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Reunião do MNF — 2.12.69 — Página
IHS
Advertência
Tipo de reunião: Reunião do MNF
Data da reunião: 2.12.69
Local da reunião:
Este texto é anotação integral do que disse Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, tendo sido feita por [...]. Redatilografado do microfilme pela Comissão Plinio Corrêa de Oliveira, foi conferido com o original por Luís Alexandre de Souza em 1995/1996. Houve apenas correção de ortografia, pontuação e gramática. As palavras entre colchetes [...] foram introduzidas para melhor entender-se o texto. No lugar das palavras ininteligíveis ou espaços em branco na anotação original, foi colocado sinal de reticências.
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Reunião do MNF — 2.12.69 — Terça-feira
Os três níveis de compreensão e amor aplicados aos homens: noção de reinar e governar * O problema da nobreza nascida na paz e da nobreza nascida da guerra
(Dr. Adolpho: Estamos estudando a problemática dos anjos.
Vimos que um dos modos de classificar os seres, aliás, o modo de classificar os seres, é de acordo com a capacidade de conhecimento deles. Ora, se a capacidade de conhecimento deles varia, quer dizer, que cada um deles vê a realidade em profundidades diferentes. Portanto, poderíamos deslocar o problema para o estudo das próprias realidades; de que modo as realidades podem ser conhecidas melhor e mais profundamente.
Esse conhecimento serviria de base para o conhecimento, ou estudo, da classificação dos seres. Ora, existe dois modos de se contemplar as realidades: um deles, enquanto vemos que os vários seres executam determinado fim para o qual foram criados. Observa-se qual o movimento deles, para onde tendem, qual sua obrigação, sua moral, etc. Outra vertente do problema é verificar de que modo essas realidades, pela sua natureza, isto é, independente da atividade delas, se assemelham a Deus.
Essa semelhança com Deus se dá em parte por semelhança, em parte por vocações simbólilcas. Ora, essas duas maneiras de observar a realidade, ou seja, enquanto ação e enquanto valor simbólico, são duas categorias diferentes que poderíamos ver se correspondem a duas profundidades diferentes.
* Os graus de compreensão e de amor
Vemos que o primeiro coro dos anjos, o mais alto, compreende as razões das coisas criadas em Deus; o segundo côro compreende nas causas universais e o terceiro côro compreende segundo a determinação dos efeitos particulares. Se fizermos abstração da hierarquia dos anjos, para estabelecer uma hierarquia da compreensão, vemos que a compreensão mais profunda das coisas pode ser em Deus, ou nas causas universais, ou nos efeitos particulares.
Assim, há um problema de conhecimento, como há um problema de amor. Há três graus de conhecimento, como há três graus de amor do conhecimento das mesmas coisas. Seria uma coisa errada ver as coisas assim: compreender Deus é mais do que compreender as causas universais etc. O objeto do conhecimento é sempre o mesmo, é o conhecimento das coisas criadas.
E a elevação maior está no ponto de referência em que a pessoa se situa para compreender a coisa. Quanto mais alto é o ponto de referência, tanto mais profundo é o conhecimento da própria coisa. Santo Tomás fala, quando trata dessa questão, mais do conhecimento do fim das coisas. Mas compreende-se muito mais esse trecho de Santo Tomás, quando se vê que, de fato, não se trata apenas do conhecimento do fim das coisas, mas do conhecimento das coisas nas suas causas e nos seus fins.
Então, fica muito mais fácil perceber a conexão que existe entre a causa e o fim e depois a maior profundidade de cognição que isto cria.
* Sobre a verdadeira cultura
Daí se depreende uma teoria de cultura, que é, a meu ver, o fundamento, da doutrina católica da universidade. Há um determinado gênero de ciências, que dão a compreensão das coisas criadas em Deus; há outro gênero, que dão nas causas universais e outro, que dão nos efeitos particulares, de maneira tal que a unidade universitária e a unidade da cultura e a diversificação da cultura tem como base essa diversificação de níveis de compreensão de causas e consequências últimas.
* As três modalidades da compreensão em face dos fenômenos da câmara obscura
Uma outra coisa importante é que o mais importante, propriamente, seria estudar aqui as três modalidades da compreensão em função da idéia abstrata de compreensão; no que é que a primeira compreensão, sendo uma compreensão inteiramente, se diversifica da segunda e no que é que a segunda e a primeira se diversificam da terceira, enquanto compreensões. Quais são as três espécies desse gênero “compreensão”, não só para determinação das vertentes de espírito, mas por uma coisa mais profunda, que é a compreensão em si, com vistas aos fenômenos de câmara obscura, são quase todos eles de compreensão em Deus e que também o amor, na câmara obscura é, sobretudo, o amor em Deus.
Há uma coisa no espírito humano, que é a seguinte: quanto mais uma coisa é elevada, tanto mais é profunda; quanto mais é profunda, mais o olhar custa a percebê-la. É essa profundidade do espírito humano que faz com que as coisas muito profundas do amor de Deus, nós mesmos não percebamos muito bem em nós, pelo fato delas serem profundas.
De onde se faz um primeiro esboço do problema todo da câmara escura, mas já por uma profundidade maior. Compreende-se, então, como pode haver amor e desamor ou, em última análise, culpa e mérito, sem que a pessoa tenha, de fato, uma conscientização inteira daquilo que ela está dizendo ou fazendo. Se há amor, há mérito, se não há amor, há culpa e não é preciso que aqui o fenômeno consciência seja tão claro.
* Sobre os três níveis de amor
Voltemos ao ponto fundamental. Estudados os três níveis de compreensão, ficamos conhecendo também os três níveis de amor e compreendemos -- ao menos por um certo lado -- como é que alguns santos são chamados para um grau de perfeição maior no céu, do que outros santos.
Não é questão só do nível de fidelidade, mas é questão do modus de amor para o qual foram chamados. Isto projeta também luz em outro problema: porque alguns são mais amados por Deus, quando outros amam mais a Deus. É que Deus destinou para coisas mais altas, para um nível mais alto de amor, o indivíduo X; entretanto, Y é mais fiel. Deus ama mais o servo fiel, no momento de lhe dar a coroa; mas Ele amou mais o servo infiel quando destinou os tronos no céu para cada um deles. Acho que essa explicação abre campo para uma porção de explicações.
* A disposição do espírito para os aspectos simbólicos
Quero fixar-me neste ponto para chegar a outra explicação. Esses vários níveis de compreensão e de amor dão-me uma doutrina da compreensão que explica um pouco a disposição do espírito em matéria de simbolismo.
Tenho propensão a achar que os espíritos muito propensos a pegar os aspectos simbólicos das coisas são, exatamente, os espíritos mais de cima, enquanto os outros, que estudam nas causas universais, são mais propensos a uma idéia de ordem e são mais os espíritos práticos, enquanto os primeiros são os espíritos místicos. Aqui, mais uma vez, aparecem vários aspectos da cultura, enquanto feita para ordenar a vida e enquanto feita para ordenar os espíritos; aparece também uma espécie de realeza especial na sociedade de almas dos espíritos místicos sobre os espíritos utilitários; e aparece uma diferenciação da sociedade de almas.
Toda sociedade de almas é feita de três coros, isto é, de três músicas: a dos místicos, a dos práticos -- num nível científico, universal -- e depois num nível executivo. Santo Tomás, propriamente aqui, não fala da visão beatífica -- porque estamos sempre voltados para a idéia da visão beatífica. Não é exatamente isto. Ele fala dos anjos quase enquanto filósofos, isto é, enquanto analisando, com toda a sua inteligência, a criação e no plano natural da natureza angélica, fazendo todos os raciocínios. Na visão beatífica, a coisa é outra, porque a visão beatífica completa, com uma iluminação especial de Deus, esta coisa.
* As relações entre a filosofia e a teologia
Aqui, mais um dado interessante para as relações entre a filosofia e a teologia. Pode-se distinguir os anjos enquanto filósofos e enquanto teólogos. Enquanto filósofos, a graça vem para completar e elevar imensamente neles a obra da aplicação natural da inteligência deles e tudo tendo um mesmo fim, que é Deus. Assim também a cultura é feita pela teologia e filosofia conjugadas, mas com o mesmo fim, que é Deus. Não há uma cultura leiga que não se volta para Deus. O fim da cultura também é Deus.
* Hierarquia da ação
(Dr. Paulo Brito: Essa classificação de Santo Tomás tem um critério determinado e que poderia portanto, determinar outras classificações. Por exemplo, quando se toma essa classificação tendo como critério a ação, pode-se dizer que as três formas matrizes -- fim, governo e execução -- valem não só para os anjos mas para todos os seres racionais existentes e mesmo os possíveis, que poderiam ser criados. Isto porque, assim também na sociedade humana, aquelas que compreendem as últimas razões das coisas segundo seu fim, pela própria natureza devem ser os supremos organizadores; aqueles que compreendem apenas nas causas universais devem estar submetidas aos primeiros; finalmente, aqueles que executam, aqueles que compreendem as coisas na determinação dos efeitos particulares e que são meros executantes do primeiro, eles são puramente burocratas.
Há outros, por outro lado, que constituem como símbolos dos vícios da sociedade e nesse sentido eles reinam para o mal. Assim como podemos dizer que no inferno existindo uma hierarquia inversa, os demônios mais categorizados na antiga hierarquia celeste compreendem melhor as últimas razões das coisas criadas em Deus, enquanto eles o odeiam.
Os coros superiores incluem as atribuições dos coros inferiores por sublimação. Por exemplo, os serafins, por superação, incluem em si as capacidades das dominações, das virtudes, das potestades, embora eles não executem as ações das dominações, virtudes e potestades. Por isso também se explica a iluminação dos coros angélicos entre si. Na sociedade humana, em virtude do pecado original e das próprias deficiências da natureza, isto não se verifica necessariamente.
Se consideramos um imperador como Carlos Magno, que foi como que perfeito, ele, de fato, inclui as capacidades de um missi dominic, de um pequeno empregado, de um pequeno fiscal de renda e de um soldado. Mas acontece que muitas vezes um rei que não tem certas qualidades administrativas, não sublime as qualidades de seus funcionários, porque ele não as possui, mas ele tem, justamente, a cúpula.
E, segundo nossas concepções, o mais importante é exercer esse papel de símbolo e governar. Mas é sempre uma posição omissa, que deu margem à deposição dos merovíngios, segundo as declarações expressas de São Zacarias, pois ele foi consultado se aqueles que apenas tinham o título continuassem a reinar, enquanto que outros -- pepinitas -- possuiam o poder executivo. São Zacarias respondeu que era mais conveniente que aqueles que possuiam o poder executivo também recebessem as honrarias e o título de rei.)
* A importância do conhecimento do Carlos Magno da lenda como elaboração da câmara obscura da alma medieval
O Paulinho falou aqui na importância de Carlos Magno. Não é muito importante saber se o Carlos Magno histórico correspondeu a isso, mas há, além do Carlos Magno histórico, o Carlos Magno da lenda, que correspondeu a isto inteiramente. Vê-se aí bem como o Carlos Magno da legenda contém toda uma teoria do rei perfeito e elaborada pelo espírito popular.
Então, compreende-se bem qual o papel da legenda e a importância histórica da legenda. Tenho a impressão de que o Carlos Magno da legenda teve mais influência na história do que o Carlos Magno da realidade. Isto entra muito no problema da câmara escura de que falávamos há pouco.
Foi a câmara escura da mente popular que elaborou o Carlos Magno da legenda para ter um meio cômodo e concreto de elaborar uma doutrina do rei perfeito. Vê-se aqui bem como trabalha a câmara obscura, como ela tem noções que ela tem dificuldade em formular em abstrado.
Então, muitas vezes ela formula em concreto, para depois acabar passando para uma espécie de abstração. Vê-se, portanto, na câmara obscura da alma medieval, a doutrina do rei cristão perfeito que se vai elaborando. E compreende-se o pecado dos homens medievais se eles não quisessem elaborar isto, como também se compreende o ato de virtude que fizeram ao elaborar isto.
Mas se compreende também em que sentido isto é pecado e em que sentido é ato de virtude, meio diferente do ato de virtude e do pecado, incluídos os três elementos do pecado, inclusive o pleno consentimento.
* A nobreza, a luz primordial e a vida militar - O problema da nobreza nascida na paz e da nobreza nascida da guerra
O Adolpho pergunta se há uma nobreza cujo estado normal é a fidalguia, que é destilada através de toda uma evolução social através de fenômenos de vida social, local, etc., em que a condição de nobre é um produto da vida civil, como é que agora ficamos colocados diante de uma condição de nobres que aparece nascida da vida de combate, de guerra; não por distilação da sociedade, mas pelo exercício de uma função inteiramente diversa.
A pergunta é se se trata de uma mesma nobreza ou de nobrezas diferentes, como o foram a noblesse d´épée e a noblesse de robe. Caso se trate de uma mesma nobreza, o que tem elas de comum
Podemos dizer que são duas retortas que produzem o mesmo líquido. É o mesmo líquido No que esse líquido é o mesmo
* A nobreza nascida na paz
O que a nobreza distilada pela vida nacional tem de próprio é que ela personifica, distila qualidades excelentes etc., mas é feita com ordem ao governar e reinar. Não só ela encaminha essa função, mas dá as qualidades necessárias ao exercício dessa função.
De onde se estabelece um desponsório do indivíduo com o bem comum, do indivíduo com a causa pública, do indivíduo com os ideais supremos de caráter já estético, ético, religioso que a causa pública já representa.
* A nobreza nascida na guerra
Por uma via diferente, que é a via militar, há um desponsório também com esses ideais e há um serviço também dos mesmos ideais; há também uma preparação para a luta no mesmo terreno. Pela porta da guerra entra-se no mesmo palácio que se entra pela porta da paz; é o traço típico, o lado fino, especial, que é o desponsório espiritual do indivíduo com a luz primordial dos bens de caráter superior, ético e estético, e um certo nível da glória de Deus. Forma-se o lado comum do nobre.
Por uma reversão, o cavaleiro procurará fazer todas as coisas de modo excelente, etc., como se fora um nobre; como o nobre que não nasceu da cavalaria procurará ser batalhador como o cavaleiro.
A. R. M.