Conversa
de Sábado à Noite ─ 21/6/1980 ─ Sábado
[AC V - 80/6.11] .
Conversa de Sábado à Noite ─ 21/6/1980 ─ Sábado [AC V - 80/6.11]
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* Planos do Sr. Dr. Plinio para a Itália
…por exemplo, aquele telegrama do governo polonês a João Paulo II é um documento de primeira! Vale não sei quanto tempo de polêmica, de… de tudo! Um grafonema e a gente recebe o documento. Porque esses jornais todos se vendem em Roma, se vendem em outros lugares, aqui naturalmente nunca se encontram.
Eu acabo de ver, nas últimas semanas está se confirmando isso, depois da ida de D. Mayer, dessas coisas todas, o Paulo Henrique Nelson Fragelli estão pondo o pé em terra, e que estão se compenetrando mais de que existe uma missão muito importante, nesse sentido, e que não é necessariamente fazer uma TFP italiana. E mais ainda, uma TFP italiana até certo ponto prejudicaria essa missão. Então estão trabalhando e estão tirando coisas de toda ordem, as melhores, as mais decisivas. E para nós isso é vital.
Depois começam os contactos. Nelson Fragelli foi com muita eficiência, ele participou de um congresso da Democracia Cristã, tomou contacto com gente de Direita, conversou, etc., mas com muita eficiência.
Aos poucos vai se tecendo uma verdadeira política exterior, em que a TFP fique como Democracia Cristã, como Internacional Socialista, etc… Não uma internacional, porque a TFP não pode ser uma internacional, mas uma corrente de pensamento de irmãs, co-autônomas, as quais têm contactos internacionais com outras correntes. O que é um fenômeno absolutamente vulgar, comum no mundo de hoje.
* O por onde mais se caracteriza a lucidez de vistas do inocente é no maravilhoso ou no hediondo
Mas eu estava mais curioso em saber uma coisa: ficou clara aquela exposição sobre o jardim, aquelas coisas todas, ou não ficou?
(Sr. Mário Navarro: A primeira e segunda impressão poderia não incidir sobre um mesmo objeto?)
É um pouco diferente.
O que eu disse à tarde foi que em alguns objetos a possibilidade de causar a primeira impressão é mais limitada, às vezes quase nula. E a possibilidade de causar a segunda, às vezes é importante.
(Dr. Edwaldo Marques: Não obstante, o inocente vê tudo diferente.)
Isto é verdade, porque para ele a própria mediania ou a mediocridade ─ aliás, são coisas diferentes ─ afetam esta zona onde estão o admirável e o hediondo. Ele tem a gama completa. Mas o por onde mais se caracteriza a lucidez de vistas do inocente é no maravilhoso ou no hediondo.
* Certas escolas de arte se especializam em focalizar o simplesmente perfeito e não o transperfeito ─ O inocente pode, entre outras coisas, “caleidoscopizar” o que viu
Agora, o que eu disse hoje à tarde é que há também certas escolas de arte que se especializam em focalizar o simplesmente perfeito e não o transperfeito, o superperfeito. Portanto, causam só e visam causar só a segunda impressão e não a primeira.
(Sr. Mário Navarro: É errado existir essa escola?)
Não se pode dizer tanto. É errado instaurar esta escola para substituir outra.
Por exemplo, a Renascença em relação à Idade Média. Mas veja, por exemplo, um jardim francês… em geral toda arte francesa, exceto uma fímbria, então estupenda que ela tem e que dá para o maravilhoso, nela tudo é o correto!
(Dr. Edwaldo Marques: Mas a alma que fica só nisso cai.)
É exatamente um problema que me ponho a respeito dos franceses: se não será que a alma deles está só nisso e que nós que vemos a fímbria.
(Sr. –: Seria um fator de decadência.)
Seria, ou pelo menos um fator de mediania.
(Sr. Mário Navarro: Então, não é só subjetiva a coisa, mas também objetiva.)
Sim.
Um pouquinho seria como a imagem de um objeto que depende do objeto e da qualidade de vista que o sujeito tem.
De maneira que isto é objetivo para quem quer ter isto, ou para quem quer restaurar isso, isto é objetivo, mundo real.
Por causa disso, eu procurei acentuar que não se trata de fantasia. É uma coisa curiosa: pode haver composição sem haver fantasia. Eu fiz composições hoje, mas não são pura imaginação, são justaposição de coisas que existe em si. Mais ou menos como quem pega as peças de um caleidoscópio e agrupa de várias formas à medida em que gira o caleidoscópio. Aquilo não é imaginação! Aquelas peças estão se formando.
Assim, com a realidade, a alma inocente pode, entre outras coisas, “caleidoscopizar” o que ela viu.
Por exemplo: eu imagino Francisco José comendo tal coisa assim… eu faço uma construção. Eu vejo como é a cabeça dele, vejo como é o sabor da coisa e vejo como é que ele recebia isso. E vejo que isso produz nele repercussões muito mais interessantes do que poderia produzir naquele homem que estava falando durante o Boccherini! Ou que poderia produzir no Kaiser, que era muito mais desinteressante.
* A intemperança é um perigo: imaginar demais e sobretudo pôr-se no centro!
Agora, isso que nós falamos à tarde, se todos se puserem bem isso na cabeça e andarem dentro disso com temperança… A intemperança é um perigo: imaginar demais e sobretudo pôr-se no centro! Acabou! Está liquidado! É preciso pôr-se completamente fora do centro. Se o sujeito imagina aquele jardim e se imagina a si mesmo andando naquela jardim, sai palhaçada, ridículo, depois a coisa fica desdourada aos olhos do próprio sujeito, é o fim! O indivíduo tem que estar completamente fora daquele quadro.
* Um homem que tenha um restinho de inocência e a compreensão de como é uma pessoa mais inocente do que ele, pode reacender, por analogia em si, uma inocência que ele não tem
(Dr. Edwaldo Marques: Mas nós devemos estar fora do quadro, mas intimamente ligado ao senhor.)
Eu estava dizendo que a inocência pode, por assim dizer, readquirir-se por substituição. No seguinte sentido:
Uma pessoa que tenha perdido completamente a inocência… completamente não, tenha apenas um último fiapo de inocência na mão, o que é muito diferente de perder completamente, e que conheça um homem como, por exemplo, eu não conheci, mas vi por fotografias, etc., Francisco José, e percebe bem como é ele, ele pode, entrando no modo de ser do Francisco José, sentir e perceber uma porção de coisas que ele só, por seu modo de ser, não sentiria. E através disso reacender por analogia, em si, uma inocência que ele já não tem.
É preciso ter um restinho de inocência, porque um Breznev não, é o nocente, a meu ver, por excelência. Carter, esse gênero, não.
Agora, um homem que tivesse um restinho de inocência e tivesse esta compreensão de como é Francisco José, compreensão essa da qual eu há pouco falava, a pessoa poderia começar a ver a vida de dentro da cabeça de Francisco José. À hora dele comer seu Brõtchen1 da tarde, à hora dele se preparar para ir à representação de gala na Opera de Viena, à hora de se deitar à noite, à hora de ele se preparar para ir à caçada com o rei da Saxônia e com o Grão-Duque da Toscana, [em] tudo isto junto a gente pode perceber inteiramente como é o estado de espírito do indivíduo. E lendo a vida dele e revivendo de dentro dele aquilo que ele viveu, pode-se por contigüidade, como uma chama acende a outra, acender em nós a nossa inocência.
* Inocências em galáxia e inocências “choisies” ─ Duas pessoas que tenham no seu âmago inocências afins, têm o dom de se verem
(Dr. Edwaldo Marques: Mas, por exemplo, como se passaria isso no relacionamento dos Apóstolos com Nosso Senhor e Nossa Senhora?)
Eu tenho a impressão que há inocências afins que formam enormes famílias de inocência pelo mundo das almas à maneira das constelações no céu. Então, há inocências em galáxia e é o número das pessoas comuns, boas, etc., que constituirão, com certeza no Céu, uma gloriosíssima galáxia a qual Nossa Senhora vai sorrir, a qual Nosso Senhor vai se manifestar esplendidamente, etc…
Mas há inocências choisies e nessas pode haver uma tal afinidade de inocências, que se estabeleça como que um regime feudal de inocência. O mais inocente alimenta, sustenta e abre os horizontes do que ─ ainda que sem culpa própria ─ é menos inocente. E formam como que um todo, só como por exemplo, Papa e bispos deveriam formar um todo só. Como o fundador e religiosos forma um todo só. E que essa não é a afinidade de periferias de inocência, mas é uma afinidade de âmago de inocência. Então duas pessoas que tenham no seu âmago inocências afins, têm o dom de ver a outra, de tal maneira que uma pode se deixar incendiar ou a outra pode incendiar. Nunca contra a vontade segura, certa do paciente, do agente às vezes não.
(Sr. –: Nunca sem a vontade do paciente…)
Nunca! Pode ser uma vontade implícita, uma influência que se exerce sobre ele, que ele aceita de bom grado, mas que ele não faz um ato: “Eu agora vou deixar me influenciar!”. Para comparar mal, seria como de um expectador no teatro, ele está se deixando influenciar pela peça, por um artista. Ele não faz uma deliberação, mas ele está ali, está consentindo e sabe que está consentindo. Não há uma deliberação inteiramente consciente, mas ele conhece isto.
Foi esse tipo de relação que o romantismo quis adulterar transformando num sonho de egoísmo. Mas ainda existe no romantismo um resto dessa relação, tremendamente adulterado, mas existe. Agora já não existe, nem um pouco, no que nós poderíamos chamar o espírito empresarial e comercial, etc., de nossos dias. Aí não existe nada.
Agora, eu acho que seria um grande dia aquele que em se conseguisse conversar… como aliás, nas duas últimas Reuniões de Recortes de sábado à tarde. À noite se conseguiu em boa medida conversar sobre coisas dessas, de maneira a sentir a objetividade no que a gente está falando. Que isso não é sonho! Que isto é a realidade, mais ainda, que é o suco da realidade. Quem pega uma realidade que pretenda não ter isso, não tem o suco.
* A harmonia do universo supõe que haja algo que dê ao homem o nutrimento para aquilo que sua alma deseja com toda força
(Sr. Guerreiro Dantas: Como nasce isso na alma do senhor? Como surge isso no fundo da alma, essa elaboração a mais nobre…)
O princípio, a meu ver, deve ser tirado de um pressuposto. O pressuposto é a harmonia do universo. Se o universo é harmonioso, deve haver em algum lugar dele algo que dê ao homem o nutrimento para aquilo que sua alma deseja com toda força. E se o homem deseja com toda força uma forma de beleza que não existe, ou essa forma de beleza existe ou o universo está desorganizado. Desde que se admita que o apetite estético não seja menos imperioso do que o apetite físico.
(Sr. Guerreiro Dantas: Esse argumento de defesa é de arrasar.)
E uma defesa muito simples, ela está ao nosso alcance como essa caixinha aqui ou esse microfone, etc., ao alcance, porque isso ninguém pode negar.
Então o homem é o rei do universo. Ele deseja, entretanto, com toda força um universo que não existe. E a gente louva a cauda dessa perfeição que é o universo material. E não louva e não reconhece a existência do que é a cabeça da perfeição que é a perfeição para a cabeça, quer dizer, aquilo que deixa a cabeça em ordem, que deixa a cabeça alegre, que é a existência disso que ele pensa que não existe. Isso não tem saída! Então me diga duma vez que dois mais dois é igual a nove, conte o caso de uma formiga que comeu um elefante, faça o que quiser! Porque é isso!
* As relações profundas que existem entre a náusea e o sono…
Eu tomo por exemplo, um sujeito completamente nutrido e tratado fisicamente, de modo perfeito. A primeira coisa que ele tem depois da sensação da fome saciada, - é uma coisa incrível, mas é assim - a primeira coisa que o sujeito tem é a sensação do repouso. Porque a subida humana é uma sucessão de movimento-repouso. Essa é a vida humana! Ela se descreve assim. No movimento de repouso há uma menos valia da alegria inicial. Também não tem conversa! Vamos dizer por exemplo, que alguém pusesse na minha mão aquele rubi… ─ de que me falou uma vez a minha prima, essa que morreu há algum tempo, irmã de Adolfo ─ que enchia a concha de uma mão, e que ela viu lá no tesouro do sultão da Turquia. Está transformado em museu, não é? Se eu tivesse isso na minha mão, me regalasse e produzisse em mim uma impressão muito intensa, ao cabo de algum tempo eu punha o rubi em cima dessa mesa e tiraria um sono para repousar. E o repouso era uma diminuição do prazer do rubi. Ao cabo de algum tempo o rubi não me causaria mais prazer, eu estaria enjoado do rubi. Já o repouso é um começo de enjôo e o enjôo é o grande repouso da gente a respeito das coisas que nos excitam, nos excitaram antes. Entre a náusea e o sono há relações profundas que dariam… aliás, um tema muito interessante para estudar.
O fato concreto é que tudo isso indica que nada satisfaz o homem. E que ele ao cabo de algum tempo se reputa um infeliz. Isso não tem conversa, pode pegar quem quiser, qualquer Onassis, qualquer o que queiram! Ele se reputa um infeliz.
Então, ele chega ao absurdo de para ser feliz na vida expor a vida nas delícias do risco. Mas a delícia do risco indica bem a nobre náusea que lhe causa tudo quanto há na vida. E, as vezes ele chega até o crime que é o suicídio.
* As coisas aqui na Terra que prenunciam os prazeres celestes: vontade com esperança, sem náusea e decepção ─ O inocente não tem decepção, nem náusea
Se isto é assim… então a gente dá um passo para frente: ou existe o Céu ou o universo é errado. Agora a Terra não pode estar para o Céu numa relação em que está, por exemplo, o olho de vidro para a órbita. Quer dizer uma coisa postiça, encaixada ali. Ou há coisas na Terra que são presságios do Céu ou, há uma ruptura na axiologia. Se nós formos imaginar um mero abismo há uma ruptura na axiologia que faz com que na ordem do ser não haja descontinuidade. Logo, tem que haver coisas na Terra que, bem vistas, nos dêem um prenúncio do prazer celeste.
(Sr. –: Essas não nauseiam.)
Não, não nauseiam, dão vontade de mais. Mas uma vontade com esperança, não é vontade com náusea nem vontade com decepção. O inocente não tem decepção e não tem náusea.
(Sr. –: E a posse disso não é o sono, mas a calma.)
Isso, não é o sono, mas a calma.
Chama-me atenção quando a gente vai ao São Bento, mas durante o dia, em que eles não estão pensando em nada, estão… estão naquelas estalas tão em linha reta, que você diria que o João esteve passando a cravache neles naquele momento ali, o Fernando Telles ou um qualquer. A gente olha para aquelas caras todas, eles estão bebendo aspectos transadmiráveis de coisas que eles vêem ali. Eles estão perfeitamente tesos, nenhum toma uma posição cansada, eles estão perfeitamente entretidos, e eles estão perfeitamente, em uma parte da alma deles, alheios ao que os circunda. Para lá… É admirável ver isso!
Aliás, aquela marcha deles de entrada no terreiro da fazenda do Êremo de Amparo de Nossa Senhora, aquilo é isso!
Então toma, por exemplo, desfile dos sábados em Jasna Gora, ─ que eu sei quanto vai melhorando ─ mas sem dúvida nenhuma a parte mais leve e mais alegre é a deles! A própria imagem da tristeza era o desfile antigo. A própria imagem da tristeza. Como quem diz: “Eu estou nauseado, estou entediado e quero mais daquilo que me dá tédio e náusea!”. Não tinha maravilhoso nenhum! O maravilhoso cansaria, o não maravilhoso lhe dá náusea e tédio e ele quer!
(…)
* O abafamento do maravilhoso que se dá nas almas dos membros do Grupo: o cerimonial e a graça de se tratar dessa temática, remedeia em algo o problema
…o cerimonial é um modo muito bom de levar um certo remédio a isso. Mas a graça de se tratar disso remedeia por outro lado o problema, porque para nós, na [nossa] vocação, com a alma meio estragada pelo positivismo, sempre abafando nossa vontade de maravilhoso, sentido esta vontade co-idêntica com o “Thau” dentro da alma, e não encontrando esta vontade expressa em ninguém que nos rodeia. Nascia a pergunta: o que é a TFP? Pergunta cruciante! Atroz!
Nós estamos aqui, quatro, oito pessoas, eu tenho certeza que antes dessas reuniões nenhum de vocês admitia a probabilidade de haver as mesmas cogitações no espírito do outro. Conheciam-se a cinco, dez anos, há quinze anos! Com convívio diário, no entanto, a Revolução arranjando um jeito de ocultar tão completamente a cada um o que havia no outro, que eu tinha coragem de tocar a TFP para frente porque via essa longa-metragem, esses farrapos de maravilhoso na alma de um e de outro. Mas um e outro, um e outro, um e outro não viam em si! De maneira que não daria o entendimento que essa conversa pode dar. Assim mesmo, hein! Essa conversa não dá isso a prazo imediato.
Porque isso está sendo, em alguns de nós, desenterrado de tão do fundo da alma, que não vai dar numa transformação imediata do convívio.
Virá com o tempo, virá aos poucos se Nossa Senhora ajudar. Mas de fato pode vir. Quer dizer, é uma ruptura de grilhões, hein! Aqui é um grilhão que se rompe, um grilhão maldito que os isolavam uns dos outros!
* A impressão que nosso Pai e Senhor tem dos Apóstolos: adjacente ao lado ótimo de maravilhamento, convivia o lado péssimo, sem se misturar
Eu tenho a impressão que dos Apóstolos com Nosso Senhor a gente não pode dizer propriamente que eles não viam o maravilhoso de Nosso Senhor. Eles tinham fases em que viam e viam com a luz com que se possa imaginar que viam. Mas depois, fases em que Nosso Senhor tornava o maravilhoso d’Ele menos evidente, em que eles então iam prazerosamente pegar o não maravilhoso.
(Sr. –: A tônica era essa?)
Tenho a impressão que eles variavam muito. E que do lado ruim deles, eles quando passavam do maravilhoso em que o lado ótimo estava muito à vista, passavam para o outro lado, era o lado péssimo intacto! Não é como no comum das situações em que a pessoa faz uma média entre seu lado mal e seu lado bom e mistura aquilo como a água com o vinho e forma uma só massa líquida; mas [no caso dos Apóstolos] era azeite com água. Então você pode imaginar água suja e azeite do melhor azeite de oliva, no mesmo copo. E a meu ver eram eles.
(…)
… na hora em que Nossa Senhora deixava de fazer ver um pouco o seu esplendor, eles não tinham mais defesa… plum! para baixo!
(Sr. –: Não guardavam a lembrança de Nosso Senhor.)
Não queriam.
Para se distrair, mas desde que Ele saísse de perto, como já não era entretido, se houvesse dados naquele tempo eles eram capaz de começar a jogar dados. E acabavam a noite numa taverna bebendo e cantando com os outros, etc., etc., Tout court! Sem a menor defesa. Quando Ele está presente, Nosso Senhor tão aprazível, que se olha para Ele porque é o que há de mais aprazível para ver. Ele saiu, eles são outro! Se for um palhaço que estiver na frente e começar a dar risada a gente se entretém com o palhaço!
* Quando o indivíduo vê o maravilhoso, mas toma aquilo como um prazer para si, ele vai balançar o tempo inteiro; se toma como holocausto, aí ele se dá
Agora, há casos, fora do caso incomparável e divino de Nosso Senhor, há casos assim também. Aqui vem os pontos e esse ponto é um cone insondável. Quer dizer, no momento em que o indivíduo viu que a coisa é maravilhosa, ele precisaria não ter tomado aquilo como um prazer para si. Mas uma coisa a qual ele quer dar-se! Se ele tomou como prazer, ele vai balançar assim o tempo inteiro. Se ele tomou como holocausto aí ele se deu. No primeiro caso ele quis se apossar, no segundo caso ele quis se dar.
A gente vê que o que houve com o demônio é que ele no Céu… no demônio não há essa processividade que há no homem, porque ele é puro espírito. Mas em certo momento ele quis apoderar-se do gozo de Deus, mas não dar-se a Deus. Veio a prova e ele protestou. Nunca mais quero outro coisa!
No Evangelho a gente sente isso: que Lázaro e a família dele se deram! E que Nosso Senhor tinha esse prazer de estar lá por causa da honestidade com que se deram. Deram-se inteiramente! Olha que é um mistério o que é que Lázaro fez durante a Paixão, hein!
Porque Marta e Maria estavam ao pé da cruz. Onde é que estava Lázaro?
(Dr. Edwaldo Marques: Os judeus queriam matar Nosso Senhor e Lázaro, provavelmente, ele se escondeu.)
(Sr. Poli: Foi legítimo ele ter se escondido?)
Foi legítimo, porque Nosso Senhor deixou bem claro que Ele não queria defender-se dos assassinos que vinham, que Ele queria entregar-se.
Ele disse, quando São Pedro cortou a orelha de Malco: “Se meu Pai Celeste quisesse me mandaria legiões de anjos para me defender, mas Eu quero, chegou a hora. Ele não tinha, portanto, direito de ir defender Nosso Senhor.
Você me dirá: “Mas que mal fizeram os Apóstolos no fugir?”.
É que a fuga deles é feito em espírito de dormideira. E essa dormideira não há nenhuma razão para supor em Lázaro. A dormideira nos outros, aquela não tem justificação.
(Sr. Poli: Mas seria mais bonito que Lázaro que fora amigo de Nosso Senhor, acompanhasse Nosso Senhor.)
Podia ser que Nosso Senhor tivesse desígnio de que ele vivesse. E portanto, lhe tivesse dado ordem de esconder-se.
(Sr. Poli: Mas ele deveria tentar de toda forma no estrito limite acompanhar Nosso Senhor.)
É verdade, mas o estrito limite podia ser nulo! Porque ele era um homem muito conhecido ali, muito importante.
(Sr. Poli: Mas de insistir com Nosso Senhor para morrer junto com Ele.)
Ah! Sim! Mas isso ninguém sabe se ele terá feito ou não.
* A ascese e o papel do holocausto em “despossuir” o que apetece às más tendências
Agora, há um hiato aí que é um hiato duro.
É quando a pessoa está habituada a possuir o gesto pelo qual abre a mão e “despossui”. Aí é o papel da ascese: dói mesmo, é difícil, desagradável. O alento está em meditações como fizemos hoje à tarde, como estamos fazendo agora, porque aí vem: “Realmente não é isto que me resolve o caso, minha alma tem outra estatura. Ela quer outras coisa, ela procura outros bens e, portanto, isto de momento está me apetecendo muito. Mas é uma tolice, vamos pensar em outra coisa”, etc…
É o senso do holocausto.
(Sr. Poli: Mas isso que o senhor dizia de que olhando Francisco José, admirando-o se poderia ver o mundo com os olhos dele; também quem admire Nosso Senhor Jesus Cristo acaba vendo o mundo com olhos de Nosso Senhor…)
Mesmo porque, Francisco José por mais que tenha sido um homem interessantíssimo, etc., enquanto tal admirável; era uma formiga suja em comparação com Nosso Senhor. Com Nosso Senhor ninguém tem comparação.
* O Céu imaginado por nosso Fundador: as pessoas emitindo as suas claves, as suas luzes primordiais e criando ambiente entre si ─ A matéria no Céu empíreo enchendo o corpo de castas delícias
O que eu acho que é uma coisa que valeria a pena a gente pôr-se a imaginar é o Céu como falei hoje à tarde, com todas as pessoas emitindo as suas claves, as suas notas primordiais, as suas luzes primordiais, e criando ambiente entre si, em torno de si, de… é uma multidão de anjos, cada um com uma ambientação, com uma luz própria e trocando inter-relações, por onde Deus se faz ver melhor naquilo da essência d’Ele, que Ele não nos deixa ver diretamente, mas quer que vejamos por meio dos outros. O Céu assim, é para lá de atraente!
Ainda mais, para ser completo - é circunstância secundária, mas necessária ─, a idéia da matéria do Céu empíreo que enche o corpo de delícia. Mas de uma delícia que não é a delícia que nós sentimos, mas uma delícia que aponta para a alma. Então nós temos a delícia total ali, no dar-se total! Porque o erro é imaginar o Céu, como nós donos de Deus. No Céu, Deus é dono de nós! E nós, nisso, temos o sacrifício total, o holocausto total, a felicidade total…
(…)
… para esta realidade superior, empírea e infinita, ele teria vontade ─ se tivesse tempo ─ de oscular o leão antes de ser devorado.
O Mário Navarro exibiu na penúltima ou última Reunião de Recortes, aquela fotografia de uma pessoa decapitada. Estava sendo decapitada, com a cabeça saltando, vê-se o tronco. De um lado é horrível e justificava todo o comentário que ele fez. Mas de outro lado, uma pessoa ajoelhada ali, pensando: “Agora é apenas um tremendo salto, e eu pulo para cima e eu vou entrar nesse convívio. E daqui a um minuto, dois minutos, cinco minutos, eu diretamente e por toda eternidade estou vendo Deus face a face”. Ah! é uma coisa… não sei o que dizer.
Mas, ao menos para mim, concebendo assim.
Com as concepções menos aprofundadas que se tem habitualmente a atração é menor. É uma atração da razão, sem dúvida nenhuma, essa é determinante, porque o homem não deve se levar apenas pelas impressões, nem principalmente pelas impressões; mas a parte da impressão palpita de terror diante da morte! Mas aí não!
* A Confissão bem feita nos dá, até um certo ponto, a restauração da inocência
(Dr. Edwaldo Marques: Uma Reunião de Recortes como a de hoje, a gente sai como quem fez uma Confissão bem feita, leve, mais próximo do Céu.)
A comparação é excelente! Com a confissão bem feita. Porque eu tenho impressão de que o Sacramento da Penitência nos dá quadamtenus2 [a] restauração da inocência. E que as graças que esse sacramento dá, não são as da Eucaristia, são graças específicas.
Quantas e quantas vezes eu me retirei da Confissão com a alma leve, como se eu tivesse ficado mais moço e como se a lei da gravidade deixasse de existir para mim. Acho que isso aconteceu com todos aqui. Uma tranqüilidade… oh! e esta vida do inocente que se abre. Quantas vezes! Às vezes, de ajoelhar-se ali no confessionário, antes mesmo de acusar os pecados, já uma atmosfera envolve a alma, uma atmosfera sui generis. Às vezes só de olhar o confessionário.
(…)
* Ao ver qualquer coisa, todo homem tem uma vaga noção se corresponde ou não à matriz ideal
… e a pergunta poderia ser conjugada com outra. Se se tomasse ao pé-da-letra a exposição que eu fiz hoje à tarde, poder-se-ia então dizer que todo artista é um santo?… E que não é santo a não ser o artista? Qual é a diferença que há entre santificação e arte, dada a exposição que fiz hoje à tarde?
Era uma pergunta que a pessoa estaria no direito de me pôr.
(Sr. Guerreiro: No MNF o senhor põe esse problema: até que ponto a ética e estética se confundem.)
Eu mostro a você, porque o exemplo concreto é melhor que qualquer coisa, não sei se preferem essa caixinha ou se preferem ─ eu sei que não são objetos de grande valor nem nada ─ a caixinha ou aquelas figurinhas ali?
As figurinhas são pajens venezianos. Não sei se percebem uma ponta de gôndola simbolizada ali… por uma coisa dourada lá… e que o artista, ─ parece que é austríaco isso, foi ao menos comprado de segunda mão de austríacos aqui, refugiados ─ o artista quis exprimir uma determinada coisa que estava na cabeça dele. Isto tem um vago fundo histórico: que em Veneza houve gondolas, houve. Que eles com um comércio freqüente com o Oriente tinham escravos de tez muito carregada, às vezes meio pretos, do norte da Africa, essas coisas todas tinham. Que eles podiam talvez usar turbante é plausível. Que no Ancien Régime a roupa tinha alguma coisa de parecido com a que está aqui é plausível também; mas como é que foi feito o bibelot?
É que havia, com certeza, uma porção de pajens assim em Veneza desse tempo, que chamaram a atenção do artista.
E em todos eles ele notava alguma coisa de bom, mas alguma coisa que não realizava o ideal. E com isto ele foi decantando a idéia de como seria o pajem ideal.
Como nasceu nele a idéia do pajem ideal?
É porque, como disse hoje à tarde, existe no nosso espírito como uma defluência do conceito do ser, mas uma espécie de matriz ideal de mais ou menos tudo. Que quando se explicita fala de uma determinada coisa. Ou por palavras, ou por música ou, por qualquer outra coisa, mas é a matriz ideal que faz com que eu seja incapaz de ver qualquer coisa ─ eu quero dizer, qualquer um de nós ─ sem ter uma vaga noção até que ponto aquilo corresponde ou não a um ideal possível daquilo. Como é que seria o tipo espantoso daquilo. Essa matriz inspira.
Você dirá: Mas aqui não é espantoso?
A gente vê que a intenção que ele teve foi de espantar pelo charme. Não conseguiu, fez objetos bons, mas não fez nada de espantoso, mas tudo está calculado ali para espantar pelo charme.
(Sr. Guerreiro Dantas: Isso é fruto de coisas ainda do Paraíso que dão essas matrizes, essas bases na alma?)
Acho que é fruto de uma disposição da alma que só o pecado de Revolução poderia tirar. E pecado de Revolução eles não cometeram. [Por exemplo, chineses e árabes antigos] cometeram outros pecados horrorosos, mas o de Revolução não cometeram. O pecado de Revolução chegando ao mundo hippie, à Sorbonne, aquela coisa toda, e onde vocês todos estão vendo que vai dar o pecado de Revolução… O pecado de Revolução é uma negação disto que se diria impensável!
Por exemplo, essas senhoras que estão pintadas aqui neste quadro ou aquela princesa, julgariam impensável que na Sorbonne se fizesse uma coisa dessas! E elas dariam como argumento: “É tão ilógico, tão contra o próprio interesse do homem, que o homem não fará!”.
Mas o pecado de Revolução dá o ilógico e dá o impensado. Então levou o homem a essa posição.
* Não se percebe nas coisas pagãs a idéia de sacrifício
Agora, o árabe, o chinês, etc., que teriam talento para elaborar uma concepção do mundo, toda conforme as obras de arte deles, tiveram obras de arte, mas não tiveram uma vida nem um tipo humano de acordo com as obras de arte. Então, o rajá coberto de jóias era muito menos uma obra-prima do homem, do que um lord inglês. Para você ver como no paganismo isso é defectivo.
E nas coisas chinesas e nas coisas árabes, por exemplo, não se vê bem até onde entra o conhecimento do mítico, do metafísico pelo gosto do ter. Porque a idéia de sacrifício não se percebe.
Por exemplo, Allambra, que eu acho muito bonita, não convida ao sacrifício. Não convida que a gente se dê a ela, nem um pouco! Nenhum de nós vai dizer: “Eu vou morrer em defesa do Allambra!”.
(…)
…você vê a diferença do santo de uma certa retidão de fato conatural ao homem.
(Sr. –: Não souberam imaginar o homem também, é um céu só de gozo material.)
É um céu onde eles vão participar do banquete de Deus. Mais nada! Deus lhes dá uma parte do seu prato para comer. Ora não é o Céu nosso. Onde de fato nós vamos ter uma parte da alegria de Deus. Mas a alegria de Deus que em Deus é uma, viva na criatura significa holocausto. Um dar-se assim. Deus é infinitamente feliz amando-se infinitamente a si próprio. Nós somos completamente felizes amando completamente a Ele e não a nós. Aqui há um reversement.
* Sem o sobrenatural, é impossível ao homem habitar em claves superiores costumeiramente
(Sr. Guerreiro Dantas: Mas isso pode ser até dito ao público, de que o homem tem o direito de desejar algo mais que isso aí.)
Mais, não tem o direito de não desejar!
(Sr. Guerreiro Dantas: Isso explica o senhor e a TFP.)
Acho que é o próprio cerne da TFP.
[Eu] sei a objeção que se pode fazer ao que estamos dizendo: “Está bem, mas onde é que está o sobrenatural nisso?”.
Isso já é outra questão muito fácil de responder: sempre que o sobrenatural atua em nós, ─ e ele atua constantemente, porque nós somos batizados ─ a ação dele é no sentido de exceder tudo isso. De superar e de levar a uma altura aonde nós não seríamos capazes de levar. Como por aí: de fazer-nos habitar habitualmente nesta clave. Não uma incursão ou outra. Mas costumeiramente não é possível [sem o sobrenatural]… é dogma de Fé:
O homem não pode duravelmente praticar todos os Mandamentos sem o auxilio da graça. Se ele peca contra um Mandamento, ele cometeu um ato de hediondez moral que realmente o exclui desse circuito.
E dentro de pouco tempo mata nele isso que nós estamos falando.
* Definição de humanidade: vários bilhões de indivíduos fazendo o papel de feliz, para um bobo que acredita que eles são felizes
A idéia do progresso para o mundo põe-se assim:
1º) O homem pode ser inteiramente feliz nesta vida e deve sê-lo.
2º) Para isso lhe bastam as coisas dessa vida, portanto, ele deve saber aproveitá-las.
3º) Deus não lhe dará outra coisa a não ser o que deu dando o que está aqui. De maneira que ele não perca tempo pechinchando, etc., porque ele tem que se contentar com o que está aqui. Não este homem, aquele, aquele outro, mas o gênero humano como um todo.
Essa é a formulação mais moderada da tese, é uma formulação que ainda não é diretamente atéia; porque a tese na sua raiz é atéia.
Agora, como nós estamos cheios da idéia de que pode encontrar a felicidade, que deve encontrar, que esse mundo é um mundo fechado, que tudo quanto está dentro desse mundo deve nos satisfazer. E como acreditamos que há outra gente feliz!
É uma coisa espantosa como nós acreditamos nisso!
A humanidade se define assim: são três bilhões, novecentos e noventa e nove milhões de indivíduos, fazendo o papel de feliz para um bobo que acredita que eles são felizes.
E isto vai em ritornello, de maneira que cada um é objeto dessa ilusão. Ninguém é feliz! Não adianta vir com conversa, porque ninguém é feliz!!
(…)
…a gente colocando-se nesse prisma não há titubeio possível, há má fé. Cometeu um pecado de má fé, isso é outra questão.
Vocês imaginem, por exemplo, nós estamos aqui conversando. Agora imaginem uma roleta, Monte Carlo, pessoas estão jogando lá. Na aparência um ambiente esplendoroso, ─ Monte Claro de hoje já deve ser com blue jeans com certeza, já deve ter perdido todo o luxo etc., mas vamos imaginá-la como ela foi, a Monte Carlo ─ daquele hotel do qual o Mário Navarro me deu prospecto outro dia, Palermo, alguns daqueles lugares do sul da Itália, pitoresquíssimo o hotel. Vamos imaginar um hotel desse gênero. Está bem. “Todos lá estão se sentindo muito felizes na mesa de jogo”. É uma ilusão! Eles estão com uma vontade louca de ter um dinheiro que não têm. E nessa vontade louca, eles mostram que todo dinheiro que têm não lhes contenta. Mais ainda! Não haverá nenhum que tendo ganho o dinheiro pare de jogar e diga: “Eu vou me retirar”. Será raríssimo, porque não há o contente. E quando o sujeito pára de jogar, ele não pára porque a vontade de enriquecer cessou nele, mas é que o medo de perder ficou maior do que a vontade de enriquecer. Então, entre a vontade de ter o que não se tem e o medo de perder o que se tem, oscila o pendulo da felicidade para essa gente.
Isso é felicidade?…
Alguém dirá: “Mas bom, Dr. Plinio! Eles estão esplendidamente vestidos, são saudáveis, são elegantes…”. Lhes faz tão pouco o esplendidamente vestido que eles mesmos foram largando essas roupagens sem resistência. Isto lhes faz o esplendidamente bem vestido! Quer dizer, eles só querem estar bem vestidos para montar no pescoço de um outro menos bem vestido do que eles. Não é pela alegria da boa vestimenta, não lhes causa nada.
“Bom! Mas então esse prazer eles têm: montam num pescoço de um outro”.
Olha! Cada um de nós é creso para algum mendigo. E cada um de nós é príncipe para algum pernibambo. E haverá algum perequeté na Terra que olhando para um de nós diria: “Eu seria inteiramente feliz se fosse ele”. Nós somos o tal ele, e sabemos que não somos de uma massa diferente da do outro.
Isso que estou dizendo é de uma evidência tal, que é até um pouco simplório. Mas é tão evidente que ninguém pode negar. Vocês dois, por exemplo, nos dois Êremos, Jasna Gora e Êremo de Elias, para muita gente de lá de Itaquera vocês são uns castelões! Que moram numa mansão, vivem entregues à vida calma e isto, aquilo, aquilo outro. Então, muitos que estão lá devem pensar: “Se eu agüentasse aquela vida reclusa e tivesse aqueles espaços e aquele status que eles têm não me seria difícil ter virtude”. Vocês têm o status, têm a vida reclusa, têm o espaço e, a vida é igualmente difícil.
Para a rainha da Inglaterra, na outra ponta do bastão, o raciocínio é o mesmo.
(Sr. Guerreiro Dantas: …em certos momentos tem-se a impressão de viver uma espécie de sonho, que não se vive realidades, se vive sonhos.)
Realidade é o que nós estamos falando agora. É sonho, aliás pesadelo, o que eles chamam de realidade. Não porque não seja realidade, porque é! Mas é amputada. E para nós é o sonho o que eles chamam de irrealidade.
* Na forma mais íntima de convívio, que é o convívio pré-natal, pode dar-se toda espécie de influências ─ A influência fenomenal da família nas crianças que não têm o senso do maravilhoso
(Dr. Edwaldo Marques: Como se dá esse relacionamento mãe filho, antes mesmo do nascimento? E depois como se desenvolve esse relacionamento na linha do maravilhoso?)
É o jogo das afinidades. Foi na penúltima reunião ─ não sei bem ─ em que eu levantei essa questão: às vezes a gente olhando para os bichos pode ter idéia de como seria a mentalidade deles se eles tivessem alma. Porque a gente vê que as condições biológicas marcariam a alma de um determinado modo. Isso é de acordo com a doutrina Católica, porque segundo São Tomás todas as almas humanas são iguais. E elas só se diferenciam por causa do corpo (3). E a gente deveria imaginar artistas de talento rigorosamente iguais, mas como tocam instrumentos diferentes, sai música de valor desigual. Isso não considerando o lado potencialidade, como potencialidade.
E a criança recebe dos pais, portanto, tudo quanto uma alma que nós imaginássemos posta num bicho recebesse do bicho. Acontece que o que recebe dos pais tem as mais profundas afinidades com os pais. Como um passarinho será afim com outro passarinho e não com a cobra! Portanto toda espécie de influências que a forma mais íntima de convívio ─ que é o convívio pré-natal ─ pode dar, todas essas influências atuam sobre a criança para modelar por assim dizer o bichinho, no qual a alma depois vai se manifestar; já está, mas depois vai se manifestar.
A isso acrescenta-se uma coisa psicológica. É que a criança se exatamente não tem o senso do maravilhoso, é levada a achar que ela é o padrão de todas as coisas e seus pais também. E portanto, sua própria família também. E imaginar o mundo fora como ordenado ao mundinho dentro do qual ela se cria. E como acontece que freqüentemente a família apresenta as coisas como tendo uma… ─ apresenta-se a si mesma ─ como tendo um gênero de influência única no lugar, por mais modesta que seja a família ela se apresenta assim mesmo.
Acontece que a criança acredita nisso. E fica então aquela admiração e aquela segurança por aquela família padrão e única que está ali. E daí vem a influência fenomenal da família.
* Nos pais nocentes, é possível nascer um lírio, mas como exceção do poder soberano de Deus ─ A inocência da Sra. Da. Lucilia e a formação que dava
(Dr. Edwaldo Marques: E se a mãe for reta e vai exercendo essa influência, também de modo sobrenatural…)
Eu creio bem e sei que Deus pode alterar o curso da natureza como entenda. Mas isso é uma coisa, o curso da natureza é outra! Deus deu à natureza um certo curso que ela tem, mas Ele pode alterá-la. Eu creio que na própria intemperança com que o ato de perpetuação da espécie do qual nasce uma criança possa ser praticado, já influencia de algum modo, misteriosamente e negativamente a concepção! E que, de outro lado, toda a vida da mãe durante o período pré-natal já vai desenvolvendo reto ou errado o filho.
De maneira que se os pais são inocentes, pode nascer um lírio. Se o pai ou a mãe é inocente esse lírio terá algumas pétalas cinzentas. Se nem o pai nem a mãe são inocentes, Deus pode fazer nascer um lírio, mas abrindo uma exceção pelo poder soberano d’Ele sobre… quanto àquela regra que Ele instituiu. Vem daí, a partir daí.
Então, a inocência, sobretudo, quando é do pai e da mãe, conduz suavemente para um ambiente onde tudo é visto segundo a ordem certa, direita, com proporções, conta, medida, etc., e onde todo esse desejo do mais belo é estimulado pelo fato de que os pais contam o maravilhoso para eles. Mas contam já com segundo sentido de serviço, que não é o sentido dos contos de fada.
Ela contava muitas histórias. E contava muito bem. Formava chusmas de criança em torno dela. Ela contava as coisas pintando-as lindas, por exemplo, contos de fada, etc… Mas em nenhum momento vinha uma coisa que estimulava a criança a idéia de se meter dentro do conto de fada e de levar aquela vida. Aquilo se passava numa atmosfera mítica que a criança assistia de fora como assistente, encantada que houvesse aquilo. Mas não é nem um pouco como um brinquedo que vi aparecer depois: ─ não é do meu tempo ─ “Alice no país das maravilhas”, que é uma menina que vai por um caminho de não sei o quê e encontra uma muralha, mas a muralha é de uma geléia maravilhosa, ela come. Depois ela tem que passar um rio, mas o rio é de um perfume maravilhoso e ela entra naquilo. Depois do lado de fora sopra uma brisa deliciosa, seca Alice e ela continua o caminho e lá vai assim, uma espécie de jogo de caracol de capítulo a capítulo e vai até o fim.
(…)
…o gozo pessoal não entrava, entrava o deleite de ver a felicidade dos outros. Ela formava assim.
(Sr. Poli: O senhor não focalizou…)
Não focalizei o quê?
(…)
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1 ) Sanduíche.
2 ) Até certo ponto.
3 ) N. Rev.: Nessa época o Sr. Dr. Plinio baseava-se no que o então "teólogo" Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira dizia.
Posteriormente, após esclarecimento com o grande teólogo dominicano espanhol, de fama mundial, Padre Victorino Rodríguez O. P., ficou-se sabendo que São Tomás afirmava que tanto a alma quanto o corpo são criadas de maneira desiguais.