E é o extremo de não poder amar Nosso Senhor também.)
Perfeitamente, chega ali.
Nosso Senhor, em última 20análise, para muita gente, teria feito muito bem se tivesse escrito o Evangelho no tipo “Suma Teológica” de São Tomás.
São Tomás não amam também, hein! Veja uma coisa engraçada: ninguém reza a São Tomás, muito pouca gente, não é santo de piedade.
Mas São Tomás… admitem, toleram a “Suma Teológica”, [com] a pessoa não incomodam. Esses estados de espíritos…
(…)
*_*_*_*_*