Conversa
da noite – 23/5/1980 – 6ª feira – p.
Conversa da noite (EANS) — 23/5/1980 — 6ª feira
A diferença que há entre um cooperador da TFP de antes e de depois da “São Bentização” * A “São Bentização” leva a acentuar em nós aquilo que nos separa do mundo revolucionário * O contraste chocante que há entre a graça da “São Bentização” e a “Bagarre” Azul * Segundo a mentalidade “Bagarre” Azul a posição heróica é uma bobagem que tira à vida o seu prazer * Essa alegria de lutar por ideal é absolutamente o contrário da mentalidade “Bagarre” Azul * Gênio é o homem que tem grandes vôos * Eu como fundador sou para os senhores o ponto de mira; compete a cada um de nós estar à altura daquilo que foi chamado * É tal a perfeição insondável de Nossa Senhora que creio que nem os serafins conseguem abarcá-La * Mesmo entre os santos existem diferenças monumentais; Ex.: Santo Agostinho e São Jerônimo* A união temperamental e a união de almas que existia entre São João Batista e seus discípulos
* A diferença que há entre um cooperador da TFP de antes e de depois da “São Bentização”
(Sr. J. del Campo: Surto de graças enorme no Grupo. Para onde rumam essas graças? Algo na linha do discipulato perfeito?)
(…)
…seria apogeu no qual ela chegaria. Esse apogeu, naturalmente, é o discipulado perfeito, a graça inteira é o discipulato perfeito. Depois uma etapa onde há o que subir, porque enquanto o homem está vivo, ele tem que subir. O Evangelho diz do Menino Jesus que Ele crescia em graça e santidade, o que mais dizer?
A pergunta se tornaria mais precisa se a gente a fizesse da seguinte maneira: pode-se já prever como seria o discípulo perfeito à vista dessas graças?
Assim configurada, a pergunta parece-me rumar na seguinte direção: comparem um cooperador da TFP antes das graças da “São Bentização” e comparem-nos posteriormente às graças da “São Bentização”, encontra-se alguma diferença? Encontra.
Trata-se de definir essa diferença para a gente compreender que aquilo que mudou está no rumo daquilo que vai ser. Aquilo que não mudou, que ficou parado, de duas uma: ou se incorpora ao que mudou como um elemento harmônico, uma tradição que continua ou, é uma coisa que precisa cessar, é evidente.
* A “São Bentização” leva a acentuar em nós aquilo que nos separa do mundo revolucionário
Agora, o que é que mudou?
Primeiro, precisamos precisar aí o que quer dizer a palavra mudou. O que acresceu? Comparado um membro do Grupo de antes da “São Bentização” com um rapaz de fora, não do Grupo, o membro do Grupo é muito mais sério, muito mais puro, à primeira vista, desde logo com Fé; e muito mais puro. Não é muito mais puro, é puro! Fora do Grupo, salvo casos que não conheço, é-se impuro! O rapaz é muito mais sério, muito mais refletido, muito mais conseqüente, muito mais digno do que os que estão fora. Ora, a “São Bentização” leva a acentuar aquilo que nos torna diferentes dos que estão fora: mais seriedade, mais dignidade, mais ponderação, mais continuidade em tudo o que faz, mais reflexão. É nesse sentido que fala a “São Bentização”.
Quer dizer, comparado cada um dos senhores antes de “São Bentizar” com o que é depois de “São Bentizados”, houve um acréscimo nessa linha. Estou empregando um vocabulário com todo cuidado, não estou dizendo que chegou nessa linha ao discipulato perfeito. Quer dizer, em termos mais precisos, não quero dizer que não haja defeitos a corrigir ou não haja virtudes a acrescer, mas estou dizendo que houve uma expressiva mudança nessa direção.
Essa mudança expressiva indica a necessidade de mais aprofundamento ainda nessa linha, é evidente.
* Nas cerimônias a gente tem a impressão que é o futuro que desfila diante de nós
(Sr. João Clá: Precisa compreender mais “São Bento”.)
Então, a gente entende para onde caminha essa graça e qual é o discipulato perfeito. Bem, isso se nota especialmente nas cerimônias, porque as cerimônias são ajudadas por uma certa graça em que aparece no eremita mais o que ele quer ser do que ele é. A gente tem a impressão do futuro que desfila diante de nós. Um futuro que, graças a Deus, já começou a ser, mas que não é inteiramente o que quer. Há uma espécie de alto-falante da magnificência no desfile, em que as almas exprimem por inteiro um ideal para o qual tendem, mas que ainda não atingiram inteiramente. Então, ali está o futuro expresso.
Quer dizer, se eu visse um rapaz que tem inteiramente e até o fundo de sua alma o espírito que ressalta na cerimônia, eu diria que este rapaz está há uma pequena distância de ser discípulo perfeito. Mas, a palavra “inteiramente”, é um advérbio exigente, porque a alma humana, a alma de qualquer um é muito vasta e tem sobretudo grotas e barrocas numerosas. Então, para encher isto não é fácil, mas é nesta linha que caminha. E com isso estaria respondida a pergunta.
* Na cerimônia a pessoa é iluminada por uma graça especial por onde a pessoa é chamada a ter uma maior maturidade, maior interiorização
Eu queria, com enorme afeto, acrescentar algo que não me foi perguntado, mas que eu digo. O modo curioso que me parece ter essa graça é que ela atinge as almas vivamente, mas pedindo da alma que ela atinja um esforço de interiorização, de maneira que a graça impressiona muito, a graça ilumina muito, mas pede que aquele que a recebe a deseje, reflita sobre ela, se torne ainda mais maduro no compreender o significado dela. E com isso, a interiorize completamente em si.
Não sei se estas palavras estão claras ou não, sobretudo, para os castelhanos se estão claras essas palavras ou não?
E é isto que devemos pedir a Nossa Senhora que acrescente às graças já dispensadas. Quer dizer, trata-se então de explicitar essas graças, de refletir sobre elas e de as tornar objeto de um entusiasmo sempre mais ardente, mas de um ato de vontade também mais ponderado, sempre mais ponderado, sempre mais profundo. Aí a gente se dá à graça inteiramente.
* O contraste chocante que há entre a graça da “São Bentização” e a “Bagarre” Azul
(Sr. R. D.: No que reside essa pequena distância do discipulato perfeito?)
Eu julgaria que é um certo resplendor a acrescentar a mais que no momento oportuno se verá como é.
Então eu perguntaria: qual é a reflexão que se deve fazer sobre esta graça? Não sei se está claro a seqüência do tema.
A reflexão é a seguinte: há um contraste chocante entre os eremitas do São Bento, do Pilar, de Jasna Gora, Eremos Itinerantes que desfilam e ─ e é o extremo oposto ─ a Bagarre Azul, a mentalidade da Bagarre Azul. Aqui há um contraste no modo de conceber o que é a vida, o que é a vida terrena.
Daí decorre também um contraste em conceber a vida celeste. Mas esse contraste, por mais importante que seja, não está tão imediatamente na ordem das transformações e das cogitações quanto o contraste no modo de conceber a vida terrena.
* O modo de conceber a vida segundo a “Bagarre” Azul
O modo Bagarre Azul, do Católico Bagarre Azul, do Católico “nhonhô” conceber a vida terrena é o seguinte: a vida terrena, para usar uma expressão de um francês “nhonhô”, a vida terrena é “como um excelente charuto, trata-se de fumá-lo até o fim, até o momento em que começa queimar os lábios”. Então também, a vida terrena corre normal e bem quando ela é ─ primeira tese ─ quando ela consiste numa série de deleites.
Segunda tese: é normal que para o comum das pessoas a vida terrena corra normalmente, então, para o comum das pessoas é provável que a vida terrena seja agradável. E nós temos que nos preparar para gozar a vida que provavelmente será boa.
Terceira tese: se a gente prepara o espírito para as coisas não gostosas da vida ou seja, para toda e qualquer forma de sofrimento, de risco ou de esforço, então, se a gente se prepara para isto, como que traz azar.
* Segundo a mentalidade “Bagarre” Azul a posição heróica é uma bobagem que tira à vida o seu prazer
E para evitar o azar é preciso não se preparar. Depois a gente dá um jeitinho. O verdadeiro não é aprender a arte de enfrentar o infortúnio, o verdadeiro é aprender a arte de fugir dele ou de não senti-lo caso ele venha. E por causa disso vamos viver alegres. Essa é a mentalidade Bagarre Azul.
Agora, viver alegre ─ é mais um ponto da mentalidade Bagarre Azul ─ significa não tomar nada à sério: rir, rir, rir, até não mais poder de rir. E quando não há razão para rir às gargalhadas, convém rir na medida em que a gente, [se distrai convém], sorrir, convém gracejar ou convém ao menos estar despreocupado. A posição grave é a posição errada diante da vida. A posição heróica é uma bobagem, porque o verdadeiro da vida é não ser heróico, a posição dura é um inconveniente que tira à vida o seu prazer. Enfim, a vida não é luta, a vida é gozo!
E o Céu?
Bom, aqui é outro jeitinho, a gente trata de ter umas devoções por onde a gente pode pecar, mas na última hora o anzol da misericórdia nos salva. Ou a gente trata de não pecar, se a gente desconfia que o anzol da misericórdia seja uma ilusão, e a gente possa não ser salvo quando abusa da graça, quando peca contra o Espírito Santo. E por causa disso, a gente não pensa, a gente não peca. Mas tudo aquilo que não for pecado é para tocar de violão, porque a vida é essa. Essa é a idéia.
Bom, o que está nos rapazes desfilando… bom esqueci uma coisa. Por causa disso, a ascese nunca, nenhuma! E reflexão, o menos possível. Imaginar é gostoso, pensar é penoso, isto é intrínseco à Bagarre Azul absolutamente.
* Essa vida foi feita para a pessoa ter um gáudio heróico que consiste em ter um ideal
Agora, os senhores desfilando aí. A vida de fato foi feita para um gáudio. Esse gáudio, entretanto, é um gáudio que passa pela dor, existe durante a dor e se alimenta da dor. Esse gáudio é, portanto, um gáudio heróico, esse gáudio consiste em ter um ideal que dê à vida a razão de viver. Esse ideal não é apenas o Céu, mas é, tanto quanto possível, “celestificar” a vida terrena, agir nesta Terra de maneira a esta vida terrena ficar parecida com a vida celeste, esta é a idéia.
Então, fazer da Terra um lugar, não um lugar de “rega-bofes” como querem os “nhonhôs”, mas uma outra coisa, fazer da vida terrena algo parecido com a santidade triunfal e gladífera existente no Céu, com o Inferno eternamente gemendo na presença da superabundância dos deleites espirituais e até físicos que terão os bem-aventurados no Céu, mas tudo orientado a Deus. E tudo servindo à meditação e à visão beatífica eterna.
* Quem batalha por um ideal, entra dentro dele como um pássaro que entraria dentro do sol
Daí a idéia de que as coisas na vida devem ser tocadas como uma luta e, enfrentar todas as agruras desta luta é penetrar nesse paraíso. Porque quem batalha por um ideal, por assim dizer, entra no ideal e faz, mais ou menos, como um pássaro que entrasse dentro do sol. Mas um sol deleitável, um sol onde ele encontrasse toda sua felicidade.
* Na cerimônia o cortejo dá a impressão que não veio da capela, mas que está descendo do Céu
Assim, cada passo dado a mais dentro do ideal no sacrifício do ideal é uma ascensão dentro do sol. Está é a metáfora que convém, é adequada à realidade. E por causa disso, os senhores não assistiram a cena, mas eu assisti, quando [se?] o cortejo chega, sobretudo quando chega com toda pompa, precedendo a Sagrada Imagem, com o turíbulo, com o pálio, etc., etc., a gente tem a impressão de que ele não veio da capela, mas está descendo de uma nuvem. Nuvem [que] baixou e de dentro dela saiu o cortejo. E o incenso que sai do turíbulo, o fumo do incenso que sai do turíbulo são pedaços de nuvem que estão continuando a se evaporar, são flocos de nuvem que estão continuando a se evaporar.
Quando o cortejo se retira cantando “Ó Roma Eterna”, ou o “Deus ultor affulge”, a gente tem a impressão, pelo contrário, que vai voltando para o Céu de novo, mas que vai caminhando rumo ao ideal, ideal, ideal, dentro da luta e na dor. Aquela marcha é uma marcha reforçada, difícil, sacrificada, mas desembaraçada, resolvida e feita na alegria.
* Essa alegria de lutar por ideal é absolutamente o contrário da mentalidade “Bagarre” Azul
Donde vem essa alegria?
Da sensação de estar penetrando no ideal, estar penetrando no sol, de… [inaudível] dentro dele. A gente tem a impressão de que, quando acabam as últimas notas do “Deus ultor” ou do “Roma Eterna”, a gente tem a impressão de que já é de dentro do sol que o som está partindo. É assim que eu vejo esta alegria.
Os senhores compreendem que isso é absolutamente o contrário da Bagarre Azul e é o ponto onde as nossas almas têm que crescer. Aí vem a reflexão não “ploc-ploc”. E,vamos dizer uma palavrinha sobre a reflexão não “ploc-ploc”.
* A mediocridade do “ploc-ploc”
O que distingue a reflexão “ploc-ploc” da reflexão não “ploc-ploc”?
A reflexão “ploc-ploc” diz o seguinte: “Aqui está uma coisa, tenho curiosidade de conhecê-la, vou estudá-la”.
A reflexão não “ploc-ploc” diz uma outra coisa: “Aqui está uma coisa e eu, nela, já discerni algo de admirável ou de execrável. Eu vou à procura deste admirável e deste execrável.”
E eu tenho certeza que só este segundo tipo de reflexão que conduz a inteligência aos seus próprios píncaros.
O “ploc-ploc” é um medíocre, porque eu tenho certeza de que todos os grandes sábios admiraram o que procuraram e, depois encontraram o que procuraram. Eles discerniram, admiraram e depois procuraram. Então encontraram.
* Um homem só pertence a um tema e um tema só pertence a um homem, quando o homem encontrou nesse tema a admiração de sua vida
Isso mesmo em matérias que apenas indiretamente digam respeito à ordem sobrenatural. Toda matéria, ao menos como analogia, dizem respeito à ordem sobrenatural, mas mesmo nas matérias mais distantes da ordem sobrenatural isto é assim.
Ainda há pouco eu li uma coisa de um cientista que falava de uma coisa fisicamente horrenda. Dizia: “Comecei pesquisar e tomei-me de admiração, que maravilha tal coisa!”.
E realmente ele, naquele horror, ele tinha discernido algo de admirável. E há. Porque em tudo há uma imagem e semelhança de Deus. Portanto mesmo no horror, tem uma ratio [admiritatis?] se se pudesse dizer em latim macarrônico, uma razão de ser, um título para admirar. E um homem só pertence a um tema e um tema só pertence a um homem quando o homem encontrou nesse tema a admiração de sua vida.
Alguém dirá: “Mas o papel da imparcialidade qual é?”. Eu digo: “O papel da imparcialidade está antes do indivíduo ter começado a admirar”. Se ele era um espírito reto, ele estava em posição de admirar aquilo que apareceu; apareceu, ele admirou. Nisto ele foi imparcial, porque imparcial consiste em fazer justiça. Se apareceu o admirável, ele admirou, fez justiça. Ou dois mais dois é igual a noventa e três, não entendo outra saída.
Agora, o “ploc-ploc” não, ele diz: “Estou curioso, como será isso? Que charadinha, não é? Depois como me reputarei um colosso e ficarei encantado comigo se eu descobrir isso”.
* Gênio é o homem que tem grandes vôos
O homem que começa a estudar para se sentir genial, não tem gênio. Se algum de nós tem a tentação para estudar para sentir genial, eu desde logo digo: “Meu caro, desista, você não tem gênio. Ou se tem perderá, porque o gênio nunca vai à procura de si mesmo, ele vai à procura de alguma coisa que está fora de si. O medíocre é que fica em si”.
Nesse ponto, o homem é na vida mais ou menos como um navegador. Imaginem dois navegadores que estão dentro de uma baía, vamos dizer, por exemplo, a baía de Guanabara. “Linda baía, tenho desejos de explorar essa baía inteira, dirá um, nela nasci, nela quero morrer, ela é linda, vou começar a viajar”.
Um outro dirá: “Eu não, eu tenho vontade de ir no nosso barquinho até a Indochina combater o comunismo”.
Qual dos dois é medíocre? É o que quer ficar mais perto. Quer ficar perto o homem que tem como objetivo de sua viagem conhecer-se a si próprio, conhecer sua própria genialidade. Ele fica longe se ele quer ir para o campo de batalha, do ideal, das grandes investigações, nisso ele se revela gênio. Gênio é o homem que tem grandes vôos. O vôo de quem fica no galinheiro não é o vôo de águia.
Não sei se está claro?
* Quando aparece uma graça a propósito de uma coisa natural, essa graça favorece ver algo de natural afim com ela que essa coisa tem também
(Sr. João Clá: Todo o ambiente de Amparo tem uma impregnação diferente do que antes das cerimônias…)
É bem verdade.
(Sr. João Clá: Algo que está mais correlacionado com o futuro do que com o passado. Então é uma impregnação de ambiente posto pelas pessoas, pelas cerimônias. O que [é] essa impregnação?)
Tudo quanto existe é possível de uma interpretação mais ou menos profunda. Neste sentido, a gente poderia dizer que cada fio de grama é passível do que hoje se chama uma leitura, como se fosse um texto, de tal maneira, qualquer coisa insignificante da natureza, por exemplo, a mosca é passível de uma leitura. E individualmente a mosca é passível de ser lida por um determinado aspecto.
Acontece que muitas vezes, quando aparece uma graça a propósito de uma coisa natural, essa graça favorece ver algo de natural afim com ela que essa coisa tem também. Bom, então se eu visse, por exemplo, uma fisionomia de Santa Teresa durante um êxtase, em que me parecesse ver Deus nela, depois de ter cessado o êxtase, eu seria capaz de ver na realidade física do rosto dela, alguns aspectos relacionados com o êxtase que eu não tinha visto antes. E por uma associação de imagem eu me lembro do próprio êxtase, dela em êxtase.
Então, há duas coisas, eu vejo naquilo o que se relaciona com o êxtase e [o que] esta relação desperta em mim, por sua vez, uma associação de imagem. Ambas as coisas são novas em relação a Santa Teresa que eu teria visto antes do êxtase.
* O espírito humano gosta às vezes de formular as coisas de um modo meio ousado e meio sintético
Eu estava pensando nisso porque bem perto de mim havia um refletor e, quando os eremitas iam caminhando para a capela, na retirada, eu mandei mudar minha posição da cadeira e o refletor, vi que caia sobre um cipreste de lo último, uma árvorezinha dessa qualquer, ─ em botânica sou nulo ─ e eu percebia o cipreste e depois uma ligeira neblina que havia hoje, tudo possantemente iluminado pelo refletor, de maneira a parecer quase irreal dentro da atmosfera toda. E ao fundo os eremitas que passavam.
[Vira a fita.]
Às vezes o espírito humano gosta de formular as coisas de um modo meio ousado e meio sintético assim, meio a jogo de palavras. No momento me dá uma vontade legítima de exprimir a coisa assim.
* Através de um ponto de mira Nossa Senhora nos comunica a semelhança que Ela quer que conheçamos, que nós veneremos
Quando se diz que as coisas não seriam nada sem o mirante, sem o ponto de mira, é preciso fazer uma distinção. As coisas não seriam nada sem o ponto de mira, é verdade. As coisas não seriam nada se o ponto de mira não remetesse para algo que não é ele.
Agora, desaparecendo o ponto de mira, aquilo que não é ele, continua, é inegável. Então, o ponto de mira pode desaparecer, mas aquilo para o que ele remete não desaparece nunca e não abandona nunca, a não ser quem tenha abandonado o ponto de mira.
Quer dizer, se Nossa Senhora nos deu alguém a quem, mirando, nós podemos considerar melhor a Ela, nós rejeitamos esse alguém, nós não temos o direito de dizer a Ela: “Agora mande outrem que eu escolhi e que me dê Vós a imagem que eu quero”. Porque Ela comunica d’Ela a semelhança que Ela quer que conheçamos, que nós veneremos. É nós substituirmos a Ela nos planos d’Ela.
* Nossa Senhora não nos abandona, Ela sempre dá um jeito de a gente se aproximar d’Ela
Mas se por uma razão qualquer, independente da culpa de cada um, o ponto de mira desaparece, Nossa Senhora não abandona quem não a abandonou, Ela não pode abandonar, Ela, de qualquer maneira, recompõe aquilo que cessou de ser. Assim mesmo com uma ressalva, Ela não abandona porque Ela sempre dá um outro modo de a pessoa poder se aproximar d’Ela, mas se Ela deu aos homens um ponto de mira ótimo e o ponto de mira, por sua culpa própria, deixa de ser ótimo, Ela pode dar aos outros um ponto de mira muito menos bom. E com isto, muitos se perderem, por culpa própria porque ainda poderiam se salvar com um ponto de mira menos bom, mas não tiveram superabundância. É o caso terrível de Salomão.
* Com o pecado de Salomão, Deus permitiu que o povo judeu fosse governado por reis muito mais “pocas”
Ainda agora à noite, uma pessoa que estava comigo no palanque, lembrava ─ quando eu falei de entrar dentro das nuvens ─ o fato de Salomão, no período em que ainda era santo, estando no Templo, penetrou uma nuvem de tal majestade no local que ninguém ousou falar nem mover-se de lá. Todos sacerdotes pararam e aquilo ficou imóvel. Era o espírito de Deus que penetrava no Templo. Evidentemente aquela nuvem era atraída pela santidade de Salomão, que no tempo em que ele era bom, era uma prefigura de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não se pode ter glória maior do que ser prefigura de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Bom, quando ele pecou, os judeus não tiveram culpa do pecado dele, mas tiveram que contar com meios muito mais “pocas”, ou melhor, com reis muito mais “pocas”, porque não eram aquele esplendor de Salomão.
Aqui fica dado em todos seus aspectos a doutrina do ponto de mira. Por que dou?
Porque, para os senhores, pelo fato de eu ser o fundador, o ponto de mira sou eu.
Mas o modo dos outros me mirarem e dos senhores serem meus filhos…
(…)
(Sr. Zayas: O senhor pode repetir?)
* Eu como fundador sou para os senhores o ponto de mira; compete a cada um de nós estar à altura daquilo que foi chamado
Para os senhores, como sou fundador, o ponto de mira sou eu. Mas a TFP é, no seu conjunto, um ponto de mira que seria mais ou menos um farol, dentro do qual eu sou a lanterna, digamos assim. Se fosse dado a um farol minguar de tamanho, se o farol diminuísse de tamanho, ele seria visto menos longe. A culpa não era da lanterna, a culpa era do farol.
Então, é onde eu quero chegar, compete a cada um de nós, não só não imaginar, mas é ter toda a altura que foi chamado. E para isso essas cerimônias são incomparáveis, porque isso é um apelo das alturas. A gente marcha no píncaro de montanhas ideais perto da quais todo alpinismo não é nada, e o Everest é um formigueiro, é claro.
Quantos eram os senhores desfilando hoje à noite?
Cento e poucas pessoas. Imaginem fotografias do “Readers Digest” publicando fotografias de cento e quarenta alpinistas que começam subir o Everest, com aquelas [chespas??], aquelas coisas, o que é isso?
Se ele publicar a fotografia dos senhores desfilando, mandam uma martelada que ocasiona a demissão do diretor e um escândalo dentro da revista. Por quê? Porque diz outríssima coisa que o Everest não diz.
Os senhores devem compreender essa missão que os senhores têm. Amar essa missão e procurar crescer em função da missão. Não sei se fui claro.
* É tal a perfeição insondável de Nossa Senhora que creio que nem os serafins conseguem abarcá-la
(Sr. R. D.: …tal maneira o senhor manifesta tudo sobre Nossa Senhora, que a recusa do senhor não é a recusa de ponto de mira, é recusa de Nossa Senhora imediatamente. No nosso caso é.)
Notem bem. Precisando ─ não estou desestimulando, estou catalisando. Uma água que é colhida, vamos dizer num rio enorme, e posta dentro de um encanamento, ela tem a sensação de que ela está sendo confiscada e chupada pelas trevas, objeto de uma violência. Ela não sabe que na ponta do cano está o chafariz e que ela vai ser lançada para o mais alto dos ares.
Assim também, essas tubulações em que eu canalizo nosso entusiasmo, parecem tubulações obscuras, privadas de beleza. Na ponta tem a força de um golpe de água maravilhoso.
Então, não me levem a mal se eu os puxo para as canalizações, etc., etc. Nossa Senhora sendo insondável e incomensurável, não há vista humana capaz de abarcá-la nem vista angélica. Eu creio que nem os serafins abarcam Nossa Senhora inteira, sendo Ela embora inferior a eles, por natureza. Mas é a glória da graça tal, que não conseguem abarcar.
Por causa disso, o todo d’Ela, pode-se dizer de algum modo; ─ os teólogos dizem a respeito de Deus no Céu ─ Deus é conhecido no Céu, pelos bem-aventurados [totus sed non totaliter?], Ele é conhecido no seu todo, se bem que não totalmente, quer dizer, em cada um dos elementos que o constituem. Isso é insondável, nenhuma inteligência pode abarcar. Isso é o [totus sed non totaliter?]. Nossa Senhora também é cognoscível [tota sed non totaliter?], e é cognoscível por cada um de nós segundo o aspecto que nós fomos criados para conhecer.
* Trata-se de cada um não recusar aquilo que Nossa Senhora quis que ele visse
Então, cada um de nós, todos temos limitações para vê-La porque não estamos à altura, mas as limitações variam de indivíduo para indivíduo e são enormes, quer dizer, reduzem a um ângulo de visão quase de fundo de agulhas para uns e é de outro lado um panorama aberto para outros.
E os que são do fundo da agulha recebem do de panorama aberto a narração de como Ela é. Então, pelo ofício do amor fraterno os mais altos conhecimentos filtram para os menores. Esse é o reino de Nossa Senhora nas almas.
Agora, trata-se para cada um de não recusar aquilo que Nossa Senhora quis que ele visse. Ele não pode fazer um plano turístico de conhecer Nossa Senhora no que lhe dá na telha, ele tem que conhecer no que Ela planejou que ele visse. O resto é curiosidade “ploc-ploc”, não é admiração pelo ideal.
* Nossa Senhora sempre nos dá um mirante para que possamos conhecê-La melhor
Em geral, Ela manda ao indivíduo um mirante por onde ele conhece a Ela como deve. Ela pode substituir em caso de catástrofe, o grande mirante por um mirante menor, mas o mirante Ela sempre dá. Ainda que seja a vida de um santo no passado, Ela ilumina de graças, mas Ela dá.
Mas o que não é possível é rejeitar qualquer mirante. E vocações muito determinadas, a rejeição de um mirante, pode ser a rejeição de todo e qualquer mirante. Por exemplo: o moço rico do Evangelho, recusou Nosso Senhor. Catarina Emmerick conta que ele estava no meio dos que apedrejavam Nosso Senhor no alto do Calvário. Quer dizer, não teve outro mirante. Pode acontecer.
Isso é doutrina, as aplicações aos fatos concretos, os senhores farão, à guisa dos senhores.
* No florescimento da TFP francesa está a salvação da França
(Sr. R. D.: Tendo nós a fidelidade total ao senhor, recusando-nos, recusam também ao senhor e a Ela.)
Estou certo de quem, ou melhor, estou certo que a Nação que recusasse a TFP seria uma Nação perdida. Não por força da mera Doutrina Católica, mas por força de uma aplicação da doutrina Católica numa situação de fato. É uma graça tão insigne, que recusada, determina uma perdição. Por exemplo: o florescimento da TFP francesa que vai reflorescendo lentamente, mas vai, me dá uma alegria enorme, porque dá esperança que o douce pays de France não pereça.
Então, meus caros, mais uma pergunta.
* Mesmo entre os santos existem diferenças monumentais; Ex.: Santo Agostinho e São Jerônimo
(Sr. –: “Lucialização” dos temperamentos dentro da TFP.)
Pode haver de tudo em tese. São Paulo diz a respeito dos santos que uma estrela é diferente da outra, portanto, um santo é diferente do outro também. Nós encontramos de fato, entre os santos, diferenças fenomenais. Os senhores sabem, por exemplo, que Santo Agostinho teve com São Jerônimo uma encrenca séria, dois padres, santos, doutores da Igreja, não se sabe qual é o maior, mas São Jerônimo era muito gladífero e combativo e Santo Agostinho era muito contemplativo.
Então, uma ocasião Santo Agostinho escreveu uma coisa com a qual São Jerônimo não estava de acordo e mandou uma carta para Santo Agostinho, mas aquelas cartas eram uma espécie de cartas públicas que o sujeito mandava e distribuía a todos amigos o texto da carta que tinha mandado, ficava uma espécie assim de vago precursor da imprensa. A carta tinha o vago efeito de um artigo de jornal, é natural, são as condições da humanidade em todas as épocas.
E São Jerônimo deu a conhecer a carta dele a muita gente, porque tinha correspondência muito grande. Devemos tomar em conta, papiros enormes, ou então em folhas de certas plantas que oferecem assim folhas grandes, por exemplo, a bananeira, então o sujeito escrevia na bananeira e depois deixava secar e aquilo ficava escrito e mandava num pacote, por correios os mais incertos, quase tão incertos quanto o correio brasileiro.
Bem, a carta chegou a Santo Agostinho. Chegava à conclusão a carta, que se a gente tirasse todas as conseqüências do que Santo Agostinho dissera, ele estaria fora da doutrina Católica, portanto, vituperava. Então, Santo Agostinho escreveu uma carta muito amável, muito graciosa para ele, dizendo que por muito menos daquela boa argumentação e, sobretudo, com muito menos do que aquelas ameaças, ele de bom grado se entregaria à dialética, à lógica do grande Jerônimo e que por causa disso não havia razão para São Jerônimo se indignar tanto com ele, que mandava entregar os pontos, era mesmo, ele tinha razão. Era uma carta humilde, mas gracejando um pouquinho. A gente vê os dois temperamentos diferentes, de dois santos que estão na mais alta glória do Céu.
* A união temperamental e a união de almas que existia entre São João Batista e seus discípulos
Mas há outras vocações que fazem com que haja uma espécie de união temperamental. Até lá chega a união de alma, por exemplo, dos Essênios, São João Batista. Os discípulos de São João Batista deveriam ter até um feitio temperamental à maneira de São João Batista, de maneira tal, que todo espírito de São João Batista, espírito de Elias penetrasse neles. Eliseu ficou com o espírito de Elias, portanto, com o modo de ser e temperamento de Elias, pelo menos em muitos pontos essenciais.
Então, trata-se de tomar meu temperamento?
Sim, em termos, trata-se de ter em mim o que aparece na cerimônia, na qual eu me sinto inteiramente interpretado. O resto são peculiaridades individuais. Sim ou não, neste ou naquele, pode-se olhar ou não olhar. O essencial está ali.
Agora tem o lado perigoso…
(…)
* Os filhos das trevas chegaram a uma tal arrogância e irredutibilidade que a “Bagarre” se tornou necessária
(Sr. –: Dado que o temperamento dela é tão propício a ser contemplativo, deve ser integrado a nosso temperamento?)
Integrados no temperamento da TFP.
O que quer dizer isso? É ser inteiramente com ela os filhos da luz, portanto, entre nós uns com os outros, como ela. Com os filhos das trevas que chegaram a uma arrogância e a uma irredutibilidade tal, que a Bagarre se tornou uma necessidade, aí é impossível usar as táticas, tomar a posição de alma que ela tomava. Exceto um ou outro que apareça conversível, porque é fazermos o papel de bobos.
O senhor dirá: como ela era assim?
Os filhos das trevas, no tempo dela, ainda tinham restos de luz. Ela viveu no crepúsculo. Nós vivemos na noite que nada mais tem resto de luz.
Meus caros, a hora vai adiantada e com certeza os senhores querem dormir. Nós temos que nos levantar cedo para continuarmos o trabalho, temos que ler o jornal, temos telefonemas, tudo isso temos que fazer antes do trabalho. De maneira que é natural que queiramos ir dormir.
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