Conversa de Sábado à Noite – 4/10/1980 – Sábado [AC III ‑ 80/10.06] . 9 de 9

Conversa de Sábado à Noite — 4/10/1980 — Sábado [AC III ‑ 80/10.06]

A falta de admiração dos membros do Grupo pelo pulchrum profundo — Pulchrum profundo: algo em que uma pessoa entra em contato e que é superior a ela, ocasionando admiração * Quando um filho espiritual do Sr. Dr. Plinio quer se admirar, ele se imagina conforme o figurino da Revolução * Nosso Fundador: um arauto que não tem apenas a missão para cumprir, mas que se sente partícipe dela * A intimidade com nosso Fundador pode cegar e ser fonte de desânimo, caso a pessoa não preste atenção em ver como se deve olhar

Índice

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* A falta de admiração dos membros do Grupo pelo pulchrum profundo — Pulchrum profundo: algo em que uma pessoa entra em contato e que é superior a ela, ocasionando admiração

(Sr. –: O senhor havia falado na penúltima Reunião de Recortes sobre a possibilidade de seu martírio. E, em vista da conversa que tivemos, o senhor ficou de pensar um pouco quanto a um oferecimento que o senhor faria…)

porque exatamente a gente tinha mais a impressão de que era aplaudida uma peça de teatro bien réussi do que uma realidade descrita, as pessoas ficam um pouco expectadores, não entram na coisa até onde podem entrar, ficam de fora, é o que se dá.

É o tal mistério de que, se houver meio, eu trato no sábado que vem na reunião, ausência efetiva e fervorosa [de] admiração nossa.

Por exemplo, eu falava hoje da serpente, o príncipe, daquilo tudo. Aquilo tem um pulchrum de superfície, depois tem um pulchrum profundo. Eu temo que tenha sido muito mais aplaudido pelo pulchrum de superfície do que o pulchrum profundo.

A superfície é a própria metáfora em si, é uma metáfora bonita, porque o fato imaginado é um fato bonito, seria bonito que fosse assim. E depois traz consigo conotações, uma bonita praça de torneios, tapeçarias, com senhores e senhoras assistindo, com os miseráveis postos dentro de uma gaiola, a derrota efetiva dos cátaros e dos albigenses, o bom espírito que triunfa, o vento que bate nos estandartes que ornam a praça e que claque ovant, as trombetas que tocam, o rei que entra, tudo isso é muito cênico, é extremamente bonito

Uma pessoa que tem alguma imaginação pode imaginar coisas extremamente bonitas a esse propósito, porque foram feitas coisas lindas a esse respeito.

Depois também a batalha, a luta do príncipe e o Frankstein também é uma coisa bonita. Quer dizer, tudo tem um pulchrum superficial.

Agora, qual é o pulchrum profundo?

É um certo arrepio que o homem sente quando entra em contato com algo que é especificamente superior a ele. Seja o adversário ou o que for, ele entra em reflexo com algo de genericamente superior a ele — quer dizer, de um outro gênero —, o homem tem um arrepio.

Não sei se foi aqui, onde é que conversei a respeito do Padre Costa com uma galinha. Ele soube pôr a questão.

Ele partiu de um absurdo para pôr a questão: uma galinha pensante.

Mas, posto o assunto, a questão estava muito bem apresentada, muito bem pensada.

Agora, esse tipo de admiração assim, nós somos fechados a essa admiração. E é porque nós admiramos outras coisas: nós mesmos e a Revolução.

* Quando um filho espiritual do Sr. Dr. Plinio quer se admirar, ele se imagina conforme o figurino da Revolução

Porque quando queremos nos admirar a nós mesmos, nós nos imaginamos conformes ao figurino da Revolução. Quer dizer, toma por exemplo, qualquer um de nós que esteja aqui na sala e ceda à tentação de admirar‑se a si próprio, ele de fato admira‑se atribuindo a si qualidades que ele tem ou não tem, mas é em função de qualidades. Porque ninguém admira a não ser em função de qualidades. Como é possível admirar a não ser em função de qualidades?!

Quais são essas qualidades?

A gente vai examinar, é sempre algo que está na linha da Revolução. Por exemplo, se um de nós fosse Chateaubriand… não é alusão ao que conversávamos há pouco, se fosse eu diria. Mas, Chateaubriand tem uma descrição da arena romana e dos leões que avançam contra Eudoro e uma dama romana qualquer, uma donzela romana qualquer — eram noivos —, não sei mais o que houve, mas, enfim, no total acabam na arena, não podendo casar‑se. Mas na hora em que a fera avança em cima deles, os dois se abraçam e as feras os comem juntos, o sangue se mistura, e a arena romana fica “ah!” diante do fato do famoso Eudoro e da famosa — parece‑me que ela tem um nome muito esquisito — Cimodocéia, um nome assim.

Bom, a pessoa pode, por exemplo, imaginar‑se mártir sem a Cimodocéia, mas despertando no público uma compaixão romântica. A gente vai ver, a pessoa está se imaginando, está admirando em si um projeto de herói romântico. Não é alusão ao que falávamos, mas é até quando entram coisas dessas.

Ainda agora, por exemplo, à noite os enjolras estavam fazendo um discurso, daqueles que eles costumam fazer. Creio que, em geral, redigidos pelo Wellington, e saiu uma imagem muito bonita. Começaram falando de Balduino IV. Então, falaram de Balduino que avançou acompanhado de suas chagas.

A expressão é muito bonita. Outros podem avançar acompanhados pelas estrelas, ele avança acompanhado pelas chagas, é uma expressão tremenda, é linda. Mas alguém poderia viver essa hipótese romanticamente, é evidente.

Em geral, quando nós nos admiramos a nós mesmos, nós estamos admirando a Revolução.

Então, fica impossível admirar essa tal diferença genérica que é o clou da coisa.

Como eu nunca me permiti análises desse gênero a respeito de mim mesmo, estou procurando ver o que dizer para atender o pedido, mas não sei dizer.

* A improvisação, a facilidade de expressão e o timbre de voz afirmativo nas conferências de nosso Pai e Senhor

Mas, eu assisti várias conferências dele e me dá a impressão de que ele não consegue esconder que ele está improvisando. As pessoas vêem que ele improvisa, mas vêem a facilidade com que ele improvisa e vêem que ele não tem nenhum medo de descarrilhar na improvisação perdendo o fio do tema. De maneira que ele toca para frente resoluto, com a rapidez de uma locomotiva sem saber se tem trilho.

As pessoas vêem aquilo, não tem muita ocasião de observar coisas iguais e, então, ficam meio apavorados, como desses sujeitos, por exemplo, que fazem piruetas de circo e que a gente tem medo que o sujeito caia do trapézio, ficam meio apavorados dele não cair do trapézio.

E, ligado a isso, a facilidade de expressão que deixa a eles meio aturdidos, pelo seguinte: o vocabulário dele não é anacrônico, todos entendem, mas é um vocabulário ao mesmo tempo fora de uso e que entra do armário das velharias diretamente para o uso corrente, e as pessoas percebem como aquilo é manuseável, aquilo é “falável” daquele jeito, mas parece que já fala uma linguagem que não é de nossos dias.

A pessoa tem a impressão que é, de repente, o passado que passou a falar com a velocidade do futuro e com o desembaraço do futuro. E depois, o timbre de voz dele, — eu tenho ouvido várias conferências dele — o timbre de voz muito afirmativo, muito de quem se joga dentro desse risco inteiro, a peito inteiro e com uma convicção que eles não estão habituados a ver também, carrega consigo uma certeza que eles não têm muita ocasião de tratar com gente com igual carga de certeza.

Isso dá a eles a impressão de que eles estão para este orador, mais ou menos, como um sujeito está num aquário quando olha para o peixe dentro daquela caixa com água, você tem a impressão de que aquele peixe vive uma outra vida, num outro elemento, está a milímetros dele — só separa um vidro — mas, de outro lado, está numa outra esfera, numa outra ordem do ser aquele peixe.

Então, o sujeito olha ali para dentro, meio se pudesse conversava com o peixe, mas, diz‑se “mudo como um peixe”, ele não pode conversar, sabe que o peixe é irracional, não conversa, ele se imagina um pouco vivendo ali dentro. Ele sai do aquário sem ter sabido bem o que sentiu.

Então, essa impressão de aquário, mas não é aquário propriamente, mas seria que essa pessoa está navegando, está se movendo dentro de um ar que tem outra cor do que o ar que a gente está. Essa impressão é uma primeira impressão difusa que o orador me dá, e que eu vejo nos que estão comigo assistindo a conferência.

Agora, depois disso vem, de cá, de lá e de acolá, ele, dentro disso, faz piruetas. Porque, ou emprega uma figura, ou faz um raciocínio muito concludente, ou faz uma afirmação muito chocante e muito desconcertante, ou diz uma coisa que está no fundo da cabeça do ouvinte e que o ouvinte nunca tinha explicitado, de maneira que aquela explicitação é para ele como um gáudio, é como um homem que tem um pulmão só e que de repente se sente que o pulmão inerte está respirando também. Então, respira até o fundo.

Mas me parece que ele até certo ponto perde o latim dele, porque, por cima disso, fica uma outra impressão. E como essas impressões secundárias são muito fortes, elas desnorteiam a pessoa e a pessoa não chega a fazer ou não quer fazer uma impressão de conjunto. Razão pela qual, o indivíduo sai com impressões fragmentárias e com a idéia de ter passeado pelo mundo da lua durante algum tempo, até com uma certa vontade de voltar e de não voltar, que resulta daqui. O unum não parece que os ouvintes dele pegam. Eu terei eu conseguido pegar? É uma outra questão.

Agora, vocês talvez o tenham ouvido falar, não sei o que pensam?

(…)

Eu vejo os aplausos que ele recebe. De repente, quando menos se pensa estoura uma salva de palmas. Depois, às vezes prolongadas, calorosa, mas a gente vai ver, várias pessoas estão aplaudindo por razões diferentes. A gente vê pelo modo de aplaudirem, e cada uma deixou… ele vai espalhando pelo caminho razões de aplaudir. E cada um fica dizendo: “Aplaudo, não aplaudo; aplaudo não aplaudo”. De repente um aplauso, o outro acompanha pela razão de há dez minutos atrás, e o outro acompanha pela razão de há meia hora atrás. E outro acompanha porque já está intuindo o que é que o orador vai dizer e já está aplaudindo o que vem, muito brasileiramente. Mas os aplausos não têm nexo entre si, quer dizer, arrebentam a propósito de assuntos desconexos e não indicam uma nota dominante que eles estejam acompanhando e seguindo.

Isso está certo ou não?

* Arauto, gentil-homem, guerreiro, qualidades de nosso Fundador, que se revertem uma na outra

(Sr. –: O senhor deu a terceira pista do conjunto. O “unum” não seria algo que se evola depois da descrição da primeira pista?)

Eu tenho prestado nele uma atenção, por assim dizer mono-ocular, quer dizer, com um olho só. Mas aqui, conversando e recompondo impressões fragmentárias e fugidias a respeito dele, etc., eu tenho a impressão… e sobretudo, pensando, eu tenho sentido muito o auditório dele, é inevitável, eu estou no meio do auditório e sinto aquilo no meio do que estou sentado. Eu tenho a impressão de que o auditório não quer ver o ponto, a definição que ele daria de si mesmo, se fosse obrigado entre a espada e a parede definir‑se, era a definição que ele daria de si mesmo.

E que é de algo que participa do arauto, algo do cavalheiro, quer dizer, do gentil‑homem e algo do lutador, do guerreiro. Que essas três coisas coincidem nele. Mas coincidem, de tal maneira, que quase revertem uma na outra.

* Nosso Fundador: um arauto que não tem apenas a missão para cumprir, mas que se sente partícipe dela

Quer dizer, a gente vê que ele é um arauto ou que ele se tem na conta, se sente a si próprio assim, é a impressão que ele me dá, de um arauto que diz aquilo que os outros têm em conta de não verdadeiro, não aceito e contrário aos padrões realmente existentes.

Mas diz como um arauto que não tem apenas uma missão para cumprir, mas que se sente partícipe daquilo de que ele é arauto.

Dou uma imagem que pode exprimir isso: eu poderia imaginar Cristóvão Colombo voltando para a Espanha — na realidade não foi assim, é pura imaginação — com Santa Maria, Pinta, Nina, com um arauto na proa declamando uma saudação à Espanha e anunciando o mundo novo que foi descoberto.

Mas de fato, esse arauto é um sujeito de um teatro de Barcelona que mandaram pegar num barco e esperá‑los muito antes numa ilha. Durante o trajeto Colombo explicou para ele. como é. Ele que é ator, ele que não participou da navegação, chega e faz a proclamação como um ator. Isso é uma coisa.

Outra coisa é um que eventualmente declame muito menos bem, mas que participou da navegação. Ele é um partícipe da navegação.

E a proclamação dele tem, a esse título, uma autenticidade e uma carga que a proclamação do ator de teatro não tem.

E ele me dá a impressão de que é partícipe daquilo que ele anuncia, quer dizer, ele tem uma tal união com aquilo que ele anuncia, que aquilo vive nele e é a vida dele. De maneira que é como que o arauto de Cristóvão Colombo, é como se fosse o próprio Cristóvão Colombo. Se quiserem, Arão com Moisés.

Moisés era gago, Arão falava por Moisés.

Assim também, tudo quanto ele anuncia não tem voz própria, mas fala nele, por ele. É uma coisa assim. Isto é ele como arauto. De outro lado, eu tenho a impressão, como cavalheiro, ele procura ser o que o arauto normalmente deveria ser.

* Nosso Pai e Senhor se sente desembaraçadamente superior ao público a quem fala, mas trata-o com muito respeito

Eu vejo que ele, com o público dele, eu tenho observado bem, ele trata o público ao mesmo tempo com uma sem‑cerimônia de quem acha que o público não lhe oferece o menor obstáculo. E, nesse ponto, ele se porta com o público como se tivesse no quarto de dormir dele. Mas de outro lado, é muito respeitoso com o público, muito atencioso, muito correto.

Quer dizer, ele se sente superior, desembaraçadamente superior ao público, mas ele respeita o público. Não é porque se sinta superior que não respeita, ele respeita muito, manuseia o público com muito respeito. O que está no papel do arauto, porque, enquanto o arauto do que ele diz, ele deve ser assim com o público. Ele é maior que o público e deve ter, portanto, essa desenvoltura com o público, mas ele deve saber respeitar o público enquanto público. Deve saber fazer isto de um modo que, quanto tanto ele consiga, seja excelente.

De maneira que é uma outra face do modo de ser dele de arauto.

* O público de nosso Fundador sente que ele quer contundi-lo em alguns pontos

Agora, apesar de arauto e de gentil‑homem, ele é guerreiro. Quer dizer, no fundo o público sente que ele tem intenção de contundir em alguns pontos e de contestar e de impor ao público que aceite o que ele está achando, e que cada conferência dele é, de um modo mais ou menos claro, uma batalha.

Mas ainda aqui, realiza sua missão de arauto, porque é uma efetivação daquilo que ele diz.

* As conferências são uma proclamação amorosa das coisas do Céu, com o desembaraço de um jorro de água — As pessoas não querem admirá-lo porque sentem que entrariam numa aventura interior

Agora, tenho a impressão de que, isto visto no seu unum, tem a carga simbólica unida e, ao mesmo tempo élancer, que vai para o Céu, sobe ao Céu como uma proclamação amorosa das coisas do Céu, com o desembaraço de um jorro de água. Que ele conversa, enquanto fala, com alguém que não está presente na sala a quem ele glorifica. E que, aqui está propriamente o unum, é que todas as formas de superioridade e de hierarquia são por ele de tal maneira admiradas, que de algum modo, se refletem dentro do que ele diz.

Mas refletem com uma forma de força, de garbo e de castidade, que aí dão o sentido último. Mas tenho a impressão de que as pessoas, de um lado, ficam meio aturdidas e não pegam logo no começo. E, de outro lado, na medida em que pegam, não querem pegar, porque elas se sentem que se elas se puserem a admirar, elas entram como que numa aventura interior.

Seria mais ou menos como uma pessoa que está levando uma vidinha e, de repente passa, vamos dizer um anjo, e oferece à pessoa — é muito arriscado comparar um homem a um anjo, mas, para exemplo —, oferece à pessoa: “Querendo, estenda‑me seu braço que eu o levo para acima das nuvens”. O sujeito simpatiza com o anjo, tem uma vontade enorme de ver por cima das nuvens como são as coisas, mas, de outro lado, objeta: “Mas daqui há meia hora é hora do almoço”, com medo de não voltar depois das nuvens, ser engajado numa epopéia”.

Não sei se consegui tornar claro o que eu digo?

(Sr. –: …)

* Nosso Fundador é representante de uma determinada coisa que “Jezabel” truncou e que é preciso retomar — Sua autenticidade total em fuga, desmascara e deixa sem jeito a inautenticidade de “Jezabel”

Me parece que a apreciação está soberbamente bem expressa, e eu entrevejo vislumbres do que você diz. Que se trata de fato de representar a Deus, representar Nossa Senhora, representar a Igreja Católica, mas com os aspectos e as graças que eles faziam sentir antes de “Jezabel” vir.

(Sr. –: Poderia repetir?)

Ao longo da história da Igreja, muitas coisas ficaram mais ou menos, senão truncadas, pelo menos sobreviventes nos ritos orientais, por exemplo. Mas não parece nem um pouco que ele reflita nenhum rito oriental. Eu conheço, sei que gosta muito do rito oriental, mas não reflete. Ele é outro em relação aos ritos orientais.

Bem, mas em relação, melhor dizendo, eram, então, manifestações de Deus, de Nossa Senhora, da Igreja, de que ele gosta muito, mas não me parece que ele se sinta portador daquelas tradições nem representante daquilo. Ele é representante de uma determinada coisa que “Jezabel” truncou e que é preciso retomar. Retomar, quiçá, com maior esplendor, com maior intensidade, etc., mas que tudo quanto possa haver de ação do sobrenatural é expressa sob esta forma: “Nada do que vocês dizem que está morto morreu, nem morrerá, avançará e se imporá!”.

Quer dizer, aplaude, mas não gosta da pessoa do orador.

(…)

Qualquer polo que se apresenta na sua integridade, define o polo oposto. E, portanto, define as situações de lacunas intermediárias. É próprio da integridade.

A autenticidade tem como sintoma a integridade. Mas a autenticidade total põe em fuga, desmascara, deixa sem jeito a inautenticidade.

(Sr. –: …)

faziam o milagre pelo poder dado por Nosso Senhor.

(…)

* A intimidade com nosso Fundador pode cegar e ser fonte de desânimo, caso a pessoa não preste atenção em ver como se deve olhar

É que essa intimidade acaba sendo uma intimidade que cega se a gente não presta atenção em ver como é que olha. Cega. As vezes com pretexto de desânimo: “É verdade, deveria, mas é uma coisa tal, eu me sinto tão um molambo face a isso, que é melhor eu, saindo daqui, lamber o chão e depois ir dormir. Ou melhor, se não fosse a hora que é, e estivesse aí em frente um sorveteiro, comprava um sorvete e comia conversando quais são os sorvetes mais gostosos, se é de coco ou abacaxi, e nos despedimos em cima desse tema”.

Por quê? Pela razão muito simples, que entrar naquilo tudo é para nós inteiramente grande demais, não vai.

Quando eu dei isso na Reunião de Recortes eu tinha noção do alcance do que eu estava dando, é evidente. E percebia que era talvez o melhor da reunião. Tanto mais que isso não é um dado, isso é uma vista de olhos dentro de um universo. Porque o viver interno da Igreja não pode ser só isto, mas é isto, é uma… como a fibra de um tapete, o tapete tem milhares de fibras, essa aí é uma fibra do tapete.

* As lutas em que entram os santos, doutores, as graças, “Jezabel” com seus portadores e continuadores, dão uma verdadeira ciência do viver interno da Igreja

E a Igreja pela natureza humana, mas pelo fato de Nosso Senhor ser o Corpo Místico da Igreja, Ela é como um organismo, para comparar assim, um organismo que tivesse a mais sadia das cabeças que se possa imaginar, fonte constante de saúde, mas ao mesmo tempo, picado por uma doença horrorosa que está sempre em revolta com a cabeça dentro do mesmo organismo. E em que a doença e a cabeça estão em batalha contínua, às vezes, superioridade de uma, às vezes superioridade da outra, conforme os lances de uma espécie de tensão interna, em que há um centro decisivo que hora se dá mais a um, hora se dá mais a outro.

E isto forma, dentro da Igreja, lutas em que, então, vêm os santos, vêm os doutores, vêm as graças, vêm “Jezabel”, vêm o portadores de “Jezabel”, os continuadores de “Jezabel”, e formam algo que, dentro da maior das oposições, constituem um todo só. É uma coisa impressionante! E que dá uma verdadeira ciência do viver interno da Igreja.

A gente acompanhando os vários fenômenos, as várias coisas como são, etc., dá uma verdadeira ciência do viver interno da Igreja.

Uma coisa que, com a devida adoração, se poderia comparar à natureza humana e à natureza divina de Nosso Senhor. Nosso Senhor deformado e maltratado daquele modo horroroso durante a Paixão e a Morte, mas na sua Divindade gozando superabundantemente da plenitude da felicidade no seio do Padre Eterno, de maneira que, ao mesmo tempo que Ele dizia: “Meu Deus, Meu Deus, porque me abandonastes?!”, Ele era o Verbo de Deus e Ele e o Padre se olhavam e d’Eles procedia o Espírito Santo, ao mesmo tempo.

Então, a Humanidade entregue a um tormento inenarrável e a divindade num estado como que de tensão com a humanidade, cortando com ela, por assim dizer, mas ao mesmo tempo formando uma só pessoa, que é a Pessoa Humana e Divina de Nosso Senhor.

Bom, em Nosso Senhor não tinha mácula nem defeito, é a própria perfeição. Nisso claudica minha comparação, porque na parte humana da Igreja quantos defeitos entram a perder de vista, até a gente não saber dizer o que!

Mas acontece que, por causa disso, muitos defeitos vêm úmidos de qualidades, e muitas qualidades vem úmidas de defeitos em graus, doses e formas diferentes, que se podem exemplificar ao longo da História. Há uma classificação que dá o centro da História do mundo.

Mas aqui é uma matéria tão elevada, que comportaria mais bem um curso e, provavelmente prematura para nós. Mas que é evidente que é em função dela que eu tiro muitas das primeiras impressões que guiam os prognósticos das coisas. Mas guiam rationabiliter. O que está no “Réfutation” continua totalmente de pé.

Agora, isso é realmente uma muito bonita matéria, que transcende as reuniões de Opinião Pública, mais ou menos como um curso pós‑graduado transcende um ginasial.

(Sr. –: Mais do que guiar, se manifesta rationabiliter.)

Entra algo do discernimento dos espíritos que fornece dados sobre a realidade e a razão elabora, formula e conjuga para tirar suas certezas. Há um discernimento dos espíritos dentro disso.

(…)

habitual é isso, a vocação lutando contra nós e nós contra ela, o Batismo e a vocação, é nisso que a gente percebe os movimentos gerais da História, os movimentos gerais do Grupo, percebe uma porção de coisas que são desse gênero.

(Sr. –: …)

(…)



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